Deputado Estadual e Presidente do PT/RS
1 - Em uma época de censura (imposta ou voluntária) nos grandes veículos de comunicação do país, o papel de denúncia das atrocidades do regime militar e da divulgação de ideologias contrárias à do regime coube aos jornais alternativos. Como você vê a importância desses veículos para a esquerda brasileira naquele momento?
A partir de 68, com o AI nº 5, o regime, que já era autoritário, tornou-se mais arbitrário e ditatorial em relação à sociedade, ao Congresso, que já era uma farsa consentida, e aos meios de comunicação. A autocensura já existia pela cumplicidade dos meios com o regime. Com o fim das garantias individuais e do hábeas corpus, a situação piorou. Jornais eram suspensos, circulavam com grandes tarjas pretas, matérias inteiras eram substituídas por receitas de bolo, etc. Sobreviviam boletins e panfletos de pequenos grupos de resistência, dos partidos clandestinos. Todos de pequena tiragem, de curto alcance e circulação dirigida.
No final de 1972, buscando romper a censura da ditadura e a cumplicidade dos grandes, surgiu o Jornal Opinião, primeiro alternativo a ir para as bancas em escala nacional. Havia jornais de bairro de pequeno alcance, não clandestinos, tratando de reivindicações e de temas das comunidades que não sofriam um controle diretamente e eram permitidos por seu pequeno alcance.
O Opinião expressava uma parcela do MDB mais autêntica e com vínculos empresariais, como um de seus mentores, Fernando Gasparian. Contava com jornalistas combativos(as) como Raimundo Pereira e intelectuais e professores(as) universitários(as) cassados como Fernando Henrique Cardoso e outros que atuavam no CEBRAP em São Paulo. O jornal tinha uma ligação editorial com o Le Monde para a cobertura internacional e estimulou a organização de grupos de apoio nos principais Estados. Espécie de sucursais para difusão, organização de apoiadores.
Ao sair da prisão, em dezembro de 72, encontrar o Opinião nas bancas foi um grande alento. Enfim, algo para ler. Com toda a censura de tarjas e recortes.O Opinião tinha, também, limites editoriais por sua composição e sustentadores. Mantinha viva a luta democrática, trazia fatos extremos que, por analogia, criticavam o regime e informavam um pouco mais que os jornalões das grandes capitais. Mais tarde, surgiu o Movimento, com Raimundo Pereira de editor. Mais ousado, mais popular. Menos tijolos de análise e mais notícias do povo, de estudantes e alguns sindicatos se mexendo e apontando novidades.
A derrota eleitoral da Arena em 1974 foi uma virada. O voto era contra a Arena, contra o governo. Na ausência de outra alternativa, o protesto desembocou no MDB e começaram a surgir novas lideranças mais combativas nas Assembléias, nas Câmaras Municipais e no Congresso. As entrevistas e as opiniões de vereadores(as) e deputados(as) esquentavam matérias e repercutiam acontecimentos.
A linha do Movimento mais ousada e popular procurava assentar-se em setores do MDB que defendiam posições democráticas e nacionalistas, buscava alargar divergências que começavam a aparecer no meio militar, entre “duros” e “legalistas” e setores submissos ao imperialismo e outros mais “nacionalistas”.
O jornal expressava a visão clássica da esquerda de apoio aos “setores progressistas” da burguesia e aos “nacionalistas” das forças armadas e de um discurso anti-imperialista vago e não classista.
O jornal teve um destaque e um papel importantíssimo nesse período. Estimulou sucursais e buscava apoiadores de forma mais orgânica e popular que o Opinião. As sucursais não eram monolíticas e coesas em torno de um único projeto editorial e esse debate foi crescendo e revelando fissuras até que uma cisão no Movimento criou as condições para o nascimento do EM TEMPO.
2 – Durante os anos 70 foram fundados dezenas de jornais alternativos no país. Quando surgiu a ideia da criação do “Em Tempo” e qual a diferença desse jornal em relação aos outros?
