Samir Oliveira no SUL21
A prefeitura de Porto Alegre quer anular na Justiça um dispositivo do
Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) da cidade, aprovado em 2009
pela Câmara Municipal. Trata-se do segundo inciso do artigo 32 da lei
complementar 626/09, que determina que 20% do valor total de multas
arrecadadas pela EPTC deve ser investido na construção de ciclovias e em
campanhas que promovam a educação no trânsito – focadas na convivência
entre ciclistas e motoristas.
Histórico do caso
O PDCI foi uma iniciativa do próprio Poder Executivo, mas a emenda
que determinou o investimento de 20% do que é arrecadado das multas em
ciclovias foi de autoria do vereador Beto Moesch (PP). Apesar de não
constar no projeto original enviado à Câmara, essa emenda foi sancionada
pelo então prefeito José Fogaça (PMDB) em 2009.
Mas, desde então, a lei nunca foi cumprida, já que a EPTC sequer tem
aplicado 10% do que arrecada com multas na construção de ciclovias. Por
conta disso, no dia 6 de janeiro deste ano o Laboratório de Políticas
Públicas e Sociais (Lappus) ingressou com uma representação no
Ministério Público para cobrar o cumprimento da lei.
O caso está com a Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da
Ordem Urbanística, sob os cuidados do promotor Luciano Brasil. No início
do ano, ele requisitou à EPTC as informações referentes aos
investimentos da verba arrecadada com as multas.
Pelos dados fornecidos, pode-se constatar que o Plano Diretor
Cicloviário não vinha sendo cumprido. Desde julho de 2009, quando a lei
entrou em vigor, até o final deste mesmo ano, a EPTC arrecadou R$ 3,6
milhões em multas e aplicou somente R$ 206,5 mil no que determina a lei,
o que representa 5,71% do total.
Em todo o ano de 2010, dos R$ 24,3 milhões arrecadados, R$ 2,1
milhões foram investidos em ciclovias ou campanhas educativas. O valor
representa 8,71% do total, quando a lei diz que deveriam ser aplicados
20%.
Em 2011, dos R$ 26,3 milhões arrecadados com multas de trânsito,
somente R$ 2,3 milhões foram aplicados conforme determina a o Plano
Diretor Cicloviário – 8,98% do valor total.
Com esses dados em mãos, o promotor Luciano Brasil sugeriu que a EPTC
criasse um fundo fixo para onde iriam os recursos das multas, o que
facilitaria a aplicação de 20% desse montante para a construção de
ciclovias. Como a empresa ignorou a sugestão, o promotor ingressou com
uma ação civil-pública para obrigar o município a cumprir esse
dispositivo do Plano Diretor Cicloviário.
Tramitação do processo
O Ministério Público pediu, em caráter liminar, que a Justiça
obrigasse a prefeitura a aplicar 20% do valor arrecadado em multas na
construção de ciclovias, mas obteve derrota em primeira instância. Com
isso, o promotor recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
(TJ-RS).
Quando o processo chegou no TJ, a EPTC resolveu, então, alegar que
esse dispositivo do Plano Diretor Cicloviário é inconstitucional. De
acordo com a empresa, essa determinação não pode ser cumprida, pois
seria necessário ter previsão orçamentária para fazer esses
investimentos – algo que somente o prefeito pode determinar.
A alegação pegou o promotor e os cicloativistas de surpresa, já que
não esperavam que a prefeitura fosse querer anular um dispositivo de uma
lei que ela mesma sancionou. “Até então não houve nenhum tipo de
reclamação da prefeitura em relação a essa lei”, estranha o promotor
Luciano Brasil.
Ele entende que o dispositivo em discussão não é inconstitucional. “A
verba proveniente da arrecadação de multas da EPTC não possui caráter
orçamentário, pois não há previsão no orçamento para isso. É uma receita
derivada do poder de sanção da empresa, não tem como estimar quanto
será arrecadado”, argumenta o promotor.
Diretor do Lappus, integrante da Massa Crítica e vereador eleito de
Porto Alegre, Marcelo Sgarbossa (PT) avalia que há um retrocesso na
agenda cicloviária da cidade. “A prefeitura nunca cumpriu a lei e agora
encontrou uma justificativa juridicamente questionável para não
aplicá-la. Como é que a arrecadação de multas pode ser considerada uma
verba prevista em orçamento?”, questiona.
Para ele, a administração municipal se favoreceu politicamente com a
aprovação da lei – ganhando, à época, a simpatia dos ciclistas. “A
prefeitura utilizou essa lei como forma de capital político para mostrar
que tinha compromisso com a mobilidade urbana por meio de bicicletas.
Agora, promovem um retrocesso bárbaro”, critica.
A ação que poderá declarar a inconstitucionalidade da medida está com
o desembargador Armínio José da Rosa, que é o relator do processo, e
será julgada pelo pleno do Tribunal de Justiça.
Em janeiro, prefeitura prometia cumprir a lei e não falava em inconstitucionalidade
O Sul21 acompanhou o início da ação do Ministério
Público junto à prefeitura para que fosse cumprido o Plano Diretor
Cicloviário. Em uma matéria publicada no dia 6 de janeiro deste ano,
dois integrantes do primeiro escalão da prefeitura garantiram que a lei
seria cumprida e não manifestaram inconformidades com a medida.
