segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Palestinos e israelenses, unidos pela Palestina


Em maio de 2011, israelenses e palestinos se reuniram em Hebron, no primeiro encontro das esquerdas da Palestina e de Israel. Nos primeiros dias de setembro eles voltaram a se reunir e elaboraram uma nova declaração conjunta, de apoio à luta palestina e aos protestos populares israelenses. O grupo lançou um documento histórico, apoiando o pleito que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) levará à ONU no dia 20, solicitando o reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras anteriores a 1967. O artigo é de Baby Siqueira Abrão, direto de Ramallah.


As lutas populares palestinas têm contado, ao longo da história, com fieis apoiadores israelenses. São pessoas de todas as idades, profissões, formações, religiões e preferências políticas que defendem os direitos dos palestinos e se colocam radicalmente contra o sionismo e suas políticas de ocupação, colonização, exclusão, militarização, violência e opressão.

Esse apoio aos palestinos já lhes valeram perseguições, detenções, prisões, ferimentos graves, processos na Justiça israelense, ameaças. Alguns foram obrigados a deixar o país, por estar na “lista de inimigos” que o governo sionista atualiza periodicamente, impedindo a seus cidadãos o acesso ao trabalho ou ao estudo.

Todas as sextas-feiras eles se dividem em grandes grupos e se distribuem nas vilas palestinas, participando dos protestos não violentos contra a ocupação das terras da Palestina pelo governo israelense. Dormem nas casas de palestinos ameaçados de prisão. Acorrentam-se às oliveiras para impedir que sejam retiradas e levadas para as colônias judaicas. Apanham dos soldados. Praticam a desobediência civil e levam palestinas a locais onde elas são proibidas de entrar, como as praias mediterrâneas e as cidades israelenses. Praticam o boicote aos produtos fabricados nas colônias construídas em território palestino. Lutam contra a demolição das casas palestinas. Contatam ótimos advogados, também israelenses, para ajudar colegas palestinos a defender os presos políticos da Palestina.

Em maio de 2011, muitos desses israelenses se reuniram em Hebron, com os palestinos, no primeiro encontro das esquerdas da Palestina e de Israel. Foi um dia inteiro de palestras e debates, de levantamento de demandas e de problemas, de conhecimento mútuo e de congraçamento. A declaração final do encontro prometeu luta conjunta para pôr fim à ocupação e para isolar o sionismo, considerado o inimigo comum, o responsável pela situação em que vivem palestinos, israelenses e vários povos do mundo árabe.

Nos primeiros dias de setembro eles voltaram a se reunir e elaboraram uma nova declaração conjunta, de apoio à luta palestina e aos protestos populares israelenses. A ocupação e a “política do medo” – que levam à criação da “necessidade de segurança” e ao consequente investimento quase sem limites na militarização do Estado sionista – são, para esse grupo de palestinos e israelenses, faces da mesma moeda. Para eles, as altas verbas destinadas à área militar e à continuidade da ocupação, além da adoção de políticas neoliberais, deixam a descoberto as necessidades sociais dos cidadãos de Israel e submetem os palestinos à injustiça e à opressão.

Em 5 de setembro o grupo lançou um documento histórico, apoiando o pleito que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) levará à ONU no dia 20, solicitando o reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras anteriores a 5 de junho de 1967 (quando Israel invadiu e tomou Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental, na Guerra dos Seis Dias) e o status de membro pleno das Nações Unidas.

A declaração conjunta também denuncia a propaganda do governo de Israel, que procura convencer a população dos “perigos” do estabelecimento do Estado palestino, entre os quais uma inexistente luta armada e a ameaça de deslegitimização do Estado de Israel. E afirma que apenas a luta popular conjunta poderá acabar com “a ocupação, os colonatos, o racismo, o colonialismo, [...] as políticas de exclusão, enfraquecimento, pobreza, racismo e apartheid em Israel”.

Conheça, a seguir, a íntegra do documento.

Declaração histórica de palestinos e israelenses em apoio ao protesto social israelense e à luta anticolonialista

Juntos para pôr fim à ocupação e ao racismo, em apoio à luta do povo palestino para conquistar seus direitos e contra a opressão nacional e social;

Apesar da encorajadora mobilização no Oriente Médio, da onda de protestos sociais e do despertar das lutas dos povos por liberdade e pelo direito de viver com dignidade, a população palestina ainda vive sob o jugo da ocupação israelense, a despeito de sua luta persistente e permanente por liberdade. A comunidade internacional, por sua vez, demonstra impotência e não estende a mão para apoiar a luta palestina por justiça e libertação.

Os movimentos de protesto e os ventos de mudança que sopram no mundo árabe têm despertado entusiasmo, em todo o planeta, entre os que buscam a liberdade, incentivando muitos a adotar o modelo de luta popular.

Esses movimentos de protesto tiveram um profundo impacto sobre vários grupos em Israel, entre judeus e palestinos, e deram uma importante contribuição para a ascensão do movimento de protesto popular israelense em prol de justiça social.

Movidos por nossa aspiração de alcançar uma paz justa – que é verdadeiramente essencial para os povos da região e que pode ajudar na promoção da luta por justiça e progresso para todos –, nós, palestinos e israelenses, forças sociais e políticas, representantes de associações de mulheres e jovens de ambos os lados da Linha Verde [Green Line], enfatizamos a necessidade de uma luta conjunta, com o objetivo de libertar os povos da região do colonialismo e da hegemonia, em especial a do sionismo, de deter a ocupação e a agressão militar israelense e de apoiar a justa luta do povo palestino por seu direito à autodeterminação, de acordo com as decisões da comunidade internacional.

Estamos ansiosos pela libertação de todos os povos da região da ditadura, da tirania e de todas as formas de opressão nacional, social e econômica. Portanto, os signatários deste documento enfatizam:

1. Apoiamos a iniciativa palestina nas Nações Unidas – instituição que tem a responsabilidade de estabelecer as bases da paz internacional –, solicitando sua inclusão na ONU como membro pleno, o reconhecimento de seu Estado nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Jerusalém oriental como capital, e o fortalecimento dos esforços para acabar com a ocupação das terras do povo palestino, com a preservação de seu direito de opor-se a essa ocupação e de seu direito de exigir o retorno dos refugiados, em conformidade com a Resolução 194 das Nações Unidas. Nesse contexto, enfatizamos que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é o único e legítimo representante do povo palestino, derivando sua legitimidade dos palestinos que vivem em sua terra natal, dos que vivem no exílio e do reconhecimento que recebeu da Liga Árabe e das Nações Unidas.

A iniciativa palestina na ONU é um passo legítimo. As Nações Unidas devem cumprir sua responsabilidade de estabelecer a paz e a justiça no plano internacional. Esse passo fortalece os direitos do povo palestino e não representa, de maneira alguma, uma ameaça para Israel, apesar dos enormes esforços do governo israelense em apresentar esse passo, para o povo israelense, como uma declaração de guerra ou como uma ameaça à legitimidade da existência de Israel.

2. Entendemos que uma das principais razões para o sofrimento social e econômico dos cidadãos em Israel, além das políticas econômicas capitalistas, é a continuação da ocupação e as verbas excessivas destinadas à segurança, que o governo de Israel tenta justificar como necessárias para defender suas colônias, por um lado, e as fronteiras do Estado, por outro. Por isso acreditamos que o fim da ocupação e o estabelecimento de uma paz justa são essenciais para uma vida de paz e bem-estar.

Contamos com a participação e com a integração da população palestina nos protestos sociais de Israel. Essa é uma oportunidade importante para apresentar aos vários grupos da sociedade israelense as angústias dos palestinos e as injustiças que sofrem, para que esses grupos possam assumir sua responsabilidade na luta contra as políticas de marginalização e de discriminação contra os palestinos em Israel, para pôr um fim ao confisco de terras e para conseguir a igualdade plena, para acabar com a ocupação dos territórios palestinos que foram invadidos em 1967.

Protestamos novamente contra as já conhecidas tentativas do governo ocupante de fugir das crises, de suas crises internas e da pressão das ondas de protesto usando a política do medo, que aponta para uma ameaça externa: a de apresentar o apelo palestino nas Nações Unidas como um “perigo" e a de realizar ações militares, como temos presenciado nos últimos dias na brutal escalada [militar israelense] que leva ao derramamento de sangue do povo palestino em Gaza.

3. Reconhecemos o direito do povo palestino, vivendo sob ocupação, de fazer uso de todas as formas legítimas de resistência, de acordo com as normas internacionais, para a remoção dos ocupantes de sua terra e por autodeterminação. Nesse contexto, enfatizamos a importância da luta popular conjunta de palestinos e israelenses. A luta popular conjunta é um dos princípios centrais orientadores da luta contra a ocupação, os colonatos, o racismo, o colonialismo, contra as políticas de exclusão, enfraquecimento, pobreza, racismo e apartheid em Israel.