Como já falei, em todas as capitais e regiões do país ocorreram iniciativas locais e/ou regionais de impressos alternativos de associações de bairro ou de pequenos grupos que usavam entidades ou associações como fachada para jornais de reivindicação ou de denúncias e que, aos poucos, adquiriram uma feição mais opinativa, mais política. As grandes experiências, no entanto, de caráter nacional, foram o Opinião, o Movimento e o EM TEMPO que, deliberadamente, buscavam ser nacionais. O Versus também cumpriu esse papel. Nasceu como um jornal de Cultura e difusão da América Latina com literatura, música, teatro, numa perspectiva de esquerda, crítica. Mais tarde, transformou-se num jornal mais de organização política com o controle editorial do jornal pela Corrente Convergência Socialista. Na primeira fase, seu principal editor era o jornalista Marcos Faerman. O Versus teve também caráter nacional.
Outro grande projeto regional foi o Coojornal, de uma Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre que constitui-se como editora, jornal e prestação de serviços jornalísticos e de publicidade. Manteve o jornal com grande qualidade jornalística, grandes reportagens e foi uma das mais ricas experiências de imprensa alternativa. Apesar de regional era reproduzida como fonte na grande imprensa e teve repercussão nacional.
O EM TEMPO nasceu como uma Cooperativa Jornalística. Nasceu de uma ruptura de pessoas que colaboravam com o Movimento, mas tinham divergências de linha editorial e da forma de funcionamento desse projeto. Defendiam um jornal que lutasse pela democracia, mas que já o fizesse numa perspectiva socialista, privilegiando a cobertura das lutas sindicais, da denúncia do caráter capitalista da ditadura, da propaganda ideológica do socialismo, da incorporação de temas novos e polêmicos como o feminismo, o combate ao racismo, a disputa ideológica via a cultura etc... As principais sucursais que deram origem ao EM TEMPO foram as de Minas Gerais e São Paulo, logo reforçadas pelas sucursais do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A ideia era de uma Cooperativa de Jornalistas, com sócios que entravam com recursos (cotas) e que, além disso, comprometiam-se de viabilizar o jornal com trabalho voluntário, militante. Havia também a categoria de sócios apoiadores(as), que comprava cotas, mas não tinha o mesmo direito de decisão daqueles(as) que militavam na sustentação do projeto.
O projeto era inovador, democrático, mas tinha pouca coesão programática e muito amadorismo administrativo. Como o jornal era uma grande frente jornalística, em cada sucursal já havia grupos pré organizados ou com pretensão de se organizar e todos(as) tinham uma visão programática de ter no projeto um instrumento de crescimento nacional.
Como o jornal nasceu quase junto com o Movimento pró PT e em seu interior essa proposta não era unânime, rapidamente as divergências sobre esse tema afloraram. O debate se era oportuno ou não o Movimento pró PT; se o jornal não deveria manter equidistância dos projetos partidários; a defesa de outros projetos na reorganização partidária que iniciava etc. Essa disputa quase inviabilizou o projeto que só sobreviveu quando unificou uma linha editorial pró PT e com a saída de vários(as) fundadores(as) e o fechamento de sucursais.
Na defesa do Movimento pró PT, o EM TEMPO ainda manteve um caráter de frente em torno desse projeto. Mas, aos poucos, a sobrevivência e a manutenção do jornal foi recaindo em torno de algumas sucursais com mais coesão política, com maior identidade. Daí é que nasceu o ORM-DS (Organização Revolucionária Marxista – Democracia Socialista). Na defesa do projeto jornalístico e na identificação da construção partidária em torno do Movimento pró PT.
A identidade entre os grupos que sustentavam as sucursais do RS, MG e São Paulo é que determinou a sobrevivência do jornal e a organização da DS, movimento que não se reconhecia como UM PARTIDO mas que queria ser parte da construção de um partido classista, um PARTIDO DOS TRABALHADORES. A identidade de um movimento estudantil (PELEIA, CENTELHA), a identidade do movimento sindical e a compreensão do papel de luta democrática para o socialismo foram elementos centrais da construção da DS, bem como sua visão internacionalista do combate ao capitalismo mundial.
