terça-feira, 6 de agosto de 2013

[Operação Cunhantã] Sobre abuso e exploração sexual de meninas indígenas



Elaíze Farias
Adital


Seis dos dez presos na Operação Cunhantã da Polícia Federal já estão soltos e de volta a São Gabriel da Cachoeira
A 4ª Vara Federal do Amazonas já entrou na fase de citação dos réus envolvidos no caso de abuso e exploração sexual de meninas indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira (a 853 quilômetros a noroeste de Manaus). No início deste mês, o Ministério Público Federal encaminhou à justiça federal denúncia contra as dez pessoas, acusando-as formalmente. De suspeitos, os detidos passaram a ser réus. A informação foi dada na sexta-feira pela Justiça Federal (26/07) a este blog. As pessoas foram presas em maio passado durante a Operação Cunhantã da Polícia Federal.
Das dez pessoas detidas, seis foram soltas e retornaram a São Gabriel da Cachoeira no início de julho, segundo apurou o blog. Elas estavam em prisão temporária (com prazo para encerrar).


A chegada dos presos a Manaus. Os nomes dos acusados não foram revelados pela
Polícia Federal. Fotos: Márcio Macedo/ Free Lancer

Embora seus nomes não sejam divulgados (pelo fato de o caso estar em segredo de justiça), sabe-se que entre as pessoas soltas estão um professor, um militar, um comerciante, um parente de um deputado estadual do Amazonas e duas mulheres que atuavam como agenciadoras dos aliciadores.
Outros quatro réus permanecem em presídios de Manaus (os locais não foram informados pela Justiça Federal). Entre os acusados que continuam presos estão ricos comerciantes do município.
O delegado que comandou a operação da Polícia Federal, Fábio Pessoa, disse que estas quatro pessoas estão em prisão preventiva devido à gravidade dos fatos e os indícios que pesam sobre elas. Um desses agravantes é a ameaça que as vítimas e suas famílias vinham sofrendo por parte do grupo.
Uma das denunciadoras da rede de pedofilia, irmã Giustina Zanatto, que atuava como presidente do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente de São Gabriel da Cachoeira, foi obrigada a sair do Brasil devido às ameaças de morte.
Segundo informações repassadas pela Justiça Federal ao blog, houve várias tentativas, por diversos meio legais, de soltar as quatro pessoas.
Indagado se os quatro podem continuar presos até o fim do processo, o juiz responsável pelo caso disse, por meio da Diretoria da Secretaria Administrativa (Secad), que existe possibilidade tanto de ficarem presas como serem soltas, dependendo dos elementos de convicção apresentados na hipótese de formulação de novo pedido de soltura. "O juiz analisa de acordo com os elementos trazidos aos autos”, disse a diretoria.

Dos dez presos, seis já foram soltos e estão em São Gabriel da Cachoeira
Programa de proteção
O delegado Fábio Pessoa informou também que três vítimas da exploração sexual que estavam no Programa de Proteção à Criança e Adolescente do Ministério da Justiça pediram para sair. Ele não soube dizer se elas já haviam retornado a São Gabriel da Cachoeira.
Fontes deste blog confirmaram que as três meninas, de fato, pediram desligamento do programa de proteção. Duas delas já retornaram ao município do Alto Rio Negro. Não há informações sobre o paradeiro da terceira, que atualmente tem mais de 18 anos e foi a principal testemunha da rede de prostituição da qual eram vítimas as meninas indígenas. Segundo esta fonte, as meninas retornaram a São Gabriel da Cachoeira há 15 dias.
Pessoa disse ainda que a Operação Cunhantã não terá continuidade. Uma segunda investigação em São Gabriel da Cachoeira pode ocorrer apenas se for requerida.
Inquérito
As dez pessoas foram detidas após investigação da Polícia Federal durante operação que durou seis meses. A investigação foi pedida pelo Ministério Público Federal do Amazonas, que esteve em São Gabriel da Cachoeira no início de setembro de 2012 e recolheu relatos e depoimentos que apontavam a exploração sexual de meninas indígenas entre 10 e 14 anos em troca de alimentos e dinheiro.
Inquéritos com estas denúncias já estavam de posse da Polícia Civil, mas nenhuma investigação vinha sendo realizada no âmbito estadual. Por este motivo, o procurador da República Julio José Araujo Junior transferiu o caso para a esfera federal por envolver menores indígenas. Dois meses após a primeira visita ao município, o procurador retornou a São Gabriel da Cachoeira para dar continuidade à coleta dos depoimentos.
Segundo informações da assessoria de imprensa do MPF, o processo está sob sigilo por causa da natureza do crime e em função da exposição de crianças e adolescentes envolvidas no caso.
Na avaliação do MPF, o fato de os quatro continuarem presos indica que o processo tem
prioridade de tramitação em relação aos outros na justiça federal. O MPF explicou que se trata de uma regra quando há réu preso. Isto ocorre para evitar que fiquem muito tempo presos esperando julgamento e –eventualmente– sejam inocentados depois e venham a processar a União por isso.
Normalidade
Nos primeiros dias após o retorno, os seis acusados optaram pelo recolhimento em suas residências. Passado um tempo, porém, tudo já está "normal” e os agora réus já circulam pelas ruas de São Gabriel da Cachoeira "como se nada tivesse ocorrido”, segundo relatou uma fonte do blog. Esta fonte foi uma das denunciadoras do caso para a imprensa e para o Ministério Público Federal.
"Logo que eles chegaram ficaram apenas nas suas casas, escondidos. Agora, já estão saindo. Pelo que a gente soube, eles foram bem recebidos e tiveram apoio de sua família, apesar do que pesa contra eles. Espero que a justiça federal agilize o julgamento”, disse a fonte, que prefere que seu nome permaneça em sigilo.
Esta fonte disse que até o momento as ameaças que ocorriam contra os denunciadores do grupo aliciador das meninas indígenas não se repetiram. Mas ela teme que isto possa ocorrer novamente. "Eles nos olham estranho, com a intenção de nos intimidar, mas por enquanto ficam na deles. Temos medo, claro, mas não vamos desistir”, disse.
Ela afirmou ainda que a exploração sexual de meninas indígenas em São Gabriel da Cachoeira deu "uma acalmada” diante da repercussão da prisão, mas que a prática pode se repetir com outras garotas e outros (ou até os mesmos) aliciadores.
Segundo informações do MPF, por meio de sua assessoria, se ameaças se repetirem, mesmo que sejam veladas, as vítimas podem formalizar denúncia contra os réus e estes correm o risco de voltarem para a cadeia mesmo durante a tramitação do processo na justiça.
Crimes
Durante a investigação do MPF, 16 pessoas foram ouvidas entre crianças e adolescentes. Todas elas confirmaram ter sido vítimas de abuso e exploração sexual em diferentes ocasiões. Também foram ouvidos a Fundação Nacional do Índio (Funai) e representantes de entidades de defesa dos direitos da Criança e do Adolescentes, além de psicológicos e lideranças indígenas.
Na sua denúncia, o MPF atribui aos réus vários crimes: estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável, rufianismo (tirar proveito da prostituição alheia) e coação no curso do processo.
Dois dos denunciados foram também acusados na prática do crime previsto no art. 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que afirma que "adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.
O MPF/AM também entendeu que a ofensa à dignidade sexual das vítimas prejudica não apenas a elas próprias, mas também a identidade indígena de toda a comunidade a qual pertencem, o que justifica a atuação dos órgãos federais no caso.
[Fonte: acritica.uol.com.br/blogs/blog_da_elaize_farias/, 29julho2013].

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