A
palavra “competitividade” figura em todas as bocas e já não se
restringe as empresas. Agora cidades, regiões e até mesmo as nações
devem concentrar suas energias nesse objetivo. Com esse fim, nossos
governantes são convidados a se inspirar nas teorias de administração
desenvolvidas pelas escolas de comércio dos EUA
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por Gilles Ardinat no LE MONDE -BRASIL |
Singular unanimidade. Diante do anúncio da demissão de 8 mil
funcionários da Peugeot em 12 de julho de 2012, Jean-François Copé,
secretário-geral da União por um Movimento Popular (UMP), identificou
uma “prioridade absoluta”: “a competitividade de nossa indústria”.
Momentos antes, o ex-ministro do Trabalho Xavier Bertrand observava:
“Não é apenas uma questão de quantidade, mas também de custo de trabalho
e competitividade”.1 Outro argumento retomado no mesmo dia
pelo senador e ex-primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin apelava para um
“choque de competitividade”, a única forma de aquecer a economia
francesa, segundo ele.
Assim ecoava o perfeito coro de tenores formado pelos dirigentes da UMP
e políticos dos salões dos palácios do Eliseu e de Matignon. O
presidente François Hollande identificou a competitividade como o
principal eixo de trabalho. E, 48 horas antes, o primeiro-ministro
Jean-Marc Ayrault havia definido um objetivo fundamental para a nação:
“Melhorar a competitividade de nossas empresas”.
Da estratégia de Lisboa, que em 2000 definiu um “novo objetivo” para a
União Europeia (“transformar a economia do conhecimento na economia mais
competitiva e dinâmica do mundo”), aos “acordos de competitividade e
emprego” lançados pelo presidente Nicolas Sarkozy no fim de seu mandato;
das injunções para a “competitividade fiscal” do patronato britânico
aos planos de “competitividade industrial” de seu homólogo espanhol, a
palavra “competitividade” figura em todas as bocas e já não se restringe
ao meio empresarial. A partir de agora, cidades, regiões e até mesmo as
nações devem concentrar suas energias nesse objetivo prioritário. Com
esse fim, nossos magistrados e governantes são convidados a se inspirar
nas teorias de administração desenvolvidas pelas escolas de comércio
norte-americanas e colocar em prática seus conceitos:2 controle de custos de produção (“competitividade-custo”), benchmarking(os
países são comparados e classificados como empresas em um meio
concorrencial), marketing territorial (os territórios devem “vender-se”)3
e pesquisa de financiamento (atração de capitais). Ao passo que o uso
dessa caixa de ferramentas aumenta, a competitividade se impõe como o
novo padrão de performance dos territórios na globalização. Mas como ela
é medida?
Em sentido amplo, a competitividade designa a capacidade de enfrentar
com êxito a concorrência. Aplicada aos territórios, essa noção mede o
nível de inserção na geografia econômica mundial. Contudo, basta
consultar obras e artigos – abundantes – consagrados ao tema para
identificar um primeiro paradoxo: apesar do entusiasmo que suscita, esse
conceito se revela particularmente frágil no âmbito científico. Isso
acontece porque transpõe uma noção microeconômica (a competitividade de
produtos e empresas) à esfera política (a competitividade de
territórios). Essa analogia é denunciada pelo economista Paul Krugman,
agraciado em 2008 pelo Banco Central da Suécia com o Prêmio de Ciências
Econômicas em Memória de Alfred Nobel: “A competitividade é uma palavra
vazia de sentido até o momento em que é aplicada às economias nacionais.
A obsessão pela competitividade é, ao mesmo tempo, falsa e perigosa”.4
Numerosos especialistas tentaram remediar essa carência construindo uma
definição mais consensual para o termo, como a do economista austríaco
Karl Aiginger, para quem esse conceito descreve cada vez mais uma
“aptidão para gerar bem-estar” no meio concorrencial. Ele indica que “o
salário e o emprego são gerados em processos nos quais a rivalidade e a
performance relativa desempenham um papel”.5 Essa concepção,
aplicada ao cenário atual, supõe que a concorrência generalizada entre
territórios seja compatível com o melhoramento do nível de vida.
Ainda assim, permanece a questão: é possível considerar territórios e
empresas como instituições de mesma natureza? Um território, espaço
apropriado e delimitado por uma fronteira, oferece a um povo suporte
físico, assim como boa parte de suas referências culturais e políticas.
Ele não se reduz a dados macroeconômicos: as notas (papel das agências
de risco), as taxas (inflação, juros, desemprego) ou os salários
(comerciais, orçamentários) refletem apenas um aspecto – superficial e
material – da nação. Contrariamente a uma empresa, o objetivo maior de
um território não é lucrar. Sua ação se inscreve no tempo longo da
história, não no imediatismo dos mercados. Enfim, uma nação não faz
balanços nem pode ser liquidada.
É sobre essa assimilação, contudo, que se constrói a teoria da
competitividade, um dos pilares da globalização. Aplicada aos
territórios, essa noção marca uma nova etapa da “mercantilização do
mundo”, porque subentende que existe um “mercado de territórios” em que
as empresas podem escolher suas bases a partir do jogo da concorrência.
