Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, enfrenta os soldados israelenses e diz que a dor já faz parte de sua vida
Oren Ziv/ ActiveStills no OPERA MUNDI
No meio de uma estrada deserta, cercada de paisagem árida, uma
pequena menina com a insígnia da paz estampada no peito enfrenta
dezenas de soldados, protegidos com capacetes e metralhadoras. O
contraste da imagem choca, mas nem as armas em punho foram capazes de
amedrontar a garotinha, que continuou a gritar e empurrar os oficiais
em busca de respostas (veja o vídeo abaixo).
Os risos jocosos dos militares, que se entreolhavam em desprezo,
apenas alimentaram o desespero e raiva da jovem. No fim, a única
resposta recebida foi o disparo de balas de borracha. As imagens da
bravura da menina, na reedição de uma espécia de batalha entre Davi e
Golias, correram o mundo. Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, queria apenas
saber para onde o irmão, Waed, de 15 anos, havia sido levado durante
os protestos do dia 2 de novembro em Nabi Saleh, pequeno vilarejo na
Cisjordânia onde vivem.
Sentada na cama do hospital em Ramallah com a mão envolta em
curativos, a palestina não reclama do ferimento de balas de borracha e
conta que a dor já se tornou parte de sua vida. Filha do líder
comunitário Bassem Tamimi, considerado pela União Europeia um “defensor
dos direitos humanos” e pela Anistia Internacional “um prisioneiro de
consciência”, Ahed já teve de lidar com o encarceramento de seus pais, a
morte de dois tios e a violência cotidiana de soldados israelenses
contra sua família e amigos.
“Eu lembro que o pior período da nossa vida foi quando prenderam o
meu pai pela primeira vez e as autoridades israelenses não nos deram
autorização para visitá-lo”, afirmou ela a Opera Mundi.
Detido por oficiais israelenses por seu papel de liderança nos
protestos pacíficos, Bassem teve de enfrentar a corte militar de Israel
por 13 vezes e chegou a passar mais de três anos no cárcere sem nenhum
julgamento.
Há mais de três anos, os residentes de Nabi Saleh se concentram toda
sexta-feira às 13:30 no centro da vila e tentam caminhar com bandeiras
da Palestina nas mãos até a Alqaws, fonte de água da cidade confiscada
pelos oficiais israelenses em 2009 e agora, de uso exclusivo e livre
acesso para os colonos. O recurso era necessário para as plantações na
aldeia de predominância agrícola e também utilizado como local de lazer,
mas Israel restringiu a visita a indivíduos e proibiu a construção de
qualquer tipo de infraestrutura no local pelos palestinos.
ActiveStills (24/08/12)
Ahed e sua prima tentam impedir a prisão de sua mãe Nariman em um protesto contra os assentamentos em Nabi Saleh
Ahed e sua prima tentam impedir a prisão de sua mãe Nariman em um protesto contra os assentamentos em Nabi Saleh
“Toda sexta-feira, choques começam quando tentamos começar nosso
protesto pacífico contra o assentamento que nos cerca”, conta a garota.
Idosos, como sua avó de 90 anos, crianças, mulheres e homens são
atingidos indiscriminadamente por munições e projéteis.
Com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e
o líquido “skunk”, os soldados impedem que a passeata chegue ao seu
local de destino, mas, pela primeira vez em junho deste ano, o grupo
conseguiu entrar na fonte.
Depois dos primeiros protestos, as Forças de Defesa de Israel
começaram a fechar todas as entradas e saídas da vila, impedindo a
chegada de ativistas internacionais e de outras cidades palestinas e
restringindo a manifestação às ruas da vila.
“O uso de todos os meios para finalizar o protesto pelas forças de
segurança é excessivo e ocorre mesmo quando os manifestantes não são
violentos e não representam ameaça. As forças disparam enormes
quantidades de gás lacrimogêneo dentro da área urbana da vila, que é o
lar de centenas de pessoas”, diz relatório da organização israelense B’TSelem. “Em um protesto, pelo menos 150 latas de gás lacrimogêneo foram disparadas”.
Mortes
Foi em uma dessas vezes que Ahed perdeu um de seus primos. Há
exatamente um ano, Mustafa morreu quando foi baleado na cabeça com uma
bomba de gás lacrimogêneo durante os protestos. De acordo com
testemunhas, ele jogava pedras contra um tanque israelense e um soldado
não identificado mirou a arma em sua cabeça.
ActiveStills
Ahed Tamimi (no fundo à direita), sua mãe, Nariman, abraçada a seu irmão, Waed, no funeral de Rushdi Tamimi
Ahed Tamimi (no fundo à direita), sua mãe, Nariman, abraçada a seu irmão, Waed, no funeral de Rushdi Tamimi
Mas, segundo organizações de direitos humanos e residentes de Nabi
Saleh, os oficiais não usam inadequadamente apenas munições menos
letais, mas também armas de fogo. No dia 19 de novembro, o tio de Ahed,
Rushdi, policial palestino de 31 anos, faleceu de complicações médicas
depois de ferimentos com balas de fogo no intestino.
