O educador Walter Takemoto rebate Gustavo Ioschpe que escreveu artigo
no qual afirmava que aumentar salário de professor não significa melhora
na qualidade da educação.
Por Walter Takemoto na CAROS AMIGOS
O Sr. Gustavo Ioschpe em entrevista ao portal Terra no dia 27 de abril (leia aqui)
ao comentar as greves de professores em defesa do piso salarial
nacional declarou que reajustar os salários do magistério não significa
que a educação no país vai melhorar: aumentar salário de professores não
é um caminho para a melhoria da qualidade da educação, afirmou ele. O
Sr. Ioschpe, especialista e mestre em economia da educação nos EUA,
declarou ainda "É surpreendente e decepcionante que o País perca tanto
tempo com uma discussão que toda a experiência internacional e
brasileira já demonstrou ser infrutífera."
"Discuto essa questão com os professores para que compreendam a armadilha que representa para a categoria quando o movimento sindical vincula, única e exclusivamente, o baixo salário ao grave problema da qualidade da escola pública brasileira" |
Em encontros com professores eu costumo afirmar que reajustar os
salários não significa que a aprendizagem dos alunos irá melhorar
automaticamente, ou seja, se o magistério receber um reajuste de 100%
não ocorrerá um impacto imediato de 100% na aprendizagem de matemática,
ou nem mesmo de 10%. Pois, caso isso ocorresse, poderíamos concluir que
antes os alunos não aprendiam por uma decisão deliberada dos
professores, como forma de protesto pelos baixos salários. E isso seria
criminoso, por representar destruir o futuro de milhões de crianças e
adolescentes (a grande maioria pobres), que não possuem nenhuma
responsabilidade pelas decisões dos gestores e governantes.
Uma atitude desse tipo seria comparável ao médico que deixa parte dos
seus pacientes morrerem por falta de tratamento para protestar contra o
salário pago pelo SUS. Ou o engenheiro que sabota a construção do
prédio para exigir aumento de salário, e coloca em risco a vida dos
moradores.
Discuto essa questão com os professores para que compreendam a
armadilha que representa para a categoria quando o movimento sindical
vincula, única e exclusivamente, o baixo salário ao grave problema da
qualidade da escola pública brasileira. Essa vinculação é que abre
espaço para que especialistas como o Sr. Ioschpe ofereçam os argumentos
necessários para os que querem jogar sobre os salários pagos ao
magistério o mal uso dos recursos destinados à educação.
E ai aproveito para perguntar ao Sr. Ioschpe: se reajustar os
salários não vai elevar a qualidade da educação no país, mantê-los em
níveis aviltantes vai contribuir para melhorar? As experiências
educacionais internacionais que o senhor tanto estudou, comprovam que
pagar baixo salário melhora a educação mais do que pagar salários dignos
profissionalmente?
Diz, ainda, o Sr. Ioschpe na entrevista “...trabalham em uma escola
cumprindo carga horária inferior à maioria das profissões e com férias
mais longas, e ganha aquilo que é de se esperar para o seu nível de
formação e carga horária. Enquanto não superarmos esses estereótipos e
mistificações, a discussão nacional não vai pra frente. Estamos
discutindo falsos problemas".
De quais professores fala o Sr. Ioschpe? Dos que trabalham em escolas
privada consideradas de excelência, que atende parte da elite
"Quando o Sr. Ioschpe fala de carga horária, provavelmente deve estar se referindo a jornada de trabalho medida em horas e esquecendo-se de analisar o efetivo exercício do trabalho docente e os seus desdobramentos" |
brasileira, que cobram mensalidades dos seus alunos que é muito
superior ao que ganha na média o professor da escola pública, ou do
custo aluno/ano estabelecido pelo FUNDEB?
Quando o Sr. Ioschpe fala de carga horária, provavelmente deve estar
se referindo a jornada de trabalho medida em horas e esquecendo-se de
analisar o efetivo exercício do trabalho docente e os seus
desdobramentos.
Segundo o censo escolar de 2009 do MEC/INEP, o Brasil conta atualmente com 1.882.961 professores atuando na educação básica.
