Fernanda Melchiona - SUL21
A gravidade do caso dos 170 indígenas Guarani-Kaiowá no
acampamento Pyelito Kue/Mbarakay, cidade de Iguatemi (MS) causou grande e
necessária repercussão nas redes sociais e nas mídias alternativas
diante da decisão da (in)Justiça de pedir reintegração de posse de
terras que há muito deveriam estar demarcadas. Com a ameaça premente de
desocupação, os indígenas lançaram uma nota denunciando o abandono, o
fato de conseguirem se alimentar apenas uma vez ao dia, a violência dos
fazendeiros e a decisão dramática de um povo de luta de resistir até as
últimas consequências, com a morte coletiva.
Esta repercussão, os atos ocorridos em São Paulo e Botucatu,
protestos organizados pela internet (com milhares de confirmações) em
várias cidades brasileiras para o dia 09 de novembro, garantiram uma
vitória parcial: a cassação da liminar de reintegração de posse
concedida pela Justiça Federal em Naviraí. Certamente, uma vitória da
resistência, do heroísmo dos Guarani-Kaiowá e do apoio de milhares de
ativistas brasileiros e mundiais.
Os indígenas têm outra relação com a terra, que não é tida como uma
mercadoria ou um bem para negócio, mas como a origem da vida,
depositária dos ancestrais, raiz da constituição das tribos e suas
tradições. Obviamente, uma visão absolutamente oposta à lógica do
capitalismo e da propriedade privada. Por que, apesar do verdadeiro
massacre reconhecido nos livros de História que passaram os indígenas
desde a colonização brasileira, o governo federal não cumpre a
Constituição (artigo 231, que garante ao Estado a demarcação e a
proteção às terras indígenas)? Por que a omissão e a demora do Estado
em garantir os estudos antropológicos necessários ao processo de
demarcação? Enquanto os indígenas esperam, aumentam os conflitos e
estes convivem com as ameaças permanentes de jagunços e pistoleiros do
agronegócio. Além disso, a conivência de boa parte do poder Judiciário
com a lógica rentista da terra também chama atenção, desde a decisão da
Justiça de São Paulo no caso da desocupação de seis mil pessoas de
Pinheirinho para garantir os interesses do especulador financeiro Naji
Nahas até a determinação do STF da continuidade das obras de Belo Monte.
Todas as respostas anteriores têm relação com interesses econômicos,
com o enorme peso que a elite do agronegócio tem no Congresso Nacional e
também na base de sustentação do governo Dilma. Por exemplo, André
Puccinelli, governador do MS que aparece nos documentos divulgados pelo
Wikileaks como autor de deboches sobre as reivindicações indígenas, é do
PMDB, partido que hoje, lamentavelmente, é eixo de poder junto ao PT,
ocupando não apenas a Vice-presidência, mas também ministérios
importantes como o Ministério de Minas e Energia (Edison Lobão),
responsável por “brilhantes” projetos como Belo Monte, que além de
atacar milhares de indígenas, coloca em risco dezenas de espécies,
abrindo a possibilidade de seca na Volta Grande (área de 100 km na volta
do Rio Xingu).
Marcelo Freixo – deputado estadual do PSOL no Rio de Janeiro – sempre
diz que “quem diz que governa para todos, mente para alguém”. No
governo de coalizão com os ruralistas, pagam os povos originários que,
muito além do massacre sofrido há mais de 500 anos, seguem sendo
dizimados diariamente. Segundo Fabio Nassif, em artigo na Carta Maior, o
Mato Grosso do Sul tem os maiores índices de assassinatos de indígenas
do Brasil (cerca de 500 assassinados nos últimos dez anos), enquanto o
aumento do agronegócio exportador, baseado no plantio desenfreado de
soja, é gritante.
Que a conquista da cassação da liminar de reintegração de posse
fortifique a solidariedade e a capacidade de mobilização de todos em
defesa dos direitos de demarcação dos indígenas e que a gravidade das
denúncias em relação às péssimas condições de vida causadas pela
morosidade do Estado, conivência de uma parte do Poder Judiciário e a
violência das hordas armadas a mando dos ruralistas não sejam apenas
encaradas como parciais, mas como parte das relações brutais
capitalistas sobre os povos que verdadeiramente descobriram o Brasil.
Viva os Guarani-Kaiowá!
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