Filipe Diniz
A
presença crescente nas eleições de diversos países de candidaturas
apoiadas por formações “religiosas” é apenas uma face mais visível do
papel instrumental que estas desempenham, em particular no quadro da
actual crise geral do capitalismo. A componente “religiosa” da ideologia
dominante continua a constituir um dos mais eficazes instrumentos da
opressão de classe.
Segundo
os jornais, um dos candidatos que as sondagens davam como favorito na
primeira volta das eleições municipais em São Paulo, no Brasil, acabou
por ser prejudicado por ser o representante da coligação Partido
Republicano Brasileiro (PRB) / Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Teve 21% dos votos, o que foi insuficiente para passar à 2.ª volta. Mas
o candidato Serra passou, com 30,7%, apoiado pela coligação PSDB/IMPD.
IMPD é a sigla da Igreja Mundial do Poder de Deus.
Estas «coligações» têm muito que se lhes diga, porque dos nove
deputados federais eleitos pelo PRB, sete são pastores da IURD. Ou seja,
não será fácil distinguir se é o partido o braço «político» da Igreja,
ou se é a Igreja o braço «religioso» do partido.
Nas eleições presidenciais dos EUA o candidato republicano, Mitt
Romney, já foi bispo e é um alto dignitário da Later Day Saints Church
(LDS), mais conhecida como Igreja mórmon. E não é obviamente a primeira
vez que um candidato nos EUA tem um forte vínculo público a uma
instituição de carácter religioso, tendo em conta o papel de grande
relevo que muitas dessas instituições desempenham na sociedade
americana. Já para não falar das consultas directas que George W. Bush
fazia com Deus, segundo o seu próprio testemunho.
Serão surpreendentes estes fenómenos? Nem por isso. Essas «igrejas»
são sobretudo potentados económicos e mediáticos, e não o são apenas
extorquindo o «dízimo» aos seus fiéis. A LDS controla empresas que geram
rendimentos anuais de milhares de milhões de dólares, um jornal, uma
estação de TV, 11 rádios, uma editora, negócios de seguros, é
proprietária de milhões de hectares de terras nos EUA, Grã-Bretanha,
Canadá, Austrália, México, Argentina, Brasil.
E quanto à dimensão «religiosa», podemos recordar a propósito a
reflexão de Gramsci acerca do papel da categoria intelectual dos
eclesiásticos medievais – a «aristocracia da toga» – enquanto
intelectuais orgânicos de um sistema feudal que entrara em crise. Para a
ideologia dominante, num quadro em que o capitalismo já exclui qualquer
dimensão de racionalidade, a componente religiosa da ideologia ganha
uma prioridade acrescida.
E não é só no Brasil e nos EUA.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2030, 25.10.2012
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2030, 25.10.2012
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