sábado, 25 de fevereiro de 2012

A desmontagem da «Democracia Representativa» - Num livro de Jean Salem

Miguel Urbano Rodrigues :Odiario.info
 
Jean Salem 
Jean Salem, com o seu livro « Élections, Piège à Cons ? -Que Reste-t-il De La Démocratie ? » (1)dá um contributo valioso para a desmontagem do mito da chamada democracia representativa. Em apenas 104 páginas, o autor consegue imprimir força de evidência a um conjunto de questões que condicionam o futuro da humanidade. Ilumina as engrenagens da falsa democracia, desmonta os mecanismos do circo eleitoral e alerta para o papel que a manipulação mediática representa hoje na estratégia de poder do grande capital.

Salem – Élection Piège à Cons ? -Que Reste-t-il De La Démocratie ?(2) - é uma contribuição valiosa para a desmontagem do mito da chamada democracia representativa.
Em apenas 104 páginas, o autor consegue imprimir força de evidência a um conjunto de questões que condicionam o futuro da humanidade.
Salem, professor de História da Filosofia na Sorbonne, conhecedor profundo do pensamento dos materialistas gregos, consegue numa linguagem muito acessível encaminhar os leitores para a reflexão sobre problemas inseparáveis da crise global que está encaminhando a humanidade para o abismo.
No seu livro Lénine et la Révolution (3), recorrendo a seis teses do grande revolucionário russo, demonstrou que elas não perderam actualidade na luta contra a barbárie capitalista.
Neste ensaio ilumina as engrenagens da falsa democracia, desmonta os mecanismos do circo eleitoral e alerta para o papel que a manipulação mediática representa hoje na estratégia de poder do grande capital.

AS DINASTIAS REPUBLICANAS

Filho de Henri Alleg, Jean SALEM herdou do pai o talento de usar a ironia com eficácia na denúncia de facetas pouco lembradas do drama e da comédia politica. Comentando a proliferação das «dinastias electivas» chama a atenção num dos primeiros capítulos para o estranho fenómeno da tendência dinástica em regimes formalmente republicanos. Nos EUA, George Bush pai preparou George Bush filho para chergar à Casa Branca após o intermezzo de Clinton. No Haiti Papa Doc Duvalier teve como sucessor Baby Doc Duvalier. Na Nicarágua foi necessária uma revolução para dar fim à dinastia dos Somoza. No Paquistão Benazir Butto sucedeu a seu pai Ali Butho e o marido, Asif Zardari tornou-se presidente quando a assassinaram. O filho, Bilwal, é o herdeiro provável. Na Índia de Indira Gandhi, filha de Jawaharlal Nehru, o sucessor foi o filho, Rajiv, também assassinado e Sonia, a viúva, uma italiana, somente não foi primeira-ministra porque recusou. Na Coreia do Norte, Kim il Jong herdou a Presidência do pai, Kim Il Sung e o neto deste, Kim Jong Un governa agora o país. Na Colômbia, duas famílias, os Gomez e os Lopez têm vocação dinástica e o actual presidente, Juan Manuel Santos, orgulha-se do fundador da estirpe presidencial, Eduardo Santos. No Togo, Fauce Gnassingbé Éyadmé recebeu o poder do pai Gnassigbé Eyedema. No Gabão, Ali Ben Bongo governa com escassa contestação após o pai, Gongo Omar. Na República Popular do Congo, quando Laurent Desiré Kabila faleceu, o poder foi atribuído ao filho, Joseph Kabila. No Egipto a insurreição popular impediu que Osni Mubarak colocasse no poder o filho Gamal.
Todos definiram nos seus países a forma de governo como democrática.

O SUFRÁGIO UNIVERSAL

O sufrágio universal foi instituído por Napoleão III depois de ter liquidado a República. Não para entregar o poder ao povo, mas como sublinhou Lénine em O Estado e a Revolução – para «o utilizar como instrumento de dominação da burguesia».
Bismark imitou-o depois de ampliar os privilégios dos latifundiários prussianos. Milhões de eleitores acreditaram ingenuamente que lhes fora atribuído um poder real, quando na realidade o sufrágio universal serviu para reforçar o despotismo.

Salem recorda que na sua crítica ao parlamentarismo Lénine nunca defendeu o boicote das eleições. Os comunistas, na sua opinião, deviam estar presentes na DUMA (o parlamento do Czar), mas para, vacinados contra o cretinismo parlamentar, defenderem ali os interesses dos trabalhadores.
Para ele, a democracia capitalista limitava-se a autorizar os oprimidos de três em três ou de seis em seis anos a decidir que elementos da classe dominante os representariam, e calcaria aos pés os seus interesses no Legislativo. Nada mais. Foi igualmente em O Estado e a Revolução – escrito durante a Revolução de Fevereiro de 17 – que Lénine chamou a atenção para a realidade: a verdadeira tarefa do Estado falsamente democrático é executada nos bastidores e não através do Parlamento. Este servia fundamentalmente para enganar o povo e conferir legitimidade à ditadura de classe.
Transcorrido um século, o mundo mudou muito, mas não a função dos Parlamentos. O seu papel resume-se «a avalisar o que foi decidido sem eles».
Jean Salem recorda o que se passou com o projecto da Constituição Europeia para desmascarar o conceito de democracia do Estado burguês.
Quando o povo francês em 2005 votou contra o texto que impunha à União Europeia uma Constituição que institucionalizava o capitalismo, soou o alarme no mundo do capital. E o medo alastrou dois meses depois, quando os eleitores da Holanda num referendo similar rejeitaram também o projecto.
Porventura a burguesia aceitou o veredicto popular? Não.
Os governos no poder mudaram o título do Tratado Constitucional, introduziram-lhe alterações cosméticas, mas, em vez de o submeterem novamente à votação do povo, transferiram para os parlamentos a decisão. O desfecho foi o esperado: em França e na Holanda o projecto recauchutado foi facilmente aprovado em 2008.
Inesperadamente, porém, os irlandeses tinham, em referendo, recusado o mostrengo constitucional. A pressão e a chantagem exercidas sobre aquele povo foram tamanhas que, meses depois, noutro referendo, o Não passou a Sim!
A partir de então não houve mais referendos em países da União Europeia e os parlamentos aprovaram docilmente o famigerado Tratado. Em Portugal, o governo de Sócrates engavetou para o efeito o compromisso de confiar ao povo a decisão.
A dualidade de critérios sobre o carácter democrático de «eleições livres» é enfatizada por Jean Salem a propósito do que ocorreu na Palestina em 2006. Ao território afluíram observadores internacionais de dezenas de países. Os EUA os governos da UE tinham como certa a vitoria das forças de Mamoud Abbas e da sua corrupta Autoridade Palestiniana, submissa às imposições de Washington e de Israel. Mas, contrariando as sondagens, o Hamas obteve uma vitória límpida. A reacção do imperialismo foi imediata. Aplicaram sanções económicas e politicas a Gaza, bastião do Hamas. Não perdoaram aos palestinos terem desafiado o Ocidente. E em 2008 Israel invadiu a Faixa de Gaza, cometendo crimes que indignaram a humanidade.
O binómio EUA-União Europeia orgulha-se de ser o guardião da democracia, declarando-se sempre disponível para condenar aqueles que a violam.
Mas admite excepções. Quando Ieltsin ordenou o assalto
sangrento ao Parlamento russo em 1993 (150 mortos e 1000 feridos) o Washington Post escreveu: «Aprovação geral para a acção de força de Ieltsin, encarada como vitória da democracia». O secretário de Estado Warren Christopher correu a Moscovo para apoiar o golpe porque se tratava de «circunstâncias excepcionais».

O PODER REAL

Comparando a política, tal como é hoje nos países industrializados, a um teatro de sombras, Jean Salem, sempre didáctico, coloca o dedo na ferida.
As pompas oratórias confundem, mas não alteram o movimento da história. O Poder real não está na sala oval da Casa Branca nem em Bruxelas. Quem toma as decisões importantes é a Finança, o Capital, mais exactamente aqueles que representam o deus dinheiro: o Banco Mundial, o FMI, a OMC, os instrumentos de um poder «monográfico e tecnocrático», como diz o italiano Sabino Acquaviva, agentes de uma soberania transnacional, incontrolável, desumanizada.
Os capítulos dedicados por Salem ao funcionamento da farsa democrática permitem ao leitor assistir a espectáculos de teatro de absurdo.
Não revela coisas que não sejam do domínio público. Mas, ao recordar a rodagem da máquina apodrecida do sistema, aviva a repulsa que a engrenagem do capitalismo inspira hoje a uma grande parte da humanidade. Na Europa é particularmente grotesco o debate entre a direita assumida e a social-democracia. Ambos quando governam praticam políticas neoliberais. Somente se diferenciam porque os social-democratas acreditam administrar melhor o capitalismo.

