por Luiz Carlos Azenha
A reação de Washington ao golpe “democrático” no Paraguai será, como
sempre, ambígua. Descartada a hipótese de que os estadunidenses agiram
para fomentar o golpe — o que, em se tratando de América Latina, nunca
pode ser descartado –, o Departamento de Estado vai nadar com a
corrente, esperando com isso obter favores do atual governo de fato.
Não é pouco o que Washington pode obter: um parceiro dentro
do Mercosul, o bloco econômico que se fortaleceu com o enterro da ALCA —
a Área de Livre Comércio das Américas, de inspiração neoliberal. O
Paraguai é o responsável pelo congelamento do ingresso da Venezuela no
Mercosul, ingresso que não interessa a Washington e que interessa ao
Brasil, especialmente aos estados brasileiros que têm aprofundado o
comércio com os venezuelanos, no Norte e no Nordeste.
Hugo Chávez controla as maiores reservas mundiais de petróleo,
maiores inclusive que as da Arábia Saudita. O petróleo pesado da faixa
do Orinoco, cuja exploração antes era economicamente inviável, passa a
valer a pena com o desenvolvimento de novas tecnologias e a crescente
escassez de outras fontes. É uma das maiores reservas remanescentes,
capaz de dar sobrevida ao mundo tocado a combustíveis fósseis.
Washington também pode obter condições mais favoráveis para a
expansão do agronegócio no Chaco, o grande vazio do Paraguai. Uma das
preocupações das empresas que atuam no agronegócio — da Monsanto à
Cargill, da Bunge à Basf — é a famosa “segurança jurídica”. Ou seja,
elas querem a garantia de que seus investimentos não correm risco. É
óbvio que Fernando Lugo, a esquerda e os sem terra do Paraguai oferecem
risco a essa associação entre o agronegócio e o capital internacional,
num momento em que ela se aprofunda.
Não é por acaso que os ruralistas brasileiros, atuando no Congresso,
pretendem facilitar a compra de terra por estrangeiros no Brasil. Numa
recente visita ao Pará, testemunhei a estreita relação entre uma ONG
estadunidense e os latifundiários locais, com o objetivo de eliminar o
passivo ambiental dos proprietários de terras e, presumo, facilitar
futura associação com o capital externo.
Finalmente — e não menos importante –, o Paraguai tem uma base
militar “dormente” em Mariscal Estigarribia, no Chaco. Estive lá
fazendo uma reportagem para a CartaCapital, em 2008. É um imenso
aeroporto, construído pelo ditador Alfredo Stroessner, que à moda dos
militares brasileiros queria ocupar o vazio geográfico do país. O Chaco
paraguaio, para quem não sabe, foi conquistado em guerra contra a
Bolívia. Há imensas porções de terra no Chaco prontas para serem
incorporadas à produção de commodities.
O aeroporto tem uma gigantesca pista de pouso de concreto, bem no
coração da América Latina. Com a desmobilização da base estadunidense em
Manta, no Equador, o aeroporto cairia como uma luva como base dos
Estados Unidos. Não mais no sentido tradicional de base, com a custosa —
política e economicamente custosa — presença de soldados e aviões. Mas
como ponto de apoio e reabastecimento para o deslocamento das forças
especiais, o que faz parte da nova estratégia do Pentágono. O
renascimento da Quarta Frota, responsável pelo Atlântico Sul, veio no
mesmo pacote estratégico.
É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto
das riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.
Um Paraguai alinhado a Washington, portanto, traz grandes vantagens
potenciais a interesses políticos, econômicos, diplomáticos e militares
estadunidenses.
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