sexta-feira, 19 de março de 2010

NeoZapatismo....

Antecedentes da revolução mexicana de 1910
Escrito por Guga Dorea   - Correio da Cidadania
 
No ano passado, escrevi no "Correio da Cidadania" uma série de artigos sobre o que é o chamado neozapatismo, abordando logo nos primeiros passos algo que é aparentemente simples: o que é ser zapatista no Brasil? Como continuidade dessa trilha, a proposta que lanço agora é embarcar nas comemorações dos 100 anos da Revolução Mexicana.
 
Em um momento da História da humanidade, em que a era das grandes revoluções salvacionistas parece estar se esgotando, a pergunta necessária em relação a esse tema muda de tom. Ela passa a ser: qual o legado da Revolução Mexicana de 1910 no mundo contemporâneo? Todo o percurso, que se inicia com esse artigo, será traçado para chegarmos a uma possível conexão entre a revolução e a fala zapatista, retomando assim à proposta iniciada nos artigos que antecederam a esse.
 
Para se compreender o que foi a Revolução Mexicana e qual a sua importância nos dias de hoje, no entanto, é fundamental conhecermos antes as principais particularidades do México no final do século XIX, levando sempre em consideração desde o seu contexto interno até a ligação das singularidades mexicanas com o estágio desenvolvimentista do capitalismo naquele período.
 
Historicamente falando, o México se encontrava em plena ditadura de Porfírio Dias (1876-1911), tendo que enfrentar todas as contradições econômicas, sociais e políticas inerentes àquele momento. A gestão porfirista, nesse sentido, estava inserida em um contexto no qual se iniciava um processo contínuo de formação do chamado Estado-Nação mexicano.
 
Influenciada pela ideologia liberal, a elite branca do país, descendente de colonizadores espanhóis, nascidos na América, forjou o que se constituiria como a nascente burguesia mexicana, ansiosa por instituir no México um legítimo sistema capitalista. Não é pouco para quem vivia basicamente da atividade extrativista, especialmente da produção de açúcar, café e fumo, produtos esses basicamente exportados.
 
O México também produzia tecidos e cerâmicas, entre outros produtos afins, apenas para consumo interno. Tratava-se de uma pequena produção artesanal que, somada a uma agricultura ainda arcaica do ponto de vista capitalista, colocava o país longe do ideal da emergente e insatisfeita burguesia de se perfilar, no cenário internacional, como mais um integrante do "seleto" clube dos países desenvolvidos.
 
Dessa forma, o grande dilema enfrentado por essa minoria ascendente era como inserir definitivamente o México no capitalismo global. A preocupação maior era então o de romper definitivamente com as amarras do período colonial, dando prosseguimento aos propósitos iniciados no período da independência. Não por acaso, a Constituição de 1857 concedia poderes plenos para a já considerada burguesia nacional, conhecida também como "elite crioula".
 
O objetivo básico, diante disso, era unificar o país em uma só voz hierárquica e homogeneizadora, desconsiderando completamente os interesses, reivindicações e necessidades daqueles que não se adequavam a essa proposta de existência, defendida por poucos que se beneficiariam com ela. Como já nos mostrou habilmente Luiz Villoro, os indígenas não foram convidados e nem consultados no ato da "assinatura" desse novo contrato.
 
Toda essa dinâmica desterritorializante gerou a chamada "reforma", ou seja, legitimou-se o poder da "elite crioula" contra os setores vinculados à colônia, especialmente a igreja. Com a independência, esse processo se acelerou ainda mais e, posteriormente, a ditadura de Porfírio Dias gerou as condições necessárias para que o México entrasse de vez na órbita dos que já viviam a Segunda Revolução Industrial, essencialmente monopolista e acumuladora de renda.
 
A "modernidade" mexicana, no entanto, custou caro. Como decorrência de um crescente acúmulo de capital nas mãos de poucos, ampliou-se a desigualdade social e a pobreza de grande parcela de sua população, abrindo as portas para que setores dos mais diversos espectros ideológicos, descontentes com a crescente concentração do poder político, dessem os primeiros passos que desembocaria na Revolução Mexicana.
 
Antes de seguirmos pelos caminhos da (ou das) revoluções mexicanas, talvez seja necessário ainda refletirmos sobre o que foi a ditadura de Porfírio Dias. Que interesses estavam em jogo e quais as contradições existentes entre no interior da burguesia emergente naquele período histórico? Outro tema também pertinente é o do legado do estadista liberal Benito Juarez. Haverá alguma diferença entre a sua proposta de modernidade e a da colocada em prática posteriormente por Porfírio Dias? Esse é um debate que fica para o próximo artigo.
 
Fica então, para finalizar, uma chamada. Já que nós estamos em um modelo de jornalismo interativo, proponho daqui para frente que vocês, possíveis leitores, coloquem suas impressões, opiniões e mesmo questões que queiram debater sobre o tema da Revolução Mexicana e suas conseqüências atuais, incluindo a entrada em cena dos zapatistas em pleno final do século XX. Até a próxima.
 
Guga Dorea é jornalista, cientista político e colaborador do Projeto Xojobil, além de integrante do Instituto Futuro Educação (IFE).