Setembro de 2011

Assinam [a declaração] partidos políticos, organizações sociais e jovens ativistas, mulheres e homens, palestinos e israelenses (em ordem alfabética):

Association of Palestinian Democratic Youth (Associação da Juventude Democrática Palestina; Palestina)

Association of Progressive Students (Associação dos Estudantes Progressistas; Palestina)

Democratic Front for the Liberation of Palestine (Frente Democrática para a Libertação da Palestina; Palestina)

Democratic Front for Peace and Equality (Frente Democrática para a Paz e a Igualdade; Israel)

Democratic Teachers’ Union (União Democrática dos Professores; Palestina)

Democratic Union of Professionals in Palestine (União Democrática dos Profissionais na Palestina; Palestina)

Democratic Women’s Movement in Israel (Movimento Democrático das Mulheres em Israel; Israel)

Israeli Communist Party (Partido Comunista Israelense; Israel)

National Campaign for Return of the Bodies of Arab and Palestinian Martyrs Captured by the Israeli Government (Campanha Nacional Pelo Retorno dos Corpos dos Mártires Árabes e Palestinos Capturados Pelo Governo de Israel; Palestina)

Palestinian People’s Party (Partido do Povo Palestino; Palestina)

Popular Campaign for the Boycott of Israeli Products (Campanha Popular Pelo Boicote de Produtos Israelenses; Palestina)

Progressive Workers’ Union (Sindicato dos Trabalhadores Progressistas; Palestina)

Tarabut-Hithabrut – Arab-Jewish Movement for Social and Political Change (Tarabut-Hithabrut - Movimento Árabe-Judaico pela Mudança Social e Política; Israel)

The Alternative Information Center (Centro de Informação Alternativa; Palestina/Israel)

Union of Palestinian Farmers’ Unions (União dos Sindicatos de Agricultores Palestinos; Palestina)

Union of One World for Justice (União Um Mundo por Justiça; Palestina)

Union of Palestinian Working Women (União de Mulheres Trabalhadoras Palestinas; Palestina)

Workers’ Unity Bloc (Grupo Unidade dos Trabalhadores; Palestina)


Tradução: Baby Siqueira Abrão

domingo, 4 de setembro de 2011

Para Gilberto Carvalho, “mídia séria” não tem por que temer regulação



Para Gilberto Carvalho, “mídia séria” não tem por que temer regulação
Gilberto Carvalho não vê motivos para que o Brasil não enfrente o debate sobre regulação e democratização da comunicação (Foto: Renato Araújo. Agência Brasil)

São Paulo – O ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, defendeu neste sábado (3) ao chegar ao Congresso do PT, em Brasília, o projeto de regulação da mídia, e afirmou que os veículos de comunicação que trabalham com seriedade não têm motivos para temer o assunto.
“O projeto de regulamentação da mídia é um debate que o Brasil tem que enfrentar. Não acho pertinente confundir regulamentação com censura. Acho muito estranho, porque isso pode fazer bem para a mídia séria”, afirmou Carvalho, segundo informações do jornal O Globo.
Ele indicou ainda que não há motivos para que se taxe de autoritário qualquer momento dos governos Lula e Dilma. Alguns colunistas de veículos da velha mídia consideram se tratar de censura o projeto que tenta impor limites à concentração dos veículos de comunicação, debatendo o destino das frequências de rádio e de TV. Como são concessões públicas, o projeto poderia impor o cumprimento de certos critérios educativos e sociais para as programações apresentadas pelos concessionários, o que está previsto na Constituição, mas ainda não foi objeto de regulação do Congresso. “Poucos governos foram tão execrados como os nossos. O projeto que está no Ministério das Comunicações não vai nessa linha. Acho um certo oportunismo isso.”
No ano passado, o então ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, iniciou um amplo debate sobre a regulação da comunicação, e deixou pronto um projeto que foi encaminhado a Dilma Rousseff. A presidenta decidiu transferir o debate para o Ministério das Comunicações, e a expectativa inicial era de que uma posição definitiva seria apresentada até o final do primeiro ano de mandato.

Não somos um modelo exemplar em educação, diz chilena Camila Vallejo

Portal do CPERS

 

Aluna do curso de Geografia na Universidade do Chile, Camila Vallejo é uma das principais líderes do movimento estudantil daquele país, onde desde junho ocorrem protestos quase diários em defesa de uma reforma no sistema educacional. O impasse dos estudantes chilenos com o governo já dura três meses e conseguiu mobilizar outros setores da sociedade. As últimas paralisações foram consideradas as mais intensas desde a redemocratização do país com o fim do governo do presidente Augusto Pinochet (1973-1990). Em um dos últimos protestos, um estudante de 14 anos morreu após ser atingido por uma bala. A suspeita é que o tiro tenha partido de policiais. A principal reivindicação dos estudantes é a mudança no modelo de ensino, que é em grande parte administrado pelo setor privado.

Na educação básica, o governo é responsável por uma parte menor dos estabelecimentos de ensino e financia a matrícula do restante da população em escolas privadas. Dos 3,4 milhões de matrículas da educação básica, metade está nas escolas subvencionadas – o restante fica nas públicas ou é custeado pelas próprias famílias em instituições particulares. Mesmo nas universidades públicas, os estudantes têm que pagar taxas anuais e matrículas. O governo banca apenas parte dos estudantes. Ainda assim, nas avaliações internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Chile sempre ocupa posições de destaque entre os países da América Latina pelos bons resultados alcançados. Em entrevista à Agência Brasil, ela avaliou o movimento estudantil na América Latina e diz que seu ídolo político é Salvador Allende, ex-presidente chileno fundador do Partido Socialista e deposto pelo golpe militar liderado por Pinochet em 1973.

Quais são as principais demandas dos estudantes chilenos que levaram aos protestos intensos nos últimos meses?
 
O problema é que no Chile se impôs na década de 80 um modelo de educação de mercado que já tem 30 anos de vida, mas que tem sido um sistema perverso, cujo principal objetivo é aprofundar as desigualdades. É um modelo que entende a educação como um bem de consumo e não como um direito universal. O Estado hoje não assume a educação, não a financia. Quem financia a educação chilena são as famílias: entre 80% e 100% dos custos com educação, em especial a superior, recaem sobre a família. E isso aprofundou as desigualdades porque nem todas as famílias têm capacidade de pagar, e o único benefício oferecido pelo Estado é um sistema de financiamento que aprofundou o endividamento exagerado das famílias. O que estamos reivindicando é a volta de um modelo central que sustente o modelo educacional de muitos países que entendem a educação como um direito e, portanto, tem que ser devidamente financiada pelo Estado. Um modelo que pense um desenvolvimento harmônico do país e isso passa não somente pela garantia do financiamento de um sistema público, mas também pela construção de um sistema que sirva à democracia, com valores pluralistas em que haja a verdadeira integração social.

Nas avaliações internacionais o Chile sempre se destaca entre os países da América Latina pelos bons resultados alcançados. Por que há então a necessidade de mudança desse modelo?
 
O relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que aplica o Pisa) aponta que somos o país em que há mais desigualdades nas oportunidades de ingresso e chama a atenção para um modelo educacional que está particularmente focado na lógica de mercado. Essa é uma realidade que se expressa no Chile. Efetivamente, não somos um modelo exemplar. Temos um modelo de 30 anos que fracassou ao perpetuar a desigualdade, a má qualidade do ensino, a falta de oportunidades e a frustração. Dizemos basta e queremos mostrar não apenas à sociedade chilena em seu conjunto que o modelo é perverso, mas também ao mundo inteiro e particularmente à América Latina, para que não se guiem pela falsa expectativa que se tem em relação a ele.

Então a ideia que se tem de que a educação no Chile é de qualidade não é verdadeira?
 
Em absoluto. No sistema terciário de educação superior a Universidade do Chile não está entre as melhores, não é uma referência mundial entre as instituições públicas. A educação básica e média (equivalente à educação infantil, ao ensino fundamental e médio no Brasil) é uma vergonha. Antes do golpe militar, o nosso sistema tinha qualidade reconhecida e era público, era gratuito. Mas, depois da ditadura, a educação básica e média se municipalizou, isso produziu uma alta segmentação socioeducativa, má qualidade, problemas de financiamento. E na educação superior também, ampliou-se a matrícula no setor privado sem nenhum tipo de regulação e o sistema público ficou subfinanciado. Isso foi deteriorando significativamente a qualidade e a visão institucional da educação como bem público. O Chile na verdade não é um exemplo de modelo educacional. O Estado não foi responsável e o setor privado tampouco conseguiu garantir uma educação de qualidade.

No Brasil, o movimento estudantil não é capaz de mobilizar a sociedade pela causa com a força dos protestos que ocorrem no Chile. Por que na sua opinião as manifestações no seu país ganharam tanta força?
 
Eu creio que no Chile se vive um estágio social que pode ou não ter relação com o que se vive no resto do mundo. Particularmente no Chile, os movimentos sociais não conseguiram avançar nas demandas sociais. Os movimentos foram sendo comprimidos e acumularam uma frustração. De alguma forma, o país vive um descontentamento muito grande dos cidadãos em geral – e não só dos estudantes – que se acumulou por muito tempo. O que acontece é que no Brasil, pelo que sabemos, os movimentos sociais nos últimos anos conseguiram alguns avanços e isso permitiu que de alguma forma não se acumule essa frustração. Ainda que as conquistas tenham sido pequenas, foram alcançadas. No Chile, não.