Em um mundo onde tudo, ou quase tudo, pode ser cotizado na Bolsa
(direitos de poluir, títulos de dívidas, matérias-primas), a
competitividade faz as vezes de bússola para os investidores ao avaliar a
suposta performance de um território.
Detenhamo-nos às declarações oficiais: alimentar a competitividade
estimularia o emprego, a produtividade e o nível de vida. Segundo os
especialistas delegados pela Comissão Europeia, “a concorrência é
aliada, e não inimiga, do diálogo social”.6 A globalização
ofereceria ao Ocidente a possibilidade de se livrar das atividades
manufatureiras e da fabricação de produtos de pouco valor agregado em
favor de empregos altamente qualificados e mais bem remunerados. Em
resumo, uma operação vantajosa para todas as partes: de um lado, os
países industrializados se beneficiariam com a especialização de
serviços e da alta tecnologia (“competitividade estrutural”, que depende
da capacidade de inovação e exploração da propriedade intelectual); do
outro, o Terceiro Mundo sairia da pobreza graças aos deslocamentos de
empresas para seus territórios (guiados pela “competitividade-preço”, ou
seja, pela diminuição dos preços dos produtos em função dos baixos
salários, da desvalorização da moeda e do crédito com juros baixos).
Esse cenário – que certos “países cobaias”, considerados simplesmente territórios low cost,
não considerariam muito vantajoso – corresponde à realidade? Nenhuma
economia, por mais sofisticada que seja, pode se emancipar dos problemas
de custos. A Alemanha, muito usada como exemplo, é um país de forte
tradição industrial. No entanto, aumentou sua competitividade por meio
da estagnação salarial e de um imposto sobre o consumo considerado
“social” (uma redução das contribuições patronais compensadas pelo
aumento das taxas sobre o consumo de bens duráveis). Essas medidas
unilaterais coincidem com a decolagem de seus excedentes comerciais.
Além disso, apesar dos mitos sobre o atraso insuperável, os países
emergentes se mostram cada vez mais competitivos pelas inovações em
filões importantes do mercado (informática na Índia, energias renováveis
na China).
Não seria ilusório, então, dividir o mundo em países de competitividade
“estrutural” e países de “competitividade-preço”, condenados a ser
apenas o lado mais fraco da globalização? O relatório Blanc de 2004,7
que inspirou a política francesa dos polos de competitividade, afirmava
que, “para retomar uma vantagem significativa, a economia deve escolher
entre alinhar-se ao modelo social asiático ou tomar a dianteira na
inovação”. Com base nessa visão binária, os dirigentes da zona atlântica
do euro retificaram os deslocamentos das últimas décadas. E, em seus
discursos, raramente figurava a ideia de repatriar os milhões de
empregos perdidos no setor têxtil, siderúrgico ou na indústria de
brinquedos. Os países cuja produção se respaldou no Estado seriam
condenados por “falência econômica”, teriam de reimportar esses produtos
e se especializar em serviços e pesquisa.
Mas a estratégia da competitividade estrutural não seria outra forma de
designar a renúncia política? Para além da frivolidade do “todos
ganham” e da promessa de melhorar quantitativa e qualitativamente o
emprego, em geral se trata da imposição de medidas impopulares: aumento
de imposto, arrocho salarial, austeridade fiscal. Assim, foi em nome da
competitividade que a União Europeia e o FMI exigiram a redução dos
salários na Grécia.8 Menos performático que seus vizinhos, o
país deveria baixar significativamente a remuneração do trabalho,
enquanto os planos de salvamento garantiriam provisoriamente a
remuneração do capital, ou seja, o pagamento dos juros ao sistema
financeiro. Nesse sentido, a competitividade mascara o que, em
realidade, parece um dumping generalizado.
Na década de 1980, a expressão “dumping monetário” foi
abandonada (em teoria, denunciada pelo FMI) para dar lugar ao termo
“desvalorização competitiva” – operação que consiste em manter o câmbio
de uma moeda artificialmente baixo para favorecer as exportações. O
termo dumping conservava uma característica pejorativa, razão
pela qual foi substituído por “competitividade”, suficientemente
respeitável para autorizar um governo a tomar medidas antissociais sem
ser estigmatizado. Em resumo, essa palavra permite formular de maneira
politicamente aceitável a imposição de se adaptar à concorrência,
estratégia que a população não necessariamente escolheu, mas que é um
dos pilares da globalização neoliberal.
Promessa de prosperidade que desemboca em políticas de dumping:
esse discurso paradoxal de duplo sentido repousa sobre o dogma da
concorrência entre sistemas produtivos. Se a ideia de uma “concorrência
livre e perfeita” guiou diversas leis antitruste e antidumping,9
sua transposição aos territórios apresenta alguns problemas. Em
primeiro lugar, não existe nenhuma autoridade de regulação confiável
para a concorrência entre nações. Nem a Organização Mundial do Comércio
(OMC) nem a Organização Internacional do Trabalho (OIT) parecem estar em
condições de regulamentar os diferentes dumpings. Assim, a China pode acumular livremente dumping
social (baixos salários), ambiental (livre poluição pelas indústrias),
monetário (desvalorização deliberada do yuan), regulamentário
(flexibilidade das leis) e fiscal (restrições nos serviços sociais
estatais e multiplicação de zonas isentas de impostos). A lei do
mercado, ao ser aplicada aos territórios, se revela fundamentalmente
distorcida.