Escola Latino-Americana de Medicina em Cuba tem uma matrícula de 10 mil estudantes

A Escola Latino-Americana das Ciências Médicas (ELAM) de Cuba completou dez anos de criada e conta com uma matrícula de 10 mil estudantes de dezenas de países, que recebem a preparação acadêmica sem custo algum para os seus familiares.

"A nossa matrícula atual é de perto de 10 mil jovens. Já fizemos cinco formaturas (dos que concluíram o programa de seis anos) com 7.248 formados de 28 países", comentou a vice-reitora acadêmica, Midalys Castilla.

Atualmente, estudam jovens de 55 países — pois entraram alguns de países africanos e até de pequenas ilhas do Pacífico — e 75% deles são filhos de operários e camponees; além de estarem presentes bolsistas de 104 comunidades originárias da América Latina.

A única coisa que se exige aos jovens (com idades que flutuam entre 17 e 25 anos) é que, depois de formados, retornem as suas localidades ou bairros humildes para trabalharem nelas e retribuírem o aprendido.

Com os primeiros 34 jovens estadunidenses formados criou-se uma situação tal que obrigou a ELAM a obter um credenciamento da Junta Médica da Califórnia, para que seus títulos tivessem valor. Atualmente, estudam nesse centro 113 jovens desse país.

Ainda, em Cuba há 11 000 bolsistas do projeto ALBA, da Aliança Bolivariana para as Américas, formada pela Venezuela, Bolívia, Equador e outros países.

De início, "houve uma forte resistência nalguns países por parte dos Colégios Médicos", disse a vice-reitora acadêmica, durante um percurso pelas instalações da ELAM, na periferia de Havana.

Indicou que a preocupação das associações de médicos foi diminuindo, na medida em que perceberam que esses colegas retornavam a seus povoados, aonde realmente outros médicos não tinham interesse de trabalhar.

"Inclusive, governos da região que reagiram com desconfiança perante o projeto — disfarçada ou não —modificaram depois a sua percepção", disse Castilla.

Em países como Honduras, México, Brasil e Argentina os próprios jovens têm que batalhar para que seus títulos sejam reconhecidos. Porém, aos poucos, as universidades, as associações médicas e os governos têm vindo a ceder. Em troca, em Espanha, o reconhecimento do diploma é automático.

"Estamos num momento importante quanto à validação do programa", disse Castilla,

As aulas começaram em fevereiro de 1999 com 1.900 jovens, nomeadamente da América Central. Na época, a passagem de dois furacões abalou duramente as populações pobres dos países dessa região.

O então presidente Fidel Castro assegurou que tinha chegado a hora de começar a formação de profissionais "humanistas" comprometidos com suas comunidades, um verdadeiro "exército de batas blancas".

Atualmente, os estudantes e os já formados trabalham com o objetivo de fundar uma associação internacional que os reúna.

Original em Granma

Pobre Educação....

O ensino público paulista sobreviverá?

 