O CIRCO ELEITORAL

Nada ridiculariza mais o discurso sobre a grandeza da democracia americana do que um facto insólito, confirmado pelas estatísticas: todos os presidentes dos EUA são levados à Casa Branca por uma pequena minoria de eleitores: em média 25% dos inscritos. Assim aconteceu com Reagan, Carter, Bush pai, Clinton, Bush filho. Barack Obama, olhado por Mário Soares como esperança da humanidade, recebeu 30%, um recorde.

O sistema é perverso. Com «grandes eleitores» a representarem os votantes, as primárias são condicionadas pelo dinheiro acumulado pelos candidatos em campanhas milionárias, e as convenções que decidem qual o escolhido transcorrem em atmosfera de circo.
Em 2000, Bush filho obteve menos votos do que Al Gore, as fraudes na Florida e noutros estados foram transparentes, houve recontagem, mas, após largos dias, Bush foi proclamado presidente após intervenção do Supremo Tribunal. Assim funciona a «grande democracia americana» …
O modelo é repulsivo, mas contaminou a Europa.

Em Portugal, o PS e o PSD esforçam-se por o aplicar como bons discípulos. Nos programas prometem obras faraónicas, benefícios sociais, aumentos salariais, centenas de milhares de empregos. O discurso, a postura, os gestos, a voz, o penteado, a roupa dos candidatos a primeiro-ministro são estudados e impostos por especialistas contratados, alguns estrangeiros.
Uma vez nomeado, o primeiro-ministro do Partido vencedor engaveta todas as promessas e desenvolve uma política reaccionária com elas incompatíveis.
Os governantes, aplaudidos pelo coro de epígonos, repetem diariamente, monocordicamente, que o regime é democrático, o parlamento a expressão da vontade popular – e os media carimbam a mentira.
Mentem conscientemente. Sabem que a chamada democracia representativa obedece no seu funcionamento a regras concebidas para promover a desigualdade, beneficiar o grande capital e manter na pobreza a maioria da população.
O sistema não tem conserto possível. Não pode ser reformado, tem de ser destruído. A burguesia não entrega o poder através de eleições.

Que fazer, então?
«O que é preciso mudar, na realidade, é o conjunto» -afirma Jean Salem no final do seu belo e lúcido livro – um sistema no qual o omnipresente modelo do mercado é suficientemente repugnante para que analistas mais ou menos desinteressados tenham transformado o cidadão-eleitor num vulgar consumidor da «escolha tradicional (…) um sistema em cujo cerne estão inscritas a desigualdade, a falta de carácter, a violência, a guerra».
Jen Salem escreveu um livro muito importante em que arranca a máscara à falsa democracia imposta aos povos pelo capital.

Notas:
1 -Jean Salem, Élections, Piège À Cons?-Que Reste-T-Il De La Démocratie, Flammarion, Paris, 2012
2-Jean Salem, Élections, Piège À Cons?-Que Reste-T-Il De La Démocratie, Flammarion, Paris, 2012
3-Jean Salem, Lenine e a Revolução, editora Avante, Lisboa, 2005

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Governo Tarso do RS brinca com magistério

Cronograma de reajuste do Piratini prevê piso de R$ 1.260 para o magistério até 2014

Piratini sustenta que reajuste acumulado chega a 76,68%, mas presidente do Cpers já antecipou que proposta não pode ser considerada válida

Chefe da Casa Civil, Carlos Pestana (D) apresentou a proposta de reajuste do Magistério. Foto: Cristiano Estrela/CPFoto:
Chefe da Casa Civil, Carlos Pestana (D) apresentou a proposta de reajuste do Magistério. Foto: Cristiano Estrela/CP

O governo gaúcho anunciou, na tarde desta sexta-feira, no Palácio Piratini, um cronograma prevendo aumento de 76,68%, até 2014, para o magistério. O chefe da Casa Civil afirmou que a proposta vai além do sugerido pelo Cpers Sindicato - um calendário de pagamento baseado no piso nacional de 2011, de R$ 1.187.  De acordo com Carlos Pestana, a intenção é incrementar o piso em 6%, referente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), chegando a um valor de RS 1.260. "Para maio deste ano, está previsto 23,5% de aumento em projeto que já tramita na Assembleia Legislativa. Em 2011, o primeiro aumento de Tarso foi de 10,9%. Entre 2013 e 2014, o índice proposto é de 28,98%. Somando a inflação entre 2010 e 2011, de 12,78%, se chega ao total de 76,68% em todo o governo, divididos em sete parcelas", destacou Pestana.

Para o básico de 40 horas semanais, um professor em início de carreira recebia R$ 713 em janeiro de 2011. A previsão do governo é de que esse valor chegue aos R$ 1.260 no fim da gestão de Tarso Genro. Já para os profissionais em fim de carreira, o salário deve chegar a R$ 5.671 em novembro de 2014 – o valor era de R$ 3.209 em janeiro do ano passado.

Segundo o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, a média salarial – recebida por cerca de 82% dos professores – fica, em novembro de 2014, em R$ 4.885. Para Pestana, esse é o principal argumento para que o Cpers/Sindicato aceite a proposta, já que a maioria dos profissionais já recebe acima do piso.

A presidente do Cpers disse que não reconhece o INPC como indexador. De acordo com Rejane de Oliveira, a proposta não pode ser considerada válida, já que confunde a categoria. O secretário da Educação, José Clóvis de Azevedo, disse que vai manter o diálogo com o magistério. "Como ex-militante do sindicato, posso dizer que é um aumento substancial jamais oferecido em nenhum outro governo", acrescentou. Azevedo afirmou, ainda, que o início do ano letivo está garantido,já que a maioria dos profesores, segundo ele, é favorável ao calendário.

O impacto financeiro chega a R$ 2, 5 bilhões até o fim da gestão Tarso Genro. Há informações de que, na próxima segunda-feira, o Ministério da Educação confirme o custo-aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) como indexador, tendo como índice 22% de reajuste. Com isso, o piso passa para R$1.450, já em 2012. Pestana já declarou que o Rio Grande do Sul não vai reconhecer o Fundeb. A assembleia geral do magistério está marcada para 2 de março. 

Supremo transforma senador em réu por trabalho escravo

no BRASILdeFATO

João Ribeiro é acusado de explorar 35 trabalhadores em fazenda no Pará. Para Gilmar Mendes, a precariedade é comum e não deveria ser criminalizada



Por sete votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia do Ministério Público Federal e transformou em réu por trabalho escravo o senador João Ribeiro (PR-TO). Ele é acusado, desde 2004, de manter 35 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma fazenda de sua propriedade no interior do Pará. Entre eles, havia duas mulheres e um menor de 18 anos.

Inquérito ficou 14 meses no gabinete de Gilmar Mendes,
que entendeu não haver motivo para denúncia contra senador ir adiante
- Foto: Gil Ferreira

Votaram contra o recebimento da denúncia os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello. Gilmar apresentou voto rebatendo a acusação de trabalho escravo e divergindo da relatora do caso, a ex-ministra Ellen Gracie.  Segundo ele, a precariedade das condições às quais os trabalhadores rurais estavam submetidos é comum à maioria dos brasileiros e, por isso, não deveria ser criminalizada.
“A inexistência de refeitórios, chuveiros, banheiros, pisos em cimento, rede de saneamento, coleta de lixo é deficiência estrutural básica que assola de forma vergonhosa grande parte da população brasileira, mas o exercício de atividades sob essas condições que refletem padrões deploráveis e abaixo da linha da pobreza não pode ser considerado ilícito penal, sob pena de estarmos criminalizando a nossa própria deficiência”, disse o ministro.
O julgamento do caso foi interrompido a pedido de Gilmar Mendes em outubro de 2010, quando Ellen Gracie apresentou seu voto a favor do recebimento da denúncia. O ministro pediu mais tempo para analisar os autos. O processo ficou um ano e dois meses parado no gabinete de Gilmar. Para ele, não houve coação, ameaça ou imposição de jornada excessiva. “Todos podiam exercer o direito de ir e vir”, disse o ministro.

João Ribeiro: "É muito forte dizer que um cidadão
está escravizando alguém" - Foto: Geraldo Magela

Servidão por dívida

Não foi essa, porém, a opinião da maioria de seus colegas nem da ex-ministra Ellen Gracie. Na avaliação da relatora, as provas reunidas na fase preliminar de investigação (inquérito) comprometem o senador ao apontar para um quadro de condições degradantes, jornada exaustiva, restrição de locomoção, servidão por dívida e falta de cumprimento de promessas salariais e obrigações trabalhistas.
Um cenário que, segundo ela, pode ficar ainda mais claro com a continuidade das apurações por meio da ação penal. A ex-ministra apresentou seu relatório apenas quatro dias após João Ribeiro ter renovado seu mandato no Senado por mais oito anos, graças aos 375 mil votos recebidos. A investigação chegou ao Supremo em 22 de junho de 2004. Ou seja, há sete anos e oito meses. Outros dois parlamentares também respondem por trabalho escravo no Supremo: os deputados Beto Mansur (PP-SP) e João Lyra (PTB-AL).

