O país, no final do século XIX, chegou a ser o terceiro exportador mundial de café
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A área rural de El Tigre, município do estado Azoátegui, no oriente venezuelano, parece um formigueiro binacional. O espanhol se mistura ao português. Desde que, em 2009, um convênio entre o Brasil e a Venezuela começou a ser implementado, possibilitando a criação de uma companhia destinada ao plantio e à colheita de produtos agrícolas, chegaram dezenas de trabalhadores brasileiros para ajudar no desenvolvimento do projeto.
O nome do empreendimento: Empresa Socialista José Inácio de Abreu e Lima. Seu batismo é homenagem a um general brasileiro que lutou ao lado de Simón Bolívar nas jornadas pela independência venezuelana. De propriedade estatal, seu objetivo é funcionar como centro produtor e distribuidor da região. Articulada com os agricultores locais, através do apoio às suas atividades e a compra de seus produtos, a Abreu e Lima busca principalmente reforçar a oferta nacional de soja e milho.
Esse ano a empresa prevê estender o plantio a 20 mil hectares, saltando para 25 mil no próximo ano e chegando a 110 mil em 2019. “Atingimos, até agora, 20% de nossa meta”, relata Yhonny Zabaleta, vice-presidente da companhia. “Mas o crescimento tem sido acelerado, ano passado nossa área produtiva era de apenas 4 mil hectares. Mas já começamos a vender soja e milho para todo o país.”
A empresa possui uma estrutura industrial sofisticada para exercer sua função econômica. São quatro silos com capacidade para 10 mil toneladas de grãos cada um, outros seis em construção. O processo industrial é mecanizado e controlado por computadores. Uma fábrica de refino e embalagem de óleo, carne e leite de soja está sendo erguida.
Segundo o presidente da Abreu e Lima, Alfredo Herrera, o consumo anual de soja é de 1,2 milhão de toneladas, quase tudo importado. “Se você não tem soja, não desenvolve a pecuária, a produção de ovos, a piscicultura, porque a soja é a mais barata fonte de proteína”, constata o dirigente. “Mas atualmente nossa produção não chega a cem mil toneladas, quando apenas o consumo de óleo de soja é de 1,5 litro por habitante.”
Dependência
Iniciativas com Abreu e Lima fazem parte de um esforço para reverter uma das heranças malditas do modelo econômico que se consolidou na Venezuela durante o século XX. Beneficiado pela renda petroleira, o país trocou sua base agrícola e sua perspectiva industrial pelo recurso ao comércio exterior.
A Venezuela, no final do século XIX, chegou a ser o terceiro exportador mundial de café, atrás apenas do Brasil e das ilhas holandesas. Mas as facilidades das receitas com o petróleo e a concentração do Estado e capitais nesse ramo incomparavelmente lucrativo colocaram a agricultura de joelhos. No início do governo Chávez, o país importava 70% dos alimentos e a atividade rural não chegava a 5% do PIB.
“Praticamente tínhamos uma economia baseada na agricultura de porto” explica Javier Alejandro Ramos, vice-ministro da Agricultura. “Todos os alimentos que ingressavam no país chegavam pela via de importação. Importávamos até feijão enlatado.” Sem assistência técnica, financiamento, maquinário e incentivos, a produção rural era de subsistência e em poucas culturas havia produção significativa. “Saia mais barato comprar alimento fora”, registra Ramos.
A empresa possui uma estrutura industrial sofisticada para exercer sua função econômica. São quatro silos com capacidade para 10 mil toneladas de grãos cada um, outros seis em construção. O processo industrial é mecanizado e controlado por computadores. Uma fábrica de refino e embalagem de óleo, carne e leite de soja está sendo erguida.
Segundo o presidente da Abreu e Lima, Alfredo Herrera, o consumo anual de soja é de 1,2 milhão de toneladas, quase tudo importado. “Se você não tem soja, não desenvolve a pecuária, a produção de ovos, a piscicultura, porque a soja é a mais barata fonte de proteína”, constata o dirigente. “Mas atualmente nossa produção não chega a cem mil toneladas, quando apenas o consumo de óleo de soja é de 1,5 litro por habitante.”
Dependência
Iniciativas com Abreu e Lima fazem parte de um esforço para reverter uma das heranças malditas do modelo econômico que se consolidou na Venezuela durante o século XX. Beneficiado pela renda petroleira, o país trocou sua base agrícola e sua perspectiva industrial pelo recurso ao comércio exterior.