O secretário de educação do Estado de São Paulo, Paulo Renato de Sousa, está correto ao insistir em avaliar professores por meio de provas teóricas, propostas para professores temporários e também aos já concursados, para efeito de promoção na carreira. Todavia, a presidente da APEOESP está também correta ao lembrar que, para Paulo Renato, um dos principais problemas da educação paulista é que “os professores são vítimas de um sistema de formação docente que privilegia o teórico e o ideológico em detrimento do conteúdo e da didática” e, sendo assim, é estranho que o governo, nas provas realizadas, tenha insistido no plano exclusivamente teórico. Desse modo, o que Maria Izabel Noronha, da APEOESP, aponta no discurso de Paulo Renato é um erro de coerência entre o que ele diz que pensa e o que ele faz. (Sousa, P.R. Melhora Sutil. JC, 04/03; Noronha, M. I. Pela melhora verdadeira da educação estadual. JC, 18/03)
Não penso que o problema de Paulo Renato, quanto ao que importa objetivamente, que é a melhora do ensino paulista, seja somente o de coerência. Um de seus erros centrais está na sua concepção a respeito da formação dos professores. Seria uma loucura acreditar que os estudantes de pedagogia que, enfim, irão ser os futuros professores de parte considerável do Ensino Fundamental, tenham uma sobrecarga de formação teórica. Paulo Renato parece não fazer a menor idéia do que é um curso de pedagogia. Ele se baseia, muito provavelmente, em estudos da direita política em educação, aqueles de Eunice Durhan (artigo meu) e das ex-secretaria de Educação de S. Paulo, Maria Helena de Castro, que insistem nessa idéia que, se fosse verdadeira, faria dos professores experts na discussão em filosofia, história e sociologia da educação. Mas, sabemos, não é este o caso.
Até mesmo quem não cursou pedagogia sabe bem que essa licenciatura é sobrecarregada de afazeres práticos, com uma quantidade mínima de horas dedicada à leitura dos clássicos e de apreço real ao “teórico”. Entre os cursos de Humanidades da universidade brasileira, o curso de pedagogia é conhecido por ser o menos exigente em termos de “leituras teóricas”. Aliás, a crítica geral do público universitário, seja de professores ou de alunos, é exatamente nesse sentido. Fala-se até em preconceito contra o estudante de pedagogia por causa dessa sua pouca dedicação aos clássicos. Sendo assim, qual a intenção de Paulo Renato ao dizer o que diz? Será que é puro desconhecimento de sua parte? Ele que, como gosta de expor, já foi secretário de Educação de São Paulo (governo Montoro), reitor da Unicamp e ministro da Educação por oitos longos anos, não sabe de nada a respeito do curso de pedagogia? Não creio.
Uma melhor leitura da frase de Paulo Renato pode revelar, talvez, sua verdadeira intenção. Ele não diz somente que a formação do professor é inflacionada teoricamente, ele diz, também, “ideologicamente”. Ah! Eis aí o ponto. Sabendo que Paulo Renato é alimentado por pesquisas com viés conservador, não é de todo descabido conjecturar que ele não faz uma correta distinção entre o teórico e o ideológico e, ao atacar o primeiro pode muito bem estar é preocupado mesmo é com o que pensa ser o segundo termo. Como uma boa parte da literatura pedagógica nossa, em termos bibliográficos, é formada por textos de pensadores de esquerda (Paulo Freire à frente), é provável que Paulo Renato esteja navegando nas águas da revista Veja. Ele ataca a “teoria” porque no fundo quer tirar da formação do professor o que verdadeiramente lhe incomoda, que é postura crítica de nossa literatura pedagógica.
Será que Paulo Renato tem coragem de assumir isso, publicamente, nos termos que a revista Veja, sua promotora, faz de modo escancarado? Será que ele, de público, falaria que quer ver livros de Paulo Freire fora do curso de pedagogia? E ele pararia aí? Talvez Paulo Renato, uma vez encorajado a dizer isso, desse até passos além e começasse a confessar o que outros, próximos a ele, dizem descaradamente, que Rousseau, Dewey, Anísio Teixeira antes atrapalhariam os professores que os ajudariam.
Aliás, já escrevi em livro (Filosofia e história da educação brasileira. São Paulo-Barueri: Manole, 2008) que Paulo Renato faz parte do que chamei de Partido dos Tecnocratas em Educação (PTE), que acredita que a única pesquisa não ideológica em educação é a comprometida ideologicamente com a direita política, e que se quer fazer passar por não ideológica à medida que se recheia de estatísticas.
Até aqui, abordei a questão da formação dos professores. Volto os olhos agora a outro tema enfocado na polêmica entre Paulo Renato e Maria Izabel Noronha. Trata-se do problema central quanto à qualidade do ensino paulista: os salários e as condições de trabalho do professorado.
Maria Izabel de Noronha está correta quando enfatiza que uma boa educação deve ser avaliada olhando para a sociedade e vendo os cidadãos que ela produziu. Justamente os americanos, que a tudo quantificam, fazem isso. Diante de um criminoso ou diante do Presidente eles sempre querem saber a respeito da primeira escola daquela pessoa, de sua primeira professora e coisas semelhantes. Faz-se aí uma relação direta, até mesmo ingênua às vezes, a respeito de quanto um cidadão é formado ou não pela escola. Creio que se nossa sociedade pensasse dessa maneira, mesmo que ingenuamente, isso seria um ganho para a escola.  Todavia, a presidente da APEOESP não acerta quando insiste que esse modo de avaliar é o único que realmente deve ser levado adiante. O método de avaliação do secretário Paulo Renato, que é o das provas individuais, está correto e é sim um modo de mensurar o saber do professor. Com exames, o professor é incentivado a estudar. Ainda que, em algumas avaliações, exista problema na preparação das provas, não há dúvida que a época de concursos e provas é um período muito útil na vida do professor. Depois que passa, ele próprio diz que “valeu a pena”.  Ora, mas se é assim, onde está o problema?
O problema conjuntural pode ser o da qualidade da prova aplicada. Mas o problema estrutural, e é esse que importa aqui, é que as provas são aplicadas aos professores enquanto estes se mantém em condições extremamente desgastantes e infrutíferas e, além disso, não são o real instrumento de promoção na carreira do magistério. Ou seja, as provas são aplicadas em professores que estão ganhando muito pouco, abaixo de qualquer outro trabalhador com os mesmos anos de estudo, e isso é altamente desmotivador. Os salários são tão aviltantes (7 reais a hora-aula!) que a própria condição de vida do professor é afetada. Ele não se sente cidadão e, portanto, não vê como poderia formar outros cidadãos. Não se pode querer aplicar uma política que prevê provas para a promoção dos professores a partir de um patamar zero de ganhos. É necessário que aqueles que vão se submeter às provas promocionais estejam já em algum patamar digno, caso contrário não terão força suficiente para galgar o primeiro degrau.
Se não bastasse isso, há ainda a denúncia correta da presidente da APEOESP contra Paulo Renato, que diz respeito ao modo como a promoção é feita: somente 20% dos professores podem fazer a prova e, talvez, ficar esperando ter algum benefício salarial advindo daí. Ora, 20% é muito pouco. Se 80% de uma categoria de trabalhadores da educação não tem chance de promoção pelo único critério escolhido pelo governador, é possível dizer que, neste caso, há uma política educacional neoliberal vigente? Não! Isso não é uma política neoliberal, como alguns da esquerda dizem. Uma política neoliberal autêntica forçaria a produtividade individual e, para que isso viesse a resultar em uma boa produtividade no conjunto, faria questão de ver todos os que recebem salários produzindo ao máximo. Uma política educacional neoliberal autêntica inverteria a relação: talvez só 20% ficassem sem acesso às provas promocionais. Ora, essa política de Paulo Renato é muito pouco arrojada para se querer tirar qualquer resultado proveitoso dela. Então, o que ocorre aqui?
Tudo indica que objetivos outros que não os de qualquer política educacional é que dão as prioridades do governo José Serra. Paulo Renato não é secretário da Educação, ele é apenas um político que o governador usa como testa de ferro diante de greves que, de antemão, já se sabe que é possível suportar. Em outras palavras: no cômputo geral do dinheiro de São Paulo, o governador tem outras prioridades (talvez até algo não confessável) e um dos setores deverá se sacrificar em benefício de outros. A educação pública foi escolhida para o sacrifício e, no interior desta, a categoria dos professores é a menina dos olhos de Serra para ser punida. Uma greve de professores se torna logo impopular – isso o governador sabe bem. E uma escola pública capenga em qualidade, para um Brasil pobre, é até mais do que o trabalhador sonha. Os grupos de classe média? Bom, esses grupos que se virem e paguem escolas particulares, ainda que estas, na atual situação, também não estejam lá muito bem das pernas em termos de qualidade pedagógica.
Diante disso, o ensino público paulista sobreviverá? Não! Não há qualquer chance para ele se essa política continuar. No momento em que escrevo os professores paulistas estão em greve. Creio que pode ser uma das últimas greves dessa categoria antes de um real colapso que, depois, será negado através da maquiagem das estatísticas.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo

terça-feira, 16 de março de 2010

Grande documentario sobre o PiG....

Beyond Citizen Kane, Simon Hartog



Tamanho : 327 MB
Duração: 1:33:03
Idioma: Português
Formato: RMVB (Vhs-Rip)
Servidor: Rapidshare (Dividido em 4 partes)
Créditos: escarlath - F.A.R.R.A

http://rapidshare.com/files/121394554/malemcidadaok_FORUM_FARRA.escarlath.zip.001
http://rapidshare.com/files/121409144/malemcidadaok_FORUM_FARRA.escarlath.zip.002
http://rapidshare.com/files/121425636/malemcidadaok_FORUM_FARRA.escarlath.zip.003
http://rapidshare.com/files/121433628/malemcidadaok_FORUM_FARRA.escarlath.zip.004


Muito além do Cidadão Kane (em português), é um documentário de Simon Hartog produzido, em 1993, pela tv inglesa Channel Four.
O filme, que conta a história da Rede Globo de Televisão e discute seu poder sobre o Brasil, foi proibido no Brasil desde 1994 graças a uma ação judicial movida por Roberto Marinho.
O documentário conta com as participações de Luiz Inácio Lula da Silva, Chico Buarque, Leonel Brizola, Washington Olivetto, entre outros.

Mais detalhes
http://pt.wikipedia.org/wiki/Beyond_Citizen_Kane

Charles Chaplin via longe.....

A atualidade de “Tempos Modernos” e os usuários da pedra (crack)


