Escrito por Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA |
Cerca de dois meses após a renúncia de Ricardo Teixeira da
presidência da CBF, absolutamente nada no futebol brasileiro oferece
sinais de mudança. Seu sucessor, José Maria Marin, entulho malufista e
da ditadura, continua candidamente no cargo que parecia prestes a ser
disputado em novas eleições, com o crescente beneplácito dos clubes,
federações e governo federal.
Dessa forma, ficou até fácil para os asseclas de Teixeira, certamente
em tom de gratidão, exaltarem o “legado” e o “brilhantismo” de sua
gestão, que teria tornado o futebol brasileiro vencedor como nunca. Não
faltaram exemplos da mídia, capitaneada pela Globo, ressaltando os
títulos conquistados pela seleção em todas as categorias, e o
esquecimento, nada inocente, das variadas formas de devastação que
Teixeira e sua turma promoveram em nosso futebol.
Cabe, portanto, uma análise a respeito do que foram, de fato, os anos
de Ricardo Teixeira à frente do futebol nacional e sua verdadeira
herança.
O Ministério do Bom Senso adverte:
Antes que alguns precipitados saiam em defesa do que Romário definiu
como “câncer extirpado”, é bom se ater a tais fatos, vide a
subserviência com que certa parte da mídia tratou o cartola, inclusive
em sua vexatória despedida através de carta lida por um “desconhecido”
vice.
Em primeiro lugar, os atuais valores astronômicos que giram em torno
da CBF e da camisa da seleção nacional não são nada mais que produto da
valorização global adquirida pelo futebol a partir dos anos 90, tornado
um grande e bilionário negócio em escala mundial. E nesse sentido, o
Brasil ainda se encontra atrás de outros países, apesar de ser hoje a
sexta economia do mundo e o propalado “país do futebol”.
Em segundo, quem trouxe e bancou a Copa do Mundo no Brasil foi o
governo federal, cuja chancela foi fundamental para receber o voto de
confiança da FIFA, que por sua vez tem escolhido somente países que
permitem uma fácil ramificação de seus negócios – e também de seus
parceiros. Além disso, a federação internacional estabeleceu, no fim dos
anos 90, um rodízio de continentes para receber a Copa. Quando chegou a
vez da América do Sul, o Brasil foi candidato único. E ainda a respeito
do mundial, cabe lembrar que Teixeira garantiu que seria financiado
pela iniciativa privada, algo que comprovadamente não acontecerá.
Em relação aos títulos da seleção, não passa de “apropriação
indébita”, provavelmente a maior especialidade da figura cuja gestão
distanciou como nunca a seleção brasileira de seus torcedores. Aceitou
passivamente uma patética imposição da FIFA (em 2003), por pressão da
UEFA (a Confederação Européia), de só realizar amistosos da seleção em
território europeu (ou a 4 horas de distância de avião), o que caiu como
uma luva em sua estratégia de terceirizar os jogos da seleção para uma
empresa de marketing esportivo, que por sua vez se ocupa de “vendê-los”
pelos mais lucrativos preços. Por isso a equipe canarinho acumulou
dezenas de “clássicos” inexpressivos mundo afora, inclusive mantendo
relações com os mais repugnantes governos.
Além do mais, jamais propiciou um ambiente de profissionalismo e
organização nas federações e nos clubes, que passaram a maior parte
desses anos acumulando dívidas estratosféricas e, mais diretamente,
sendo roubados e degradados pelos mais diversos conluios de cartolas e
empresários – assim como os estádios. Aliás, foi sob sua gestão que essa
nova categoria surgiu com toda a força no futebol nacional, sem
barreiras para atuação, o que levou ao assalto de inúmeras categorias de
base. Acabou-se a velha Lei do Passe para que todo o poder fosse
transferido aos empresários.