Em julho, o então ministro da Educação do Chile, Joaquin Lavín, que caiu depois do início dos protestos, esteve no Brasil para conhecer o modelo do Programa Universidade para Todos (ProUni), que distribui bolsas de estudo em universidades particulares a alunos de baixa renda. Você acha que seria uma alternativa interessante para o sistema de ensino chileno?
 
O problema no Chile não é de cobertura. Temos problemas de inequidade e acesso, mas a cobertura é bastante alta. Temos projeção para ampliar o atendimento, mas isso necessariamente tem que passar por critérios de equidade, permitindo aos setores mais vulneráveis que ingressem na educação. Isso requer um sistema de financiamento que não gere endividamento para as famílias. Mas não é tão simples. No Chile, temos que ampliar a cobertura com critérios de equidade, mas também definir a institucionalidade (do sistema de ensino superior). Porque muitos dos setores mais vulneráveis ingressam no ensino superior com apoio do Estado em instituições privadas que não têm garantia de qualidade nem de participação em organizações estudantis, não são pluralistas, não fazem pesquisa. Quando saem da universidade, por exemplo, esses estudantes não trabalham na área em que se formaram porque os cursos não têm conexão com o mercado de trabalho. Isso gera a frustração nas famílias. De alguma forma, o Chile precisa definir uma institucionalidade na regulação. O sistema privado não está regulado, é um sistema que lucra com altíssimas mensalidades e que é de má qualidade.

União Europeia bloqueia exportações petroleiras à Síria

  
Imagen activaBruxelas, 2 set (Prensa Latina) A União Europeia (UE) impôs hoje um bloqueio sobre as exportações petroleiras sírias, em meio a fortes pressões contra as autoridades desse país, às quais se somam Estados Unidos e a ONU.

  A medida, que será publicada amanhã no Diário Oficial da UE, entrará em vigor a partir do próximo dia 15 de novembro para os contratos em curso, segundo fontes comunitárias.

Por sua parte, os Estados Unidos também decretou uma sanção similar à empresa energética da nação árabe, ainda que na opinião de especialistas, esta só tem um caráter simbólico já que a Síria mal exporta petróleo ao país norte-americano.

Com o bloqueio imposto nesta sexta-feira pela UE ficaram congelados quase todos os negócios entre Damasco e o bloco regional, principal sócio comercial da Síria.

A proibição impede a entrada de óleo, petróleo e outros produtos petrolíferos.

O Estado árabe exporta cerca de 150 mil barris de combustível por dia aos países europeus, principalmente à Itália, à França, à Holanda e à Espanha.

Em meados de agosto, a UE adotou outras sanções contra a Síria, entre elas, o congelamento de bens e proibições de viagens para 35 personalidades do Governo, incluindo o presidente, Bashar al Assad. Como parte da agressão do Ocidente, a UE e os Estados Unidos promoveram a resolução que aprovou o Conselho de Direitos Humanos da ONU, dirigida a investigar supostos crimes contra a humanidade, dos quais acusam às autoridades sírias.

Depois da aprovação desse texto duas semanas atrás, vários países, entre eles a Rússia e a China, denunciaram as tentativas de intromissão nos assuntos internos da Síria por parte da ONU e consideraram que tais mecanismos só buscam derrubar um governo legítimo.

Enquanto isso, na Polônia, presidente de turno da UE, os ministros de Exteriores da comunidade iniciaram nesta sexta-feira uma reunião de dois dias para definir o apoio aos opositores na Líbia e incrementar as pressões sobre al Asad.

sábado, 3 de setembro de 2011

Como entender a Rússia de hoje


Adelto Gonçalves (*)no PORTAL PRAVDA
                                                          

I
Como entender a Rússia de hoje. 15424.jpegMOSCOU - Quem tem a cabeça no século XX e ainda pensa ideologicamente nunca vai entender a Rússia de hoje. O poder hoje no país é exercido e disputado por grupos políticos que defendem interesses econômicos e não estão interessados nas velhas divisões marxistas de classe. O que esses grupos mais querem, além de acumular altos lucros, é dinamizar a economia da Rússia para afastar da população mais carente certa nostalgia dos tempos soviéticos, quando, acredita-se, o país crescia mais devido à competição com os Estados Unidos, motivada pela Guerra Fria. 
            Hoje, em Moscou, o que mais preocupa as autoridades é o futuro daquela que é a maior cidade da Europa, com mais de 10 milhões de habitantes. O prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin, e o governador da região de Moscou, Boris Gromov, andam às voltas com planos que prevêem a construção de um distrito financeiro internacional no distrito Oeste da cidade. Um desses projetos estabelece uma expansão de 144 mil hectares de terras na periferia de Moscou nos próximos 20 anos.
            De acordo com esse plano de expansão dos limites da cidade, que está hoje nas mesas de Sobyanin e Gromov e do presidente Dimitri Medvedev, Moscou cresceria 2,4 vezes, cobrindo uma área de 251 mil hectares, em vez dos 107 mil atuais. Mas, mesmo sem o plano, a cidade já cresce a um ritmo intenso, pois onde quer que se vá vê-se prédios em construção tanto para fins residenciais como comerciais. Até porque mais e mais gente vem se instalando em áreas periféricas de Moscou, embora a maioria procure e encontre emprego no centro da cidade.
            Duas áreas estão na mira dos planejadores: o distrito de Rublyovo-Arkhangeskoye, no Oeste da cidade, o lugar favorito da nova classe média alta, e Varshavskoye Shosse e Kievskoye Shosse, no Sudoeste. São áreas menos povoadas. Mas Rublyovo-Arkhangeskoye aparece como o lugar mais viável para se tornar esse centro financeiro internacional projetado para Moscou. Segundo os planos, deverá abrigar pelo menos dois milhões de moradores e oferecer emprego para pelo menos 10% da força trabalhadora de Moscou.
            Financiar o projeto é o que mais preocupa as autoridades, mas, seja como for, boa parte do financiamento deve sair dos cofres do governo. Para tanto, pensa-se que o governo pode vender os escritórios que hoje ocupa no centro de Moscou, nos arredores da Praça Vermelha, onde está o Kremlin, com o objetivo de torná-los hotéis de três, quatro ou cinco estrelas.
            O problema é que, segundo os especialistas, Moscou dispõe da pior infraestrutura entre as grandes cidades dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). De qualquer modo, a área de Rublyovo-Arkhangeskoye já oferece conexões com o centro de Moscou, embora o metrô moscovita seja muito antigo, se comparado, por exemplo, com o de São Paulo.  É barulhento e extremamente abafado nos dias de verão. Além disso, precisa passar por reformas urgentes, já que, em muitas estações, as escadas rolantes não funcionam e as sinalizações em russo transformam o turista em barata tonta. Sem contar que, em algumas estações, as catracas são bem antigas.
                                                            II
            Para se tornar uma capital turística com um centro financeiro internacional, Moscou precisa também domar a ânsia desenfreada por dinheiro de seus motoristas de táxi. Não há turista que não saia do aeroporto Domododevo com má impressão dos taxistas. Este articulista, em seu primeiro dia de Moscou, teve de pagar 500 rublos (30 reais) por uma corrida de menos de cinco minutos, que, no Brasil, não sairia por mais de 7 reais, da estação de metrô Yugo-Zapadnaya ao Hotel Astrus, na Leninskiy Prospect.
            Pior ocorreu com um casal de franceses que se perdeu de seu grupo de viagem e ficou um bom tempo no aeroporto Domododevo sem saber o que fazer. Sem nenhum contato na cidade, sem reserva em hotel e sem falar uma palavra de russo, o casal passou pela pior experiência que Moscou pode oferecer: caiu nas mãos da máfia de taxistas.
            Depois de 14 horas no aeroporto tentando obter informações, os franceses conseguiram dormir num hotel nas proximidades do Domododevo. Mas para levá-los do aeroporto ao hotel o taxista cobrou-lhes 5 mil rublos (321 reais). E, quando o francês recusou-se a pagar, teve de entrar em luta corporal com o taxista, o que lhe valeu escoriações e arranhões nos braços. A situação dos franceses só melhorou no dia seguinte quando eles conheceram, no balcão da Air Moldova, no aeroporto, o jornalista Olaf Koens, que fala francês.  Koens contou a triste história do casal francês numa crônica publicada na edição de 15-18 de julho de 2011 do The Moscow News (pág. 15).
            De qualquer modo, se os franceses soubessem falar pelo menos inglês, talvez tivessem tido melhor sorte. Tanto no aeroporto Domododevo como nas principais estações de trem de Moscou - são nove -, há postos de informação com atendentes que falam inglês. Basta dizer o destino a que se pretende ir para que a atendente informe antecipadamente o valor da viagem e chame um taxista autorizado. De preferência, deve-se pedir à atendente que escreva num papel o valor em rublos da viagem. Depois, é só exibi-lo ao taxista. É melhor tomar essa precaução porque pegar um táxi na rua é correr o risco de sofrer um constrangimento igual ao que passou o casal de franceses.
            Até porque, em função de dificuldades financeiras, há muitas pessoas que usam o próprio automóvel como táxi. E não trabalham com taxímetro, cobrando de acordo com a cara do freguês. Em dias de calor, é comum ver-se taxistas trabalhando muito à vontade: de bermudas e chinelos. Muitos, inclusive, dispensam o uso do cinto de segurança. E, ao que parece, não correm riscos de sofrer multa por isso.
                                                            III
            Olhando sob uma perspectiva macro para a Rússia pós-soviética, percebe-se que o país ainda carrega um pesado fardo histórico deixado pelo antigo regime - burocracia, corrupção e fragilidade das instituições, além de certa vulnerabilidade econômica. Além disso, há quem veja na era Putin-Medvedev um retrocesso em relação às reformas liberais empreendidas por Boris Yeltsin a partir de julho de 1991, quando o presidente assinou a lei de privatização de moradias, garantindo a propriedade àqueles que já moravam no mesmo apartamento desde os anos 70.
            De início, houve uma explosão nos preços dos imóveis e muita especulação. Máfias atuaram nesse mercado, forçando muitos moradores desfavorecidos a deixar suas casas. Mas a situação hoje parece normalizada, ainda que os prédios de apartamentos residenciais de áreas mais próximas ao centro Moscou, que foram construídos dentro de áreas verdes, mostrem-se, na maioria, em situação crítica, exibindo janelas em condições precárias. Sem contar o espetáculo um tanto deprimente dos fios que passam de um prédio para outro.
            Na época stalinista, os locais e prédios mais próximos do centro de Moscou eram os de maior prestígio e mais valorizados, mas hoje já não é assim. Casas que mais parecem pequenos castelos começaram a ser levantadas em locais mais distantes do centro, inclusive, em áreas próximas do aeroporto Domodedovo.
                                                            IV
            Hoje, quem manda na Rússia são alguns oligarcas-burocratas que se deram bem com as reformas de Yeltsin: dominam os negócios privados com o beneplácito do poder público. Há cada vez maior conexão entre a esfera dos negócios privados e a esfera política. Em outras palavras: há uma interpenetração cada vez mais intensa entre o capital e o Estado. Aqueles que usufruem desses negócios, geralmente, são os proprietários dos carrões modernos que se vêem estacionados nas avenidas do centro de Moscou. O partido Rússia Unida (Yedinaya Rossiya), que domina o Parlamento, tem apoiado algumas intervenções do Estado sobre a economia.
            O que se discute hoje nas ruas é a iniciativa do primeiro-ministro Vladimir Putin, que foi presidente de 2000 a 2008, de articular a formação de um bloco de livre comércio entre Rússia, Belarus e Cazaquistão, que muitos já começam a chamar de "mini-União Soviética". Desde o dia 1º de julho, já não há maiores exigências alfandegárias nas fronteiras entre esses países: os cidadãos ainda têm de exibir seus passaportes, mas já não pagam taxas aduaneiras para passar com mercadorias.
            Desde janeiro, trabalhadores e empresas de serviços podem atuar indiferentemente nos três países. Mas no Cazaquistão e em Belarus já surgiram protestos contra essa zona de livre comércio: os preços da gasolina são diferentes nos três países e começou a haver uma entrada excessiva de carros de segunda mão.
            Há planos para a formação de uma União Econômica Euroasiática, que poderia começar a funcionar no início de 2013.  Seria, na verdade, uma restauração do antigo espaço soviético, mas dentro de moldes capitalistas. Não está em discussão a restauração da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas maior inter-relação entre as nações do antigo bloco.
            O Cazaquistão, por exemplo, dispõe de três milhões de metros cúbicos de reservas de gás, a que a Rússia poderia ter maior acesso, desde que desse uma contrapartida, permitindo que os empresários daquele país colocassem seus produtos no seu mercado interno. Como o país tem crescido nos últimos anos, a popularidade de Putin continua em alta e não será difícil que venha a suceder Medvedev na presidência. Nesse caso, a formação desse bloco estaria assegurada.
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