Multa trabalhista

Em dezembro de 2010, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou o entendimento de que houve trabalho escravo, mantendo a multa de R$ 76 mil imposta a João Ribeiro em instância inferior. Em pronunciamento feito no Senado em 2005, ele reconheceu não ter cumprido obrigações trabalhistas, mas afirmou que ser acusado de trabalho escravo era “muito forte”.
Na defesa entregue ao STF, João Ribeiro alega que o processo não poderia avançar no STF enquanto não fosse julgado o recurso apresentado por ele contra a inspeção feita pelo Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo em sua propriedade. Ele nega a acusação e diz que não pode ser responsabilizado por eventuais problemas trabalhistas ocorridos em sua fazenda.

Rancho sobre brejo

Em fevereiro de 2004, integrantes do Grupo Móvel resgataram 35 trabalhadores da Fazenda Ouro Verde, de 1,7 mil hectares. A propriedade do senador está localizada no município de Piçarra, no Sudeste do Pará, na divisa com o Tocantins, a 555 km de Belém. Formada por representantes do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal, a equipe aplicou 25 autos de infração. As rescisões contratuais custaram na época R$ 64 mil a João Ribeiro.
Os alojamentos eram ranchos improvisados, sem paredes e de chão batido, feitos por folhas de palmeiras e sustentados por arbustos fincados no solo. Um dos ranchos, segundo a denúncia, havia sido erguido sobre um brejo, cujas poças provocavam umidade excessiva e cheiro insuportável. Não existia banheiro. Os trabalhadores tinham de fazer suas necessidades fisiológicas ao relento.

Água insalubre e jornada exaustiva

Também não havia cama ou colchão. Cada um tinha de levar de casa a própria rede para repousar. Tampouco havia cozinha, de acordo com os fiscais. Para almoçar ou jantar, os trabalhadores tinham de se sentar sobre pedras e restos de árvores ou sobre o próprio chão. A refeição era composta basicamente por arroz, feijão e, eventualmente, carne, sem verdura, conforme o relato da fiscalização. A água consumida era insalubre e vinha de três fontes – um brejo lamacento, uma cacimba rústica e uma represa. A mesma fonte de água era usada pelos trabalhadores para matar a sede, lavar suas roupas e louças, tomar banho e escovar os dentes, diz o relatório.
As jornadas de trabalho eram consideradas exaustivas. Estendiam-se por até 12 horas diárias de segunda a sábado. No domingo, seguiam por seis horas, sem qualquer observância de folga semanal. De acordo com os auditores, os trabalhadores podiam aparentemente exercer o direito de ir e vir. Mas, segundo os fiscais, esse direito era desrespeitado de forma disfarçada, por meio da retenção de salários. Ainda de acordo com a denúncia, os trabalhadores eram contratados de maneira informal.

A precarização do trabalho doméstico

Por Vivian Fernandes, no jornal Brasil de Fato: via BLOG DO MIRO

Um lento processo de transformação está alterando o perfil dos trabalhadores domésticos no Brasil. A mão de obra ficou mais velha, escolarizada, escassa e com maiores salários. Porém, a maioria segue sendo mulher, preta ou parda, das classes econômicas mais baixas e sem carteira assinada.

Segundo o instituto de pesquisas Data Popular, a renda média do setor cresceu 43,5% acima da inflação entre 2002 e 2011. No entanto, os domésticos ainda recebem salários abaixo do mínimo, cerca de R$ 508 com carteira assinada, e R$ 351 para os informais – que são 72% da categoria.

Em relação à escolaridade, os números praticamente dobraram. Em 2002, 12,7% tinham feito ao menos uma série do ensino médio; em 2011, 23,3% concluíram o nível. No ensino superior, o índice passou de 0,7% para 1,3%.

A quantidade de domésticos cresceu em proporção menor que a população. O que mostra uma busca por trabalhos em outros setores, principalmente entre os mais jovens, alterando a média de idade de 35 para 39 anos.

Atualmente, são 6 milhões de trabalhadores domésticos no país, sendo mais de 96% mulheres e 62% pretos ou pardos. Tramitam no Senado projetos para garantir aos domésticos os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Apenas sete dos 34 direitos constitucionais são assegurados à categoria.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sardenberg faz apologia do capitalismo e atribui crise aos gregos



“Não, a culpa não é do mercado”. Este é o título de um artigo de Carlos Alberto Sardenberg, publicado nesta quinta-feira, 23, pelo jornal O globo. O tema é a crise na Grécia, que o jornalista, especializado em economia, atribui aos próprios gregos.

Por Umberto Martins no PORTAL VERMELHO


Afinado, desde sempre, com a ideologia neoliberal, Sardenberg revela preocupações com o fato de que já “se espalha” pelo mundo “o entendimento de que o mercado, os banqueiros e a União Europeia, com suas exigências de austeridade, são os culpados pelas desgraças da Grécia”.

Resta a resignação

Qual nada, argumenta o funcionário das Organizações Globo, remando contra a maré e o novo senso comum que se forma acerca deste tema, em defesa da verdade neoliberal. O mercado, os banqueiros, o FMI, a União Europeia, e o capitalismo (este sistema maravilhoso, perene e insuperável), não têm culpa alguma no cartório. Muito pelo contrário.

Os trabalhadores gregos, ignorantes ingratos que esbravejam em Atenas contra a troika e a oligarquia financeira, deveriam erguer as mãos para o céu e agradecer ao capitalismo, e aos seus personagens e agentes, pelo (suposto) surto de prosperidade que precedeu a crise da dívida.

Suportar com estoicismo e resignação os venenos impostos pela troika, abdicando dos protestos e "arruaças" nas praças, eis a receita do nosso articulista, digo articulista das Organizações Globo, ao povo. Mas o escriba desconfia que os rebeldes gregos rejeitam seu diagnóstico impecável e os sábios conselhos que dele emanam. “Se perguntarem aos manifestantes nas ruas de Atenas, eles dirão que tudo ia bem até que a crise financeira estragou tudo”, lamenta.

Estado irresponsável

Sardenberg admite que os manifestantes “têm razão num ponto - a vida de fato estava melhorando”. Afinal, comenta, os salários subiram 22% no país helênico entre 2001 e 2010. O PIB per capta “saiu da casa dos US$ 20 mil dólares/ano para os 30 mil, nível de país quase desenvolvido (o Brasil, por exemplo, de renda média, tem cerca de US$ 12 mil). Finalmente, do início do século até a eclosão da crise, a Grécia cresceu, na média, 4% ao ano”.

O que explica este desempenho que quase estava conduzindo a Grécia ao Olimpo pelo menos até os trágicos acontecimentos de 2008? O especialista responde sem pestanejar: “A adesão à moeda comum, o euro, em 2001. A taxa de juros caiu rápida e fortemente, barateando o financiamento para investimentos e consumo. Crédito barato, eis o nome da coisa. Mais que isso, a adesão ao euro foi a cereja do bolo.”

“E não esqueçam”, conclui. “O chamado mercado, o sistema capitalista global, propiciou nada menos que três décadas de expansão. Muitos países perderam a chance, outros aproveitaram. A Grécia aproveitou muito. Muito. O chamado mercado, o sistema capitalista global, propiciou três décadas de expansão.”

Claro, a defesa apaixonada do mercado, banqueiros e iniciativa privada, não pode prescindir da defesa do Estado mínimo e crítica ácida a tudo que é público. “E finalmente, o Estado manteve o controle de 40% da economia - com a ineficiência e a corrupção das entidades estatais, e o costumeiro viés favorável aos funcionários de mais alto nível”.

Bode expiatório

Meio a contragosto, ele reconhece em uma parcimoniosa linha: “Sim, os bancos emprestaram irresponsavelmente para o governo grego, sabe-se agora”. E daí? Isto não abala sua conclusão de que a culpa cabe aos gregos, que gastaram dinheiro a rodo, sem pesar consequências. “Gastaram por conta, sem se preocupar, por exemplo, com a expansão dos investimentos”.

O que diria nosso colega (desta triste profissão) sobre os EUA, cuja dívida externa equivale a 40 dívidas soberanas da Grécia? Não é preciso ser um gênio em economia políticqa para compreender as relações de causa e efeito entre as dívidas estadunidenses (interna e externa, pública e privada) e o desastre financeiro que, desde 2008, perturba o sistema capitalista mundial. Devemos esquecer que a crise da dívida externa na Europa é uma continuidade óbvia e inevitável daquele que teve início no interior da maior potência capitalista do planeta?

Isolar a Grécia do contexto geral e apontá-la como bode expiatório da crise é muito fácil, até mesmo pelas particularidades do endividamento grego, que em muitos aspectos não é comparável ao da Irlanda, Espanha, Portugal ou Itália. Porém, é um truque ideológico que não ajuda a compreender as origens e natureza da crise que está em curso.

