Por Elaine Tavares – jornalistaConferência
proferida na VI Convenção de Solidariedade a Cuba, em Porto Alegre,
partilhando mesa com os jornalistas Marcos Weissheimer (Carta Capital) e
Norelys Morales Aguilera (Cuba).A gente já ouviu na fala
do Marcos Weissheimer de que é feita nossa mídia. Então, não há nada de
errado com o fato de todos fazerem o bloqueio qualificado com relação a
Cuba. Digo qualificado porque na verdade, só há bloqueio para um
determinado tipo de notícias. Nós podemos ver, por exemplo, a exaustão,
um desses barcos cheios de gente fugindo de Cuba em direção a Miami
nas redes nacionais. E matérias emocionadas de repórteres baseados em
Miami. E comentários dos âncoras dos jornais nacionais. Estas notícias
não são bloqueadas. Pelo contrário. São disseminadas. É mesma velha
lógica já muito bem elaborada por Noam Chomsky no seu livro “Os
guardiões da liberdade”. Nesse livro ele explica como os meios de
comunicação nos Estados Unidos lidam com as notícias ruins das nações
amigas e com as notícias ruins das nações inimigas. Os jornais e TVs
falam de tudo que acontece. A questão é: como falam? Chomsky mostra que
as notícias ruins nos países inimigos são trabalhadas de forma
exagerada, desvirtuada, exaustivamente. Já quando é numa nação amiga,
as notícias ruins também são dadas, não há censura, mas não passam de
notas ou matérias evasivas. E como no Brasil seguimos o mesmo padrão
estadunidense, é tudo muito igual.
Então
isso é bem importante a gente frisar. Não há um bloqueio midiático a
Cuba. Há um bloqueio das notícias boas, do que há de bom em Cuba. Dito
isso, precisamos de novo partir desde a realidade para compreendermos
porque isso acontece. Porque se bloqueia as coisas boas que acontecem em
Cuba.
Essa é uma
pergunta de fácil resposta. Cuba é hoje, talvez, o único país
socialista do mundo inteiro. E isso não aconteceu assim, do nada. O que
houve e o que há em Cuba é uma revolução. Isso também é muito
importante lembrar. De novo, e sempre. É o único país desta parte do
continente, que desde as guerras de independência iniciadas em 1810,
fez uma revolução, venceu e permaneceu em processo revolucionário,
destruiu toda a engrenagem de capitalismo dependente que havia na ilha e
caminhou para o socialismo. Isso não é bolinho.
Então
o problema não é Cuba, não é Fidel, Raul ou Che. É o socialismo. Essa
coisa contaminante, avassaladora que se anunciada pode provocar muitos
estragos, aqui e em qualquer parte. Quando o povo cubano lá pela metade
dos anos 50 do século passado começou a se mobilizar contra a ditadura
de Batista, o império ficou olhando meio desconfiado. Poderia ser uma
boa mudança, desde que o poder seguisse nas mãos dos mesmos. Então, as
vozes que vinham da cadeia depois do assalto ao quartel Moncada,
anunciando uma revolução democrática, não pareciam tão assustadoras. E
isso é verdade, o começo da luta juntou proletários, camponeses,
estudantes e burguesia. Todos queriam o fim da ditadura. A luta em Cuba
se fez em todas as frentes. Na cidade, no campo, na universidade, na
fábrica, nos pequenos comércios, nas pequenas fazendas. Havia
concretamente uma aliança de classe e para o império, conquanto a
burguesia dirigisse o processo estava muito bem. Por que o império sabe
que se pode mudar a cara de um governo, torná-lo mais democrático, com
respeito aos direitos humanos e coisa e tal, sem mudar em nada as
estruturas do sistema. É a velha lição do dar os anéis para não perder
os dedos.
Só que
depois, a chegada do Granma, os barbudos nas montanhas, a Rádio
rebelde, as greves, as mobilizações nas cidades, a organização crescente
dos revolucionários de todas as cores, a grande greve de outubro de
58, foi mostrando que ali havia um povo inteiro em revolução – e não
apenas um pequeno grupo incrustado na Sierra Maestra - e isso
perturbou o império. Ainda assim, quando as tropas rebeldes entraram em
Havana em janeiro de 1959, ninguém tinha muita certeza sobre o que
aconteceria. O gabinete de governo provisório – que incluía os
burgueses - falava em manter os negócios com os estados Unidos. A festa
era pelo fim da ditadura.
Foi
o povo alçado em rebelião, armado, que afastou os burgueses do
comando, as forças populares avançaram por dentro da revolução, queriam
mudanças radicais. Não aceitariam menos que um câmbio total. Assim, a
esquerda foi se tornando hegemônica no processo. Havia o compromisso
de solucionar os problemas econômicos que eram estruturais, os
problemas sociais, mas sempre com a participação direta do povo. Assim,
o caráter democrático/burguês da revolução cubana vai até a metade do
ano de 1960, conforme estudos de Vania Bambirra, expressos no seu livro
A revolução cubana – uma reinterpretação. A partir daí vem o novo, e
Cuba deixa de ser uma incógnita. Era um país que caminhava para o
socialismo. “O que Cuba será agora depende só de nós” dizia Fidel. E os
cubanos, de forma participativa decidiram que não havia mais espaço
para o capitalismo dependente. Criaram o novo. Compreender essa
história é crucial para entender o bloqueio qualificado da mídia
burguesa.