luta antidrogas visa grupos sociais específicos

Do portal GRANMA INTERNACIONAL
Tradução COLETIVO DAR

A raiz do “problema das drogas” está nos Estados Unidos e não no México, e as estratégias de ambos os países não podem resolver o problema, afirmou o linguista estadunidense Noam Chomsky.

Em entrevista à revista cibernética Guernica, dos EUA, o pensador declarou: “O problema das drogas está nos EUA, não no México. É um problema de demanda e precisa ser tratado aqui, mas isso não é feito. Provou-se uma e outra vez que a prevenção e o tratamento são muito mais efetivos do que a ação policial, as operações fora do país, o controle fronteiriço e muito mais. Mas o dinheiro vai em outra direção e nunca tem impacto. Quando os líderes aplicam durante décadas políticas que não têm consequências para os fins indicados e são muito caras, é preciso saber se eles estão dizendo a verdade e se essas políticas são para outro alvo, porque elas não reduzem o uso de drogas”.

Chomsky questiona por que são aplicadas essas políticas ineficazes e dispendiosas embora se saiba que há outras mais eficazes e mais baratas. “Há apenas duas respostas possíveis: ou todos os líderes são coletivamente insanos, o que podemos descartar, ou simplesmente temos que buscar outros objetivos. No exterior é uma campanha de contra-insurgência, em casa, uma maneira de se livrar de uma população supérflua, há uma correlação muito estreita de raça e classe, não perfeita, mas quase: na verdade, os homens negros estão sendo jogados fora. Na Colômbia, chamam de limpeza social. Aqui nós simplesmente dizemos que é colocá-los na prisão”.

Ele disse que o aumento maciço do encarceramento, especialmente entre os afroamericanos e latinos, é devido à chamada guerra contra as drogas na América, mas tem raízes em uma longa história de controle e escravização, tanto formal como através do sistema de justiça criminal contra os negros.

Enfatizou também que as conseqüências dessas políticas “são significativas para os centros de poder: empreender operações de contra-insurgência na Colômbia e em outros lugares, e limpeza social aqui, na tradicional maneira estadunidense. Está tudo muito claro”.

Os líderes sabem como proceder

Chomsky acredita que a outra parte do problema são as armas. “Onde os cartéis de drogas conseguem suas armas? Elas são fornecidas pelos Estados Unidos. Se você cortar o fluxo de armas não iria acabar com a violência, mas teria um grande efeito. Se os cartéis no México querem rifles de assalto, buscam no Arizona”.

Questionado sobre as opções disponíveis para o governo do México enfrentar a violência e se seria justificável a suspensão de garantias para restaurar a ordem em áreas como Ciudad Juarez, Chomsky disse: “Primeiro é preciso perguntar o que o governo do México está tentando fazer, e que é um pouco opaco. Parece que em algum grau apoiaum dos cartéis contra os outros. Se é isso que está tentando fazer, não há justificativa”.

“Mas se você quer parar o negócio da droga, acho que se sabe como proceder, e não é com ação militar: você tem que ir ao cerne da questão. Parte da resposta foi dada na declaração dos ex-presidentes (Ernesto) Zedillo, (Fernando Henrique) Cardoso e (Cesar) Gaviria: alguns anos atrás, apresentaram um relatório que propunha que a criminalização das drogas só aumentou o problema e que algunmas devem ser legalizadas, como o álcool, e regulamentadas. Isso é parte do assunto, mas a questão de fundo está aqui nos Estados Unidos”.

Na entrevista, Chomsky disse que se reuniu com repórteres e editores de La jornada, com quem discutiu, entre outras coisas, o perigo enfrentado pelos jornalistas ao tentarem abranger a questão do tráfico de drogas e a inevitável auto-censura. Ele explicou que falaram sobre relatórios que abordam o problema e inclusive sobre a grande quantidade de negócios no México que estão de alguma forma envolvidos com o tráfico de drogas. “Quando alguém publica coisas assim e as investiga, está ameaçando os centros de poder na sociedade mexicana, que não desejam ser expostos. Se podem usar pistoleiros para pará-lo, eles o farão”.

Ele disse que há cada vez mais áreas no norte do México protegidas por criminosos e forças de segurança, e que áreas antes dedicadas à agricultura são hoje parte do negócio ilegal. Destacou ainda um relatório de La Jornada revelou que os economistas dz Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) estimam que a renda real dos trabalhadores caiu drasticamente como resultado das políticas econômicas do governo de Felipe Calderón. Por isso, “o México tem opções limitadas”, no que tange ao problema das drogas, “já que o chefão da máfia está aqui, do outro lado”.

Chomskyu considera que o problema está ligado a uma série de políticas em ambos os países e que, nos Estados Unidos, nos últimos 30 anos, a promoção do setor financeiro da economia e a destruição do sistema produtivo fizeram com que os rendimentos reais estagnassem para a maioria da população. “Tem o mesmo efeito que o neoliberalismo no México, de forma menos aguda, mas similar.”