Socorro aos bancos

Apesar das singularidades nacionais, o fato é que a crise fiscal explodiu na Europa em consequência das custosas e generosas operações de socorro aos banqueiros levada a cabo pelos governos e envolvendo centenas de bilhões de euros. O norte-americano Paul Krugman (Prêmio Nobel de Economia em 2008), que não pode ser caracterizado como um intelectual de esquerda, já escreveu vários artigos explicando o fenômeno. Cito abaixo dois parágrafos de um de seus textos a respeito (“Zumbis gastadores”, de 2-12-2011), onde analisa os casos da Espanha e Itália.

“Antes da crise, a Espanha tinha um endividamento baixo, que recuava cada vez mais. A Itália tinha um alto endividamento herdado do passado, mas estava num constante processo de redução deste endividamento em relação ao seu PIB. Nenhum dos dois países estava gastando de maneira irresponsável – simplesmente não foi isto que ocorreu. Desde o início da crise o endividamento tem aumentado em relação ao PIB, mas é isto que ocorre quando tem-se uma crise econômica.

“Pois é, a Grécia. Mas a Grécia é agora uma pequena parte desta história. A Grécia (PIB de aproximadamente US$ 300 bilhões) equivale mais ou menos à Grande Miami (US$ 270 bilhões). Itália e Espanha são as grandes protagonistas, e estes países não estavam – repito: não estavam – agindo com irresponsabilidade fiscal.”

Valorização do capital financeiro

É evidente que o endividamento excessivo, antes e depois da crise, decorreu do processo de valorização do capital financeiro num ambiente liberal de desregulamentação e pletora de capital (ou excesso de liquidez) respaldada por taxas de juros reais negativas nos EUA, Europa e Japão. Objetivamente, a superprodução de capital e de mercadorias (imóveis) engendrou a crise, que Krugman caracteriza de Grande Recessão.

Sobre culpas e culpados, peço paciência ao leitor (ou leitora) para citar mais uma vez o economista estadunidense ao abordar a queda do PIB na União Europeia no último trimestre de 2011. “Essa retração está atingindo países que nunca se recuperaram da última recessão. Apesar de todos os problemas dos Estados Unidos, seu produto interno bruto finalmente ultrapassou seu pico anterior à crise; o da Europa, não. E alguns países estão sofrendo dissabores do nível da Grande Depressão: Grécia [que amarga mais de quatro anos de recessão] e Irlanda tiveram quedas de dois dígitos na produção; a Espanha enfrenta 23% de desemprego; e a retração atual da Grã-Bretanha já é mais prolongada que a que enfrentou nos anos 1930.”

O que explica a diferença, conforme Krugman, é a política econômica. “Alguns líderes europeus – e uma boa quantidade de players americanos influentes – ainda estão casados com a doutrina econômica responsável por esse desastre. As coisas não precisavam estar tão ruins. A Grécia estaria enfrentando um problema grave independentemente das decisões políticas tomadas, e o mesmo vale, em menor escala, para outros países da periferia da Europa.”

“Mas as coisas foram agravadas bem mais que o necessário pela maneira como líderes da Europa, e, mais amplamente, sua elite política, substituíram moralização por análise e fantasias pelas lições de história. Especificamente, a economia de austeridade do começo de 2010 – a insistência de que governos deviam cortar gastos mesmo em face do alto desemprego – virou moda nas capitais europeias.

“A doutrina afirmava que os efeitos negativos diretos do corte de gastos sobre o emprego seriam compensados por alterações na “confiança”, que os cortes de gastos radicais acarretariam um aumento dos gastos industriais e de consumo, enquanto os países que não conseguissem fazer esses cortes sofreriam uma fuga de capitais e uma alta das taxas de juros. Se isso lhe parecer algo que Herbert Hoover poderia ter dito, você está certo: parece mesmo e ele disse.

“Agora, os resultados estão visíveis – e eles são exatamente o que três gerações de análise econômica e todas as lições da História poderiam ter-lhes dito que ocorreria. A fada da confiança não apareceu: nenhum dos países que cortaram gastos viu o antecipado crescimento do setor privado. Em vez disso, os efeitos depressivos da austeridade fiscal foram reforçados pela queda dos gastos privados.”

Ideologia e interesses de classe

As ideias e ideologias, conforme notou Karl Marx, dialogam mais com os interesses do que com a ciência e carregam um forte caráter de classe. A crise mundial do capitalismo é uma só, embora se manifeste de forma desigual nos diferentes países. São muitas, porém, e no mais das vezes contraditórias, as análises e diagnósticos sobre sua natureza. As diferenças refletem os interesses contraditórios envolvidos objetivamente na realidade que é objeto de análise.

Diga-me o que pensa e eu te direi a quem serve, é o que convém afirmar neste caso, parodiando um grande filósofo grego. O funcionário das Organizações Globo sabe bem a quem e a que interesses serve. Felizmente, a classe trabalhadora, e não só na Grécia, já não se deixa levar pelo canto de sereia neoliberal.

No RS, Indexador é dúvida para pagamento do piso dos professores


Professores farão assembleia-geral no dia 2 de março em frente ao Palácio Piratini | Bruno Alencastro/Cpers

Samir Oliveira no SUL21

O governo do Estado divulgará, entre esta quinta-feira (23) e esta sexta-feira (24), um calendário para o pagamento do piso nacional do magistério. A previsão de reajustes para se chegar ao valor, hoje estabelecido em R$ 1.187,00 para uma jornada de 40 horas semanais, é uma reivindicação antiga do Cpers, que ainda demonstra cautela em relação à promessa do Palácio Piratini.
O núcleo do governo que estuda o tema se reuniu na quarta-feira (22) para finalizar as projeções, mas pouco se sabe sobre o resultado final do encontro. Uma das dúvidas é se o governador Tarso Genro (PT) optará por utilizar como indexador para o aumento do piso o mecanismo que já está previsto na lei – da qual, na condição de então ministro da Educação, é um dos signatários – ou uma ferramenta que ainda está sendo discutida na Câmara dos Deputados.
Conforme a redação da lei do piso, vigente desde 2008, a remuneração deve ser reajustada anualmente em janeiro tendo como base o custo por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Por esse critério, em 2012 o piso sofreria um aumento de 22% e estaria em R$ 1.448,00.
Mas, desde 2008, tramita no Congresso Nacional um projeto do próprio governo federal que tenta alterar o critério de reajuste do piso. Pela proposta, o salário passa a ser reajustado pela variação da inflação, calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o que reduziria bastante o percentual de aumento.
A medida sofreu alterações no Senado, que voltou a colocar no projeto o critério de reajuste pelo Fundeb. Mas a mudança foi derrubada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Após toda a tramitação, a proposta se encontra na meda diretora da Câmara, pronta para ser votada em plenário e ir para a mesa da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Também há incertezas quanto à posição do Palácio do Planalto sobre o assunto. A proposta de mudar o indexador do reajuste partiu do governo do ex-presidente Lula (PT), após o mesmo ter aprovado a lei determinando o aumento pelo Fundeb. A presidenta Dilma ainda não se manifestou sobre o tema e o Ministério da Educação  (MEC) ainda não aprovou o reajuste de 22%, o que dá esperanças a governadores e prefeitos que desejam que o critério adotado seja o do INPC.

“Reajuste pelo Fundeb é contraditório e irreal”, avalia secretário da Educação
Bruno Alencastro/Sul21
José Clóvis de Azevedo diz que INCP dialoga com variações reais da economia | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

O Palácio Piratini não esconde o desconforto de se ver diante da possibilidade de pagar o piso nacional do magistério tendo como base o reajuste anual calcado no custo por aluno do Fundeb. O assunto veio a público desde que o secretário estadual da Fazenda, Odir Tonollier (PT), disse que não seria possível pagar o piso até 2014 – como prometeu diversas vezes o governador Tarso Genro – caso esse critério de aumento fosse mantido.
Desde então, por mais que outros integrantes do primeiro escalão se esforcem em colocar panos quentes,  o tom do governo é o de aposta na mudança do indexador para o INPC. Em coletiva à imprensa no início deste mês, os secretários do Planejamento, João Motta (PT), da Casa Civil adjunta, Mari Perusso (PPL) e da Educação adjunta, Maria Eulália Nascimento (PT), confirmaram que o Piratini trabalha com o reajuste pela inflação, não pelo Fundeb.
“Não tem tesouro que cresça na mesma proporção”, havia dito Maria Eulária, em referência aos 22% de reajuste que o piso terá se for adotado o critério do Fundeb. Na ocasião, João Motta também reiterou as projeções do governo. “Essa discussão ainda não está definitivamente resolvida. No momento, trabalhamos com o INPC. Assim que sair uma posição (do governo federal) nos manifestaremos”, comentou.
Para o secretário estadual de Educação, José Clóvis de Azevedo (PT), calcular o reajuste com base no custo por aluno do Fundeb é “irreal” e não encontra parâmetros na economia do país. “O cálculo do valor total do Fundeb dividido pelas matrículas tende a gerar um índice cada vez maior, completamente contraditório com o crescimento da economia. Nenhuma economia cresce a índices tão elevados, esse cálculo é irreal”, entende o secretário.
Para José Clóvis, “o INPC dialoga com o crescimento real da economia”. Apesar das conjecturas, o petista evita comentar que critério será adotado pelo governo na elaboração de um calendário para o pagamento do piso ao magistério. “Temos a intenção de elaborar esse cronograma e apresentá-lo nos próximos dias, mas isso depende de vários ajustes. Temos que ver a perspectiva do indexador”, desconversa.