O discurso sobre a competitividade tenta mascarar esse panorama com a
correção das disparidades entre os diferentes locais de produção. Esses
esforços parecem irrisórios quando as abismais diferenças de custos são
levadas em conta: o bloqueio dos salários no Ocidente, por exemplo,
permite realmente que o salário dos trabalhadores franceses seja
comparado ao de seus homólogos vietnamitas? Para cumprirem esse objetivo
oficial (“ganhar a batalha da competitividade”), essas políticas
respondem às tentativas do setor empresarial de reduzir os custos do
trabalho. Surpreendente coincidência, a busca pela competitividade,
pouco contundente em sua luta contra os deslocamentos de indústrias,
constituiria, assim, um álibi cômodo para garantir ou aumentar a
remuneração do capital. Nesse sentido, evocar os termos “território” ou
“nação” constitui um artifício retórico, porque os benefícios não são
coletivos (noção de interesse geral ou nacional), e sim categorizados
(aumento do lucro de alguns).
Por outro lado, a concorrência frontal dos sistemas produtivos gera um
efeito depressivo inerente sobre os salários, a arrecadação de impostos e
a proteção social – todos eles com tendência ao reajuste para baixo.
Esse fenômeno não prejudica apenas os assalariados (perda do poder de
compra) e os Estados (redução da receita fiscal): também reduz a demanda
dos mercados. Sem mencionar que, se os países decidissem
simultaneamente impor suas demandas, precipitariam uma grave depressão.
Analogicamente, no “mercado dos territórios” os excedentes comerciais
não poderiam ser retirados todos de uma vez: é preciso necessariamente
países no vermelho para que outros estejam no verde.10 A obsessão de uma “convergência de competitividades” segundo o modelo alemão, portanto, não passa de uma fábula.
A partir do momento em que se constata a fragilidade teórica do
discurso sobre a competitividade – porque conduz a diagnósticos
enganosos e ao dumping dissimulado –, como explicar seu
enaltecimento por parte de dirigentes políticos? Talvez porque essa
noção responda às exigências das empresas e dos mercados internacionais.
Sem meios de controlar uns aos outros, os eleitos se adaptam às suas
exigências. O objetivo da competitividade mascara a perda de autoridade e
de soberania dos Estados-nação, e permite eliminar da ação política
qualquer possibilidade de proteção social. Enquanto isso, o território –
tradicionalmente considerado uma barreira contra as ameaças exteriores
(sejam elas militares ou comerciais) com suas fronteiras e instituições
políticas – perde gradualmente essa função protetora com o
enfraquecimento das barreiras aduaneiras e prerrogativas do Estado.
Gilles Ardinat
Geógrafo
Ilustração: Alves
1 Agência France Presse (AFP), 12 jul. 2012.
2 Michael Porter, L’avantage concurrentiel des nations[A vantagem concorrencial das nações], Inter-Editions, Paris, 1993.
3 Ler François Cusset, “La foire aux fiefs” [A feira nos feudos], Le Monde Diplomatique, maio 2007.
4 Paul Krugman, “Competitiveness: a dangerous obsession” [Competitividade: uma perigosa obsessão], Foreign Affairs, Tampa, v.73, n.2, mar.-abr. 1994; “The competition myth” [O mito da competitividade], The New York Times, 23 jan. 2011.
5 Aiginger Karl, “From a dangerous obsession to a welfare creative
ability with positive externalities” [De uma perigosa obsessão à
habilidade criativa para gerar bem-estar com externalidades positivas], Journal of Industry, Competition and Trade, v.6, n.2, jun. 2006.
6 Alexis Jacquemin e Lucio Pench, Pour une compétitivité européenne. Rapport du groupe consultatif sur la compétitivité [Por uma competitividade europeia. Relatório do grupo de consultoria sobre a competitividade], De Boeck, Bruxelas, 1997.
7 Christian Blanc, “Pour un écosystème de la croissance. Rapport au
premier ministre” [Por um ecossistema do crescimento. Relatório ao
primeiro-ministro], La Documentation Française, Paris, 2004.
8 Ler Anne Dufresne, “Le consensus de Berlin” [O consenso de Berlim], Le Monde Diplomatique, fev. 2012.
9 Os Estados Unidos votaram, por exemplo, no Ato Antitruste de Sherman
(1890) e o no Ato Antitruste de Clayton (1914), para melhorar o
funcionamento do mercado.
10 Ler Till van Treeck, “Victoire à la Pyrrhus pour l’économie allemande” [Vitória de Pirro para a economia alemã], Le Monde Diplomatique, set. 2010.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Competitividade, símbolo dos paradoxos da globalização
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