Oscar Niemeyer, o gênio que o Espírito Santo esnobou
Em dezembro último, o arquiteto Oscar Niemeyer completou 100 anos de vida. O mês foi marcado por muitas homenagens ao homem que projetou Brasília e que hoje é famoso em todo o mundo por suas obras arrojadas. Mas o que tem Niemeyer com o Espírito Santo? Quem respondeu nada enganou-se. O arquiteto guarda do Estado uma lembrança não muito boa. Enquanto no mundo todo uma obra de Niemeyer seria recebida com honras e satisfação dos governantes, no Estado do ES os projetos dele foram simplesmente desprezados.
Desenho de Niemeyer propõe a construção de um monumento para lembrar o encontro das raças no ES
Por Renata Oliveira
Insensibilidade priva o Estado de obras do grande arquiteto
Quem conta a complicada história entre o Espírito Santo e o arquiteto é escritor e historiador Maciel de Aguiar. Amigo de Niemeyer desde os tempos do partidão (PCB), foi ele quem pediu um projeto para lembrar o encontro das raças no Espírito Santo. Isto foi em 2001, na época em que Maciel era secretário de Cultura do Estado.
“O monumento lembraria um acontecimento muito importante para a história do Brasil, que foi a batalha do Cricaré, quando os portugueses mataram oito mil índios”, explicou Maciel.
Com o desenho de Niemeyer na pasta, Maciel de Aguiar acreditava que colocaria o Espírito Santo na lista dos estados engrandecidos com obras do arquiteto mundialmente conhecido e respeitado. Mas não foi o que aconteceu. O governador da época, José Inácio Ferreira, decidiu, depois de ouvir seus assessores, que o Espírito Santo não precisava de uma obra de Niemeyer.
A equipe de governo tinha outros planos bem menos nobres: a construção de um marlin azul de 500 metros de altura. Um prédio com elevador interno, que conduziria a um restaurante panorâmico (no bico do marlin), com vista da costa capixaba. O monumento seria construído em Bento Ferreira, em frente à baía de Vitória e tinha a intenção de atrair muito mais turistas. Acabou que nem um nem o outro foram construídos.
O Espírito Santo perdeu a oportunidade de ter uma obra com a assinatura do arquiteto e Niemeyer acabou guardando uma pontinha de mágoa do Estado. Esta, porém, não foi a única vez em que o arquiteto teve problemas para colocar uma obra no Estado.
Dez anos antes do fatídico episódio do marlin azul gigante, a Assembléia Legislativa também abandonou o projeto de inauguração de um monumento com a assinatura de Niemeyer. Consta que o então presidente da Casa, Vicente Silveira, chegou a entrar em contato com o arquiteto, que realizou o projeto, mas seu sucessor, Dilton Lyrio, não deu seqüência à idéia.
Embora tenha tido as portas fechadas no governo José Ignácio, Maciel de Aguiar ainda tenta viabilizar a construção de uma obra de Niemeyer no Estado. A intenção dele é que a obra seja feita na confluência do rio Cricaré com o rio Mariricu, local em que, lembra Maciel, os índios mataram, em janeiro de 1588, Fernão de Sá. A mais importante vitória indígena contra o poderio português.
“Ainda não encontrei um governador ou prefeito com disposição para apoiar o projeto. Gostaria de homenagear o Niemeyer porque ele é meu amigo e sempre se mostrou solícito. Chegou a colocar o escritório à disposição da recuperação do Porto de São Mateus. Isso em 1978”, explicou.
Maciel guarda com carinho um documento assinado pelo arquiteto, em que ele reconhece a importância histórica e arquitetônica do sitio histórico do Porto de São Mateus e se solidariza com a idéia, colocando-se à disposição.
O historiador capixaba conta como conheceu Niemeyer. Graças ao Partido Comunista, encontrou o arquiteto na casa de outro comunista de carteirinha, Jorge Amado. A amizade já dura 40 anos, apesar dos percalços causados pela insensibilidade do poder público capixaba.
Niemeyer
Nascido no Rio de Janeiro e formado na Universidade do Brasil, em 1935, Oscar Niemeyer trabalhou com o conceituado arquiteto suíço Le Corbusier, no revolucionário desenho dos edifícios dos Ministérios da Saúde e da Educação brasileiros, concluídos em 1936.
Entre muitos edifícios que Niemeyer desenhou estão a Igreja de São Francisco, que tem uma estrutura tão radical que a sua consagração foi atrasada até 1959, embora a Igreja tivesse sido terminada em 1943.
A originalidade e a imaginação que Niemeyer revelou nos seus trabalhos transformaram-no em referência da arquitetura moderna. Embora altamente variado, o seu trabalho inclui sempre um enorme espaço vazio integrado em formas muito incomuns. Altos edifícios suportados por pilares de betão ou aço caracterizam a obra do arquiteto. Ao lado de Lúcio Costa, pretendia construir uma cidade utópica. E fez Brasília.
A Catedral
A Catedral de Brasília é um dos imensos edifícios públicos desenhados pelo arquiteto Niemeyer nos anos 60 para a capital brasileira e uma de suas obras mais conhecidas e admiradas. Construída entre os anos de 1959 e 1980, tem na sua arquitetura técnicas e materiais modernistas misturados com as linhas curvas e a liberdade da forma, próprias do período barroco brasileiro.
A base do edifício é circular e tem cerca de 60 metros de diâmetro, e o seu piso principal situa-se a 3 metros do chão. O seu telhado de vidro fosco, que tem início ao nível do chão é suportado por 16 colunas curvas, colunas estas que, vistas de fora do edifício, terminam no topo de forma pontiaguda, lembrando a imagem de uma coroa de espinhos.
A batalha do Cricaré
Como no resto do Brasil, a chegada dos portugueses ao Estado não foi amistosa. Assim que aportavam, iniciavam o processo de dominação dos índios, que se defendiam com armas primitivas – arco e flecha, tacape (lança de madeira) e bordunas (pedaço de pau tipo cassetete). Os índios eram escravizados para o trabalho nos engenhos e suas mulheres eram usadas para suas sevicias e prazeres.
Os índios começaram a entender que aquele povo poderoso estava vindo para ficar e trataram de se defender como podiam, juntando-se até com nações e tribos adversárias. Vasco Fernandes Coutinho pediu que o governador geral ajudasse. Mem de Sá, recém-empossado em Salvador, mandou seu filho Fernão de Sá com seis caravelas e duzentos homens para afugentar os índios.
Quando Fernão de Sá chegou em Porto Seguro recebeu a informação de que existiam muitos índios na região da aldeia do Cricaré. Por subestimar a valentia dos índios e por descuido dos soldados, o filho do governador avançou muito na perseguição e ficou sem pólvora e com apenas dez homens. Ele foi morto juntamente com Manuel Álvares e Diogo Álvares, ambos filhos de Diogo Álvares Correia, o Caramuru – homem de fogo – e mais três soldados.
A batalha aconteceu em vários pontos da margem do rio Cricaré, inclusive no rio Mariricu (variação da palavra Marerike, que quer dizer fortaleza de pau-a-pique), no inicio do ano de 1558. Após a morte de Fernão de Sá, juntou-se um grande numero de soldados portugueses, que entraram na região do rio Cricaré matando milhares de índios. Esses episódios se configuram como a primeira derrota dos portugueses na costa brasileira e também como o maior genocídio cometido contra os índios no Brasil.
fonte: www.seculodiario.com.br