3 – Um dos episódios mais conhecidos da história do jornal foi a divulgação de uma lista com o nome de 233 torturadores, em 1978. Essa edição, que voltou a ter destaque recentemente, por conta da divulgação dos arquivos de Luis Carlos Prestes, foi a de maior repercussão do jornal e atraiu a ira de grupos de direita, que inclusive promoveram ataques às sucursais do “Em Tempo”. Como foi a decisão de fazer a divulgação dessa lista? A reação dos grupos de direita foi maior do que a esperada?
A denúncia do sistema, das torturas, das condições em que viviam os(as) presos(as) políticos e como eram tratados(as) estava no objeto editorial do EM TEMPO. Essa edição teve uma repercussão enorme. As listas foram elaboradas por presos(as) políticos(as), pela movimentação pela anistia e por setores da Igreja que em São Paulo dedicavam-se a levantar e organizar os dados, as informações. No Rio Grande do Sul, conforme íamos colocando nas Bancas, em breve chegava a polícia para recolher. Mudamos de tática, não deixamos nada na sucursal que foi invadida na busca dos jornais. Transformou-se num fato político com repercussão pública, na Assembleia Legislativa etc. Pedro Simon, presidente do MDB gaúcho, foi à sucursal para prestar solidariedade, enfim, cumprimos o papel de denúncia. Foi a edição de mais tiragem e mais vendagem da história do EM TEMPO. Como a conjuntura já era outra, apesar da truculência, da invasão nas sucursais, não houve prisões nem fechamento definitivo do jornal.
4 – Durante seus principais momentos, quantos colaboradores e quantas sucursais chegou a ter o jornal?
O jornal contava com uma equipe em São Paulo, responsável maior pela edição, onde a maior parte era trabalho militante, voluntário. Foi decisivo para o jornal circular a vinda dos(as) companheiros(as) de Minas Gerais, onde estava o grupo mais organizado e preparado para tocar o jornal. As primeiras edições estiveram sob a direção do Bernardo Kucinski. Para garantir a primeira fase do jornal, o papel do Flavio Andrade, do Nadai, que estavam na editora e gráfica que tirava o jornal de Pinheiros, foi decisivo.
A frente jornalística resistiu pouco tempo e se dependesse da maioria o EM TEMPO teria fechado. Foi a resistência e recusa da minoria em manter o EM TEMPO que garantiu sua sobrevivência. Nesse momento, a identidade entre as sucursais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo foi decisiva. Mas, o jornal teve que mudar sua periodicidade, a definição pelo movimento pró PT restringiu seu alcance, diminuíram as sucursais, mas, voltamos a crescer com o crescimento do movimento pró PT.
Não tenho dados de cada sucursal, mas no Rio Grande do Sul tínhamos entre contribuintes e apoiadores umas cento e cinquenta pessoas e trabalhando na sucursal, todos voluntários, umas vinte, vinte cinco pessoas para distribuir o jornal, vender assinaturas, discutir e elaborar matérias regionais e fazer a difusão do Projeto. No nosso caso a frente também foi ampla, mas a definição pelo projeto PT fez com que perdêssemos pessoas. Alguns foram para o projeto do PDT como a Dilma, o Araujo e outros companheiros(as). Outros(as) foram para o PMDB, em menor número. Os(as) que ficaram, ingressaram no PT e a maioria na sua corrente interna, a Democracia Socialista – DS. Já vínhamos de um trabalho organizado no movimento estudantil, no setor jovem e na Tendência Socialista do MDB e isso facilitou nossa coesão em torno do projeto.
5 – Diferente da maioria das publicações alternativas daquela época, o “Em Tempo” continuou sua história e deu origem à Democracia Socialista. Como foi o processo de transição do jornal para a construção de um grupo político? Qual a importância do jornal para a construção programática do movimento pró-PT?
Para a Democracia Socialista, o EM TEMPO cumpriu o papel clássico do jornal – organizador partidário. Sua periodicidade, sua distribuição, sustentação e o debate de sua linha editorial organizaram a corrente. Já tínhamos uma identidade entre o Peleia (RS) e o Centelha (MG), assim como referências históricas e programáticas das experiências da DRM – Política Operária e o POC, assim como, fortes referências da obra do Mandel e do Trotsky.
