Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
O país A tem um sistema de ensino bastante orientado pelos e para
testes aplicados periodicamente aos estudantes. Como o desempenho dos
estudantes nesses testes é considerado fundamental, professores são
premiados ou punidos em função dos resultados obtidos por seus alunos.
Escolas podem ser entregues à eficiência da administração privada com o
objetivo de melhorar o desempenho dos estudantes. Com a mesma
finalidade, aulas de Artes, História e atividades físicas são reduzidas
em favor das disciplinas incluídas nos testes. Esse país A aplica, entre
investimentos públicos e privados, 7,4% do seu PIB em educação. E,
ainda, as dificuldades econômicas desse país têm sido atribuídas aos
professores, que preparam mal suas crianças e seus jovens. Por causa
disso e considerando os resultados dos alunos, professores ineficientes
devem ser descartados rapidamente e normas e leis que dificultam ou
impedem isso devem ser (e têm sido) eliminadas.
No país B não há testes padronizados aplicados às crianças. Segundo
um pesquisador acadêmico desse país, caso os professores fossem
avaliados a partir de teste aplicados a seus alunos, eles simplesmente
abandonariam a profissão “e não retornariam até que as autoridades
abandonassem essa idéia maluca”. As escolas do país B são administradas
apenas pelo setor público e professores e professoras são estáveis,
sendo muito difícil removê-los de suas funções. Nesse país, os
professores têm liberdade do que e de como ensinar, desde que os
currículos nacionais sejam respeitados. Esse país aplica, no total, 7,0%
do PIB em educação e sua renda per capita é cerca de 20% inferior à
renda per capita do país A.
Como se saem os estudantes desses dois países quando submetidos aos
testes padronizados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(PISA), (1), aplicados a estudantes de 15 anos de idade? Será que os
estudantes do país A, mais rico e que tem suas escolas e professores
orientados para os testes, se saem melhor? Não. Os estudantes do país B
se saem melhor, até mesmo, muito melhor. Paradoxal?
Não. De fato, há aspectos fundamentais que explicam esse aparente
paradoxo. Os países A e B são, respectivamente, os EUA e Finlândia (2)
e os resultados obtidos no PISA aplicado em 2009 aparecem,
resumidamente, na tabela 1. Os testes aplicados são em leitura,
matemática e ciências e em cada um desses quesitos o desempenho dos
estudantes é classificado em níveis de um a seis. Os valores que
aparecem na tabela correspondem a médias simples dos resultados naquelas
três áreas avaliadas. Todos os resultados mostram um desempenho
significativamente melhor dos estudantes finlandeses. E além da média
finlandesa ser significativamente superior à média estadunidense, aquele
país tem um percentual muito menor de estudantes com desempenho muito
baixo (abaixo do nível 1) e um percentual significativamente maior de
estudantes classificados no nível mais alto (nível 6). E, mais ainda, e
possivelmente refletindo a menor desigualdade de renda, a dispersão
relativa das notas recebidas pelos estudantes finlandeses, de 16%, é
menor do que a dispersão das notas dos estadunidenses, de 19%.
O que pode explicar as diferenças entre os dois países?
Certamente, o modelo educacional dos dois países faz a grande
diferença. Entretanto, tentou-se procurar explicações para a diferença
de desempenho entre os dois países em várias causas, evitando culpar o
estilo empresarial de administração escolar e baseado em avalições
permanentes de estudantes e em premiações e punições aos professores com
base no desempenho dos seus alunos e das escolas onde trabalham. Um dos
argumentos foi baseado na maior homogeneidade étnica populacional da
Finlândia, um argumento de viés racista. Entretanto, esse argumento não
sobreviveu, uma vez que, entre os 65 países ou regiões participantes do
PISA, havia países homogêneos e heterogêneos nos dois extremos da
classificação. Ou seja, o desempenho não está correlacionado com a
homogeneidade da população. Outro argumento baseou-se no tamanho
relativo das duas populações, 314 milhões nos EUA e 5,4 milhões na
Finlândia. Entretanto, esse argumento também não prosperou. Primeiro,
porque, como no caso da heterogeneidade da população, há países
populosos e não populosos distribuídos entre os de melhor e pior
desempenho: não há uma correlação entre o tamanho do país e o desempenho
de seus estudantes. Além disso, nos EUA, como em muitos países mais
populosos, a educação é administrada autonomamente pelos estados e
muitos deles têm populações bastante pequenas, menores do que a
finlandesa.
Outro aspecto diz respeito às condições (educativas e acadêmicas) de
trabalho dos professores. Na Finlândia, idéias que incluem a cultura dos
testes, dos vouchers (que permitem mercantilizar o acesso às escolas),
do pagamento de professores por mérito medido pelo desempenho dos
estudantes em testes padronizados e da competição e avaliação dos
professores a partir do desempenho de seus alunos são totalmente
rejeitadas. Provas são usadas apenas para informar aos professores o
andamento do trabalho, jamais para classificar, punir ou recompensar
alunos, escolas ou professores. Como a profissão é respeitada e há boas e
agradáveis condições de trabalho, as instituições de formação de
professores são bastante procuradas e formam excelentes profissionais.
Avaliações comparativas por meio de testes, prêmios e punições não
fazem parte do panorama educacional finlandês. A responsabilidade e a
liberdade de adaptar o ensino aos seus estudantes são práticas usuais
das escolas, dos diretores e dos professores.
