Leonardo Sakamoto
(Este texto vai ter exatamente o tamanho de 8% de bateria do notebook por conta da falta de energia elétrica que se abateu, novamente, sobre o meu bairro após a chuva da noite deste sábado.)
Com exceção dos fanáticos religiosos que enxergam sinais da primeira ou da segunda vinda do messias (dependendo se a religião em questão não permite comer X-Burguer ou abraça o consumismo para celebrar o nascimento do seu deus), apenas os mais míopes não percebem que o planeta está dando o troco.
Eu sei que já falei disso aqui antes, mas em tempos de fundamentalismo cristão no Congresso Nacional e de chuvas torrenciais na cidade de São Paulo, o assunto segue novo.
Não estou falando apenas do aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas através dos quais ajustamos o termostato do planeta para a posição “Gratinar os Idiotas Lentamente”, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar. No campo e nas cidades.
Muitos falam de tragédias como se fossem situações desconectadas da ação humana, resultados da fúria divina e só. Não foi Deus quem colocou Marco Feliciano onde está, ao contrário do que parte de seus fieis acredita. Ele não foi ungido pelo divino, mas sim por milhares de votos paulistas, conscientes ou não.
Da mesma forma, um prefeito de uma cidade atingida pelas chuvas, anos atrás, disse que só restava a ele rezar para Deus controlar as águas. Bem-feito para a população que votou nele e viu o administrador do município “terceirizando” o trabalho para o plano superior, provavelmente dando continuidade ao que foi feito pelos que vieram antes dele.
A declaração é da mesma escola daquela de um assessor de George W. Bush quando questionado se a herança deixada às próximas gerações pelos gases causadores do efeito estufa da indústria norte-americana não poderia ser nefasta. Não me lembro da frase exata, porque lá se vão anos, mas foi algo do tipo: “não será um problema, porque Cristo voltará antes disso”. Salve, aleluia, salve!
Não é à toa que uma das mais estranhas e, ao mesmo tempo, mais brilhantes alianças políticas no parlamento brasileiro seja entre a bancada evangélica e a bancada ruralista. De um lado, os fieis ajudam a garantir a manutenção de um desenvolvimento a qualquer preço, passando por cima do meio ambiente, como se não houvesse amanhã. Do outro, os fazendeiros contribuem para que os direitos humanos sejam rasgados diante de uma visão distorcida de religião, garantindo que não haja mesmo um amanhã.
Tendo em vista todo esse negacionismo maluco, um renomado cientista declarou, pouco antes de uma das cúpulas do clima, que era melhor então deixar os fatos tomarem seu curso natural, o mundo aquecer, refugiados ambientais quadruplicarem, cidades nos países ricos serem invadidas pelo mar, a fome surgir no centro do mundo, guerras ambientais ocorrerem. Só assim pessoas e países tomariam atitudes reais. Situação que, no Brasil, é vulgarmente conhecida como “a hora em que a água bate na bunda”.
O problema é que, se nada for feito até lá, quando chegarmos nesse ponto, talvez não haja mais bunda para salvar.
É irônico que, de certa forma, o desespero diante do caos ambiental (fomentado pelos ruralistas ao derrubarem o Código Florestal), daqui a algumas décadas, irá contribuir para trazer mais fieis a igrejas. Pois só restará lamentar. Ou rezar.
Enquanto isso, a maioria segue escondida no conforto do anonimato, defendendo o seu, fazendo meia dúzia de ações insignificantes para dormir sem o peso da consciência e o resto que se dane. Não querem mudanças no modelo de desenvolvimento que impactaria o “American Way of Life” que importamos, apenas reciclar latinhas de alumínio e dar três descargas a menos no vaso sanitário por dia. Da mesma forma, não se importam com quem for eleito, desde que isso não atrapalhe o seu final de semana na praia. Afinal de contas, não precisam de um Estado que lhes garanta um mínimo de dignidade, uma vez que nasceram brancos, heterossexuais, ricos, enfim, o que convencionamos chamar de “cidadãos de bem”.
E seguem respondendo de boca cheia que fariam de tudo para ajudar o meio ambiente e defender a liberdades das pessoas.
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