“Qualquer coisa diferente do que reza a lei resulta no não cumprimento do piso”, alerta Cpers

Rejane de Oliveira cobra aplicação integral da lei do piso | Ramiro Furquim/Sul21

O sindicato dos professores da rede pública gaúcha está atento para o calendário de pagamento do piso nacional que o governo estadual promete divulgar nos próximos dias. Para o Cpers, o cronograma precisa levar em consideração o que diz a lei – ou seja, que os reajustes terão como base o preço por aluno do Fundeb.
“Queremos o cumprimento da lei, foi isso que o governo prometeu para a categoria. Qualquer coisa diferente do que reza a lei resulta no não cumprimento do piso”, alerta a presidente da entidade, Rejane de Oliveira.
Ela lembra que o sindicato reivindica a apresentação do calendário desde que o governador Tarso Genro tomou posse. E garante que a categoria está pronta para negociar, inclusive em cima de uma proposta já consolidada pelo sindicato e que será apresentada durante a assembleia-geral do dia 2 de março, que será realizada na Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini. “Se o governo tem disposição de elaborar um calendário, podemos sentar para discutir”, assegura Rejane.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Zona do euro emprestará € 130 bi para Grécia, mas impõe novos controles


Christina Kekka
Sindicatos que representam mais de 1 milhão de trabalhadores convocaram protestos para esta quarta-feira | Foto: Christina Kekka/Flickr

Da Redação do SUL21

O Parlamento da Grécia votará nesta quarta-feira (22) uma série de medidas de austeridade exigidas pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como condição para ter acesso ao segundo resgate, de € 130 bilhões, que permitirá ao país evitar a inadimplência e a moratória imediata.
A votação acontece em meio à crescente oposição à ingerência da UE no país e a uma queda sem precedentes na popularidade dos dois principais partidos, o conservador Nova Democracia e o socialista Pasok, que se comprometeram a atender as exigências dos credores internacionais.
Para garantir o montante de € 130 bilhões, Atenas terá que ceder parte de sua soberania e aceitar uma supervisão permanente pela chamada “troika” (um trio formado por Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu). O acordo também prevê a suspensão de 53% dos títulos da dívida soberana grega que estão nas mãos de credores privados – o que equivale a € 107 bilhões.
As últimas negociações duraram mais de 13 horas e foram sacramentas pelo primeiro-ministro Lukas Papademos, membros do Instituto Internacional de Finanças (IIF) – que representa os credores privados e com autoridades que fazem parte da “troika”.
Protestos contra pacote de austeridade
As duas principais centrais sindicais, que representam mais de 1 milhão de trabalhadores, convocaram protestos na tarde desta quarta-feira (22) em Atenas e Tessalonica. Novos cortes nos salários e nas pensões motivaram a jornada de mobilização chamada pelas centrais sindicais GSEE e ADEDY. Prognósticos apontam que Atenas ainda terá de diminuir os salários em 15% nos próximos três anos, além dos 30% já reduzidos desde 2009.
Diante deste contexto, a líder do Partido Comunista, Aleka Papariga, chamou os cidadãos gregos a sair às ruas para protestar contra o plano de austeridade, que considera “medieval”. “Medidas bárbaras, implementadas para a salvação do país, tornaram miseráveis as vidas de trabalhadores e famílias de baixa renda”, criticou Papariga.
A Confederação Geral de Trabalhadores Gregos (GSEE) também lançou comunicado à imprensa. “Os trabalhadores de nosso país se negam a aceitar a barbaridade de duras medidas neoliberais impostas por nossos credores com extorsões”, afirmou o GSEE em nota.
Cortes no orçamento
Para ter acesso ao pacote de ajuda financeira, a Grécia terá que aprovar novas legislações com o objetivo de cortar orçamento. Nesta quarta-feira (22), o Parlamento deve debater as reformas no sistema de saúde, a fim de cortar custos em até € 1 bilhão em 2012, tomando medidas como a fusão de vários hospitais.
Os parlamentares têm também até o fim do mês para aprovar outra série de cortes de gastos de mais de € 3 bilhões. Também foi pedido que o país altere sua Constituição para garantir que a prioridade seja para os pagamentos de sua dívida. Isso exigiria uma emenda na Constituição, possível apenas com o apoio de três quintos dos parlamentares, o que a coalizão governista possui atualmente.
Agência de risco rebaixa Grécia
A agência de classificação de risco Fitch rebaixou nesta quarta-feira (22) a nota de crédito da Grécia, de CCC para C, alegando que uma moratória na dívida do país é “altamente provável”. A nota dada por agências de classificação, cujo nível máximo é AAA, é vista como um indicativo da capacidade dos países em honrar suas dívidas.
Esquerda diz que povo grego não aceitará acordo com União Europeia
A coalizão grega de esquerda Syriza, que alcançou entre 10% e 12% dos votos nas últimas eleições da Grécia, divulgou nesta quarta-feira (22) uma carta aberta onde repudia os acordos entre o governo de Papademos e instituições como a União Europeia e o FMI. É a primeira vez que um grupo político grego fala abertamente em não aceitar os termos do acordo entre o governo grego e as instituições financeiras europeias e internacionais.
Abaixo, a íntegra da nota, assinada pelo presidente do partido, Alexis Tsipras:
Senhoras e senhores,
Estou enviando essa carta para alertá-los de uma questão de ordem democrática de fundamental importância para a Grécia. Esta questão tem a ver com os compromissos assumidos nos últimos dois dias pelo governo de Papademos, liderado pelo senhor Loukas Papademos. Permitam-me recordar que esse governo não foi eleito, não conta com apoio popular e tem consistente e conscientemente atuado contra a vontade do povo da Grécia. Este governo não dispõe da legitimidade democrática para conduzir esse país e seu povo pelos anos e pensando nas gerações que virão. Este déficit de legitimidade está em conflito com a rica tradição democrática de nosso país. Caso isso tenha continuidade, estará aberto um mau precedente para a Grécia e para a Europa como um todo, já que possuímos, acima de tudo, uma herança comum de tradições políticas e democráticas, que deveria ser respeitada. Por maior que seja a gravidade das circunstâncias correntes – e sobre as quais há espaço para uma divergência de opinião – elas não devem, em hipótese alguma, neutralizar a democracia. A falta de legitimidade do governo Papademos se evidencia nos fatos a seguir:
1. Os dois partidos políticos que dão suporte e participam do governo não possuem uma procuração popular para vincular a Grécia a tratados e acordos desta natureza. Seus representantes foram eleitos na última eleição nacional em outubro de 2009, baseados em um programa de governo completamente divergente das políticas seguidas pelo governo anterior de Papandreou, bem como das políticas que vem sendo negociadas com a União Europeia, o Troika * e o Fundo Monetário Internacional. Os dois partidos que constituem o atual governo têm uma história bem registrada de saque aos recursos públicos e são responsáveis pela atual situação econômica do país.
2. O povo da Grécia vem sendo sistematicamente desinformado e enganado a respeito da intensidade e duração das medidas de austeridade, desde sua primeira aplicação em 2010. Como consequência, foi suprimida a estabilidade política da Grécia. Além disso, o reconhecimento generalizado – dentro de nosso país e fora dele – do evidente fracasso dessas medidas em enfrentar com sucesso os problemas fiscais que elas deveriam resolver, no decorrer dos últimos dois anos e no período de cinco anos de recessão mais e mais profunda, legitimou ainda mais a demanda por uma mudança política, de forma a restaurar um crescimento econômico socialmente justo e a partir dele uma perspectiva de racionalização fiscal.
3. Mais especificamente: o governo não-eleito de Papademos fornece não mais do que um mínimo de informação, às vezes de conteúdo enganoso, a respeito dos acordos que negocia em segredo. O governo nao deu início, ou permitiu que tivesse início, a qualquer discussão pública e informativa sobre os compromissos de longo prazo e extrema gravidade que virão. A Democracia Grega foi desta forma privada do direito protegido pela Constituição de uma avaliação detalhada das consequências do acordo assinado. O assim chamado “plano de austeridade” foi votado por meio de um procedimento de emergência encaminhado com extrema rapidez, apreciado em uma única sessão parlamentar em pleno domingo. O principal objetivo dessa sessão foi demandar do governo carta-branca em um projeto praticamente em branco, que poderá comprometer nosso país pelos anos que virão.
4. Ainda que não tenha sido fornecida nenhuma informação sobre os acordos, seu conteúdo parece ser no sentido de colocar em risco as próximas gerações do povo grego. Para comprometimentos desta ordem, qualquer governo deveria ao menos demandar um delegação popular renovada de forma transparente.
5. Ainda que não haja informação sobre as movimentações do governo, a vontade do povo grego, expressa de numerosas e variadas formas, é quase unânime na oposição a essas ações. Especificamente, durante os últimos dois anos o povo da Grécia tem manifestado em todo o país sua insatisfação com as políticas gregas, dentre outros meios, através de repetidas greves gerais e manifestações, ocupações, envio de cartas, mensagens eletrônicas e outras formas de comunicação direta com membros do Parlamento. O governo grego não apenas escolheu ignorar a voz de seu povo como tentou, de fato, sufocá-la, até mesmo de forma violenta às vezes, de modo a dar continuidade, de forma antidemocrática, às políticas que se mostraram desastrosas para a economia e para a sociedade gregas.
Por todas as razões acima, eu notifico vocês que o povo grego, tão logo consiga restaurar seu direito de expressar democraticamente sua vontade e retome o controle de suas instituições democráticas, irá, com toda a probabilidade, recusar reconhecimento ou concordância aos acordos que o atual governo planeja consentir. Especificamente, o povo grego não aceitará qualquer perda de soberania, intervenção estrangeira em assuntos internos da Grécia ou vendas em larga escala de companhias públicas, terrenos ou outros ativos, que o atual governo se prepara para aceitar…
Alexis Tsipras
Presidente do grupo parlamentar SYRIZA