A identificação do editorial com o Movimento pró PT, fez do EM TEMPO, assim como outros jornais de grupos que também assumiram o PT (Companheiro, Trabalho, Versus – na fase de controle da Convergência Socialista), um organizador da corrente DS como tendência interna do PT.
Desde o primeiro momento, sempre víamos o PT como um Partido e não como uma frente eleitoral ou frente política, algo tático para lá na frente romper ou sair maior do que havia entrado. Combatemos as visões e sempre defendemos a construção de PT como Partido, mas com direito de tendência, com direito das correntes internas serem reconhecidas e respeitadas em seu tamanho e com proporcionalidade nas direções partidárias.
Nossa corrente, a DS, cumpriu e cumpre um papel relevante na construção do PT por sua visão estratégica socialista, sua visão sobre o papel da luta democrática na construção do socialismo e na forma como construímos a democracia petista em seus estatutos e organização.
6 – Com o fim da ditadura militar, começamos a perceber o aparecimento de uma espécie de “ditadura midiática”, que durante anos foi a grande responsável pela disseminação do chamado “pensamento único” na sociedade brasileira. Nos últimos anos, o aparecimento das novas tecnologias de comunicação, com destaque para os blogs e para as redes sociais, fez surgir a possibilidade de se fazer um contraponto ao poder da grande mídia. Na sua opinião, qual a importância desses veículos alternativos no contexto atual da nossa sociedade?
No Brasil, a forma como foram distribuídas as concessões públicas de rádio e TV constituiu grandes monopólios familiares, o que, num país desta dimensão, fortaleceu oligarquias regionais e os interesses do grande capital. Assim, os “donos” da mídia exerceram durante décadas um poder superior ao de decidir o que publicar: a decisão do que não será publicado, tornando invisíveis e inaudíveis as opiniões divergentes, os movimentos e os partidos de esquerda. Ainda hoje muito deste poder se mantém.
O surgimento da internet já no início da década de 90, sua massificação na década atual, nos propiciam um conjunto de ferramentas que nos permitem desenvolver “uma outra comunicação possível”. O papel que os blogs e as redes sociais vêm desenvolvendo hoje vai muito além de um mero espaço informativo. Têm se revelado num potente instrumento de mobilização, debate e reflexão seja através de um vídeo, um artigo ou numa síntese de 140 caracteres. Neste cenário, os movimentos sociais, os partidos de esquerda ganham capacidade de fazer o contraponto imediato à mídia tradicional, um contraponto que não se limita mais à tiragem de um boletim ou de um panfleto, mas que se expande numa verdadeira conexão global. São exemplos disso a Primavera dos Povos Árabe o movimento por democracia real já, na Espanha.
Daí a importância dos investimentos que garantam a expansão da banda larga gratuita de qualidade a todas as regiões do país, com pontos de acesso público (lan houses, telecentros e pontos de cultura). Iniciativas como estas, somadas a um novo marco regulatório da mídia, se traduzem na possibilidade Nossa corrente política tem o desafio de se fazer presente neste novo cotidiano digital. Isso significa lançar mão de todas as ferramentas e canais de comunicação que as redes sociais colocam à nossa disposição. Temos que ter a capacidade de traduzir nossa reflexão política e programática na linguagem própria destes novos meios, sem abdicar do conteúdo que sempre nos diferenciou. Ao mesmo tempo em que entramos com força nesse ambiente virtual temos o desafio de manter uma comunicação impressa com uma periodicidade mais larga, dentro da compreensão de que ainda há muito que avançar em termos de inclusão digital.
Entre os dias 21 e 22 de janeiro, a DS realiza seu primeiro Ativo Nacional de Comunicação. Como somos uma corrente que nascemos de um veículo de comunicação, o jornal Em Tempo, nada melhor do que revisar a história desse jornal no momento que a tendência se reúne para atualizar sua política de comunicação.
Pensando nisso, fizemos, por email, uma entrevista com o companheiro Raul Pont, onde ele conta um pouco da história desse jornal e debate a atualidade da comunicação na sociedade brasileira, após o advento dos novos meios de comunicação.