Toda vez que passo para os meus alunos da disciplina de História a película “Tempos Modernos”, do genial cineasta inglês Charles Chaplin, percebo a perplexidade e concomitantemente a alegria nos olhos desses jovens alunos. Nesse filme não há meio termo, Chaplin realmente passa uma mensagem social e política. Cada cena é trabalhada para que a mensagem chegue verdadeiramente tal qual a realidade é. E nada parece escapar à crítica mordaz de Chaplin sobre a sociedade de sua época, aliás de nossa época, pois considero ainda muito atual suas análises sobre a sociedade capitalista que chegam a ser muitas vezes até atemporal.
O cineasta relata sobre a escravidão ainda presente em nosso cotidiano. Mostra o amor que também surge, mas surge quase paternal: o de um vagabundo por uma menina de rua. Como trabalhador de uma fábrica o “Vagabundo – Carlitos” tem um colapso nervoso, o que chamamos hoje em dia de “estresse” por trabalhar de forma quase escrava. Ou seja, uma crítica ao trabalho monótono e repetitivo. A velha alienação do trabalho como bem estudou o filósofo alemão Karl Marx.
Charles Chaplin identifica e faz uma analogia assaz interessante com a realidade atual, com relação à questão do desemprego de grande parte da população e relata a crônica da fome e as condições miseráveis que vivem os trabalhadores das grandes cidades. É lógico que o filme focaliza a vida na sociedade industrial caracterizada pela produção com base no sistema de linha de montagem e especialização de trabalho do final do século XIX e princípio do século XX. Não obstante, é uma crítica severa à “modernidade” e ao capitalismo representado pelo modelo de industrialização, onde o operário é engolido pelo poder do capital e perseguido por suas idéias “subversivas”. Trata das desigualdades entre a vida dos pobres e das camadas mais abastadas.
O mais fantástico e assustador é que ainda hoje essa mesma sociedade capitalista, mesmo com todo o avanço tecnológico das forças produtivas, com o desenvolvimento tecnológico da informática, cibernética e da nanotecnologia, ainda asim, explora os trabalhadores da cidade (proletariado) e do campo (camponeses), e que estes trabalhadores alimentam todo o conforto, o luxo e diversão da burguesia.
Na película, Charles Chaplin é um profeta, demostrando que a máquina tomará o lugar do homem, aumentando o exército de reserva. Ressalta o vagabundo em transe, em sua crise de angústia, onde é tragado pela máquina, uma metáfora ao sub-emprego e as empresas, fábricas e indústrias que trituram gente pagando salários irrisórios e pífios. É um visionário à frente de seu tempo, já que na cena em que um dos bandidos coloca no saleiro a cocaína, em plena hora do almoço, evitando ser pego em flagrante pelos guardas que fazem a revista na prisão, onde o vagabundo ao pôr o suposto sal em sua refeição, levando-o a ficar muito doido e em êxtase. Uma clara denúncia ao nefasto comércio de drogas e as facilidades que este negócio lucrativo e sórdido, que leva as pessoas e principalmente os adolescentes a aderirem à criminalidade: isso infelizmente é rotina nas grandes cidades, onde cada vez mais jovens entram no submundo do crime.
Infelizmente estamos perdendo a nossa juventude para o crime organizado e para a pedra de crack, que atualmente é o fator principal que está levando nossos jovens a roubar, matar e até mesmo a cometer suicídios, ou seja, suas vidas são destruídas sem dó e sem piedade. Além da desestabilização das pessoas que sofrem com a convivência de dependentes químicos. Mas quem sofre com tudo isso é a família, cujo lar foi destruído pelo vício de um dos seus membros.
Segundo matéria publicada pela jornalista Lêda Gonçalves do Jornal Diário do Nordeste “a população corre risco e o crack já chegou deixando um rastro de destruição e violência.” (Fortaleza/CE) de 25/02/2010, no Caderno Cidades. A jornalista afirma na matéria que “a droga é consumida, principalmente por jovens cearenses entre 12 e 29 anos.”
Em Fortaleza, avalia o Coordenador da Cufa, Preto Zezé que “de acordo com números da Central Única das Favelas (Cufa) 30 mil jovens de 12 aos 29 anos de idade são dependentes químicos em Fortaleza. No Ceará, esse número chega a 100 mil usuários da chamada “pedra maldita”. O vício matou mais de 1,7 jovens nos últimos três anos. O avanço da droga é uma coisa sem precedentes.” – (Caderno Cidade do Jornal Diário do Nordeste de 25/02/2010).
Estendo-me sobre a temática das drogas por entender que este grave e atual tema é importante para reflexão, e também para salientar o quanto o cineasta inglês Charles Chaplin foi perspicaz, sagaz em perceber no século passado a problemática das drogas em nosso cotidiano. Que o legado de Charles Chaplin seja sempre lembrado pelas novas e futuras gerações. Que suas películas sejam contempladas e debatidas amiúde por pessoas de todas as idades.
Brincando ele falava sobre coisas sérias, de forma lúdica nos levava a pensar criticamente sobre a nossa sociedade, com irreverência e com cenas bem humoradas satirizava, ironizava e levantava discussões polêmicas. Educava através da sétima arte (cinema) com maestria e genialidade. É por isso que seus filmes são utilizados em demasia pelos professores de História (como fonte histórica), Filosofia e Sociologia para entendermos a sociedade de consumo contemporânea.
Longa vida e muita prosperidade ao legado do palhaço, ator, diretor, dançarino, roteirista, comediante, músico e bardo cineasta britânico Charles Chaplin.

(*) Elcio Cavalcante é professor de história em Fortaleza (CE).

Criança não pode ser alvo da publicidade para o consumismo


Criança e consumo

A capital paulista sedia, de hoje [16/3] a quinta-feira, no Itaú Cultural, o 3º Fórum Internacional Criança e Consumo, uma iniciativa do Instituto Alana. Especialistas no tema debaterão como prevenir e reduzir os efeitos da publicidade de produtos e serviços destinados a crianças e adolescentes.

A população com idade inferior a 12 anos é hipervulnerável à comunicação mercadológica devido ao mimetismo próprio da infância, à falta de discernimento, à afirmação da personalidade, à dificuldade de distinguir desejo e necessidade. "Formar cidadãos ou consumistas?", eis a questão.

Nessa cultura hedonista, em que os valores sonegados da subjetividade são pretensamente substituídos pelo valor agregado da posse de bens e serviços, crianças e jovens se veem ameaçados pela incidência alarmante da obesidade precoce, da violência (inclusive nas escolas), da sexualidade irresponsável, do consumo de drogas, do estresse familiar e da degradação das relações sociais.

Com a laicização crescente da sociedade ocidental, que, com razão, repudia o fundamentalismo religioso, a moral perde seu anteparo na vivência da fé, as ideologias altruístas, em crise, cedem lugar ao individualismo egocêntrico e a tecnociência aprimora meios de relacionamento virtual em detrimento da alteridade real e da inter-relação comunitária e coletiva.

Vivemos, como Sócrates, na terceira margem do rio: os deuses do Olimpo já não oferecem parâmetros éticos e a razão depara-se com a própria insuficiência diante da avassaladora pressão mercantilizadora de todas as dimensões da existência. Onde, nos mais jovens, o idealismo, a abnegação, a ânsia pelo transcendente, o sonho de mudar o mundo?

Na contramão da tendência imperante, o projeto do Instituto Alana disponibiliza instrumentos de apoio e informações sobre direitos do consumidor nas relações de mercado que envolvam crianças e adolescentes.

Produz e distribui conhecimento acerca do impacto do consumismo na formação desse público, fomenta a reflexão a respeito da influência da mídia e da comunicação mercadológica na vida, nos hábitos e nos valores de pessoas em idade de formação.