Dentro de tamanha desordem e insolvência financeira, não surpreende
que as últimas gerações de jovens tenham se acostumado a assistir nossos
melhores jogadores pela televisão, nas competições européias, nos mais
diversos países e em clubes de todos os níveis. Em muitos casos, não há
televisão que resolva, pois também mandamos enormes contingentes do
nosso “pé-de-obra” para os países árabes, asiáticos, do leste europeu,
dentre outros destinos que oferecem enorme comodidade estrutural e
salários com os quais os clubes brasileiros não podem concorrer.
E a respeito da retórica estelionatária de que sua gestão trouxe
incríveis 112 taças, de todas as categorias, incluindo as Copas de 94 e
2002, só nos resta o desprezo e aquele riso de canto de boca, de quem
sabe que no futebol, especialmente o brasileiro, jamais se coloca na
conta de dirigentes os títulos conquistados pelos jogadores. Um discurso
francamente abusivo, pois jamais se viu Teixeira vivenciar e debater o
futebol, de modo a demonstrar algum conhecimento que pudesse ser
colocado na conta dos resultados da seleção, para bem ou para mal.
O futebol doméstico continuou parado no tempo, com um calendário
extenuante e a eterna troca de favores com dirigentes de federações
estaduais dando as cartas e mantendo tais competições com fórmulas
caça-níqueis, desgastantes e cada vez piores tecnicamente. Já as
divisões nacionais de acesso seguem ao relento, sendo absolutamente
insuficientes para acomodar os cerca de 600 clubes profissionais que
militam no país. Fora que as séries C e D são ainda muito precárias e
desprestigiadas.
Com isso, privilegiam-se enormemente os grandes clubes, com um ano
inteiro repleto de competições e jogos atraentes, o que obviamente os
faz mais rentáveis, criando um grupo seleto de poucas dezenas, que
basicamente são os times das séries A, e mais modestamente, B. A imensa
maioria fica relegada a competições fracas e pouco úteis, ou
simplesmente no ócio por meses, o que as impede de se sustentar com
consistência e revelar novos jogadores.
Um tiro no peito do Norte/Nordeste
Na esteira de tamanho descaso com os clubes, por conta da excessiva
atenção destinada aos negócios, não é de surpreender que as equipes das
regiões Norte e Nordeste, e dos estados mais fracos em geral,
sucumbissem aos tempos modernos. Descuidada a organização do futebol
doméstico, por sua vez guiado pelos interesses particularistas da Rede
Globo, é esperado que as equipes de segundo ou terceiro escalão também
se vejam diante de dificuldades imensas.
Preocupada somente com audiência e retorno publicitário, a Vênus
Platinada, grosso modo, só quer saber de Corinthians e Flamengo, o que
relega equipes tradicionais e importantes, menos populares e de força
mais regional, a papéis cada vez mais decorativos no cenário
futebolístico, por vezes sequer servindo como formadoras de novos
atletas, algo que em última instância prejudica todo o conjunto.
Contra a vontade da associação que congregava os clubes nordestinos,
Teixeira e Globo extinguiram o Campeonato do Nordeste, competição que
reunia os principais clubes da região e era um grande sucesso de renda e
público, encerrado em 2002. O mesmo se deu com a Copa Norte, que mesmo
de forma mais modesta também fortalecia alguns clubes da região.
Com esse fator, somado a uma distribuição cada vez mais elitizada do
dinheiro e a eterna covardia dos dirigentes dos clubes, gente
absolutamente do mesmo nível de Teixeira, talvez apenas com menos
habilidades, o século 21 marcou o início da marginalização dos times
dessas regiões, cuja distância para os grandes do Sudeste/Sul não parou
de crescer.
Mesmo algumas potências campeãs nacionais como o Bahia e o Sport
sofrem para se manter na primeira divisão, que dirá a respeito de ter
grandes equipes por longo período, como se via antigamente. Hoje em dia,
a principal divisão nacional abriga poucos clubes nordestinos, que via
de regra lutam apenas pela permanência, jamais pelas primeiras posições.
