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Valorização profissional não acompanha importância do docente para a educação. Diferenças salariais são grandes
A
valorização dos professores é considerada ponto crucial para o sucesso
das escolas com bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Com salários de até R$ 7 mil, cursos de especialização pagos pelas
instituições onde trabalham e inúmeros recursos à disposição, esses
professores podem se considerar privilegiados em relação ao cenário
nacional.
A realidade salarial para a maioria das escolas do País é
bastante diferente das melhores escolas no ranking do Enem, composto em
sua maioria por instituições privadas. Levantamento feito pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), com dados de
setembro de 2009, mostra que há professores que, mesmo com diploma de
ensino superior, ganham pouco mais de um salário mínimo.
No Ceará,
Estado com uma das remunerações mais baixas do País, docentes em início
de carreira ganham, em média, R$ 627,08 por mês. O valor é quatro vezes
menor do que recebem os professores iniciantes no Distrito Federal.
Incluindo todas as gratificações, os salários dos cearenses não
ultrapassam R$ 739,29 quando começam a dar aulas.
No Amazonas, os
docentes recebem pouco mais que isso: R$ 841,32. De acordo com a
pesquisa realizada pela CNTE, em Roraima, os iniciantes ganham apenas R$
10,19 a mais que no Estado vizinho. Em todos esses casos, os
profissionais que lecionam nas escolas amazonenses não recebem o piso
salarial definido em lei para a categoria.
Remuneração mínima
Em
junho de 2008, foi aprovada pelo Congresso Nacional uma emenda
constitucional que institui o piso salarial nacional para os
professores. A categoria é a única do País a ter o benefício assegurado
na Constituição Federal.
Segundo a lei, os Estados e municípios
teriam até 1º de janeiro de 2010 para começar a pagar a remuneração
mínima de R$ 950 a docentes que trabalhassem 40 horas semanais e
tivessem o ensino médio completo. O valor já subiu para R$ 1.024,
segundo correção feita pelo MEC na data em que o piso se tornaria
obrigatório em todo o País.
Apesar da determinação legal, milhares
de professores estão longe de receber esses valores. Os governos de
Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Ceará,
com apoio da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), entraram com
uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal
Federal (STF) contra a emenda constitucional. Para eles, o valor
definido pela lei seria superior ao que poderia ser pago pelos Estados
sem comprometer seus orçamentos.
“O STF já julgou que o piso é
constitucional, mas os Estados reclamam que o valor de R$ 1024 deve ser a
soma do salário base com as bonificações. A lei diz que o piso é só o
salário base e as bonificações devem ser pagas além dele”, explica o
vice-presidente do CNTE, Milton Canuto de Almeida.
O STF precisa
dar um parecer final para acabar com o impasse. Até lá, muitos
profissionais continuarão recebendo o piso como soma do salário-base com
benefícios. “Se o piso considerar o valor dos benefícios, os
professores podem ser prejudicados na aposentadoria, que é calculada a
partir do salário base e não das bonificações. Este pode ser um grande
prejuízo para o professor”, explica Almeida.
Em Santa Catarina, os
docentes são pagos dessa forma. O menor salário-base é o pago pelo
Estado aos iniciantes: R$ 534,46. Porém, com o pagamento de regências de
classe, a remuneração média chega a R$ 1.023,24. “Ninguém no Estado
ganha menos que o piso e, enquanto o STF não julgar que o piso deve ser
sem os acréscimos, podemos pagar desta forma. No dia que isso mudar, nós
nos adaptaremos, mas, até lá, estamos dentro da lei”, defende a
diretora de Desenvolvimento Humano da Secretaria de Educação de Santa
Catarina, Elizete Melo.
Na opinião da diretora, a situação do
professor em Santa Catarina não é tão desfavorável. “A maioria deles tem
formação em licenciatura, por isso esse valor é pago para poucos”,
afirma.
Diferenças entre municípios
No
Ceará, a rede estadual paga pelo menos R$ 1.024 para os 300 professores
da rede que não possuem diploma de licenciatura. “Eles estão fora da
sala de aula, em processo de aposentadoria. A remuneração média dos
professores da rede com carga horária de 40 horas semanais é de R$
2.240,30”, afirma Marta Emília Silva Vieira, coordenadora de gestão de
pessoas da Secretaria da Educação do Ceará.
Realidade bem
diferente da cearense é a da capital federal. O DF chega a pagar R$
2.551,59 com bonificações. O Amapá aparece em segundo lugar entre os que
melhor pagam os professores. A remuneração total é de R$ 1.895,22, mas o
salário-base não passa de R$ 971,91. Em São Paulo, a remuneração média
paga para um professor iniciante, com ensino médio e que trabalha 30
horas semanais, é de R$ 1.213,26.
Os salários pagos aos
professores são inferiores às remunerações de outros profissionais cujo
papel é essencial para a sociedade. Médicos, advogados, engenheiros,
contadores, policiais e caixas de banco ganham mais.
Carência de profissionais
A
baixa remuneração contribui para que um problema antigo das escolas
brasileiras continue sem solução em um curto período de tempo: a falta
de profissionais. Com a crescente expansão de investimentos e leis que
tornaram obrigatórios o ensino fundamental de nove anos e o ensino
médio, cada vez mais professores serão necessários nas salas de aulas
brasileiras.
O último levantamento oficial feito para tentar
mensurar a quantidade de docentes que o País precisa para atender à
demanda brasileira apontava uma carência de 250 mil professores nas
escolas brasileiras. O estudo elaborado pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE) com a ajuda do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) se baseou em dados de 2007.
De
lá para cá, os números não foram atualizados. Mas um dos autores do
estudo, Mozart Neves Ramos, acredita que a realidade atual permanece a
mesma de dois anos atrás. “Não há como fazer uma mudança assim em tão
pouco tempo. Só para formar os futuros professores são necessários
quatro anos. Acho que a partir do ano que vem poderemos perceber os
impactos das políticas adotadas”, pondera.
O estudo realizado por
Mozart mostra que as maiores carências são nas áreas de exatas: física,
química, matemática e biologia. Só em física é preciso contratar 23,5
mil novos professores para o ensino médio. Mozart, que é conselheiro do
CNE, lembra que tão importante quanto suprir essa carência é corrigir
outro problema presente nos quadros docentes dessas disciplinas. Muitos
dão aulas sem formação específica para as áreas.
Apenas 5% dos
professores de física das séries finais do ensino fundamental têm
licenciatura na área. Em química, apenas 10,4% dos docentes têm formação
adequada. Em biologia, 16,4%. Mesmo em língua portuguesa, a disciplina
dessa fase que mais possui professores com formação adequada para o
ensino da matéria, os qualificados não passam de 65% do quadro de
profissionais da área.
No ensino médio, as áreas em que há mais
profissionais com formação inadequada são física (só 25,1% dos docentes
têm formação na área) e química (28% dão aulas sem qualificação
adequada). “Esse é um problema que tem de ser analisado no mesmo patamar
de importância do déficit de docentes. Essa é uma situação igualmente
grave”, ressalta.
“É preciso reconhecer que muitas medidas foram
tomadas após esse estudo para enfrentar esse problema. A Universidade
Aberta do Brasil, a ênfase do Reuni (programa de expansão das federais) e
a implantação de programas de incentivo à docência podem aumentar a
quantidade de professores formados no País”, diz.Fonte: Boletim da CNTE