Nesta entrevista, o atual Deputado Estadual e presidente do PT gaúcho, conta como nasceu a ideia da fundação do jornal, os atritos com a cencura do regime militar e a evolução do jornal na formação de um grupo político, entre outros temas, em um importante relato histórico para a nova geração de militantes da DS.
Portal DS: Em uma época de censura (imposta ou voluntária) nos grandes veículos de comunicação do país, o papel de denúncia das atrocidades do regime militar e da divulgação de ideologias contrárias à do regime coube aos jornais alternativos. Como você vê a importância desses veículos para a esquerda brasileira naquele momento?
Raul Pont: A partir de 68, com o AI nº 5, o regime, que já era autoritário, tornou-se mais arbitrário e ditatorial em relação à sociedade, ao Congresso, que já era uma farsa consentida, e aos meios de comunicação. A autocensura já existia pela cumplicidade dos meios com o regime. Com o fim das garantias individuais e do hábeas corpus, a situação piorou. Jornais eram suspensos, circulavam com grandes tarjas pretas, matérias inteiras eram substituídas por receitas de bolo, etc. Sobreviviam boletins e panfletos de pequenos grupos de resistência, dos partidos clandestinos. Todos de pequena tiragem, de curto alcance e circulação dirigida.
No final de 1972, buscando romper a censura da ditadura e a cumplicidade dos grandes, surgiu o Jornal Opinião, primeiro alternativo a ir para as bancas em escala nacional. Havia jornais de bairro de pequeno alcance, não clandestinos, tratando de reivindicações e de temas das comunidades que não sofriam um controle diretamente e eram permitidos por seu pequeno alcance.
O Opinião expressava uma parcela do MDB mais autêntica e com vínculos empresariais, como um de seus mentores, Fernando Gasparian. Contava com jornalistas combativos(as) como Raimundo Pereira e intelectuais e professores(as) universitários(as) cassados como Fernando Henrique Cardoso e outros que atuavam no CEBRAP em São Paulo. O jornal tinha uma ligação editorial com o Le Monde para a cobertura internacional e estimulou a organização de grupos de apoio nos principais Estados. Espécie de sucursais para difusão, organização de apoiadores.
Ao sair da prisão, em dezembro de 72, encontrar o Opinião nas bancas foi um grande alento. Enfim, algo para ler. Com toda a censura de tarjas e recortes.O Opinião tinha, também, limites editoriais por sua composição e sustentadores. Mantinha viva a luta democrática, trazia fatos extremos que, por analogia, criticavam o regime e informavam um pouco mais que os jornalões das grandes capitais. Mais tarde, surgiu o Movimento, com Raimundo Pereira de editor. Mais ousado, mais popular. Menos tijolos de análise e mais notícias do povo, de estudantes e alguns sindicatos se mexendo e apontando novidades.
A derrota eleitoral da Arena em 1974 foi uma virada. O voto era contra a Arena, contra o governo. Na ausência de outra alternativa, o protesto desembocou no MDB e começaram a surgir novas lideranças mais combativas nas Assembléias, nas Câmaras Municipais e no Congresso. As entrevistas e as opiniões de vereadores(as) e deputados(as) esquentavam matérias e repercutiam acontecimentos.
A linha do Movimento mais ousada e popular procurava assentar-se em setores do MDB que defendiam posições democráticas e nacionalistas, buscava alargar divergências que começavam a aparecer no meio militar, entre “duros” e “legalistas” e setores submissos ao imperialismo e outros mais “nacionalistas”.
O jornal expressava a visão clássica da esquerda de apoio aos “setores progressistas” da burguesia e aos “nacionalistas” das forças armadas e de um discurso anti-imperialista vago e não classista.
O jornal teve um destaque e um papel importantíssimo nesse período. Estimulou sucursais e buscava apoiadores de forma mais orgânica e popular que o Opinião. As sucursais não eram monolíticas e coesas em torno de um único projeto editorial e esse debate foi crescendo e revelando fissuras até que uma cisão no Movimento criou as condições para o nascimento do EM TEMPO.
