Flavia Alli no CORREIO DA CIDADANIA |
Osmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasiléia
(Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio
ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da
população acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes,
nos empates na floresta amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à
destruição da região pelas madeireiras, na década de 1970. Cercado por
um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência,
organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o
capitalismo, o qual anda de mãos dadas com o governo petista.
Neste semestre, Osmarino viajou pelo Brasil em um circuito de debates
e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas
passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos
povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através
de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva e alertou
sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento
sindical, reafirmou a importância da organização dos trabalhadores por
um novo projeto de sociedade e do fortalecimento de uma central sindical
que reorganize o movimento na luta de classes.
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista concedida por Osmarino Amâncio.
Em relação à organização dos trabalhadores no movimento
sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma
resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem
apresentando em parceria com os setores da burguesia?
Osmarino Amâncio: Primeiramente, são as instâncias
geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma
cooperativa dos extrativistas, depende de caminhar muito para fazer uma
convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois
aquela população vive no isolamento, onde o único meio de comunicação é a
rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a
idéia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o
setor da burguesia daquela região. Outra questão é a própria falta de
educação, pois é um local precário, com a educação muito fragilizada. Na
floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino
primário. Isso tudo não tem impedido a classe trabalhadora de resistir
contra aqueles grandes mega-projetos de madeireiras, de mineradoras, de
barragens, de hidrelétricas.
É um processo que chamamos de revolucionário na luta pela reforma
agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, pois nós não
reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de
propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o
Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela
Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem
criminalizado as lideranças dos seringueiros - os quais antes podiam
colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado
para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode
mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Assim, eles estão
criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da
reserva, andando armados. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as
barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para
facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das
ONGs. E, veio a serviço do grande capital, com a idéia da nova política
da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais.
Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a
alternativa que dão para a gente é uma “bolsa verde”: 100 reais por
mês, que não dá para comprar um saco de farinha, e ficamos impedidos de
extrair os nossos produtos, pois estão proibindo fazer ramais para
escoamento do produto dentro da reserva; ao mesmo tempo fazem vista
grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região.
Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa
verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fizer o plano
de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira.
Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois exige
uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador
fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa
multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma
política de Estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio
Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto.
Tem-se um grande investimento do BNDES, do Banco Interamericano do
Desenvolvimento para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo
madeireiro e a política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais
de 20 mega-projetos, vão detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma
atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a
destruição será total. No Cerrado, por exemplo, estão sendo
implementadas a monocultura da soja, a cana para o etanol e as
barragens. A construção das barragens na Amazônia também atende a essa
política. Temos agora a construção da BR do Pacífico, que corta a região
meio a meio para escoamento dos produtos de exportação.
Portanto, são investimentos para a “integração” da América do Sul,
que precisam ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das
comunidades de fora da Amazônia, para que possamos fazer um grande
empate contra o Estado, contra a legalização dessa destruição através da
certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Não é um
empate contra os fazendeiros e madeireiras, e sim contra o Estado.
Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de
exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”.
Esse é o perigo da política “auto-sustentável”, que ao conceder a
certificação dá a liberação para qualquer atrocidade naquele bioma. Lá
está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para
conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo.
O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em
organizações que combatem os trabalhadores na Amazônia, com respaldo
logístico grande. De que forma eles têm intervindo na realidade e qual a
resposta dos trabalhadores frente à situação?
Osmarino Amâncio: Quando nós organizamos os empates,
na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia
ler e escrever. Mas eles tinham vontade de defender a vida. Quando se
tem vontade de viver, criam-se as condições, o “anticorpo”, como
chamamos na floresta. Na Amazônia, para viver, tem que se adaptar e
criar anticorpos, pois não se vai enfrentar somente o Estado, a União
Democrática Rural (UDR), as grandes indústrias, as mineradoras. Vai
enfrentar também a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de
inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse
enfrentamento. Mas o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o
pessoal consegue sobreviver com a dor por conta da vontade de viver.
Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é
mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, ou dá uma topada, sofre um
corte... Ele convive diariamente com dor, estando adaptado a tais
questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade,
estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade
que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos
sindicatos, das oposições sindicais, estamos também na discussão de
desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o
governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma
central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da
classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores e o
enfrentamento ao grande capital contra a depredação dos meios naturais.
Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desafio à
juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio+20,
com todas as nossas idéias e documentos, denunciando o governo e as ONGS
como USAID, WWF, Greenpeace, todas as entidades que defendem o
“desenvolvimento sustentável” para evitar o aquecimento global, que
acham só ser possível de evitar colocando os meios naturais no mercado.
Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que
libera o norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) para
continuarem poluindo no resto do mundo e comprando terras na Amazônia.
Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no
monocultivo do plantio e dizendo “nós podemos destruir aqui, mas estamos
preservando na Amazônia”.
E tem um povo nativo que não é levado em consideração na região, o
qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência.
Esse povo está se tornando, para os governantes, o principal empecilho
na implementação dos mega-projetos. Estão sendo criminalizados por uma
coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região o “fogo
zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo
zero”, quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do
carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida, e queimar o seu
roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós
trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés,
ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa
sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do
plano de manejo. Quando o governo o implementa, está incentivando essa
destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil ficam sem
floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é
muito difícil, devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos
trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma
associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém,
elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele
passa a pagar um salário para algumas lideranças fazerem propaganda dos
programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento na
região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada,
e estamos organizando a oposição sindical em Brasiléia. Será um
processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a
gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos
expulsos, e eles farão toda a destruição na Amazônia.
Como é feita essa mencionada cooptação dos trabalhadores, de
modo a retirá-los dos movimentos e eleições sindicais, e qual a
interferência que isso tem causado na luta de classes?
Osmarino Amâncio: Essa “compra” das pessoas é feita
de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as
lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último
investimento foi 500 mil reais na compra de tratores, dizendo que se as
pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a
comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos
com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam
vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a
pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa
estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão
assinando, a qual dura apenas dois anos – e não sabem que qualquer
“deslize” os fará serem expulsos da reserva.
A criminalização é tática para o governo do estado do Acre. Ele
atrelou todo o movimento, levou os parentes do Chico Mendes, por
exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para
fazerem o comercial do manejo madeireiro, ficarem contra o movimento e
defenderem o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A
gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alívio, mas essas
entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A
CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do
agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os
usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas e a
reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma
traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de
Florestas Públicas, a qual privatiza 50 milhões de hectares de floresta
para promover a biopirataria. O próprio Estado cria, aparelha, atrela o
movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O Estado é corrupto, as
instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às
lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe
qualquer proposta, e cede... Mas é preciso reconhecer que se receber a
propina a consciência vai se voltar contra si próprio. Por isso temos de
fazer o trabalho em que acreditamos.
A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as
possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas para
legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país
há décadas?
Osmarino Amâncio: O Novo Código Florestal só está
legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na
Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito, e
consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos
bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar
terras nas mãos de quem têm condição financeira. Vem para legitimar
aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram, para
oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o
eucalipto, a cana para o etanol... E em nome do “desenvolvimento
sustentável” temos uma lei que garante, sem critério algum, a
implementação dessa política na Amazônia, de forma inconsequente. A BR
do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada.
O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais extraídos pelas
empresas e pelo latifúndio. Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e
Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os
projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia
que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo
da assembléia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder.
Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades
governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva,
facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40
anos, e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode
ser renovada por mais 30 anos. Portanto, a lei privatiza a Amazônia por
pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem
nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que
ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a
Terra!
A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, tem 500 km² que serão
inundados. A de Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão
ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o
problema da educação, da saúde, implementar bancos de germoplasma,
investir em pesquisa e evitar os desastres ecológicos, consequências do
desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.
Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos
indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes
corporações no extermínio dessa população?
Osmarino Amâncio: Primeiro, eles tentam usar essas
populações que têm dificuldade de entender o que está por trás de cada
projeto e passam a fazer a tal da “formação”, para convencer os índios a
aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma
coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios e mandá-los para
o céu. Assim, todos estão lá, virando evangélicos, obedecendo à
cartilha governamental. A grande maioria é desinformada, e sem condições
de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm
usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens
quando completam 16 anos casam-se. Eles acusam esses jovens de estupro,
ou até mesmo as lideranças, a fim de exterminar esse povo, impedindo sua
reprodução. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não
podem mais se relacionar, por serem acusados de estupradores. A
justificativa seria uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais
com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é
cultural homens e mulheres se casarem com esta idade (16). Eles
confundem a população, e acabam criminalizando não só os índios, mas os
seringueiros também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais
(Bolsa Verde, Plano de Manejo etc.) que eles criminalizam. Outras leis,
como a questão da prostituição infantil, têm sido usadas para este fim.
Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o
governo não fiscaliza. O exemplo é Belo Monte. Altamira tem 100 mil
pessoas, mas estão chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A
prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se
aproveitar da juventude, e como o Estado vai evitar o estupro e a
barbárie? Não vai evitar! O Estado cria mecanismos, a gente vê como
exemplo as obras da Copa do Mundo, pelos quais estão expulsando as
populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e
dos centros urbanos, indenizando com migalhas. As obras da Copa
institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que
não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde,
transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e nós
estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um
despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas,
para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade
capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos
que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, sob o
nome de “remoção”. O Estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a
realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão
de poucas pessoas.
Como o “capitalismo verde” de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?
Osmarino Amâncio: Virou uma doença! As pessoas não
entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O
desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma
economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a
implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda,
pois, por exemplo, Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia a
um grupo de empresas para continuarem depredando a natureza, explorando
trabalhadores e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar
com várias espécies e culturas. E tampouco a energia da usina vai servir
para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta
para o manejo – sendo que ela é fonte de renda da população local, é ela
que evita, também, o aquecimento global –, desequilibra ambiental e
socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta
como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e
muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional
daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão
com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o
Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi
a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas
Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de
exportação pode destruir o que é ilegal de destruir, mas que por conta
do selo vira “legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos
proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito
milhões de hectares de floresta – mais da metade do estado. A MANASA,
hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo
foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o
agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no
Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do Meio Ambiente
(Izabella Teixeira). Eles não têm critérios para aprovar leis que
destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem
discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vêm todos
prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o
enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não
sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E como se insere a Rio +20 nesse cenário?
Osmarino Amâncio: A Rio +20 será para selar, como um
todo, entre sociedade e governo, uma proposta de “economia
sustentável”. Esta proposta é uma idéia do modelo capitalista que temos,
que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro,
sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A
Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de
ONGS e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é
uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da
natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é
direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje
uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e
privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa
proposta que será selada na Rio +20. Essa é uma discussão que vem desde a
década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia
contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O
agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a
soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda
de açudagem em complemento às barragens, tudo pensado para a exportação
dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de
subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão,
considerado criminoso, mas ele vive há centenas de anos na floresta e
nunca a destruiu. No entanto, é ignorado o que o grande capital faz, e é
criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de
subsistência na região.
Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como
se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e
juventude para superar o sistema que vivemos, especialmente sob essa
nova capa verde?
Osmarino: O que todo mundo tem de ter consciência é
que não se deve aderir a tal projeto, pois ele é do sistema capitalista.
Tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista
não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade.
Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa
sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar
as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem
financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações
tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar,
pois cada povo indígena é uma nação. Índios, ribeirinhos, pescadores. O
que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o
sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora
das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma
sociedade libertária. E o respeito a cada categoria, permitindo que
implemente sua arte, sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na
elaboração do que nela vai ser investido. Tem que ter transparência
desde o calendário até os currículos formulados. A comunidade tem que
participar deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de
cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos
aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável – um
projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais,
pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos de ter consciência disso. Temos
de fazer um desafio à juventude, que em sua maioria está “viajando” na
internet e acredita que vai promover uma mudança através dela, ou então
passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. Só que
precisa de três planetas para suportar a atual demanda. Se não tivermos
cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a
depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A
indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula
tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no
entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra
concentrada da mão de poucas pessoas.
Um projeto que não presta, portanto, devemos construir um novo. E o
novo projeto todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o
fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser
possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema
capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra,
questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos de ir nos
apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos. E
nesse sentido também acredito que a Conlutas pode ser um seio
aglutinador destas categorias que querem confrontar a burguesia na luta
de classes.
Flavia Alli é jornalista.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Osmarino Amâncio: um seringueiro na luta por um projeto socialista no Brasil
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