O projeto Criança e Consumo engloba três áreas: jurídico-institucional, comunicação e eventos, pesquisa e educação.

A área jurídico-institucional recebe denúncias de práticas de comunicação mercadológica -principalmente publicidade veiculada em TV, internet e revistas- consideradas abusivas. Em contato com as empresas responsáveis pela peça publicitária, faz-se notificação para que cesse a veiculação do apelo comercial. A área de comunicação e eventos promove debates e seminários para discutir e divulgar essas questões.

A de educação e pesquisa estuda de maneira multidisciplinar a temática e põe no site www.criancaeconsumo.org.br bibliografia sobre o tema.

A partir dessas iniciativas, o projeto contribui para a formação de uma consciência crítica e cidadã sobre os aspectos negativos da mercantilização da infância e da juventude. No início de março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sinalizou que as novas regras sobre publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis, a serem divulgadas, não oferecerão proteção especial ao público infantil.

Isabella Henriques, coordenadora do projeto Criança e Consumo, alertou sobre as graves consequências dessa decisão, que exclui todos os artigos de proteção à infância, como o veto ao uso de desenhos em publicidade, à promoção de alimentos e bebidas nocivas em escolas e ofertas com brindes.

Segundo ela, isso significa o poder público negligenciar os direitos da crianças e adolescentes, declinando-os em favor de interesses privados. Crianças não podem ser tratadas como consumidores comuns. Merecem tratamento diferenciado. É preciso levar em conta o trabalho da força-tarefa criada em 2009 pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, voltado à proteção de consumidores hipervulneráveis. Essa força-tarefa conta com a participação do Instituto Alana, do grupo de comunicação social do Ministério Público Federal, da Anvisa e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Induzir a criança ao consumismo precoce é inflar o desejo na direção de ambições desmedidas. E, quanto maior o anseio, mais profundo o buraco no coração e, portanto, a frustração e os sintomas depressivos. Perversa intuição profissional faz com que o traficante de drogas conheça bem essa patologia e dela saiba tirar proveito.

Artigo de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, assessor de movimentos sociais e escritor. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004). Publicado hoje na Folha.Extraido do blog Diario Gauche

segunda-feira, 15 de março de 2010

O fim da dinastia midiática....

Dinastias Midiáticas

Emir Sader

Na imprensa brasileira mandam as dinastias estamentais. Os pais proprietários entregam a direção dos jornais, das revistas, das rádios e das televisões – das suas empresas – aos seus filhos, que repassam para os netos, perseverando todos no direito que se auto-atribuíram de decidir quem é e quem não é democrático, quem fala e quem não fala em nome da nação!

Assim tem sido ao longo de toda a história da imprensa no Brasil. No momento mais decisivo da história do século XX, em 1964, essas dinastias pregaram e apoiaram o golpe militar, assim como a instalação de uma longa ditadura, que mudou decisivamente os rumos do nosso país. Enquanto os militares intervinham nos poderes Judiciário e Legislativo, enquanto suspendiam todas as garantias constitucionais, enquanto fechavam todos órgãos de imprensa que discordaram do golpe e da ditadura, enquanto a maior repressão da nossa história recente se abatia sobre milhares de brasileiros presos, torturados, exilados e mortos, enquanto isso, as dinastias da imprensa mercantil se calaram sobre a repressão e apoiaram o regime militar!

Eram estes mesmos Mesquitas, Frias, Marinhos, Civitas, estes mesmos que transmitem por herança – como se fosse um bem privado – seu poder dinástico, transferindo-o para os seus filhos e netos. Os júlios, os otávios, os robertos, os victor, vão se sucedendo uns aos outros, a dinastia vai se perpetuando. Que se danem a democracia e o país, mas que se salvem as dinastias!

Mas, hoje, elas estão vendo seu poder se esvaindo pelos dedos. Conta-se que um desses herdeiros, rodando em torno da mesa da reunião do conselho editorial, herdada do pai, esbravejava irado: “onde foi que nós erramos? onde erramos?”. Estava desesperado porque a operação “mensalão” não conseguiu derrubar Lula elegendo o tucano, da sua preferência.

Se ele tivesse olhado os gráficos escondidos na sua sala, teria visto que, nos últimos dez anos, as tiragens dos jornais despencaram. A Folha de São Paulo, por exemplo, que é um dos de maior tiragem, perdeu em 10 anos, de 1997 a 2007, quase cinqüenta por cento dos seus leitores! Depois de quase ter atingido 600 mil leitores, vai fechar o ano de 2008 com menos de 300 mil! Uma queda ainda mais grave se considerarmos que, nesse período, houve crescimento demográfico, aumento do poder aquisitivo, maior interesse pela informação e elevação do índice de escolaridade dos brasileiros.

Os leitores deste jornal de direita estão entre os mais ricos da população. Noventa por cento dos seus menos de 300 mil exemplares são destinados aos leitores das classes A e B, as mesmas que não atingem dezoito por cento da população brasileira. Em outros termos, nove entre cada dez leitores do jornal pertencem aos setores de maior poder aquisitivo e suas condições de vida estão a léguas de distância das do nosso povo – esse povo que gosta do programa bolsa família, dos territórios de cidadania, da eletrificação rural, dos mini-créditos, do aumento real do salário mínimo, da elevação do emprego formal, etc.