* “Troika” é uma expressão grega que engloba as três principais instituições financeiras internacionais atuando sobre os destinos da economia grega – a Comissão Europeia (EC, órgão regulador da União Europeia), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central europeu.

Com informações da Down Jones, BBC Brasil, Reuters e Efe

As duas faces do Estado

É possível falar em nome do bem público, do que é o bem público, e, ao mesmo tempo, apropriar-se dele. Esse é o princípio do “efeito Janus”: há pessoas que possuem acesso ao privilégio do universal, mas não é possível ter o universal sem ao mesmo tempo monopolizar o universal
por Pierre Bourdieu no  LeMondeDiplomatique


Descrever a gênese do Estado é descrever a gênese de um campo social, de um microcosmo social relativamente autônomo no interior de um mundo social abarcador, onde se joga um jogo particular, o jogo político legítimo. Um exemplo é a invenção do Parlamento, lugar onde os problemas que opõem grupos de interesses conflitantes são alvo de debates públicos realizados segundo formatos e regras específicas. Marx analisou apenas os bastidores: o recurso à metáfora do teatro, à teatralização do consenso, mascara o fato de que existem pessoas que manipulam os cordéis das marionetes, e que as verdadeiras apostas, os poderes de fato, estão em outro lugar. Retomar a gênese do Estado é retomar a gênese do campo onde a política se desenrola, se simboliza, se dramatiza em suas formas características.
Entrar nesse jogo do político legítimo, com suas regras, é ter acesso à fonte progressivamente acumulada do “universal”, à palavra universal, às posições universais a partir das quais é possível falar em nome de todos, do universum, da totalidade de um grupo. É possível falar em nome do bem público, do que é o bem público, e, ao mesmo tempo, apropriar-se dele. Esse é o princípio do “efeito Janus”: há pessoas que possuem acesso ao privilégio do universal, mas não é possível ter o universal sem ao mesmo tempo monopolizar o universal. Há um capital do universal. O processo constitutivo dessa instância de gestão do universal é inseparável do processo de constituição de uma categoria de agentes que se apropriam desse universal.
Tomo um exemplo do âmbito da cultura. A gênese do Estado é um processo ao longo do qual se dá uma série de concentrações de diferentes formas e recursos: concentração da informação (relatórios, estatísticas com base em pesquisas), de capital linguístico (oficialização de uma língua como idioma dominante, de forma que as outras línguas de um território nacional passem a figurar como formas depravadas, desviadas ou inferiores à dominante). Esse processo de concentração se dá junto ao processo de desapropriação: constituir uma cidade como capital, como local onde se concentram todas as formas do capital,1 é relegar o Estado e o resto do país à desapropriação do capital; constituir uma língua legítima é relegar todas as outras à condição de patoás.2
A cultura legítima é a cultura garantida pelo Estado, garantida por essa instituição que garante os títulos de cultura, que entrega diplomas cuja função é validar a possessão de uma cultura garantida. Os programas escolares são questão de Estado; modificar um programa é modificar a estrutura de distribuição do capital, é definhar certas formas de capital. Por exemplo, suprimir o latim e o grego do ensino é devolver ao poujadismo toda uma categoria de pequenos portadores de capital linguístico. Eu mesmo, em todos os meus trabalhos anteriores sobre a escola, nunca deixei de lado completamente o fato de que a cultura legítima é a cultura do Estado...
Essa concentração é, ao mesmo tempo, uma unificação e uma forma de universalização. Onde havia o diferente, o disperso, o local, passa a figurar o único. Com Germaine Tillion, comparamos as unidades de medida em diferentes povoados cabilas em um raio de 30 quilômetros: as variações correspondiam ao próprio número de vilarejos, cada um com suas particularidades. A criação de unidades de medida nacionais e estatais é um progresso em direção à universalização: o sistema métrico é um padrão universal que supõe consenso, do latim consensus, “concordância” ou “conformidade”. Esse processo de concentração, de unificação, de integração é acompanhado de um processo de desapropriação, porque todos os saberes e competências associados ao local passam a ser desqualificados.
Dito de outra forma, o próprio processo pelo qual se constitui a universalidade vem acompanhado da concentração da universalidade. Há aqueles que querem o sistema métrico (os matemáticos) e aqueles que remetem ao local. O próprio processo de constituição de padrões comuns é inseparável da conversão desses padrões comuns em capital monopolizado por aqueles que possuem o monopólio da luta pelo monopólio do universal. Todo esse processo – constituição de um campo, autonomização do campo em relação a outras necessidades; constituição de uma necessidade específica em relação à necessidade econômica e doméstica; constituição de uma reprodução específica de tipo burocrática, específica em relação à reprodução doméstica, familiar; constituição de uma necessidade específica em relação à necessidade religiosa – é inseparável do processo de concentração e constituição de uma nova forma de recursos que passam a fazer parte do universal, ou de um grau de universalização superior aos que existiam antes. Passou-se do pequeno mercado local ao mercado nacional, seja no aspecto econômico ou simbólico. A gênese do Estado é, em suma, inseparável da constituição do monopólio do universal, e o exemplo por excelência desse processo é a cultura.
Todos os meus trabalhos anteriores podem ser resumidos da seguinte forma: essa cultura é legítima porque se apresenta como universal, oferecida a todos porque, em nome dessa universalidade, podemos eliminar sem medo aqueles que não estão nela inseridos. Essa cultura, que aparentemente une, mas em realidade divide, é um dos grandes instrumentos de dominação porque pressupõe monopólio, monopólio terrível porque não podemos acusá-la de privada (pois é universal). A cultura científica leva esse paradoxo ao extremo. As condições da constituição desse universal, de sua acumulação, são inseparáveis da condição de existência de uma casta, de uma nobreza estatal, de “monopolizadores” do universal. A partir dessa análise, fala-se em universalizar as condições de acesso ao universal. Está por definir-se, contudo, como levar adiante esse projeto: é necessário desapropriar os “monopolizadores”? Não é exatamente por esse lado que se deve buscar a resposta.
Termino com uma parábola para ilustrar o que disse sobre método e conteúdo. Há trinta anos, em uma noite de Natal, fui a um pequeno vilarejo nos confins de Béarn para assistir a um pequeno baile camponês.3 Alguns dançavam, outros não; algumas pessoas, mais velhas que outras, com estilo camponês, não dançavam, conversavam entre elas e se entretinham para justificar o fato de estar ali sem participar do baile, para justificar a presença insólita. Deveriam ser casados, porque quando se é casado, não se dança mais. O baile é um desses lugares de intercâmbio matrimonial: é o mercado dos bens simbólicos matrimoniais. Havia um alto índice de homens solteiros: 50% dos que tinham entre 25 e 35 anos.
Tentei encontrar um sistema explicativo para esse fenômeno: é que antes havia um mercado local protegido, não unificado. Quando o chamado Estado se constitui, ocorre a unificação do mercado econômico ao qual o Estado contribui com sua política e a unificação do mercado de trocas simbólicas, ou seja, o mercado das posturas, das maneiras, das vestimentas, da pessoa, da identidade, da apresentação. Essas pessoas tinham um mercado protegido, local, sobre o qual tinham controle, o que permitia certa endogamia organizada pelas famílias. Os produtos do modo de reprodução camponês tinham lugar nesse mercado: eram vendáveis e tinham equivalentes, pares.
Na lógica do modelo que evoquei, o que aconteceu no baile é resultado da unificação do mercado de trocas simbólicas: o paraquedismo da pequena cidade vizinha que ganhava espaço no cenário regional era um produto desqualificante, pois aumentava a concorrência com o camponês. Dito de outra forma, a unificação do mercado, que pode ser apresentada como um progresso, de todos os modos para as pessoas que imigram – as mulheres e todos os dominados –, pode ter um efeito libertador. A escola transmite uma postura corporal diferente, outras formas de se vestir, de se comportar etc.; e o estudante tem um valor matrimonial nesse novo mercado unificado, enquanto o camponês é visto como desclassificado. A ambiguidade do processo de universalização está concentrada ali. Do ponto de vista das camponesas do vilarejo – que se casam com um “futuro” –, o matrimônio pode ser a porta de acesso ao universal.
Mas esse grau de universalização superior é inseparável do efeito de dominação. Recentemente, publiquei um artigo, espécie de releitura de minha análise sobre o celibato em Béarn na época, cujo título, algo jocoso, é “Reprodução proibida”.4 Demonstro que a unificação do mercado tem por efeito a interdição da reprodução biológica e social de toda uma categoria de pessoas. Na mesma época, trabalhei sobre um material encontrado por acaso: o registro das deliberações comunitárias de um pequeno vilarejo de duzentos habitantes durante a Revolução Francesa. Nessa região, os homens votavam por unanimidade. Mas chegaram decretos impondo o voto por maioria simples. Eles deliberaram, houve resistência e o vilarejo se dividiu em um campo e outro campo. Pouco a pouco, a maioria se impôs: ela teve por trás o universal.
Houve grandes discussões ao redor desse problema suscitado por Tocqueville em relação à continuidade/descontinuidade da Revolução. Mas a questão permanece um verdadeiro problema histórico: qual é a força específica do universal? Os processos políticos desses camponeses de tradições milenares e coerentes foram abalados pela força do universal, como se eles tivessem de se inclinar a uma lógica mais forte: a da cidade, com seus discursos explícitos, metódicos e não práticos. Os camponeses tornaram-se, então, provincianos, locais. As deliberações passam a outras instâncias e aparecem fórmulas como “O prefeito decidiu que...”, “O conselho municipal se reuniu e...”. A universalização tem como efeito reverso a desapropriação e a monopolização. A gênese do Estado é a gênese do lugar da gestão do universal e ao mesmo tempo do monopólio do universal e de um conjunto de agentes que participa do monopólio de uma coisa que, por definição, é da ordem do universal.