Ao Norte, potências regionais como Remo e Paysandu não conseguem
lugar sequer na segunda divisão, mesmo possuindo admiráveis massas
torcedoras. Já os amazonenses, a despeito de sediarem a Copa, têm um
futebol que mal pode ser chamado de profissional, sendo que seu
campeonato amador supera o ‘oficial’ em popularidade.
O mesmo vale para o Centro-Oeste, com exceção de Goiás. Mas as sedes
da região na Copa serão os novos estádios a serem erguidos em Cuiabá e
Brasília. O belo e prontíssimo Serra Dourada não tem vez nessa grande
onda de negócios em torno dos estádios/shoppings.
Como se não bastasse, um dos últimos atos de Teixeira foi ajudar a
implodir a negociação coletiva dos clubes com a televisão pela
transmissão do Campeonato Brasileiro, evitando a concorrência exigida
pelo Cade e favorecendo descaradamente a Rede Globo, que mais uma vez
levou a melhor rasgando as regras do jogo e usando seu cacife de
emissora oficial da República.
Com isso, as agremiações partiram para negociações individuais, o que
tende a mostrar efeitos nefastos para o futebol nacional até no curto
prazo, uma vez que as equipes mais populares e com mais “força de
mercado” assinaram contratos por valores incomparáveis. Isso certamente
aumentará o abismo entre os times grandes e pequenos no país. Portanto,
outra punhalada nos clubes do Norte/Nordeste, que, a depender das
medições de mercado, sempre estarão (muito) atrás.
Um legado... para os amigos
Diante do apanhado, fica notório que Ricardo Teixeira não passou de
mero balconista do mundo do futebol, isso na chamada era da
globalização, isto é, no momento em que o esporte, como tudo na vida, se
mercantilizou como nunca, trazendo diversos negócios associados e entes
outrora estranhos interessados em investir. Sequer, portanto, pode ser
chamado de visionário ou qualquer coisa que o valha.
Sua postura pessoal diante da imprensa e do público torcedor sempre
foi marcada pela arrogância e triunfalismo nos momentos de vitórias,
dentro ou fora de campo. Por outro lado, sempre agiu como rato nos
momentos negativos ou de questionamentos, desaparecendo completamente do
radar.
Tampouco utilizou as fortunas angariadas pela seleção brasileira no
sentido de fomentar o futebol país afora, especialmente nos locais com
menos recursos. Preferiu comprar jatinhos e financiar campanhas
políticas de aliados, entre outros investimentos obscuros.
Jamais dialogou ou respeitou torcedores, sendo presença inexistente
nos estádios e grandes jogos dos torneios nacionais, e nunca se importou
com as condições de conforto e respeito aos jogadores e freqüentadores
desses locais que agora passam por um claríssimo processo de
higienização e elitização.
Pois, no que depender de gente como Teixeira, o futebol tem mais é
que se tornar um espetáculo para quem pode pagar, de preferência cada
vez mais, sem que haja problemas na substituição do torcedor pelo
consumidor nas arquibancadas. Aliás, arquibancadas e gerais podem sumir e
dar lugar somente às chamadas numeradas e seu seleto público abastado e
passivo.
O governo, por sua parte, apesar de financiar Copas do Mundo e
dívidas gigantescas desses clubes, nada faz, contentando-se em limá-lo
do cargo, em nome dos fortes apelos públicos, e escrever mais uma página
farsesca de sua “faxina contra a corrupção”, sem qualquer conteúdo
político de fundo e propostas realmente renovadoras. Como dito em
análise anterior, não passa de uma rápida aparada de arestas a fim de
tornar todas as maracutaias vindouras mais discretas e palatáveis, pois,
diante dos mega-negócios que se avizinham, um personagem como Teixeira
só tinha a atrapalhar.
Teixeira foi pra bem longe, mas se o país se recusa a adentrar a
maioridade política, administrativa e moral, não será o futebol, mero
reflexo geral, a tomar a iniciativa. Por aqui isso está claro. E que
venha a Copa e seus ilusionismos, sob a batuta da mesma CBF de sempre.
Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Euforia com mega-eventos pode manter intactos retrocessos da era Teixeira
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