Investimentos públicos versus privados
E quanto ao financiamento? Afinal os EUA aplicam um percentual maior
do seu PIB em educação, 7,4%, contra 7,0% na Finlândia. Há aqui outro
paradoxo? Não. O financiamento da educação na Finlândia é quase
totalmente público, com apenas 0,2% do PIB correspondendo a gastos
privados. Nos EUA, os gastos privados chegam a 2,0% do PIB. Portanto, o
gasto público anual por estudante em comparação com a renda per capita é
mais alto na Finlândia do que nos EUA, como mostra a tabela 2.
Aparentemente, a relevância dos investimentos por estudante parece estar
relacionada não apenas ao valor total, mas, especialmente, à origem,
pública ou privada da fonte.
(Vale a pena observar aqui que esse mesmo efeito da maior eficiência
dos gastos públicos em relação aos privados existe também na área de
saúde. Enquanto os EUA gastam em saúde, por pessoa, mais do que 15% de
sua renda per capita, contra uma média da ordem de 9% a 10% nos países
europeus mais avançados, os seus indicadores de saúde são piores. De
fato, a mortalidade infantil nos EUA é mais do que 50% superior à dos
países europeus mais avançados e a expectativa de vida é entre um e dois
anos menor. Mais um paradoxo? Não. Novamente, a grande diferença é
possivelmente devida ao fato de que mais do que a metade dos gastos nos
EUA são privados, contra cerca da quinta parte nos outros países
considerados. Parece, portanto, que, como em educação, os gastos
privados em saúde são muito menos eficientes do que os gastos públicos
no que diz respeito a se alcançarem os objetivos básicos que se
esperaria.)
Com quem devemos aprender?
A comparação entre os dois países, EUA e Finlândia, mostra que
caminho tomar. Premiação e punição de professores e escolas baseadas no
desempenho dos estudantes em testes padronizados, feitos à exaustão, não
são boa idéia, até mesmo para se conseguir bom desempenho em testes
padronizados! Professores muito bem formados, respeitados e com
liberdade de trabalho são condições fundamentais para o bom
funcionamento de um sistema educacional. Escolas administradas pelo
setor público, por mais altissonante que possa parecer o discurso em
favor de uma administração empresarial e eficiente, são melhores quando
todas as demais condições são equivalentes. Respeito às necessidades dos
estudantes, tanto individuais como coletivas, é outro caminho para se
construir um bom sistema educacional. E, também, uma melhor distribuição
de renda pode tanto contribuir para a qualidade de vida dos professores
como para o desempenho dos estudantes.
Além dos fatores considerados, vários outros problemas afetam o
sistema estadunidense de educação. Entre esses problemas estão: o
fundamentalismo religioso, que interfere nos currículos das escolas; as
limitações de recursos materiais e institucionais que impeçam que as
desigualdades entrem nas escolas e afetem seu funcionamento; a
existência de grandes contingentes populacionais marginalizados, em
especial no que diz respeito a crianças vivendo em situação de pobreza;
ensino superior pago, mesmo quando público, constituindo-se uma barreira
a mais no caminho dos estudantes; tratamento negativamente diferenciado
para crianças e jovens provenientes de famílias de imigrantes. Muitos
desses fatores têm origem em princípios religiosos, políticos e
ideológicos e como e com que intensidade cada um deles afeta
negativamente o desenvolvimento educacional das crianças e jovens
naquele país tem sido motivo de estudos acadêmicos.
Embora a comparação até aqui tenha sido apenas entre Finlândia e EUA,
as conclusões se repetem quando examinamos outros países. Por exemplo,
entre quatro países latino-americanos similares em vários aspectos e
cujas rendas per capita estão na faixa entre 9 e 12 mil dólares anuais
(pelo critério PPC), Cuba, Venezuela, Brasil e Colômbia, os dois
primeiros, menos afetados por políticas de avaliação quantitativa e por
práticas liberais do tipo vauchers, mostram indicadores educacionais
quantitativos e qualitativos melhores ou muito melhores do que os dois
últimos. Outros quatro países também similares quanto à renda per capita
(próximas a 15 mil dólares) e demais características, Argentina,
Uruguai, Chile e México, os dois primeiros, menos liberalizados e menos
voltados a uma educação de resultados (nos testes), apresentam melhores
desempenhos.
Cabe, assim, uma pergunta impertinente. Por que, apesar das
evidências, imitamos, especialmente no estado de São Paulo, políticas e
práticas educacionais e sociais que já se mostraram tão perniciosas em
muitos países? Por que não aprendemos com aqueles que melhor acertam?
Nota:
(1) O PISA, Programme for International Student Assessment, é um
teste padronizado, aplicado a cada três anos a estudantes de dezenas de
países e que inclui avaliações de leitura, matemática e ciências.
(2) Parte das informações e das análises deste texto são baseadas no
artigo Schools We Can Envy (Escolas que nós podemos invejar), escrito
por Diane Ravitch e publicado no New York Review of Books em 8 de março
de 2012. A autora ocupou cargos relativamente altos na Secretaria
(equivalente ao nosso Ministério) de Educação dos EUA.
Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi
presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 5 de junho de 2012
Considere estes países
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