A última e mais recente pesquisa sobre o apoio ao governo Lula, que a imprensa dinástica procurou esconder, realizada pela Sensus, revela que Lula é rejeitado por apenas treze por cento dos brasileiros! É essa ínfima minoria, cinco vezes menor do que aquela dos que apóiam o governo Lula, que povoa os editoriais dessa imprensa, suas colunas, seus painéis de cartas dos leitores! Esse é o índice da influência real que a mídia mercantil – juntando televisão, rádio, jornais, revistas, internets, blogs – tem! Apesar de todos os instrumentos monopólicos de que dispõem, apesar das campanhas diárias para dominar a opinião pública, não conseguem nada além desse pífio resultado dos treze por cento que representam!

As dinastias podem continuar a ter filhos, netos e bisnetos, mas é possível que já não dirijam jornais. Esta pode ser a última geração de jornalistas dinásticos que, talvez exatamente por isso, revelam diariamente o desespero da sua impotência, assumindo o mesmo papel que ocuparam nos anos prévios a 1964. É o mesmo desespero da direita diante da popularidade de um Getúlio e do governo Jango. Nos dois casos, só lhes restou apelar à intervenção das Forças Armadas e dos EUA, estes mesmos EUA que nunca fizeram autocrítica, nem desta nem de qualquer outra das suas intervenções contrárias à democracia da qual pretendem ser os arautos! Depois de terem pedido e apoiado o golpe militar, porque ainda acreditam que podem dizer quem é democrático e quem não é?

domingo, 14 de março de 2010

Pobre Grécia.....

Uma "Guernica económica" para a Grécia

por Joseph Halevi
Rua de Guernica após o bombardeamento. A Grécia enfrenta uma verdadeira Guernica económica, um massacre, face ao qual a esquerda europeia mostra uma passividade imperdoável. Aquilo que é imposto a Atenas é concebido como um exemplo, para criar horror na Espanha, Portugal e mesmo na Itália. Mas até a França, diante das directivas alemãs, entrou em colapso como num novo teste de Sedan, o qual é também económico.

No Verão passado, Angela Merkel permitiu que Berlim incorresse em défices, moderando o fanatismo protestante do então ministro das Finanças social-democrata. Agora, com Schäuble naquele ministério, estamos outra vez sob a total maldição bíblica.

De acordo com inquéritos, a opinião pública europeia tende a aceitar o argumento de os gastos deficitários serem equilibrados por cortes drásticos. Tal argumento é equivalente a igualar o estado a uma família que gasta mais do que ganha e é então forçada a reduzir o seu padrão de vida. O Estado podia encontrar-se nesta situação se se verificasse o pleno emprego como uma tendência natural. Ponde de lado tal quimera, o défice sempre pode ser financiado, desde que a autoridade que nele incida tenha controle tanto sobre a política monetária como fiscal, o que é impossível sob o euro.

O que
 os preocupa. Naturalmente, sob o euro, as relações capitalistas dentro da Europa são definidas de modo a que haja aqueles que podem e aqueles que não podem. Aparte o fanatismo ideológico, o rápido retorno de Berlim à ortodoxia financeira decorre de uma visão muito simples. Nós, dizem os dirigentes de Berlim, não daremos um dólar para a Europa (neste caso a Grécia e a península ibérica) porque nem meio tempo o nosso capitalismo saiu da crise graças às exportações líquidas. O congelamento de salários provocado pelo desemprego faz-nos confortáveis ao passo que os nossos mecanismos internos de subsídios, tanto ao nível federal como aos estaduais, facilita a reestruturação. Isto e a deflação salarial potenciarão a competitividade inter-capitalista da Alemanha.

Quem se importa com o cidadãos da Grécia e da península ibérica? A única preocupação é como proteger os valores financeiros dos bancos franceses e alemães que possuem títulos do governo emitidos por aqueles países. Vagos sinais de possíveis empréstimos para a Grécia são de facto destinados apenas para esse efeito. Os cortes impostos a Atenas deveriam tranquilizar os mercados, pois na verdade eles têm tido êxito, apesar da reviravolta que estão a provocar na economia do país. Assim chegou-se a um acordo extremamente duro entre Paris, Berlim, Frankfurt (sede do Bundesbank e o BCE seu aliado) com as agências de classificação, as quais avaliam a solvência dos emitentes de títulos, as próprias agências que até há poucos meses tanto a França como a Alemanha estavam a apontar o dedo como estando entre as principais culpadas pela crise financeira.

Os "mercados" estão a actuar como tubarões a rapinarem a Grécia com o apoio daqueles que primeiro os criticaram. O ano de 2008 nunca aconteceu, poderia dizer o falecido Jean Baudrillard. O populismo anti-financeiro de Merkel, Lagarde e Sarkozy (bem como de Tremonti) já mostrou o que vale. Produto temporário, é uma confusão entre a miopia da França com o capitalismo da Alemanha. Ao afundar a Grécia e forçar a Espanha e Portugal a segui-la, Frankfurt e Paris estão de facto a atacar um grupo de países que, na explosão da crise, isto é, até 2008, representavam mais de 9% das exportações italianas e mais de 10% das francesas, assim como 6% das alemãs.