Isso tende a confirmar que, da mesma forma que acontece com as políticas de drogas, “os governos não servem aos seus cidadãos; trabalham para suas estruturas”, que são principalmente formadas por membros do setor financeiro.
 
Livres Mercados e trabalho livre

Perguntado se de alguma maneira se opunha à ideia de um país soberano como os Estados Unidos para tomar as medidas necessárias para deter e deportar imigrantes ilegais, Chomsky disse: “É uma questão interessante essa nos EUA, onde todos são imigrantes ilegais, exceto aqueles que vivem em reservas indígenas.” Ele disse que tudo depende do que você está falando. “Se alguém se diz ‘campeão do livre mercado’, então deve estar a favor da livre circulação dos trabalhadores. Segundo Adam Smith, não se pode ter livre mercado sem isso”.

A defesa irrestrita da educação pública



Hoje, a educação pública argentina é paradigmática na América Latina. Em 2004, o ex-presidente Néstor Kirchner definiu que a educação pública não era um gasto, mas sim “um instrumento transformador”. Esta decisão política foi fundamental para priorizar a possibilidade de igualdade e oportunidade para todos e um acesso a uma educação de qualidade. A partir daquele momento, o Estado argentino passou a realizar significativos investimentos na área, passando de 3% do PIB, em 2003, para 6%, hoje. Deste total, 1% é destinado às universidades.

“A educação pública deve ser defendida”, assinala enfática a doutora Olga Ciencia, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, enquanto observa pela televisão a gigantesca marcha convocada por estudantes chilenas, motivada pela crise estrutural na educação chilena.

Os estudantes argentinos entendem de mobilizações em defesa da educação. No ano passado, um “estudiantazo” de secundaristas e universitários paralisou suas atividades por três meses. O protesto foi contra a má gestão do setor e a demora nos trabalhos de melhoria da infraestrutura de algumas escolas. Finalmente, o governo de Buenos Aires cedeu ante as demandas dos estudantes.

Para Ignacio Kostzer, presidente da Federação de Estudantes da Universidade de Buenos Aires (FUBA), no último período, a Argentina conseguiu resistir em melhores condições ao avanço neoliberal privatizador e mercantil sobre o sistema educacional. Ele sabe, porém, que a batalha não está ganha e que o sistema educacional não está isento às pressões do mercado. Mas indiscutivelmente não sofreu a derrota ideológica e cultural que sofreram os estudantes chilenos.

“O movimento popular argentino, dentro do qual se destaca especialmente o movimento estudantil, teve a capacidade de resistir mesmo nas piores condições às investidas privatizadoras contra a educação. Seja em relação às tentativas explícitas de privatizar, como ocorreu com as universidades nos anos 90, por meio das políticas de Carlos Menem e Fernando de la Rúa, seja quanto às formas relativamente “indiretas” de avançar na direção da lógica de mercado, como ocorre hoje. A defesa da gratuidade e do acesso universal tem sido reivindicações prioritárias do movimento popular na Argentina”, sustenta.

Afirma ainda que o nível de publicidade ou de elitismo do sistema educacional reflete necessariamente uma correlação de forças políticas e sociais em luta. É no terreno político onde se resolve a disputa entre os que entendem a educação como um negócio (um dos que mais movimenta dinheiro no mundo) e os que a concebem como um direito humano básico e universal. Essa disputa está presente tanto na Argentina como no Chile, ainda que estas sejam, sem dúvida, duas realidades qualitativamente distintas.

Hoje, a educação pública argentina é paradigmática na América Latina. Assegura a todos os habitantes do país – e, nos últimos anos, a uma quantidade importante de estudantes latino-americanos – o exercício efetivo de seu direito a aprender, mediante a igualdade de oportunidades e possibilidades, sem discriminação alguma. Todos os organismos correspondentes garantem o princípio da gratuidade nos serviços públicos, em todos os níveis e regimes especiais, mediante identificação nos respectivos orçamentos educacionais, e um sistema de uniformes para alunos(as) em condições socioeconômicas desfavoráveis.

Em 2004, o ex-presidente Néstor Kirchner definiu que a educação pública não era um gasto, mas sim “um instrumento transformador”. Esta decisão política foi fundamental para priorizar a possibilidade de igualdade e oportunidade para todos e um acesso a uma educação de qualidade.

A partir daquele momento, o Estado argentino passou a realizar significativos investimentos na área, passando de 3% do PIB, em 2003, para 6%. Deste total, 1% é destinado às universidades. Segundo anunciou a presidenta Cristina Fernández, o objetivo é subir para 6,49% em 2012.

Os estudantes argentinos sabem que esta luta é também latino-americana. A FUBA esteve presente e apoiou a mobilização estudantil chilena. Entendem que, em todo o continente, a defesa da Educação pública, gratuita e de qualidade constitui um ponto central para qualquer programa de espírito transformador, democrático e emancipatório.

Ignazio Kostzer sustenta que o continente tem uma história muito em rica em experiências de educação popular e alternativa. De Simón Rodríguez a Paulo Freire, passando pelos programas de alfabetização da revolução cubana, etc. “A América Latina tem muito para contrapor ao sistema educacional liberal hegemônico. Entendendo que o processo educacional não é formado por alunos ignorantes que recebem a luz do conhecimento pelo professor, mas que há também valores em jogo neste processo dialógico entre pessoas, apontamos na direção da construção de uma educação que ensine a aprender, que ensine a exercer a dignidade e a democracia, a solidariedade e a soberania popular.

“Sabemos bem que as reformas educacionais estão sempre ligadas às reformas sociais mais gerais. Não há educação para a mudança social isolada dos processos político emancipatórios. É por isso que entendemos que parte da defesa da educação pública na América Latina, tem a ver com o desenvolvimento e a consolidação dos processos de mudança de nosso continente. Justiça e igualdade para todos os povos de nossa Pátria Grande”.

Tradução: Katarina Peixoto

A grande oportunidade perdida

  Mário Maestri no CORREIO DA CIDADANIA   


Em fins de 1959, o candidato paulista conservador Jânio Quadros venceu as eleições presidenciais, com 48% dos sufrágios, apoiado na imagem demagógica de batalhador contra a corrupção e a ineficiência administrativa. Seu apoliticismo moralizador expressava-se na "vassoura" que varreria a corrupção, como símbolo, e na consigna da campanha "Jânio vem aí", que nada dizia.

O projeto político de Jânio Quadros era liberal: controle ortodoxo da inflação, abertura ao capital mundial, repressão ao sindicalismo. Para se aproximar do eleitor nacionalista e popular, não defendeu a internacionalização da Petrobrás e propôs política externa independente.

O marechal Lott, candidato da aliança PDS-PTB, nacionalista e progressista, sem charme e experiência política, foi facilmente derrotado. Porém, o eleitorado que consagrou Jânio, designou a trabalhista João Goulart, vice na chapa de Lott, para vice-presidente, como permitia a legislação.

Jânio Quadros empossou ministério conservador apoiado na UDN e empreendeu a estabilização ortodoxa exigido pelo FMI – forte desvalorização da moeda; abertura ao capital estrangeiro; redução dos subsídios da gasolina, pão etc.; congelamento de salários e crédito. O FMI suspendeu o bloqueio em que mantivera o final do governo JK para que pagasse a dívida com o capital internacional.

Jânio Quadros reduziu as promessas de modernização administrativa e combate à corrupção a infinidade de instruções anódinas, através dos "bilhetes" presidenciais, e a inquéritos midiatizados, de poucos resultados, contra o PDS e PTB derrotados e João Goulart, seu substituto constitucional. Também para contrabalançar o conservadorismo interno, propôs política externa equilibrada entre os USA, Europa e o Bloco Soviético. Visitara a Cuba revolucionária e o Egito nacionalista e propunha reatar relações com a URSS e a China.

Ninguém me quer!

Jânio Quadros viu seu apoio esvaziar-se entre os empresários nacionais, sem créditos; entre os trabalhadores e a população, pelo arrocho salarial e inflação; entre os militares, pela política terceiro-mundista; entre o PDS e PDT, pela faxina unilateral; na sua base de apoio, UDN, por seu voluntarismo. Em julho, Carlos Lacerda, da UDN, iniciou campanha anti-janista, atacando a condecoração de Che Guevara. Em 24 de agosto, denunciou pela rádio convite do ministro da Justiça de Jânio para que participasse de golpe, de corte gaullista

No dia seguinte, 25 de agosto, aniversário do suicídio de Vargas, pela manhã, Jânio Quadros entregou carta de renúncia aos ministros militares, denunciando “forças ocultas” que exigiriam poderes extraordinários. Esperava retornar à presidência, com poderes excepcionais, apoiado nas forças armadas, no bojo de explosão de indignação popular, ao igual à que varrera o país quando da morte de Getúlio Vargas. O destinatário da renúncia era o ministro da Guerra, Odílio Denys, anti-trabalhista e pró-estadunidense. Jânio Quadros confiava que vetaria a posse de Jango, em viagem oficial à China comunista.