Apesar da crescente repressão, Ahed e sua família continuam a
participar dos protestos semanais na aldeia de 500 habitantes contra os
assentamentos israelenses e o muro que separam os territórios. Sob o
argumento de que a manifestação é uma “reunião ilegal”, os oficiais
prendem civis e tentam dispersar o grupo logo nos primeiros minutos.
Prisões
“Minha mãe disse a eles para saírem das nossas terras e o soldado,
com raiva, respondeu que estávamos em uma zona militar. Minha mãe,
então, disse a ele para retirar os colonos também e ele ordenou sua
prisão”, lembra Ahed da manifestação do dia 24 de agosto (vídeo). Junto
de suas primas, a garota protestou contra a detenção e acabou
apanhando dos militares. Nariman foi libertada e logo, voltou a
participar das manifestações com sua câmera e kit de primeiros
socorros.
ActiveStills (24/08/12)
Nariman, coberta com o lenço palestino, é levada pelos oficiais israelenses; Ahed tenta impedir que eles levem sua mãe
Nariman, coberta com o lenço palestino, é levada pelos oficiais israelenses; Ahed tenta impedir que eles levem sua mãe
Seu pai foi preso, novamente, no dia 24 de outubro deste ano em uma
manifestação a favor do boicote contra o supermercado israelense Rami
Levy e condenado a 4 meses de prisão e a uma multa de NIS 5 mil poucos
meses depois de ter sido solto. Após uma semana, seu filho mais velho
foi levado pelos soldados, mas permaneceu detido poucos dias na
delegacia do assentamento Sha’as Benyamin.
“A prisão de Waed Tamimi enquanto ele estava andando pacificamente em
sua vila aponta para o contínuo abuso do ativista Bassem Tamimi, de
sua família e da comunidade de Nabi Saleh pelas forças militares
israelenses”, afirmou Ann Harrison da Anistia Internacional. “Este abuso
e assédio deve parar”, acrescentou ela.
Ocupação e os jovens: peça-chave para a repressão
A presença militar de israelenses não é restrita, no entanto, às
sextas-feiras na vila palestina. A emissora israelense canal 10 junto
com a B’TSelem denunciou que os oficiais fazem rondas noturnas em Nabi Saleh, nas quais invadem as residências dos palestinos e tiram fotos das crianças.
As Forças de Defesa usam as fotografias para identificar os menores
que jogam pedras contra os oficiais nos protestos e depois, voltam às
suas casas durante a noite para prendê-los. Segundo a organização
palestina Addammeer, que luta pelo direito dos presos políticos, o
depoimento desses jovens é fundamental para Israel construir denúncias
contra os líderes do movimento. O interrogatório de uma criança de 10
anos que levou à prisão de Bassem.
Ahed conta que os oficiais estão por perto “toda vez que quero
brincar com meus amigos, quando vou à escola e quando estou em casa”.
Oren Ziv/ActiveStills
Bassem e Nariman Tamimi se reencontram depois de periodo de encarceramento
Bassem e Nariman Tamimi se reencontram depois de periodo de encarceramento
Mesmo quando os soldados não estão por perto, os palestinos lembram
diariamente de que sua terra está sendo ocupada e confiscada. Nabi
Saleh, assim como toda a Cisjordânia, é cercada por um muro de 10 metros
de altura e por todos os lados da aldeia, os apartamentos modernos dos
colonos construídos ilegalmente em seu território podem ser vistos. A
falta de parentes e amigos que estão presos ou foram mortos impedem que
essas pessoas se esqueçam da sua realidade.
Sonhos de uma criança
“Eu gostaria que toda a minha família fosse libertada assim todos os
outros prisioneiros palestinos logo e quero ver o meu grande sonho de
um dia viver em uma Palestina livre”, afirma, com emoção, Ahed.
Reproduçao Facebook
O sentimento de tristeza e desespero estranho demais para a vida de uma criança também preocupa os pais de Ahed. “Durante as minhas visitas ao meu marido, Bassem me pediu que os corações dos nossos filhos fossem purificado de todo e qualquer ódio por conta das sementes de amor que plantamos neles”, reconhece Nariman. “Agora, nós estamos esperando por redenção, felicidade, justiça e liberdade”.
O sentimento de tristeza e desespero estranho demais para a vida de uma criança também preocupa os pais de Ahed. “Durante as minhas visitas ao meu marido, Bassem me pediu que os corações dos nossos filhos fossem purificado de todo e qualquer ódio por conta das sementes de amor que plantamos neles”, reconhece Nariman. “Agora, nós estamos esperando por redenção, felicidade, justiça e liberdade”.
(Waed Tamimi vestido com lenço palestino durante protesto do dia 7 de dezembro para se proteger das bombas de gas lacrimogeneo)
A libertação nacional parece estar longe da vida de Ahed e dos
Tamimi. Enquanto a família ainda enfrenta uma ordem de demolição de sua
casa em Nabi Saleh, as autoridades israelenses já anunciaram que vão
continuar com a expansão dos assentamentos nos territórios palestinos.
No entanto, o espírito de resistência dessa família não parece
diminuir, apesar das seguidas provações pelas quais passaram.
Metaforicamente, os Tamimi são a Palestina.
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