E por
quê? Bueno. A América Latina é um continente oral. E isso não é dito
como coisa boa. A colonização nos deixou essa herança. O analfabetismo é
gigantesco. As pessoas se informam pelo ouvido. Não é a toa que mais
de 80 dos brasileiros se informem pela televisão. Há os que não sabem
ler, os que não aprenderam que ler é bom e os que não têm tempo para
ler por conta do processo de superexploração do trabalho. O homem e a
mulher comuns chegam a casa e ligam a televisão. Ali vão saber das
notícias.
Agora
imaginem esse homem e essa mulher, superexplorados pelo sistema
capitalista dependente que domina o nosso país – assim como a maioria
dos países latino-americanos - sabendo da verdade sobre Cuba? Imaginem
eles saberem que um povo se armou, se organizou no campo e na cidade,
lutou e venceu. E que esse povo mudou totalmente a estrutura
organizativa do estado. Que socializou a economia, que mudou as
relações de produção, que destruiu toda a estrutura política e jurídica
do velho estado, que inventou novas formas de poder, de organização
social e de cultura.
Imagine
eles saberem que esse povo comanda a nação, que eliminou materialmente
a estrutura do capitalismo dependente que fazia de Cuba um prostíbulo e
uma imensa fazenda estadunidense. Que nacionalizou todos os bancos,
que desapropriou todas as terras das companhias estrangeiras, que
assumiu o controle do comércio, que existem comitês populares de defesa
da revolução, que a saúde , a educação e a moradia são garantidas.
Imaginem?
E se a
rede Globo contasse sobre como funciona a democracia cubana, que é
participativa, que envolve cada família desde a rua onde mora, que as
gentes conhecem seus problemas e propõem soluções e que são ouvidas, de
verdade. Que inveja doida isso não ia dar?
É
por isso que o tal bloqueio qualificado não fala disso. Prefere falar
dos que fogem para Miami, da “ditadura” de Fidel, da falta de
democracia. A ideia que as pessoas têm de Cuba é a de que um único homem
dita as regras. É incognoscível para a mentalidade burguesa dos
jornalistas ignorantes ou vendidos que fazem as coberturas, compreender
que as eleições cubana, por exemplo, não tem absolutamente nada a ver
com as do mundo capitalista burguês. As criaturas querem comparar o
incomparável. Como comparar a eleição no Brasil, na qual as gentes
votam sob o domínio da ditadura financeira, com a cubana? Cadê a
reportagem falando das intermináveis assembléias e da participação
cubana em todas as decisões? Não tem! Porque não interessa.
Bom,
quero agora entrar agora no que fazer para mudar isso. Porque de Cuba
os que estamos aqui sabemos um pouco. O que importa é pensar
alternativas para furar o tal do bloqueio qualificado. As propostas
práticas. Olha, eu tenho algumas tristes notícias para dar.
A
primeira é de que não existe possibilidade de solidariedade concreta a
Cuba se não estivermos dispostos a mudar radicalmente a organização da
vida nos nossos próprios países. Como bem diz o grande Ruy Mauro
Marini, no prefácio do livro da Vânia Bambirra sobre Cuba, o
imperialismo não é um fenômeno externo ao capitalismo latino-americano,
mas é elemento constitutivo deste. E não se esgota na face visível de
capital estrangeiro, transferência de mais valia, do monopólio etc... O
imperialismo se manifesta na forma que o capitalismo dependente assume
aqui, a partir da própria dependência – financeira, política, cultural
e midiática – na superexploração do trabalho, na concentração do
capital. Assim, fazer solidariedade a Cuba é fazer a luta contra isso,
aqui no nosso país, porque eliminar essa dependência é eliminar o
capitalismo. Não há anti-imperialismo possível fora da luta pela
liquidação do capitalismo, fora da luta por outra forma de organizar a
vida, que podemos chamar de socialismo, ou sumac kausay, ou sumac
camaña , ou Yvy Rupa.
A segunda notícia triste é de que não há
possibilidade nenhuma de furar o bloqueio midiático contra Cuba sem a
eliminação do capitalismo. Pelas mesmas razões. A mídia burguesa,
capitalista, imperialista, cortesã, não vai garantir espaços para nós.
Para a Cuba socialista. Não vai. É ingenuidade essa luta redutora por
democracia na comunicação dentro do sistema capitalista tal como ele se
expressa no nosso país. Nós não podemos aceitar a migalha de mais
democracia, mais justiça, mais liberdade, mais movimentos populares na
TV, mais negros, mais homossexuais. Porque isso significa que alguém
fica de fora. E o comandante, el Che, já dizia “ enquanto houver um
companheiro injustiçado, a luta tem de seguir. É democracia , é
justiça, é liberdade. É presença, é controle dos grandes meios. E
ponto.