Nos oito meses de governo, Jânio Quadros fora personagem imprevisível, inábil, depressivo, dado a bebedeiras. Sua orientação terceiro-mundista e a recente abertura ao desenvolvimentismo levaram a que os generais e a UDN desconfiassem das suas intenções e capacidades pessoais.

Os militares não chamaram o presidente de volta a Brasília. Entregaram a carta de renúncia ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, junto ao veto militar à posse do vice-presidente. Às 15 horas do dia 25 de agosto, a declaração de renúncia foi lida diante de alguns poucos e perplexos congressistas e, a seguir, Mazzilli assumiu a chefia formal da República, e os três ministros militares apossaram-se do poder. Era o golpe em marcha, com arremedo de respeito à constitucionalidade.

Jânio Quadros viajou para São Paulo, seu reduto eleitoral, onde pode dimensionar sua abismal inabilidade e falta de apoio social sólido. Fora rejeitado pelos generais e pela população, que não deu um passo em sua direção. Retornaria mais tarde à vida política paulista, sem poder justificar sua ação, sem desvelar o projeto golpista. Sintetizaria a renúncia em frase célebre pela impertinência política e gramatical: "Fi-lo porque qui-lo".

A resposta inesperada

Com o veto ao vice-presidente João Goulart, os altos chefes militares procuraram abrir caminho para governo conservador, autoritário e mais confiável, sem Jânio Quadros, promovendo a liquidação definitiva do populismo nacional-desenvolvimentista. A tentativa golpista – apoiada pelo imperialismo e pelas classes proprietárias, sob a direção da grande burguesia industrial – foi vergada devido à mobilização popular e militar do Rio Grande do Sul, que se espraiou para o Brasil, ensejada pela oposição do jovem governador do Rio Grande do Sul.

Imediatamente após o pronunciamento militar, desde estúdio improvisado nos porões do palácio Piratini, Leonel Brizola organizou rede radiofônica – Cadeia da Legalidade –, que cobriu, primeiro, o Sul e, a seguir, parte do Brasil, conclamando a população à resistência armada em defesa da Constituição, se preciso fosse. Tropas da Brigada Militar entrincheiraram-se nas cercanias do palácio Piratini e metralhadoras anti-aéreas foram colocadas nos terraços dos edifícios que cercavam a casa do governo, à espera do ataque do Exército e da Aeronáutica.

No contexto da crescente mobilização popular, a ordem do comando da Aeronáutica de que caças bombardeassem o palácio Piratini foi impedida devido ao controle da Base Aérea de Canoas por sargentos e oficiais constitucionalistas, nacionalistas e de esquerda. O ataque do palácio Piratini por tanques M-3 da II Companhia Mecanizada da Serraria não prosperou devido à decisão da Brigada Militar de resistir ao ataque e à oposição de boa parte da sub-oficialidade daquela arma. Quebrando a disciplina golpista, sob a direção sobretudo de sub-oficiais nacionalistas, parte da tropa das forças armadas colocava-se ao lado da Constituição, da população e dos trabalhadores.

Armas para o povo

Nos dias seguintes, em Porto Alegre, mais de trinta mil populares arrolaram-se como voluntários para os combates e revólveres foram distribuídos à população. A adesão ao constitucionalismo dos generais Pery Bevilaqua, comandante da III Divisão de Infantaria, de Santa Maria, e Oromar Osório, da I Divisão de Cavalaria, de Santiago, determinou o pronunciamento do vacilante comandante do III Exército, no dia 28 de agosto, em favor da Constituição. Tropas da Brigada e do Exército organizaram a defesa das fronteiras do Rio Grande, enquanto a agitação constitucionalista de Leonel Brizola espalhava-se pelo Brasil, fazendo o golpismo militar e civil retroceder, cada vez mais frágil e confuso. Coluna militar partiu do Rio Grande, em caminhões e trens, e entrou em Santa Catarina, em direção ao Paraná.

Em 3 de setembro, o vice-presidente João Goulart desembarcou em Porto Alegre, chegado de Montevidéu, de volta ao Brasil, de onde seguiu para o Rio de Janeiro, para assumir, em 7 de setembro, a presidencial vacante, com os poderes restringidos devido à instauração do parlamentarismo pelo Congresso Nacional, que se colocara, em forma majoritária, ao lado do golpismo.

Brizola opôs-se inutilmente à solução parlamentarista aceita por João Goulart, que significava recuo diante das forças golpistas acurraladas pela crescente mobilização popular e fratura das forças armadas. O governador sulino propunha respeito à Constituição e, portanto, novas eleições, após a destituição dos ministros militares e dissolução do Congresso comprometido com o golpismo. Esperava confiante uma vitória popular maciça nas urnas.

A aceitação da solução parlamentarista por Goulart interrompeu o confronto político e social, quando o golpismo retrocedia. Em 1961, há cinqüenta anos, a leniência de João Goulart e dos segmentos sociais que representava desmobilizaram a população e abriram caminho à vitória do golpe de 1964.

No poder durante vinte anos, em nome sobretudo do grande capital industrial, os militares imporiam à população perda de conquistas históricas e reformatação das instituições do país que mantém suas seqüelas fundamentais até hoje.

Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.
E-mail: maestri(0)via-rs.net

Galeano faz 71 anos enquanto as veias permanecem abertas há 40, ou muito mais


Milton Ribeiro no Sul21

"Lamento que As Veias Abertas ainda não tenha perdido a atualidade".

No dia 18 de abril de 2009, o presidente Hugo Chávez presenteou seu colega americano, Barack Obama, com o livro As Veias Abertas da América Latina, clássico ensaio do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. O exemplar estaria autografado pelo autor. O livro fala basicamente sobre o saque dos recursos naturais sofrido pelo continente latino-americano do século XV até o fim do século XX e é citado frequentemente por Chávez. Tendo iniciado o dia 18 na 54.295ª posição entre os livros mais vendidos da megavendedora de livros Amazon, o livro amanheceu o dia 19 em 2º lugar. Atualmente, a avaliação dos leitores da Amazon demonstra uma curiosidade. Dos163 leitores que escreveram resenhas a respeito da obra, 86 dão-lhe nota 5, a máxima, enquanto 50 dão-lhe a nota mínima, 1. Dos 163, somente 27 não lhe dão as notas extremas.
Tais avaliações não chegam a ser surpreendentes. Afinal, As Veias Abertas não parece prestar-se a opiniões desapaixonadas. A direita costuma chamá-lo de um “anacrônico clássico da literatura esquerdista do continente”, o qual questiona o imperialismo americano e europeu na região. Já a esquerda:
Depois do golpe de 1973 não pude levar muita coisa comigo: algumas roupas, fotos da família, um saquinho com barro do meu jardim e dois livros: uma velha edição de Odes, de Pablo Neruda, e o livro de capa amarela, As Veias Abertas da América Latina.
Isabel Allende, no prefácio da edição chilena
Neste sábado (3), Galeano completa 71 anos, enquanto que sua principal obra — escrita anos antes, mas publicada em 1971 — completa 40.
Escritor foi um dos responsáveis pela fundação de três jornais: Marcha, Crisis e Brecha.

Eduardo Galeano nasceu em Montevidéu em 3 de setembro de 1940. Começou sua carreira de jornalista no início dos anos 60, como editor do “Marcha”, um influente jornal semanal que tinha como colaboradores Mario Benedetti, Mario Vargas Llosa, Manuel Maldonado e Denis Fernández Retamar.
Durante o golpe de 27 de junho de 1973, Galeano foi preso e forçado a deixar o Uruguai. Foi para a Argentina, onde fundou a revista cultural “Crisis”. Em 1976, após seu livro As Veias Abertas da América Latina ser censurado pelos governos militares do Uruguai, Argentina e Chile, teve seu nome colocado na lista dos esquadrões da morte de Videla e, temendo por sua vida, exilou-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo.
No início de 1985, retornou a Montevidéu. Em outubro do mesmo ano, juntamente com Mario Benedetti, Hugo Alfaro e outros jornalistas e escritores que haviam pertencido ao semanário “Marcha”, fundou o semanário “Brecha”, no qual segue até hoje como membro do Conselho Consultivo. Em 2010, a Brecha instituiu o prêmio Memória do Fogo, entregue anualmente a um artista a cujos talentos se somem a luta pelos direitos humanos e sociais. O primeiro vencedor foi o cantor espanhol Joan Manuel Serrat, que o recebeu a 16 de dezembro de 2010 no Teatro Solís em Montevidéu.
Em 2007, recuperou-se satisfatoriamente de uma operação de câncer de pulmão.
Escritos que combinam ficção, jornalismo, análise política e história.