A Venezuela, no final do século XIX, chegou a ser o terceiro exportador mundial de café, atrás apenas do Brasil e das ilhas holandesas. Mas as facilidades das receitas com o petróleo e a concentração do Estado e capitais nesse ramo incomparavelmente lucrativo colocaram a agricultura de joelhos. No início do governo Chávez, o país importava 70% dos alimentos e a atividade rural não chegava a 5% do PIB.
“Praticamente tínhamos uma economia baseada na agricultura de porto” explica Javier Alejandro Ramos, vice-ministro da Agricultura. “Todos os alimentos que ingressavam no país chegavam pela via de importação. Importávamos até feijão enlatado.” Sem assistência técnica, financiamento, maquinário e incentivos, a produção rural era de subsistência e em poucas culturas havia produção significativa. “Saia mais barato comprar alimento fora”, registra Ramos.
Opera Mundi
Ramos: "Todos os alimentos que ingressavam no país chegavam pela via de importação. Importávamos até feijão enlatado."
O governo decidiu enfrentar essa chaga histórica através de um conjunto de medidas elencadas na Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, aprovada no final de 2001, que desde então fixa os parâmetros para políticas de reforma agrária. A nova legislação passou a proibir uma única pessoa de possuir mais que cinco mil hectares, estabeleceu impostos progressivos sobre propriedades, adotou mecanismos para desapropriação de latifúndios improdutivos e determinou a recuperação de áreas públicas ilegalmente ocupadas.
“Os quatro eixos principais da nossa política são distribuição de terras, financiamento ao setor agrícola, assessoramento técnico e distribuição de alimentos”, destaca o vice-ministro. “A autossuficiência é uma meta fundamental de nossa revolução.”
Nos últimos treze anos, mais de 6,4 milhões de hectares foram regularizados e distribuídos entre 168 mil famílias. Os bancos, públicos e privados, passaram a ser obrigados a oferecer uma carteira de créditos para o financiamento dos camponeses. Os fundos financeiros aportados pela renda do petróleo viabilizaram programas de alimentação escolar e de distribuição subsidiada de alimentos nas cidades, obrigatoriamente abastecidos pelas terras da reforma agrária.
Os registros do Ministério da Agricultura demonstram que o Banco Agrícola da Venezuela emprestou aos produtores rurais 1,22 bilhões de bolívares em 2010, cifra 6.352% maior que em 2006. Desde a criação do Fundo para o Desenvolvimento Agrário Socialista (Fondas), em 2008, mais de 3,7 bilhões de bolívares foram emprestados aos agricultores do país.
As fazendas privadas produtivas não foram alcançadas pelas desapropriações, mas o Estado passou a ser o grande vetor da atividade agrícola.
Corporações agroindustriais
Apesar do patamar de importação alimentar continuar próximo aos 70%, autoridades governamentais analisam que ocorreram avanços estruturais no quadro agrário. O consumo energético por habitante subiu de 2,2 mil calorias em 1998 para 3,2 mil em 2011, sem aumentar as compras no exterior. A produção nacional de carne bovina, por exemplo, já atende 78% da demanda. A de arroz, 96%. A de leite, 64%.
Ramos: "Todos os alimentos que ingressavam no país chegavam pela via de importação. Importávamos até feijão enlatado."
O governo decidiu enfrentar essa chaga histórica através de um conjunto de medidas elencadas na Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, aprovada no final de 2001, que desde então fixa os parâmetros para políticas de reforma agrária. A nova legislação passou a proibir uma única pessoa de possuir mais que cinco mil hectares, estabeleceu impostos progressivos sobre propriedades, adotou mecanismos para desapropriação de latifúndios improdutivos e determinou a recuperação de áreas públicas ilegalmente ocupadas.
“Os quatro eixos principais da nossa política são distribuição de terras, financiamento ao setor agrícola, assessoramento técnico e distribuição de alimentos”, destaca o vice-ministro. “A autossuficiência é uma meta fundamental de nossa revolução.”
Nos últimos treze anos, mais de 6,4 milhões de hectares foram regularizados e distribuídos entre 168 mil famílias. Os bancos, públicos e privados, passaram a ser obrigados a oferecer uma carteira de créditos para o financiamento dos camponeses. Os fundos financeiros aportados pela renda do petróleo viabilizaram programas de alimentação escolar e de distribuição subsidiada de alimentos nas cidades, obrigatoriamente abastecidos pelas terras da reforma agrária.