A terceira
má noticia é de que nós nunca chegaremos lá se seguirmos como vamos.
Movimentos sociais apáticos, vendidos, cooptados. Sindicatos silentes,
dirigentes atuando apenas em horário comercial, lutas terceirizadas,
fragmentadas. Incapacidade de atuação em bloco, de articulações
nacionais. Olha aí o código florestal, a vergonha que foi, o massacre, a
certeza de que o legislativo é uma farsa. Olha aí Belo monte, tudo
passa sem que os movimentos se juntem num bloco único de força e luta.
Estamos vivendo como amebas esperando as benesses de um governo que já
mostrou a que veio e a quem serve desde a reforma da previdência em
2003. Amebas não mudam o mundo.
Mas,
também há boas notícias. E eu quero dá-las. Existem muitas propostas
de comunicação alternativa, popular, comunitária. Muitas mesmo. E todas
dispostas à solidariedade, a furar o cerco midiático contra Cuba, a
disseminar as idéias de socialismo e de vida boa. E agora, com o advento
da internet, gente que nunca poderia falar está falando. Existem os
blogs, as páginas dos movimentos e tudo mais. Agora eu pergunto. Quem
nos lê? Quem navega por nossas páginas? A quem atingimos com nossas
palavras? Qual é a eficácia do nosso discurso?
Não
sei aqui, mas às vezes lá em santa Catarina, eu apareço na televisão.
Essas coisas rituais de jornalismo televisivo. Menos de 15 segundo numa
matéria bem idiota sobre o Campeche, por exemplo, ou sobre a greve na
UFSC. No dia seguinte, aqueles 15 segundo nos quais eu apareci na RBS
são de domínio de todo mundo. Meus vizinhos passam por mim e dizem: Te
vi na TV, heim? Na universidade as pessoas me gritam: Te vi na Tv.
Enfim, mesmo meus compas mais radicais da esquerda emburrada dizem: Te
vi na TV. Eles vêem a RBS também... Ou seja, a gente faz uma luta de
anos, mobilizamos uma comunidade inteira para um ato na câmara, e os 15
segundos na RBS são mais eficazes do que todo o trabalho feito
antes... percebem o que quero dizer, onde quero chegar? Temos de tomar
essas emissoras de televisão, de comunicação de massa. Como bem dizia o
velho Brizola. Ele era um gênio político. Sabia que a primeira coisa
era tomar a Globo. Porque o nosso povo engravida pelo que vê na TV.
Comunicação de massa.
Ah,
mas e enquanto isso? Enquanto não tomamos a Globo. Temos de criar
redes. Temos de potencializar nossas falas. Elas têm de estar em todos
os veículos alternativos, populares e comunitários ao mesmo tempo. E
ainda assim seremos pouco eficazes. Mas temos de fazer esse esforço.
Superar o sectarismo, fazer uma aliança mínima em torno das grandes
questões. Em Santa Catarina criamos a Rede Popular de Comunicação
Catarinense, juntamos forças.
A
solidariedade a Cuba passa por aí. Temos de formar redes, estabelecer
nexos, atuar em uníssono. Mas, para além disso, temos de mudar o país.
Temos de destruir o capitalismo e varrer a burguesia, a classe
dominante. Essa é nossa principal forma de ser solidário com Cuba, de
furar o bloqueio.
Marini
alertava que o socialismo não é simplesmente uma forma econômica, ele é
, uma economia, uma política, uma cultura que exprime os interesses de
uma classe: o proletariado, ou os oprimidos, e se opõe aos interesses
da classe dominante. E se o socialismo é a revolução que opõe o
proletariado contra a burguesia não há lugar para ela no bloco histórico
das forças que construirão o socialismo. Daí ser impossível a
conciliação de classe ou a união com a burguesia. Por isso é impossível
esperar democracia de informação da Globo, do Estadão, da RBS. É
impossível isso, companheiros.
Diz
Marini: “A luta pelo socialismo é uma luta política para quebrar a
resistência da classe dominante e destruir as suas bases materiais de
existência, como fez Cuba”. E isso se faz na força, na luta mesma, não é
com nhem nhem, nhem. Ou fazemos isso ou não há esperanças nem pra nós,
nem para Cuba. Então, o nosso compromisso como jornalistas e
comunicadores é ser eficaz. Fora disso é dilentantismo, é demagogia, é
musculação de consciência. Nosso papel é, para além de anunciar
desgraças, como fazemos toda a hora, é também anunciar a boa nova.
Dizer como é bom o socialismo ou o sumac kausay... engravidar as
pessoas com a promessa do socialismo.. coisa que o capitalismo faz tão
bem, como mostra Ludovico Silva ao explicar como funciona a mais-valia
ideológica.
Então
compas... Não há receitas... Há algumas intuições, outras certezas,
algum juízo moral. E aí, ou embarcamos nessa luta com todas as nossas
forças, ou vamos sempre andar por aí a choramingar que a Globo não nos
dá espaço. O velho Marx já nos avisou, estamos em luta, luta de classe.