Ilustração: Daniel Kondo

1 Essa relação entre o capital e a capital foi posteriormente desenvolvida por Pierre Bourdieu em “Effets de lieu” [Efeitos de lugar], La misère du monde [A miséria do mundo], Seuil, Paris, 1993, p.159-167.
2 Sobre a língua legítima e o processo correlativo da desapropriação, ver a primeira parte de Pierre Bourdieu, Langage et pouvoir symbolique [Linguagem e poder simbólico], Seuil, Paris, 2001, p.59-131.
3 Ver a descrição dessa “cena inicial” no início de Pierre Bourdieu, Le bal des célibataires. Crise de la société paysanne en Béarn [O baile dos solteiros.Crise da sociedade camponesa em Béarn], Seuil, Paris, 2002, p.7-14.
4 Pierre Bourdieu, “Reproduction interdite. La dimension symbolique de la domination économique” [Reprodução proibida. A dimensão simbólica da dominação econômica], Études Rurales, n.113-114, 1989, p.15-36, retomada em Le bal des célibataires, op.cit., p.211-247.

Anonymous e a guerra de informação digital


Um católico que, no dia 5 de novembro de 1605, quase conseguiu fazer voar pelos ares o Parlamento inglês com 30 quilos de pólvora, com o rei James I dentro, é o rosto oficial de uma nova revolta ocidental. Sem se encaixar em um rótulo tradicional, Anonymous realiza a sua maneira o desejo não confesso de muitos cidadãos do planeta: colocar uma pedra na engrenagem da perfeição ultraliberal, abrir a cortina de sociedades ultrapoliciais que só protegem os interesses do poder. O artigo é de Eduardo Febbro.


Paris - Guy Fawkes nunca pensou que sobreviveria a tantos séculos, e menos ainda que, mais de quatrocentos anos depois de suas andanças, a máscara que o representa se converteria em pleno século XXI no emblema daqueles que – desde os indignados até os guerreiros digitais do Anonymous, passando por toda a galáxia dos grupos antiglobalização – se opõem ferreamente à ordem de um mundo ultraliberal, depredador e indolente.

Este católico que, no dia 5 de novembro de 1605, quase conseguiu fazer voar pelos ares o Parlamento inglês com 30 quilos de pólvora, com o rei James I dentro, é o rosto oficial da revolta ocidental e, mais precisamente, o distintivo com o qual o grupo de hackers reunido sob a denominação de “Anonymous” se apresenta ao mundo. Suas ações já são parte da resistência permanente contra toda forma de violação de liberdade segundo os critérios com os quais Anonymous a entende.

Presente há vários anos na cena do hacking contestatório, Anonymous ganhou fama quando, em 2010, em plena ofensiva oficial contra o fundador do Wikileaks, Julian Assange, o grupo atacou as empresas multinacionais que tinham se somado ao boicote instrumentalizado pelo governo dos EUA contra todas as fontes de financiamento do Wikileaks: os portais de Amazon, PayPal, Visa, MasterCard e Postfinance, a filial dos serviços financeiros dos correios suíços, foram bloqueados pela operação Payback montada por Anonymous contra essas empresas que, sem ter nenhuma ordem judicial, trataram de impedir que o dinheiro chegasse a Wikileaks.

Era a primeira vez na história que se realizava uma ofensiva dessa magnitude não mais em nome do ciberanarquismo, mas sim em defesa de certa forma de liberdade.

Quem são e de onde vem esses valentes que ousaram penetrar as portas mais protegidas para ferir o coração do sistema? Frédéric Bardeau e Nicoals Danet, os autores de um destacado ensaio sobre Anonymous (“Anonymous: piratas informáticos ou altermundistas digitais?’), descrevem a influência desta galáxia sem hierarquia nem manual de instruções como “um movimento que modifica a relação de formas no interior da sociedade”.

De ação em ação, Anonymous instalou-se na paisagem política mundial e excedeu em muito a herança de seus pais culturais, a saber, toda a cultura contestatória norteamericana dos anos 70 perfeitamente representada por Stephen Wozniak, co-fundador da Apple, e Richard Stallman, o iniciador do projeto GNU.

Anonymous se plasmou em quatro operações muito ousadas. A primeira: os ataques contra a igreja da Cientologia, em 2008. A segunda: a ciberofensiva contra o escritório de advocacia Baylout, defensores dos direitos autorais da indústria do disco e do cinema nos Estados Unidos, e contra o portal da Motion Picture Association of America (MPAA), associação que o Anonymous persegue por suas “políticas excessivas” na proteção dos direitos autorais. Terceira: a intervenção a favor de Assange no que ficou conhecido como o primeiro episódio de uma autêntica guerra da rede. Coldblood, um dos porta-vozes do Anonymous, explicou então que a operação em defesa de Assange estava se convertendo em uma guerra, mas não uma guerra convencional. “É uma guerra de informação digital. Queremos que a internet siga sendo livre e aberta para todo mundo, como sempre foi”. O quarto episódio remonta ao dia 19 de janeiro, logo após o fechamento do site Megaupload e a prisão de seu criador, o multimilionário Kim Schmitz. Lançados dos quatro pontos cardeais do planeta, os ataques orquestrados por Anonymous bloquearam os portais do Ministério da Justiça dos EUA, da Casa Branca, da Warner, da Universal, do FBI, do organismo que supervisiona a internet na França, Hadopi, e a estrutura que administra os direitos de autor, a Sacem. Anonymous conseguiu inclusive penetrar no portal da presidência francesa e modificar as mensagens de boas vindas.

A quinta e última ação ocorreu há apenas alguns dias. Um grupo que se identificou como Anonymous divulgou a gravação de uma “reunião” telefônica entre o FBI e a polícia britânica, na qual se falava de ações contra os ciberativistas. Onde estão para conseguirem se meter nestas conversas tão íntimas? “Em todas as partes”, respondem Frédéric Bardeau e Nicolas Danet, os autores do ensaio sobre Anonymous. Estes dois especialistas observam que os Anonymous não são piratas propriamente, pois não roubam nada. Tampouco são “terroristas”, mas “um fenômeno muito mais vago cujo único fio condutor é a defesa da liberdade de expressão”. Bardeau e Nadet contam que, em certo momento, “a CIA tentou realizar um perfil dos simpatizantes de Anonymous: era tão indefinido que terminava apontando para a metade do planeta”.

