sexta-feira, 12 de julho de 2013

A arte cínica de fazer o povo de bobo


Ao longo dos tempos, uma pequeno grupo sempre tenta apresentar como interesse público o que é interesse privado.
Filipinos massacrados por forças americanas há pouco mais de 100 anos
Filipinos massacrados por forças americanas há pouco mais de 100 anos
O texto abaixo é uma condensação de um ensaio intitulado “Consentimento sem consentimento: a teoria e a prática da democracia”, de um dos maiores intelectuais modernos, o americano Noam Chomsky. O Diário chama a atenção especial para um trecho em que Chomsky fala, apoiado em documentos confidenciais americanos,  do golpe militar no Brasil em 1964.
UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA decente deveria ser baseada no princípio do consentimento dos governados. Essa idéia ganhou aceitação geral, mas pode ser contestada tanto por ser muito forte quanto por ser muito fraca. Muito forte, porque sugere que as pessoas devem ser governadas e controladas. Muito fraca, porque mesmo os governadores mais brutais precisam, em certa medida, do consentimento dos governados,  e geralmente o obtêm não apenas à força.
Estou interessado aqui em como as sociedades mais livres e mais democráticas têm tratado tais problemas. Durante anos as forças populares têm procurado obter uma fatia maior na administração de seus interesses, com algum sucesso ao lado de muitas derrotas. Entretanto, desenvolveu-se um corpo de pensamento para justificar a resistência da elite à democracia.
Essas questões foram tratados há 250 anos por David Hume em obra considerada clássica. Hume estava intrigado com “a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos e a submissão implícita com que os homens cedem os seus destinos aos seus governantes”. Achava tal fato surpreendente, pois “a força sempre está do lado dos governados”.  Se as pessoas se dessem conta disso, sublevar-se-iam e derrubariam seus governantes. Chegou à conclusão de que o governo está baseado no controle de opinião.
Os governados têm o direito de consentir, mas nada mais além disso. A população é deespectadores, e não de participantes. Assim é a arena política. A população deve ser inteiramente excluída da arena econômica, na qual em grande parte se determina o que acontece na sociedade.
Tais questões só ganharam força especial a partir do primeiro levante democrático na Inglaterra do século XVII. A agitação da época é freqüentemente descrita como um conflito entre Rei e Parlamento, mas na verdade parte significativa da população não queria ser governada por qualquer dos concorrentes ao poder, mas “por cidadãos como nós, que conhecem nossas necessidades, e não por fidalgos e cavalheiros, que desconhecem as necessidades do povo e irão somente nos oprimir”, como declaravam em seus panfletos.
Tais idéias perturbaram os homens da melhor qualidade, como eles mesmos se intitulavam. Estavam preparados para conceder direitos ao povo, mas dentro de limites e ancorados no princípio de que “por povo não queremos dizer a ralé confusa e ignorante”, explicavam.
Mas como esse princípio fundamental da vida social poderia ser reconciliado com a doutrina do consentimento dos governados, doutrina que já não era então fácil de ser suprimida?
Uma solução para o problema foi proposta por Hutcheson, famoso filósofo moral contemporâneo de Hume. O filósofo argumentava que o princípio do consentimento dos governados não é violado quando os governantes impõem planos que são rejeitados pelo público, se mais tarde as massas “estúpidas e preconceituosas” consentirem calorosamente com o que foi feito em seu nome. Podemos adotar o princípio do consentimento sem consentimento.
Este ponto foi aprimorado nos Estados Unidos. Na Guerra das Filipinas, a imprensa afirmou que o americano estava massacrando os nativos à moda inglesa. Para dar a isso um tom adequadamente civilizado, um ensaísta americano engendrou seu próprio conceito deconsentimento sem consentimento: “Se em anos vindouros [o povo conquistado] vier a admitir que a disputa fora pelo mais alto interesse de todos, será possível sustentar razoavelmente que a autoridade foi imposta com o consentimento dos governados, da mesma forma quando um pai impede a criança de correr para uma rua movimentada”.
A enorme indústria de Relações Públicas tem se dedicado ao controle da mente pública, como os líderes do mundo dos negócios descrevem a tarefa.
Alguns anos depois de Hume e Hutcheson os descreverem, os tumultos da massa popular na Inglaterra estenderam-se às colônias rebeldes da América do Norte. Os Pais da Pátria (Founding Fathers) também se sentiram perturbados, como os britânicos da melhor qualidade e quase com as mesmas palavras. Como um deles disse: “Quando menciono o público, eu quero dizer que aí incluo só a parte racional. O vulgar ignorante é tão incapaz de julgar os modos [do governo] como é incapaz de manejar suas rédeas”.