Galeano tem mais de 30 livros publicados e, se pudéssemos caracterizá-los através de uma frase, talvez desta devesse constar o convite que o autor nos faz para olhar simultaneamente o passado e o futuro. Suas obras também buscam estabelecer uma frente comum contra a miséria moral e material do continente. Há um risco demagógico e piegas neste tipo de proposta, mas Galeano salva-se disto com um texto limpo e objetivo, às vezes duro. Com o tempo, amenizou seu estilo, chegando com naturalidade à prosa poética e mesmo à poesia. Seu projeto de refletir o drama da América Latina é abertamente de esquerda e, ao longo dos anos, o autor manteve um compromisso contínuo com suas ideias, rejeitando uma existência sem utopias.
Seus escritos combinam ficção, jornalismo, análise política e história. Ao lado de As Veias Abertas da América Latina, talvez seus livros mais importantes sejam a trilogia Memória do Fogo, dividida em Os Nascimentos (1982), As Caras e a Máscaras (1984) e O Século do Vento (1986). Trata-se de uma ousada e inclassificável mistura de gêneros unidas por onipresente espírito crítico. Os personagens são generais, artistas, revolucionários e operários, os quais são retratados em pequenos episódios que começam nos mitos dos povos pré-colombianos chegando até a década de 80 do século XX.
 
Como fã de futebol e hincha do Nacional de Montevidéu, Galeano escreveu O futebol ao sol e à sombra (1995), onde revisa a história do esporte. Sua paixão pelo jogo supera a paixão por uma camisa. O autor traça comparações com o teatro e a guerra, critica a presença das grandes corporações, de um lado, e, por outro, ataca sem tréguas os intelectuais de esquerda que rejeitam o jogo por motivos ideológicos. O formato escolhido é o da crônica, mas uma crônica de poesia derramada de paixão pelo futebol. “Aos descendentes dos rituais astecas, aos filhos do tango, do samba e da capoeira, da sombra da miséria e do sol dos sonhos de glória”: é a estes, a sua tradição de virtuosismo e a seus cultores, em todo o mundo e ao longo dos tempos, que o autor presta homenagem. Mas…
Como todos os meninos uruguaios, eu também quis ser jogador de futebol. Jogava muito bem, era uma maravilha, mas só de noite, enquanto dormia: de dia era o pior perna-de-pau que já passou pelos campos do meu país.
(…)
Os anos se passaram, e com o tempo acabei assumindo minha identidade: não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico:
– Uma linda jogada, pelo amor de Deus!
E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre — sem me importar com o clube ou o país que o oferece.
A nova tradução, por Sergio Faraco

No ano passado, a L&PM lançou uma nova tradução de As Veias Abertas da América Latina. O tradutor, a pedido do próprio autor, foi Sergio Faraco. “Fiz a tradução a pedido de Galeano e acompanhado por ele. Enviava diariamente e-mails com minhas dúvidas, os quais eram respondidos imediatamente. Demorei 3 meses para terminar as quase 400 páginas. A maior dificuldade não foi o texto original, foi a comparação com a outra tradução brasileira, de Galeno de Freitas, muito boa, feita em 1971. Era inevitável, acho que tudo ficou muito parecido”, conta Faraco.
Galeano elogiou a nova tradução, que teria ficado superior ao original em espanhol. “Minha obra hoje soa melhor em português”, disse, referindo-se ao fato de ter não apenas Faraco como tradutor de sua obra, mas também Eric Nepomuceno. Só aqui no Brasil já saíram 52 edições do livro. Faraco completa: “As Veias Abertas é um ensaio com altíssimo grau de informação. É inacreditável que ele tenha feito aquela imensa pesquisa histórica e escrito o livro na idade de aproximadamente 30 anos. O livro retrata uma realidade vergonhosa de surpreendente atualidade em nossos dias, pois nossa miséria e dependência permanecem. É curioso que alguns chamam o livro de anacrônico. Apesar de ter sido escrito há 40 anos, ele não tem nada de anacrônico, até porque revela de forma brilhante uma realidade incontestável – a realidade histórica”.
O professor do Instituto de Biociências da UFRGS, Paulo Brack, em entrevista à Rádio da UFRGS, rebate enfaticamente as acusações de anacronismo. “Vejam, por exemplo, a questão de Belo Monte. Ela confrontou o Brasil e a Comissão de Direitos Humanos da OEA, que questionou o tratamento que o governo brasileiro está dando ao problema. Também a aprovação do novo Código Florestal na Câmara demonstra a vitória de um sistema que há séculos está enraizado no país. O Código Florestal anterior era uma das legislações mais avançadas do mundo. Agora foi alterada em favor do agronegócio, cujo sistema de produção teve origem nos grandes latifúndios. Ou seja, muita coisa que Galeano fala em seu livro está ainda atual. Apenas mudou a cara de quem faz. Antes, havia a presença militar, agora não mais”.
A América latina parece ter-se especializado em prover o desenvolvimento das economias europeia e norte-americana.

Em As Veias Abertas, Galeano apresenta uma análise histórica sobre formação da América Latina desde sua ocupação pelos europeus até os dias de hoje, fundando sua crítica na espoliação econômica, na dilapidação dos recursos naturais do continente e na dominação política, primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. A professora de Geografia Ilana Freitas faz uma curiosa constatação. “Durante a ditadura, As Veias Abertas era muito usado por professores de segundo grau de História e Geografia. Eram pessoas que, de forma muito corajosa, preocupavam-se em marcar uma posição de esquerda ou de crítica à ditadura”.
Lamento que este livro ainda não tenha perdido a atualidade.
Eduardo Galeano
Sem ser hostil, o jornalista e escritor Juremir Machado da Silva, também em entrevista à Rádio da UFRGS, faz ressalvas ao livro. “Galeano defendia que o fim da dependência da América Latina deveria ser baseado na implantação de modos modos de produção. O livro indica que a solução para a dependência latino-americana seria o socialismo. Este aspecto implícito ou explícito do livro, caducou”. Porém, Juremir concorda com Galeano no cerne: “É claro que o Brasil é um vendedor de commodities. Ou seja, vende matéria-prima barata e compra de volta o produto pronto daqueles países que agregam valor a eles. Vende para recomprar a preço maior o produto beneficiado. É uma questão não só de tecnologia, de capital, mas de mentalidade. Hoje, nada nos impede de mudar esta situação, só o fato de existir uma elite que está satisfeita como vendedora de commodities e que não deseja outro tipo de organização sócio-econômica”.
“A divisão internacional do trabalho consiste em que uns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: se especializou em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se lançaram através do mar e cravaram-lhe os dentes na garganta. Passaram-se os séculos e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Ela já não é o reino das maravilhas em que a realidade superava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus da conquista, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região segue trabalhando como serviçal, continua existindo para satisfazer as necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que, consumindo-os, ganham muito mais do que a América Latina ganha ao produzi-los.”
Parágrafo de abertura de As Veias Abertas da Amérca Latina
Quando nos vamos, eles se vão?

Atualmente, passados 40 anos, talvez a crítica que se possa fazer a Galeano seja a do tom indignado da narrativa, porém isto não anula ou diminui os fatos descritos e não retifica a história, pois é difícil negar que as colônias e nações latino-americanas têm sido, desde o início do século XVI, especialistas em prover o desenvolvimento das economias europeia e norte-americana, com seu consequente fortalecimento político.
Seu último livro Espelhos (2008) consiste em quase 600 histórias breves que, segundo Galeano, proporcionam ao leitor “viajar através de todos os mapas de todos os tempos, sem limites”.
Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos nos lembram.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, eles se vão?
Este livro foi escrito para que não partam.
Nestas páginas unem-se o passado e o presente.
Renascem os mortos, os anônimos têm nome:
os homens que ergueram os palácios e os templos de seus amos;
as mulheres, ignoradas por aqueles que ignoram o que temem;
o sul e o oriente do mundo, desprezados por aqueles que
desprezam o que ignoram;
os muitos mundos que o mundo contém e esconde;
os pensadores e os que sentem;
os curiosos, condenados por perguntar, e os rebeldes e
os perdedores e os lindos loucos que foram e são o
sal da terra.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Professores lutam pelo piso nacional


Em entrevista, coordenadora do Sind-UTE afirma que greve só termina com o atendimento das reivindicações


Mariana Starling,
De Belo Horizonte (MG)


Os trabalhadores em educação de Minas Gerais estão em greve há 86 dias. A reivindicação principal é a implementação no estado do Piso Salarial Nacional, julgado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em abril deste ano. Em entrevista ao Brasil de Fato, a coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do estado de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Beatriz Cerqueira, afirma que a greve só termina com o atendimento das reivindicações. Confira a entrevista.

Brasil de Fato – Qual a avaliação que a categoria dos professores de Minas Gerais faz sobre a gestão do PSDB para a educação no estado?

Beatriz Cerqueira – Temos enfrentado um processo de empobrecimento da nossa categoria que se aprofundou desde que o Aécio Neves assumiu o governo. O tão falado “Choque de Gestão” foi uma política em que os profissionais, os servidores públicos pagaram a conta. Ele instituiu uma política de controle de remuneração, de ausência de valorização da categoria com a instituição de dinâmicas de prêmio por produtividade que não trazem eficiência para o sistema público, mas fazem com que o Estado possa controlar a remuneração. Além disso, o investimento em políticas públicas não ocorre no estado e, com isso, toda a sociedade sofre. Não é só nossa categoria.