Do total de professores da educação básica 63,8% atuam em um único
turno, que são os que o Sr. Ioschpe diz que “atuam em uma escola e
cumprindo carga horária inferior à maioria das profissões”, argumento
que utiliza para defender que o salário pago aos docentes é compatível
com o mercado. Na grande maioria esses docentes são os professores dos
anos iniciais do ensino fundamental, contratados para uma jornada
semanal de trabalho de 20 a 25 horas semanais, o que dificulta que
possam acumular um outro contrato. São professores unidocentes ou
polivantes, ou seja, são responsáveis por alfabetizar e ensinar todos os
conteúdos curriculares para, em média, 35 crianças. São esses
professores responsáveis, em grande parte, pelo futuro escolar dessas
crianças, pois profissionalmente são responsáveis pelo complexo processo
de alfabetização e letramento dos alunos, que muitos dos chamados
especialistas em educação desconsideram quando se referem aos
professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
E se não sabe o Sr. Ioschpe é bom que passe a considerar em suas
análises futuras: alfabetizar e ensinar 35 crianças é considerar que
cada uma delas aprende em um processo e ritmo diferentes das demais, não
sendo possível parametrizar e modelar técnicas que possibilitem ensinar
todas ao mesmo tempo e do mesmo jeito, por mais que queiram impor essa
concepção determinados especialistas.
Os professores dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano)
são os professores especialistas, que em grande parte ministram uma
única disciplina. Do total de professores dessa etapa da educação básica
66,3% atuam em até 5 turmas, ou seja, são responsáveis por ensinar
para, em média, 175 alunos de escolas diferentes. E 17,8% dos
professores atuam em mais de 9 turmas, o que representa ensinar para no
mínimo 315 alunos!
"E será que o especialista em economia da educação sabe que a gestão de uma única turma significa, no cotidiano, lidar com situações diferentes a cada dia" |
Será que o Sr. Ioschpe tem noção do que significa ter sob sua
responsabilidade por volta de 250 alunos por semana? Organizar aulas,
materiais, lidar com problemas dos alunos e os próprios problemas,
improvisar diante da falta de recursos, se locomover de uma escola a
outra, conviver com os problemas sociais da comunidade que atravessam os
muros da escola e muitas vezes explodem na sala de aula, entre outros
que desafiam a resistência pessoal e profissional dos docentes?
E será que o especialista em economia da educação sabe que a gestão
de uma única turma significa, no cotidiano, lidar com situações
diferentes a cada dia, pois a complexidade das relações que se
estabelecem entre professor-aluno, aluno-aluno e os fatos sociais locais
ou não, interferem decisivamente na dinâmica das mesmas e, portanto, no
contexto da sala de aula?
Não quero aqui ser leviano e comparar o salário que é pago ao
professor com o de outros profissionais, pois correria o risco de ser
inconsequente.
Importa dizer, como apontam pesquisas internacionais que o Sr.
Ioschpe parece consultar e dar credibilidade, que o professor brasileiro
recebe um dos piores salários pagos ao magistério no mundo, inclusive
comparando com países com PIB mais baixo.
E, por outro lado, em todo o mundo governantes e pesquisadores
afirmam que a educação, principalmente a formal, é o principal recurso
do qual dispõe a humanidade para fortalecer a democracia, implementar um
modelo de desenvolvimento sustentável e mais justo socialmente, e
reduzir as diferenças existentes entre os países e povos ricos e pobres.
Fundamental
Se a educação possui essa importância global, aqui no Brasil os
governantes e os empresários dizem que o crescimento econômico
verificado nos últimos anos não se sustentará sem que ocorra a melhoria
efetiva da qualidade das escolas públicas, formando alunos que atendam
aos desafios impostos pela competitividade da globalização e do mercado.
São interesses fundamentalmente empresariais e econômicos, mas que
demonstram o quanto a educação está no centro dos interesses de todos os
setores sociais.
Se a educação é fundamental para o país, estamos falando, portanto,
dos professores das escolas públicas, aos quais o governo federal
garantiu em lei um piso salarial nacional que no inicio de 2012 deveria
ser de R$ 1.451,00 para uma jornada de 40 horas semanais e que,
infelizmente, muitos governantes não cumprem o que determina a lei.
Leis descumpridas
O que diz o Sr. Ioschpe sobre os governantes que não cumprem a lei
federal que determina o piso salarial como o menor salário a ser pago a
um professor de escola pública? Nada! Se os governos estaduais e
municipais cumprissem a lei do piso, inclusive criando planos de cargos,
carreiras e remuneração que valorizem efetivamente o profissional da
educação, não estaríamos aqui discutindo os salários aviltantes e nem os
professores precisariam recorrer à greve, que sabemos o quanto é
desgastante para o magistério e para os alunos e seus familiares.