Portal DS: Durante os anos 70 foram fundados dezenas de jornais alternativos no país. Qual eram as principais diferenças do Em Tempo em relação aos outros?
Raul Pont: Como já falei, em todas as capitais e regiões do país ocorreram iniciativas locais e/ou regionais de impressos alternativos de associações de bairro ou de pequenos grupos que usavam entidades ou associações como fachada para jornais de reivindicação ou de denúncias e que, aos poucos, adquiriram uma feição mais opinativa, mais política. As grandes experiências, no entanto, de caráter nacional, foram o Opinião, o Movimento e o EM TEMPO que, deliberadamente, buscavam ser nacionais.
O Versus também cumpriu esse papel. Nasceu como um jornal de Cultura e difusão da América Latina com literatura, música, teatro, numa perspectiva de esquerda, crítica. Mais tarde, transformou-se num jornal mais de organização política com o controle editorial do jornal pela Corrente Convergência Socialista. Na primeira fase, seu principal editor era o jornalista Marcos Faerman. O Versus teve também caráter nacional.
Outro grande projeto regional foi o Coojornal, de uma Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre que constitui-se como editora, jornal e prestação de serviços jornalísticos e de publicidade. Manteve o jornal com grande qualidade jornalística, grandes reportagens e foi uma das mais ricas experiências de imprensa alternativa. Apesar de regional era reproduzida como fonte na grande imprensa e teve repercussão nacional.
O EM TEMPO nasceu como uma Cooperativa Jornalística. Nasceu de uma ruptura de pessoas que colaboravam com o Movimento, mas tinham divergências de linha editorial e da forma de funcionamento desse projeto. Defendiam um jornal que lutasse pela democracia, mas que já o fizesse numa perspectiva socialista, privilegiando a cobertura das lutas sindicais, da denúncia do caráter capitalista da ditadura, da propaganda ideológica do socialismo, da incorporação de temas novos e polêmicos como o feminismo, o combate ao racismo, a disputa ideológica via a cultura etc... As principais sucursais que deram origem ao EM TEMPO foram as de Minas Gerais e São Paulo, logo reforçadas pelas sucursais do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A ideia era de uma Cooperativa de Jornalistas, com sócios que entravam com recursos (cotas) e que, além disso, comprometiam-se de viabilizar o jornal com trabalho voluntário, militante. Havia também a categoria de sócios apoiadores(as), que comprava cotas, mas não tinha o mesmo direito de decisão daqueles(as) que militavam na sustentação do projeto.
O projeto era inovador, democrático, mas tinha pouca coesão programática e muito amadorismo administrativo. Como o jornal era uma grande frente jornalística, em cada sucursal já havia grupos pré organizados ou com pretensão de se organizar e todos(as) tinham uma visão programática de ter no projeto um instrumento de crescimento nacional.
Como o jornal nasceu quase junto com o Movimento pró PT e em seu interior essa proposta não era unânime, rapidamente as divergências sobre esse tema afloraram. O debate se era oportuno ou não o Movimento pró PT; se o jornal não deveria manter equidistância dos projetos partidários; a defesa de outros projetos na reorganização partidária que iniciava etc. Essa disputa quase inviabilizou o projeto que só sobreviveu quando unificou uma linha editorial pró PT e com a saída de vários(as) fundadores(as) e o fechamento de sucursais.
Na defesa do Movimento pró PT, o EM TEMPO ainda manteve um caráter de frente em torno desse projeto. Mas, aos poucos, a sobrevivência e a manutenção do jornal foi recaindo em torno de algumas sucursais com mais coesão política, com maior identidade. Daí é que nasceu o ORM-DS (Organização Revolucionária Marxista – Democracia Socialista). Na defesa do projeto jornalístico e na identificação da construção partidária em torno do Movimento pró PT.
A identidade entre os grupos que sustentavam as sucursais do RS, MG e São Paulo é que determinou a sobrevivência do jornal e a organização da DS, movimento que não se reconhecia como UM PARTIDO mas que queria ser parte da construção de um partido classista, um PARTIDO DOS TRABALHADORES. A identidade de um movimento estudantil (PELEIA, CENTELHA), a identidade do movimento sindical e a compreensão do papel de luta democrática para o socialismo foram elementos centrais da construção da DS, bem como sua visão internacionalista do combate ao capitalismo mundial.