E agora a crise de novas escapatórias, não percebida, assoma no horizonte, devido ao crescimento da China como um exportador líquido para a Europa. Enquanto isso, a Grécia continua a ser uma área de reciclagem para a indústria militar alemã: a aquisição de 150 tanques Leopard, concluída em Outubro último, não foi suspensa, mesmo no momento em que pensões e salários estão a ser cortados.
O original, "Una 'Guernica economica' per la Grecia", foi publicado em Il Manifesto de 09/Março/2010.   A versão em inglês encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/halevi110310.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

E a Islândia disse, NÃO.....

VITÓRIA ESMAGADORA DO POVO ISLANDÊS
 
Numa vitória esmagadora, 93% dos eleitores da Islândia disseram "Não" ao pagamento de prejuízos provocados pela falência de um banco privado. O referendo foi realizado no sábado, 6, e é o segundo da história do país. O povo islandês rejeitou assim as pressões impostas pelos governos britânico e holandês, bem como a atitude servil do seu governo e do seu parlamento que em Dezembro último assinaram um acordo comprometendo-se a pagar 3,9 mil milhões de euros aos credores do banco falido. Assim, a falência da ideologia neoliberal concretiza-se também no terreno prático. A pequena Islândia dá um exemplo a todos os países do mundo submetidos à extorsão. As vítimas da sanha do capital financeiro e imperialista começam a reagir.
Ver "O esquema de reembolso é chantagem"

sábado, 13 de março de 2010

A doença dos USA...




Os EUA estão doentes

Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. 49 milhões de cidadãos não têm seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele.

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões. Há mais de trinta de anos passo alguns meses por ano nos EUA e tenho observado uma acumulação progressiva de "doenças", mas não é delas que quero escrever hoje. Hoje escrevo sobre doença no sentido literal e faço-o a propósito da reforma do sistema de saúde em discussão final no Congresso. As lições desta reforma para o nosso país são evidentes. Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. Gastam por ano duas vezes mais em despesas de saúde que qualquer outro país desenvolvido e, apesar disso, 49 milhões de cidadãos não têm qualquer seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele. Mais, a cada passo surgem notícias aterradoras de pessoas com doenças graves a quem as seguradoras cancelam os seguros, a quem recusam pagar tratamentos que lhes poderiam salvar a vida ou a quem recusam vender o seguro por serem conhecidas as suas — condições pré-existentes“, ou seja, a probabilidade de virem necessitar de cuidados de saúde dispendiosos no futuro.

A perversidade do sistema reside em que os lucros das seguradoras são tanto maiores quanto mais gente da classe média baixa ou trabalhadores de pequenas e médias empresas são excluídos, ou seja, grupos sociais que não aguentam constantes aumentos dos prémios de seguro que nada têm a ver com a inflação. No meio de uma grave crise econômica e alta taxa de desemprego, a seguradora Anthem Blue Cross - que no ano passado declarou um aumento de 56% nos seus lucros - anunciou há semanas uma alta de 39% nos preços na Califórnia, o que provocaria a perda do seguro para 800.000 pessoas. A medida foi considerada criminosa e escandalosa por alguns membros do Congresso.

Por todas estas razões, há um consenso nos EUA de que é preciso reformar o sistema de saúde, e essa foi uma das promessas centrais da campanha de Barack Obama. A sua proposta assentava em duas medidas principais:criar um sistema público, financiado pelo Estado, que, ainda que residual, pudesse dar uma opção aos que não conseguem pagar os seguros; regular o sector de modo que os aumentos dos planos não pudessem ser decididos unilateralmente pelas seguradoras. Há um ano que a proposta de lei tramita no Congresso e não é seguro que a lei seja aprovada até à Páscoa, como pede o Presidente. Mas a lei que será aprovada não contém nenhuma das propostas iniciais de Obama. Pela simples razão de que o lobby das seguradoras gastou 300 milhões de euros para pagar aos congressistas encarregados de elaborar a lei (para as suas campanhas, para as suas causas e, afinal, para os seus bolsos). Há seis lobistas da área de saúde registrados por cada membro do Congresso. Lobby é a forma legal do que no resto do mundo se chama corrupção. A proposta, a ser aprovada, está de tal modo desfigurada que muitos setores progressistas (ou seja, setores um pouco menos conservadores) pensam que seria melhor não promulgar a lei. Entre outras coisas, a leib "entrega" às seguradoras cerca de 30 milhões de novos clientes sem qualquer controle sobre o montante dos planos. Os EUA estão doentes porque a democracia norte-americana está doente.

Que lições? Primeiro, é um crime social transformar a saúde em mercadoria. Segundo, uma vez dominantes no mercado, as seguradoras mostram uma irresponsabilidade social assustadora. São responsáveis perante os acionistas, não perante os cidadãos. Terceiro, têm armas poderosas para dominar os governos e a opinião pública. Em Portugal, convém-lhes demonizar o SNS só até ao ponto de retirar dele a classe média, mais sensível à falta de qualidade, mas nunca ao ponto de o eliminar pois, doutro modo, deixariam de ter o "caixote do lixo" para onde atirar os doentes que não querem.Os mais ingênuos ficam perplexos perante os prejuízos dos hospitais públicos e os lucros dos privados. Não se deram conta de que os prejuízos dos hospitais públicos, por mais eficientes que sejam, serão sempre a causa dos lucros dos hospitais privados.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).