O governo de Anastasia tem sido, então, uma continuidade do governo Aécio no setor, ou há alguma diferença relevante?

Sem sombra de dúvidas é uma continuidade. O próprio Anastasia diz isso, que é a terceira fase do “Choque de Gestão”. Os dois primeiros mandatos do Aécio e agora o do Anastasia é a terceira geração, que eles mesmos colocam.

E como está a Educação em Minas? Faça, por favor, uma breve radiografia do ensino no estado.

Tem dados relativos à educação que são importantes. O Aécio não investiu 25% previstos constitucionalmente, este é um relatório técnico que o Tribunal de Contas produziu. Em 2009, por exemplo, o investimento foi de 20,15%. Isso traz um prejuízo para toda a sociedade. Há um déficit em Minas Gerais de 1 milhão e meio de vagas na educação básica. Ou seja, se todo mundo na faixa etária da educação básica quiser estudar, não teriam vagas. Faltam 800 mil lugares. Há uma privatização do ensino profissionalizante. Porque neste ensino a rede não é própria. Ao contrário da política do governo federal, no governo do estado a rede depende de financiamento e parceria com a iniciativa privada. O mercado é quem gerencia a educação, que deveria ser pública. Os indicadores de Minas Gerais são medidos pelo próprio governo do estado e eles não demonstram um grande avanço. A nossa é uma carreira em que a pessoa demora 20 anos para chegar a receber por Mestrado. Então, a carreira em Minas não é uma carreira que atrai o profissional, que o valoriza. Isso faz com que nossa profissão em Minas seja uma profissão de passagem. A pessoa está na escola enquanto não está em outro lugar. A preocupação que o governo diz ter com o Enem é ilusória porque o governo não oferece aos estudantes toda a matriz curricular do ensino médio. O aluno tem que optar entre a área de humanas e a área de exatas já no ensino médio. O governo autoriza a contratação de pessoas sem formação em magistério e licenciatura para ser professor. Eu costumo dizer que é a mesma coisa de que você entrar em um hospital e ter uma pessoa que não é formada em medicina fazendo uma cirurgia. Pode isso? Não pode. Então por que em uma escola pode-se abrir uma sala de aula e ter uma pessoa que não é professor lecionando? Ser professor é uma profissão complexa, que exige uma formação adequada.

Nesse sentido, explique as principais reivindicações da categoria.

O foco da nossa greve, pela terceira vez, é o Piso Salarial Nacional. Na nossa realidade, o Estado quer estabelecer uma dinâmica de controle da remuneração, ele não investiu em vencimento básico da categoria. Faz políticas de abono, políticas que são transitórias e não trazem benefícios para a vida funcional do servidor. O vencimento básico hoje de um professor de nível médio é de R$ 369. A pessoa que tem licenciatura plena é R$ 550. Então nós estamos falando que, em Minas Gerais, o professor que faz universidade recebe um salário mínimo. O foco principal é a questão do Piso Salarial Nacional. Nós conquistamos uma lei federal em 2008, que é a lei 11.738, e toda essa greve é para que o governo cumpra a lei. Não é uma decisão judicial que vai fazer com que esta greve acabe. Nós procuramos todos no início da greve: o Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa Mineira, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais no sentido da mediação do conflito. Isso em junho, na primeira semana de greve. Procuramos todos os atores. Nesse momento, a greve só será interrompida quando atingirmos um patamar de negociação que atenda à expectativa da categoria: o Piso Salarial Nacional. A justiça de Minas Gerais tem mania de declarar toda greve do setor público como ilegal. Há uma estratégia do Estado de tentar declarar como ilegal também este ano, como no ano passado. Mas essa greve não vai ser suspensa por uma decisão judicial.

E como tem sido a postura do governo diante das reivindicações?

O governo até o momento não apresentou nenhuma proposta de Piso Salarial como vencimento básico. Tenta investir em um modelo de remuneração construído por ele, que é o subsídio, o qual tem um impacto muito negativo para o servidor de carreira porque não tem a lógica do controle da remuneração, só do vencimento básico. Outro aspecto é que o governo do estado só negocia com quem é conivente com ele.  Aqui em Minas temos uma política permanente de cooptação das entidades sindicais, das lideranças sindicais. Para estar em uma mesa de negociação é necessário que se pactue com o que o governo concorda. Um exemplo disso é o Comitê de Negociação Sindical, que foi criado este ano com o objetivo de ser uma mesa de negociação do servidor público estadual. Por nós estarmos em greve, o governo proibiu que participássemos da mesa. O governo gerencia, interfere, tenta tutelar o lado do trabalhador. Não cabe ao governo determinar quem senta à mesa ou quem não senta ou em que condições senta.

O acórdão do Superior Tribunal Federal (STF), publicado dia 24 de agosto, determina o pagamento do Piso Salarial Nacional aos professores. Qual a expectativa da categoria sobre essa decisão? A Secretaria de Estado de Educação e o governo do estado já se manifestaram?

Junto ao Sind-UTE, o governo ainda não se manifestou. A publicação do acórdão ratifica o que o Sindicato vem dizendo desde abril: que o Piso é vencimento básico e não total de remuneração. Eu acho lamentável que o governo do estado deixe uma greve se prolongar para, no final, ser obrigado a cumprir uma questão que a categoria reivindicava antes mesmo que a greve iniciasse. Na nossa pauta, em fevereiro, nós já reivindicávamos o Piso Salarial Nacional. Quando teve o julgamento do STF de mérito, que definiu a constitucionalidade do Piso entendido como vencimento básico em abril, nós ainda assim tentamos por dois meses a negociação com o governo do estado. Mas o governo optou por não negociar, ignorar uma lei federal. E a publicação do acórdão só veio legitimar a nossa luta pelo Piso Salarial.

O governo do estado afirma que a forma de pagamento com subsídio é constitucional. O que o sindicato diz sobre esse posicionamento?

Quem vai decidir isso é o Supremo Tribunal Federal. Porque em julho nós já ajuizamos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) pedindo que o STF declare inconstitucional o subsídio em Minas Gerais visto que há uma lei federal que estabelece um Piso Salarial Nacional profissional. Aguardamos o mais breve possível que o Supremo possa se manifestar em relação à nossa Adin.

De que maneira a imprensa local vem noticiando as mobilizações dos trabalhadores em educação?

Por mais que tentem ignorar, é impossível não falar de uma greve de mais de 80 dias. É impossível não falar de uma greve que atinge mais de 50% do estado. Uma greve que está resistindo ao corte de ponto, à suspensão de direitos, que tem resistido a uma ampla, intensa e ofensiva campanha publicitária feita pelo governo no sentido de convencer a sociedade e a própria categoria. Não são todas as entidades que conseguem reunir 8, 9 mil pessoas em assembleia em Belo Horizonte. A imprensa tem feito a cobertura. É claro que em alguns meios de comunicação a gente percebe uma edição no sentido de diminuir a participação da categoria, como aconteceu quando um jornal disse que tinham 700 pessoas em uma assembléia com mais de 7 mil. As secretárias de governo são convidadas para entrevistas de estúdio, coisas que o sindicato não é. E para uma imprensa que preza pela democracia, o espaço deveria ser o mesmo. Já tiveram duas marcações de entrevistas com o sindicato que foram canceladas porque a Secretária de Planejamento e Gestão não aceitou participar. Mas o importante é que temos conseguido furar esse bloqueio e temos conseguido fazer a interlocução dos movimentos através dos meios de comunicação.

Como se posicionam os estudantes, os movimentos sociais e a sociedade em geral em relação à luta da categoria?

Nós conseguimos ter o apoio e a solidariedade de mais de 40 entidades entre movimentos sociais, sindicais, estudantis. Várias comissões de pais no interior do estado têm nos ajudado, têm ido ao Ministério Público.

O governo estadual afirma que já está repondo nas escolas os professores que estão em greve, contratando novos professores. O que o Sindicato tem a dizer sobre isso?

Eu queria fazer uma observação. Da dificuldade que nós enfrentamos em Minas dos direitos dos trabalhadores serem preservados. E quando a gente recorre ao poder Judiciário, o mesmo, em Minas, primeiro resguarda o direito do patrão. No caso, o governo do estado. Há uma lei federal que estabelece o direito de greve e diz que o trabalhador em greve não pode ser substituído. Infelizmente, a Justiça mineira não é guardiã da legislação. A alegação de que o Enem será prejudicado é o desconhecimento do que é o mesmo. Isso é desconhecer a educação básica. Se estivessem realmente preocupados com o Enem, estariam discutindo a matriz curricular do ensino médio. A preocupação com o ensino médio deveria ser no tocante à qualidade do ensino, à qualificação do profissional. A questão da Justiça mineira merece uma reflexão. Fora que o Estado tem contratado pessoas sem qualificação. É um advogado que chega pra pegar aula de sociologia, é um fisioterapeuta para dar aula de biologia, um estudante para lecionar história... Isso não é só um discurso do sindicato. Temos provas nos relatórios das contratações. O interessante é que o estudante não está aceitando. Tem escolas em que os estudantes estão se recusando a assistir às aulas.