Os registros do Ministério da Agricultura demonstram que o Banco Agrícola da Venezuela emprestou aos produtores rurais 1,22 bilhões de bolívares em 2010, cifra 6.352% maior que em 2006. Desde a criação do Fundo para o Desenvolvimento Agrário Socialista (Fondas), em 2008, mais de 3,7 bilhões de bolívares foram emprestados aos agricultores do país.
As fazendas privadas produtivas não foram alcançadas pelas desapropriações, mas o Estado passou a ser o grande vetor da atividade agrícola.
Corporações agroindustriais
Apesar do patamar de importação alimentar continuar próximo aos 70%, autoridades governamentais analisam que ocorreram avanços estruturais no quadro agrário. O consumo energético por habitante subiu de 2,2 mil calorias em 1998 para 3,2 mil em 2011, sem aumentar as compras no exterior. A produção nacional de carne bovina, por exemplo, já atende 78% da demanda. A de arroz, 96%. A de leite, 64%.
Opera Mundi
A estratégia governamental combina ampliação da agricultura familiar com grandes corporações estatais. Essas empresas, além de terem sua própria produção, compram a safra dos pequenos agricultores e das cooperativas locais, além de fornecerem crédito e assistência.
Também distribuem os alimentos nas cidades, tanto através da rede privada quanto do sistema Mercal, controlado pelo governo e com preços subsidiados. Vários desses projetos contam com apoio e sociedade da PDVAL, o braço agrícola da gigantesca estatal do petróleo, que canaliza parte de seus lucros para programas de reforma agrária.
Companhias agroindustriais desse tipo, estatais que articulam a produção regional com o mercado nacional, parecem ser uma grande aposta de Chávez. Várias delas, em diferentes ramos, proliferam por distintas províncias. Empresas como a Los Andes, de engarrafamento de leite, sucos e água; Café Fama da América; Café Venezuela; Cacao Oderi, de chocolates.
O próprio estatuto dessas companhias determina o papel social. “A Abreu e Lima está obrigada a dar suporte para as comunidades da região, em uma área de 30 quilômetros ao redor da área industrial”, explica Pedro Orellana, coordenador de Gestão Comunitária. “Há 711 pequenos e médios produtores beneficiados pela empresa, em 19 comunidades indígenas e criolas.”
Segundo dados oficiais, a produção de alimentos na Venezuela, entre 1988 e 1998, cresceu 8%, de 15,9 milhões de toneladas anuais para 17,1 milhões. Em 2010, esse volume tinha subido para 25 milhões de toneladas, representando um aumento de 44% da produção agrícola nacional durante a era Chávez.
O fato é que o venezuelano passou a comer mais e a ter mais alimentos nacionais no prato, apesar de ainda estar longe de ser superada a dependência do mercado mundial.
A estratégia governamental combina ampliação da agricultura familiar com grandes corporações estatais. Essas empresas, além de terem sua própria produção, compram a safra dos pequenos agricultores e das cooperativas locais, além de fornecerem crédito e assistência.
Também distribuem os alimentos nas cidades, tanto através da rede privada quanto do sistema Mercal, controlado pelo governo e com preços subsidiados. Vários desses projetos contam com apoio e sociedade da PDVAL, o braço agrícola da gigantesca estatal do petróleo, que canaliza parte de seus lucros para programas de reforma agrária.
Companhias agroindustriais desse tipo, estatais que articulam a produção regional com o mercado nacional, parecem ser uma grande aposta de Chávez. Várias delas, em diferentes ramos, proliferam por distintas províncias. Empresas como a Los Andes, de engarrafamento de leite, sucos e água; Café Fama da América; Café Venezuela; Cacao Oderi, de chocolates.
O próprio estatuto dessas companhias determina o papel social. “A Abreu e Lima está obrigada a dar suporte para as comunidades da região, em uma área de 30 quilômetros ao redor da área industrial”, explica Pedro Orellana, coordenador de Gestão Comunitária. “Há 711 pequenos e médios produtores beneficiados pela empresa, em 19 comunidades indígenas e criolas.”
Segundo dados oficiais, a produção de alimentos na Venezuela, entre 1988 e 1998, cresceu 8%, de 15,9 milhões de toneladas anuais para 17,1 milhões. Em 2010, esse volume tinha subido para 25 milhões de toneladas, representando um aumento de 44% da produção agrícola nacional durante a era Chávez.
O fato é que o venezuelano passou a comer mais e a ter mais alimentos nacionais no prato, apesar de ainda estar longe de ser superada a dependência do mercado mundial.
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