Portal DS: Um dos episódios mais conhecidos da história do jornal foi a divulgação de uma lista com o nome de 233 torturadores, em 1978. Essa edição, que voltou a ter destaque recentemente, por conta da divulgação dos arquivos de Luis Carlos Prestes, foi a de maior repercussão do jornal e atraiu a ira de grupos de direita, que inclusive promoveram ataques às sucursais do “Em Tempo”. Como foi a decisão de fazer a divulgação dessa lista? A reação dos grupos de direita foi maior do que a esperada?
Raul Pont: A denúncia do sistema, das torturas, das condições em que viviam os(as) presos(as) políticos e como eram tratados(as) estava no objeto editorial do EM TEMPO. Essa edição teve uma repercussão enorme. As listas foram elaboradas por presos(as) políticos(as), pela movimentação pela anistia e por setores da Igreja que em São Paulo dedicavam-se a levantar e organizar os dados, as informações.
No Rio Grande do Sul, conforme íamos colocando nas Bancas, em breve chegava a polícia para recolher. Mudamos de tática, não deixamos nada na sucursal que foi invadida na busca dos jornais. Transformou-se num fato político com repercussão pública, na Assembleia Legislativa etc. Pedro Simon, presidente do MDB gaúcho, foi à sucursal para prestar solidariedade, enfim, cumprimos o papel de denúncia. Foi a edição de mais tiragem e mais vendagem da história do EM TEMPO. Como a conjuntura já era outra, apesar da truculência, da invasão nas sucursais, não houve prisões nem fechamento definitivo do jornal.
Portal DS: Durante seus principais momentos, quantos colaboradores e quantas sucursais chegou a ter o jornal?
Raul Pont: O jornal contava com uma equipe em São Paulo, responsável maior pela edição, onde a maior parte era trabalho militante, voluntário. Foi decisivo para o jornal circular a vinda dos(as) companheiros(as) de Minas Gerais, onde estava o grupo mais organizado e preparado para tocar o jornal. As primeiras edições estiveram sob a direção do Bernardo Kucinski. Para garantir a primeira fase do jornal, o papel do Flavio Andrade, do Nadai, que estavam na editora e gráfica que tirava o jornal de Pinheiros, foi decisivo.
A frente jornalística resistiu pouco tempo e se dependesse da maioria o EM TEMPO teria fechado. Foi a resistência e recusa da minoria em manter o EM TEMPO que garantiu sua sobrevivência. Nesse momento, a identidade entre as sucursais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo foi decisiva. Mas, o jornal teve que mudar sua periodicidade, a definição pelo movimento pró PT restringiu seu alcance, diminuíram as sucursais, mas, voltamos a crescer com o crescimento do movimento pró PT.
Não tenho dados de cada sucursal, mas no Rio Grande do Sul tínhamos entre contribuintes e apoiadores umas cento e cinquenta pessoas e trabalhando na sucursal, todos voluntários, umas vinte, vinte cinco pessoas para distribuir o jornal, vender assinaturas, discutir e elaborar matérias regionais e fazer a difusão do Projeto. No nosso caso a frente também foi ampla, mas a definição pelo projeto PT fez com que perdêssemos pessoas. Alguns foram para o projeto do PDT como a Dilma, o Araujo e outros companheiros(as). Outros(as) foram para o PMDB, em menor número. Os(as) que ficaram, ingressaram no PT e a maioria na sua corrente interna, a Democracia Socialista – DS. Já vínhamos de um trabalho organizado no movimento estudantil, no setor jovem e na Tendência Socialista do MDB e isso facilitou nossa coesão em torno do projeto.
Portal DS: Diferente da maioria das publicações alternativas daquela época, o “Em Tempo” continuou sua história e deu origem à Democracia Socialista. Como foi o processo de transição do jornal para a construção de um grupo político? Qual a importância do jornal para a construção programática do movimento pró-PT?