O secretário de Governança, Cezar Busatto (PMDB), disse que a lei
seria aplicada em 2012. “Após diversas reuniões entre os órgãos
envolvidos e o fechamento do relatório de arrecadação de valores de
multas de 2011, nós já avisamos aos ciclistas que a partir deste ano ela
será cumprida”, assegurou o peemedebista na época, em entrevista ao Sul21.
Na mesma matéria, o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari,
reconheceu que os valores não aplicados desde 2009 não seriam
recuperados, mas assumiu o compromisso de passar a cumprir a
determinação do Plano Diretor Cicloviário em 2012. “Infelizmente, não
temos como recuperar a verba da arrecadação de multas de 2009 e 2010,
pois já fizemos investimentos em outras áreas. Agora temos que olhar pra
frente e utilizar o valor arrecadado em 2011 em campanhas educativas e
de incentivo a utilização da bicicleta como meio de transporte”, disse.
A opção de declarar parte da lei inconstitucional revoltou os
ciclistas porto-alegrenses que acompanhavam as discussões do tema com a
prefeitura. Ciclista há 20 anos, a professora de Antropologia Maria de
Nazareth Agra Hassen diz que os ciclistas estão revoltados com a decisão
da administração municipal.
“É óbvio que há uma intenção de se livrar da obrigação de aplicar 20%
do que é arrecadado em multas na construção de ciclovias. É uma
situação constrangedora para a prefeitura, já que nas reuniões o Busatto
e o Cappellari afirmavam uma coisa e depois, sem conversar com as
pessoas, entraram com essa ação”, critica.
Ela assegura que “os ciclistas se sentem muito enganados“. “A
prefeitura cria uma aparente ideia de democracia e de discussão com os
interessados, mas essa participação é falsa, porque, encerrada a reunião
e apaziguados os ânimos, a prefeitura faz o que bem entende, à revelia
do compromisso estabelecido com as partes”, condena.
Procurado pela reportagem, o secretário Cezar Busatto disse que não
está acompanhando esse assunto e que, como é algo que diz respeito à
área jurídica do governo, não teria condições de comentar.
Também procurada pela reportagem, a EPTC não quis se manifestar sobre
o caso, alegando que o processo ainda corre na Justiça. A assessoria de
comunicação da empresa enviou um e-mail com informações sobre a
construção de ciclovias na cidade.
Confira a íntegra da nota enviada pela EPTC
PLANO DIRETOR CICLOVIÁRIO PREVE 495KM DE CICLOVIAS EM POA
• Ciclovia da Restinga – 4,6km de extensão. Ciclovia da Restinga =
são 3 km na Avenida João Antônio da Silveira, entre as avenidas Edgar
Pires de Castro e Ignês Fagundes. Outros 500 metros conduzirão até as
proximidades do Parque Industrial, e 1,1km na Nilo Wulff, entre a
Avenida João Antônio da Silveira e o terminal de ônibus.
• Ciclovia da Diário de Notícias – Ao longo da av. Diário de Notícias, entre Wenceslau Escobar e Chuí. 2,1km de extensão.
• Ciclovia de Ipanema – Inicia na Cel. Marcos com Dea Cofal, segue
pela Dea Cofal e avenida Guaíba, encerrando na Osvaldo Cruz. 1,25 km de
extensão.
• Ciclofaixa da Icaraí – 1,7km, entre as avenidas Chuí e Wenceslau
Escobar, no sentido bairro-Centro, localizada ao lado direito da pista,
junto ao meio-fio e segregada por tachões.
Próximas Ciclovias
Ipiranga – previsão de 9,4km, entre a Edvaldo e a Antônio de Carvalho
(contrapartida Zaffari e Praia de Belas). Primeiro trecho concluído
(cerca de 414m), entre a Érico Verissimo e Azenha), restante em fase de
construção.
Aeroporto-Sertório (integrada na Dona Alzira) – previsão de 12km
(investimento público) ciclovia circundando a área do Aeroporto pela
avenida dos Estados, Severo Dullius, Dona Alzira e Sertório (iniciando
na estação de metrô Farrapos, segue pela Sertório, Assis Brasil e
encerra na Franciso Silveira Bittencourt).
Com a conclusão da duplicação da Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio),
obra preparatória para a Copa do Mundo que inclui uma ciclovia de 6,35km
de extensão, haverá integração dos espaços exclusivos para os ciclistas
das avenidas Ipiranga, Edvaldo Pereira Paiva, Padre Cacique (1
quilômetro a ser implantado) e Diário de Notícias (2,1 quilômetros já
existentes), resultando em 17,4 quilômetros de ciclovias integradas.
Voluntários da Pátria – obra de duplicação da via, contará com ciclovia de 3,5km, entre a rua da Conceição e Av. Sertório.
Loureiro da Silva – 1,2 km de extensão, interligando a José do Patrocínio e Vasco Alves.
José do Patrocinio – 880 metros de extensão, ligando as avenidas Loureiro da Silva e Venâncio Aires.
José do Patrocinio – 880 metros de extensão, ligando as avenidas Loureiro da Silva e Venâncio Aires.
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