Antecedentes da revolução mexicana de 1910 |
Escrito por Guga Dorea - Correio da Cidadania | |
No ano passado, escrevi no "Correio da Cidadania" uma série de artigos sobre o que é o chamado neozapatismo, abordando logo nos primeiros passos algo que é aparentemente simples: o que é ser zapatista no Brasil? Como continuidade dessa trilha, a proposta que lanço agora é embarcar nas comemorações dos 100 anos da Revolução Mexicana. Em um momento da História da humanidade, em que a era das grandes revoluções salvacionistas parece estar se esgotando, a pergunta necessária em relação a esse tema muda de tom. Ela passa a ser: qual o legado da Revolução Mexicana de 1910 no mundo contemporâneo? Todo o percurso, que se inicia com esse artigo, será traçado para chegarmos a uma possível conexão entre a revolução e a fala zapatista, retomando assim à proposta iniciada nos artigos que antecederam a esse. Para se compreender o que foi a Revolução Mexicana e qual a sua importância nos dias de hoje, no entanto, é fundamental conhecermos antes as principais particularidades do México no final do século XIX, levando sempre em consideração desde o seu contexto interno até a ligação das singularidades mexicanas com o estágio desenvolvimentista do capitalismo naquele período. Historicamente falando, o México se encontrava em plena ditadura de Porfírio Dias (1876-1911), tendo que enfrentar todas as contradições econômicas, sociais e políticas inerentes àquele momento. A gestão porfirista, nesse sentido, estava inserida em um contexto no qual se iniciava um processo contínuo de formação do chamado Estado-Nação mexicano. Influenciada pela ideologia liberal, a elite branca do país, descendente de colonizadores espanhóis, nascidos na América, forjou o que se constituiria como a nascente burguesia mexicana, ansiosa por instituir no México um legítimo sistema capitalista. Não é pouco para quem vivia basicamente da atividade extrativista, especialmente da produção de açúcar, café e fumo, produtos esses basicamente exportados. O México também produzia tecidos e cerâmicas, entre outros produtos afins, apenas para consumo interno. Tratava-se de uma pequena produção artesanal que, somada a uma agricultura ainda arcaica do ponto de vista capitalista, colocava o país longe do ideal da emergente e insatisfeita burguesia de se perfilar, no cenário internacional, como mais um integrante do "seleto" clube dos países desenvolvidos. Dessa forma, o grande dilema enfrentado por essa minoria ascendente era como inserir definitivamente o México no capitalismo global. A preocupação maior era então o de romper definitivamente com as amarras do período colonial, dando prosseguimento aos propósitos iniciados no período da independência. Não por acaso, a Constituição de 1857 concedia poderes plenos para a já considerada burguesia nacional, conhecida também como "elite crioula". O objetivo básico, diante disso, era unificar o país em uma só voz hierárquica e homogeneizadora, desconsiderando completamente os interesses, reivindicações e necessidades daqueles que não se adequavam a essa proposta de existência, defendida por poucos que se beneficiariam com ela. Como já nos mostrou habilmente Luiz Villoro, os indígenas não foram convidados e nem consultados no ato da "assinatura" desse novo contrato. Toda essa dinâmica desterritorializante gerou a chamada "reforma", ou seja, legitimou-se o poder da "elite crioula" contra os setores vinculados à colônia, especialmente a igreja. Com a independência, esse processo se acelerou ainda mais e, posteriormente, a ditadura de Porfírio Dias gerou as condições necessárias para que o México entrasse de vez na órbita dos que já viviam a Segunda Revolução Industrial, essencialmente monopolista e acumuladora de renda. A "modernidade" mexicana, no entanto, custou caro. Como decorrência de um crescente acúmulo de capital nas mãos de poucos, ampliou-se a desigualdade social e a pobreza de grande parcela de sua população, abrindo as portas para que setores dos mais diversos espectros ideológicos, descontentes com a crescente concentração do poder político, dessem os primeiros passos que desembocaria na Revolução Mexicana. Antes de seguirmos pelos caminhos da (ou das) revoluções mexicanas, talvez seja necessário ainda refletirmos sobre o que foi a ditadura de Porfírio Dias. Que interesses estavam em jogo e quais as contradições existentes entre no interior da burguesia emergente naquele período histórico? Outro tema também pertinente é o do legado do estadista liberal Benito Juarez. Haverá alguma diferença entre a sua proposta de modernidade e a da colocada em prática posteriormente por Porfírio Dias? Esse é um debate que fica para o próximo artigo. Fica então, para finalizar, uma chamada. Já que nós estamos em um modelo de jornalismo interativo, proponho daqui para frente que vocês, possíveis leitores, coloquem suas impressões, opiniões e mesmo questões que queiram debater sobre o tema da Revolução Mexicana e suas conseqüências atuais, incluindo a entrada em cena dos zapatistas em pleno final do século XX. Até a próxima. Guga Dorea é jornalista, cientista político e colaborador do Projeto Xojobil, além de integrante do Instituto Futuro Educação (IFE). |