Bastaria os governantes fazerem o mínimo: cumprir a lei federal que
instituiu o piso nacional como o menor salário a ser pago aos
professores das escolas públicas que o desejo do Sr. Ioschpe seria
atendido!
E ai poderíamos estar discutindo outras questões que estão associadas à qualidade da escola pública, como:
- qual o currículo adequado para os cursos de formação inicial de
professores, que efetivamente garanta aos futuros profissionais o
conhecimento didático necessário para que possam ensinar com qualidade a
todos os alunos;
- quais são as estratégias formativas mais adequadas, que possam
substituir os estágios como hoje são desenvolvidos em grande parte das
instituições formadoras, para que os futuros professores possam se
apropriar da cultura escolar e profissional, na perspectiva de
contribuir para que a escola possa se transformar em uma organização
social flexível e permeável;
- construir um amplo movimento de educadores, não subordinado aos
órgãos governamentais, que debata nas escolas e comunidades o projeto
educativo para o país que possa efetivamente orientar as políticas
educacionais que são fundamentais para que a escola pública possa ser de
qualidade;
- debater com as comunidades, sindicatos, conselhos escolares, do
Fundeb, e outras instituições e movimentos interessados em discutir a
educação, quais devem ser as prioridades para investimentos dos recursos
destinados à educação e que estão associados a qualidade do ensino e da
aprendizagem.
Debates
Esses, e muitos outros temas, devem fazer parte permanentemente dos
debates entre os profissionais da educação, e seus sindicatos, pois quem
faz a educação são aqueles que cotidianamente estão nas escolas e salas
de aula, portanto são os que podem, e devem, estar a frente das
definições das políticas educacionais do nosso país. Caso contrário,
veremos sempre os especialistas dizendo o que é importante para a
educação, um pequeno grupo planejando as políticas educacionais e as
prioridades para o país, alguns determinando como e quando serão
implementadas, os educadores nas escolas executando o que mandaram ser
feito, e os milhões de alunos sofrendo os efeitos perversos do que se
decidiu em algum lugar distante das escolas.
Isso não significa, como tenta nos fazer crer o Sr. Ioschpe, que a
discussão salarial é perda de tempo, ou que os professores estão
satisfeitos com a remuneração que recebem, e que falar em desinteresse
pelo magistério é bobagem. Em todo o país grande parte dos professores
são contratados em caráter precário, muitos lecionam disciplinas para as
quais não foram formados em decorrência da dificuldade das secretarias
de contratar professores habilitados em diversas especialidades, como
física, química, matemática, biologia, entre outras. Por outro lado,
como especialista em economia da educação deveria saber que quanto mais
atrativos são os salários e os benefícios oferecidos, maior é a
capacidade de se atrair e reter os profissionais mais qualificados. Não é
por outro motivo que algumas das chamadas escolas privadas de
excelência chegam a pagar salários superiores a R$ 10.000,00 mensais.
Medidas concretas
Finalizando, é preciso que a importância que se atribui à educação se
converta em medidas concretas, valorizando a escola pública e seus
educadores na mesma proporção da responsabilidade que se deposita na
instituição escolar e seus profissionais. Da mesma forma que se avalia o
professor e seus alunos, por meio das avaliações externas de
desempenho, é preciso que a sociedade avalie os gestores, as políticas e
as prioridades que definem, os modelos de gestão que adotam para o
sistema de ensino e as relações que estabelecem com os educadores e as
comunidades. Se a qualidade da educação tem como centro a escola pública
(o que significa seus profissionais e alunos), é preciso não perder de
vista que ela integra um sistema e, portanto, sofre as consequências das
decisões que são tomadas no órgão central, que muitas vezes trata o
desempenho escolar como responsabilidade única e exclusiva dos seus
profissionais.
Se não sabe o Sr. Ioschpe é bom que saiba: muitos professores estão
cansados, desiludidos de tanto ouvir que a educação é prioridade, e não
perceberem essa importância se transformar em ações efetivas que mudem a
realidade das escolas e salas de aula. Ou investimentos efetivos na
valorização do trabalho que desenvolvem. O que garante os avanços que a
escola pública vem tendo nos últimos anos é que, apesar de tudo que ao
longo da história as elites e os governantes fizeram no nosso país para
reduzir a qualidade da escola pública quando esta se tornou acessível
para todos os pobres e excluídos, ainda existem muitos professores que
teimam em militar pela profissão docente e a resistir por acreditarem
que é possível uma outra escola pública. Diferente daquela que projeta o
Sr. Ioschpe.
Walter Takemoto é educador
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