Seu lema tornou-se realidade: “somos legião”. Neste sentido, Frédéric Bardeau destaca que os Anonymous não se enquadram em nenhum rótulo. “Não são nem anarquistas, nem sindicalistas revolucionários, nem marxistas. É um movimento pós-moderno, anônimo, planetário, descentralizado. Entre os Anonymous do Brasil, muito fortes e mobilizados contra a corrupção, e os da Áustria e Alemanha, todos antifascistas, não há unidade, mas sim denominadores comuns como a liberdade e a neutralidade da rede”. Diferentemente dos indignados ou de outros movimentos antiglobalização, Anonymous atua a partir do anonimato: não há partido político, nem fórum, nem cúpula, nem manifestação. Sua identidade física é a máscara de um militante católico britânico do século XVI e seus territórios são estes: irc.anonops.li, twitter@AnonOps, @AnonymousIRC, Facebook Anonymous, AnonOps.blogspot.com.

A origem do nome provém dos fóruns anárquicos 4chan. Neste portal norteamericano é fácil inscrever-se e cada participante recebe o pseudônimo de “Anonymous”. Estão em muitos lugares ao mesmo tempo, alguns são hackers aficionados, outros não, universitários, empregados, militantes de uma ou de muitas causas. Anonymous realiza a sua maneira o desejo não confesso de muitos cidadãos do planeta: colocar uma pedra na engrenagem da perfeição ultraliberal, abrir a cortina de sociedades ultrapoliciais que só protegem os interesses do poder. Nicolas Danet comenta que “Anonymous é um pouco como o voo dos pássaros migrantes. Formam uma massa que conhece o objetivo, mas um pássaro pode deixar o grupo a qualquer momento”. Os vídeos de Anonymous já são famosos, tanto pelo conteúdo como pela voz metálica que anuncia: “Somos legião. Não perdoaremos, não esqueceremos. Tenham medo de nós”.

Tradução: Katarina Peixoto

Posição do Partido Comunista Sírio face aos ataques imperialistas




Preparemos o nosso povo para qualquer eventualidade, incluindo a luta contra uma agressão militar. Estamos seguros de que, caso essa agressão se venha a concretizar, a Síria constituirá um cemitério para os agressores. O povo sírio possui um grande património nacional de luta contra o colonialismo.

A tropa de choque reaccionária é a organização dos Irmãos Muçulmanos que leva a cabo massacres em estreita aliança com o imperialismo
O movimento árabe de libertação nacional coloca-se na primeira linha contra o imperialismo global.
O imperialismo, e sobretudo a sua força de ataque que é o imperialismo estado-unidense, tem sofrido dolorosos golpes por parte das componentes do movimento árabe de libertação nacional: desde a resposta à agressão sionista de Israel no Líbano em 2006 até uma série de levantamentos populares contra os regimes árabes reaccionários fiéis aos Estados Unidos e que mantinham relações estreitas com o sionismo, como os regimes egípcio e tunisino, cujas cabeças tombaram, ainda que os povos egípcio e tunisino ainda tenham muito a fazer para aprofundar e desenvolver a sua libertação e a sua revolução nacional.
O imperialismo global tem hoje em curso um feroz contra ataque contra o movimento árabe de libertação nacional. Em termos de objectivos expansionistas, o rosto mais visível deste ataque é a agressão da NATO contra a Líbia, em plena coordenação com os regimes reaccionários árabes. Houve uma tentativa de encobrir esta agressão sob a fachada de mentiras e de falsos slogans como “difundir a democracia” e “direitos humanos”.
O objectivo principal desta violação da Líbia e o seu saque brutal é sublinhar a coesão do império, que vacila sob o impacto das derrotas e das frustrações sucessivas.
O mesmo pode afirmar-se em relação ao ataque crescente, perfeitamente programado, contra a Síria. Um país que tem uma posição clara contra o imperialismo e o sionismo e os seus planos de expansão regional, um país que apoia os movimentos de resistência e de libertação, ao contrário dos regimes árabes reaccionários, do oceano até ao Golfo. Os países imperialistas, tal como os regimes autocráticos traidores do Golfo, investem grandes recursos, utilizando os métodos mais ardilosos e sujos, para derrubar o regime anti-imperialista sírio.
Há muito que o Partido Comunista Sírio vem alertando sobre este perigo. No relatório político à XI Conferência do partido, realizada no mês de Outubro de 2010, afirma-se textualmente: “Está cada vez mais claro que este ataque contra a Síria – com as suas múltiplas vertentes de pressões políticas, ameaças militares, sabotagem económica e conspirações – pretende levar a cabo transformações radicais que mudem o rosto nacional da Síria, incluindo o derrube do actual regime, que assenta sobre uma ampla aliança nacional e cujo principal objectivo é proteger e reforçar a soberania nacional”.
No que diz respeito à situação actual na Síria devem ser destacados os seguintes aspectos:
- Os planos do imperialismo e da reacção interna para derrubar o regime anti-imperialista sírio por meio de amplas revoltas populares generosamente apoiadas pelos regimes reaccionários do Golfo fracassaram, porque a maioria das massas populares, sobretudo nas principais cidades do país, não se deixaram arrastar para esse caminho. Pelo contrário: em Damasco, Alepo e muitas outras cidades sírias houve manifestações maciças para condenar a conspiração e para clamar contra o imperialismo, o sionismo e os árabes reaccionários.
- Depois deste fracasso, as forças reacionárias optaram por novos e criminosos métodos, como os assassínios selectivos, em alguns casos matanças colectivas de carácter sectário, e acções de sabotagem (como colocar bombas em vias férreas e tentativas de incêndio em fábricas, em particular das que pertencem ao sector público). É de sublinhar que os assassínios selectivos têm sobretudo como alvo homens da ciência e da cultura (investigadores, médicos, etc.) bem como militares altamente especializados como os pilotos, de forma a enfraquecer a capacidade de defesa nacional. As matanças colectivas perpetradas pelos terroristas foram inteiramente indiscriminadas, sem poupar crianças, mulheres e velhos, com o objectivo de semear o ódio e de minar quaisquer perspectivas de estabilidade.
- Paralelamente à crescente pressão sobre a Síria, há muito exercida pelos Estados e centros imperialistas ou pelos regimes árabes reaccionários vinculados a esses centros, instrumentalizando a Liga dos Estados Árabes, os árabes reaccionários desenvolvem uma frenética actividade no sentido de proporcionar ao Conselho de Segurança e a outros órgãos da ONU um pretexto para assumir iniciativas de agressão com a cobertura da chamada legitimação árabe, que constitui uma completa falsidade. Para além disso, os regimes do Golfo têm vindo a apoiar generosamente todos os movimentos reaccionários que operam na Síria.
- A Turquia – que é o braço da NATO na região – desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de todo o tipo de pressões sobre a Síria, desde as pressões políticas às pressões económicas, até ao apoio directo às organizações terroristas armadas e ao acolhimento nesse país dos chefes dessas organizações.
O regime sírio tem aprovado numerosas leis e regulamentos visando a ampliação das liberdades democráticas no país. Mas esta abertura tem deparado com a rejeição dogmática por parte das forças reacionárias. Estas forças estão, em colaboração com os infiltrados pelo imperialismo e com o sionismo, a tentar derrubar o regime. Enquanto a Síria mantiver a sua posição anti-imperialista, os projectos de expansão imperialista para o Mediterrâneo Oriental não poderão ser plenamente concretizados, em particular o novo grande projecto para o Próximo Oriente ou, dito de outra forma, o grande projecto sionista.
A posição do Partido Comunista Sírio é clara: combater os planos imperialistas e apoiar o regime nacional e a sua posição anti-imperialista, assim como defender as reformas democráticas que, nas suas linhas gerais, se aproximam das indicações do programa do nosso partido em relação a essa matéria. Do mesmo modo, combater sem tréguas pela mudança da orientação económica neoliberal e toda a legislação em que se apoia. Não devemos nunca esquecer que foi essa orientação que abriu espaço para o trabalho subversivo das forças reacionárias. Com a rectificação dessa orientação, reforçar-se-á a posição anticolonial da Síria e o apoio das massas a esta política.
Quando analisamos a situação na Síria devemos ter em conta que as forças de oposição não constituem uma alternativa democrática. A tropa de choque reaccionária é a organização dos Irmãos Muçulmanos, que vem cometendo atrocidades em estreita aliança com o imperialismo e os árabes reaccionários, ao mesmo tempo que os liberais de todos os matizes são utilizados como cortina de fumo para ocultar essas forças obscurantistas.
Preparemos o nosso povo para qualquer eventualidade, incluindo a luta contra uma agressão militar. Estamos seguros de que, caso essa agressão se venha a concretizar, a Síria constituirá um cemitério para os agressores. O povo sírio possui um grande património nacional de luta contra o colonialismo. Não foi em vão que um dos mais inteligentes representantes do imperialismo francês, Charles de Gaulle, disse: “É uma ilusão pensar que é possível submeter a Síria”; sim “a Síria não ajoelha”.