Raul Pont: Para a Democracia Socialista, o EM TEMPO cumpriu o papel clássico do jornal – organizador partidário. Sua periodicidade, sua distribuição, sustentação e o debate de sua linha editorial organizaram a corrente. Já tínhamos uma identidade entre o Peleia (RS) e o Centelha (MG), assim como referências históricas e programáticas das experiências da DRM – Política Operária e o POC, assim como, fortes referências da obra do Mandel e do Trotsky.
A identificação do editorial com o Movimento pró PT, fez do EM TEMPO, assim como outros jornais de grupos que também assumiram o PT (Companheiro, Trabalho, Versus – na fase de controle da Convergência Socialista), um organizador da corrente DS como tendência interna do PT.
Desde o primeiro momento, sempre víamos o PT como um Partido e não como uma frente eleitoral ou frente política, algo tático para lá na frente romper ou sair maior do que havia entrado. Combatemos as visões e sempre defendemos a construção de PT como Partido, mas com direito de tendência, com direito das correntes internas serem reconhecidas e respeitadas em seu tamanho e com proporcionalidade nas direções partidárias.
Nossa corrente, a DS, cumpriu e cumpre um papel relevante na construção do PT por sua visão estratégica socialista, sua visão sobre o papel da luta democrática na construção do socialismo e na forma como construímos a democracia petista em seus estatutos e organização.
Portal DS: Com o fim da ditadura militar, começamos a perceber o aparecimento de uma espécie de “ditadura midiática”, que durante anos foi a grande responsável pela disseminação do chamado “pensamento único” na sociedade brasileira. Nos últimos anos, o aparecimento das novas tecnologias de comunicação, com destaque para os blogs e para as redes sociais, fez surgir a possibilidade de se fazer um contraponto ao poder da grande mídia. Na sua opinião, qual a importância desses veículos alternativos no contexto atual da nossa sociedade?
Raul Pont: No Brasil, a forma como foram distribuídas as concessões públicas de rádio e TV constituiu grandes monopólios familiares, o que, num país desta dimensão, fortaleceu oligarquias regionais e os interesses do grande capital. Assim, os “donos” da mídia exerceram durante décadas um poder superior ao de decidir o que publicar: a decisão do que não será publicado, tornando invisíveis e inaudíveis as opiniões divergentes, os movimentos e os partidos de esquerda. Ainda hoje muito deste poder se mantém.
O surgimento da internet já no início da década de 90, sua massificação na década atual, nos propiciam um conjunto de ferramentas que nos permitem desenvolver “uma outra comunicação possível”. O papel que os blogs e as redes sociais vêm desenvolvendo hoje vai muito além de um mero espaço informativo. Têm se revelado num potente instrumento de mobilização, debate e reflexão seja através de um vídeo, um artigo ou numa síntese de 140 caracteres. Neste cenário, os movimentos sociais, os partidos de esquerda ganham capacidade de fazer o contraponto imediato à mídia tradicional, um contraponto que não se limita mais à tiragem de um boletim ou de um panfleto, mas que se expande numa verdadeira conexão global. São exemplos disso a Primavera dos Povos Árabe o movimento por democracia real já, na Espanha.
Daí a importância dos investimentos que garantam a expansão da banda larga gratuita de qualidade a todas as regiões do país, com pontos de acesso público (lan houses, telecentros e pontos de cultura). Iniciativas como estas, somadas a um novo marco regulatório da mídia, se traduzem na possibilidade concreta de democratização da comunicação no Brasil.
Portal DS: Na sua opinião, quais os principais desafios da DS na adaptação de sua comunicação aos novos tempos?
Raul Pont: Nossa corrente política tem o desafio de se fazer presente neste novo cotidiano digital. Isso significa lançar mão de todas as ferramentas e canais de comunicação que as redes sociais colocam à nossa disposição. Temos que ter a capacidade de traduzir nossa reflexão política e programática na linguagem própria destes novos meios, sem abdicar do conteúdo que sempre nos diferenciou. Ao mesmo tempo em que entramos com força nesse ambiente virtual temos o desafio de manter uma comunicação impressa com uma periodicidade mais larga, dentro da compreensão de que ainda há muito que avançar em termos de inclusão digital.