“O povo é uma grande besta que precisa ser domada”, declarou Alexander Hamilton. Fazendeiros rebeldes e independentes tinham de ser ensinados, às vezes à força, que os ideais dos panfletos revolucionários não deveriam ser levados demasiadamente a sério. O povo comum não poderia ser representado por cidadãos como eles mesmos [do povo], que sabem de suas agruras, mas por homens responsáveis.
Hamilton: "O povo é uma besta"
Hamilton: “O povo é uma besta”
A doutrina reinante foi expressa claramente por John Jay, presidente da Corte Suprema e do Congresso: “As pessoas que possuem o país deveriam governá-lo”. Resta uma questão: quem é o dono do país?
Os Estados Unidos são certamente o caso mais importante para se analisar, se quisermos entender o mundo de hoje e de amanhã. Uma razão é o seu poder incomparável. Outra, as suas instituições democráticas estáveis. Ao estudar história, não se pode construir experimentos, mas os Estados Unidos estão tão próximos quanto possível de um caso ideal de democracia capitalista de Estado.
O seu principal designer foi um astuto pensador político: James Madison. Madison salientou, nos debates sobre a Constituição, que se as eleições na Inglaterra “fossem abertas a todas as classes da população, o patrimônio dos proprietários de terra seria inseguro”. Uma lei agrária logo teria lugar, “dando terra aos sem-terra”. A responsabilidade primeira do governo é “proteger a minoria dos opulentos contra a maioria”, declarou Madison.
Madison previu que a ameaça da democracia provavelmente se tornaria mais aguda com o tempo devido ao aumento na “proporção daqueles que trabalham sob todas as agruras da vida e, secretamente, desejam uma distribuição mais eqüitativa de suas bênçãos”. Madison temia que esse contingente pudesse se tornar influente. Ele estava preocupado com os “sintomas de um espírito de nivelamento”, que já aparecera e advertiu sobre o “perigo futuro”, se o direito de voto colocasse o “poder sobre a propriedade nas mãos dos que não tinham parte nela”. Não se pode esperar que “aqueles sem propriedade ou com esperança de adquiri-la concordem suficientemente com seus direitos”, explicou Madison. Sua solução era manter o poder político nas mãos daqueles que “procedem da e representam a riqueza da nação, o conjunto de homens mais capazes”, em suas palavras, com o povo fragmentado e desorganizado.
O problema do espírito de nivelamento surge também no exterior, naturalmente. Aprendemos um bocado sobre a teoria democrática realmente existente, vendo como tal problema é percebido, especialmente em documentos internos secretos, nos quais os líderes podem ser mais francos e mais abertos.
Tomem o exemplo importante do Brasil, o colosso do Sul. Em visita realizada ao país em 1960, o presidente Eisenhower  assegurou aos brasileiros que “o nosso sistema de empreendimento privado socialmente cônscio beneficia o povo todo, donos e trabalhadores igualmente. Em liberdade, o trabalhador brasileiro fica feliz, com as alegrias da vida dum sistema democrático”.
Mas os brasileiros reagiram rispidamente às boas novas trazidas pelos seus tutores do norte. As elites latino-americanas são “como crianças”, informou o secretário de Estado John Foster Dules ao Conselho Nacional da Segurança, “praticamente sem capacidade para autogoverno”. Pior ainda, os Estados Unidos estão “muito mais atrasados que os soviéticos no controle sobre as mentes e emoções de povos não-sofisticados”.
Os generais Geisel e Figueiredo: os Estados Unidos estavam por trás da ditadura militar
Os generais Geisel e Figueiredo: os Estados Unidos estavam por trás da ditadura militar
Em outras palavras, achavam difícil induzir as pessoas a aceitar a doutrina americana de que os ricos devem pilhar os pobres, um problema de relações públicas ainda não resolvido.
O governo Kennedy enfrentou o problema mudando a missão das Forças Armadas da América Latina, que era de defesa hemisférica, para segurança interna, decisão que gerou conseqüências fatais, a começar pelo golpe militar no Brasil. As Forças Armadas brasileiras tinham sido consideradas por Washington como uma ilha de sanidade no país, e o golpe foi saudado pelo embaixador de Kennedy, Lincoln Gordon, como uma rebelião democrática.
“É a única vitória mais decisiva da liberdade na metade do século XX”, disse ele. Economista pela Universidade de Harvard, Gordon acrescentou que a vitória deveria “criar um clima muito melhor para investimentos privados”, dando uma visão mais aprofundada do sentido dos termos liberdade e democracia. Proteger o investimento privado dos Estados Unidos e o comércio é a raiz econômica que está no âmago do interesse político dos Estados Unidos na América Latina.
O exposto foi extraído de documentos secretos. O discurso público é, naturalmente, bem diferente. Se nos ativermos a ele, entenderemos pouco sobre o significado real de democracia, ou sobre a ordem global dos anos passados, bem como sobre o futuro, uma vez que as mesmas mãos continuam segurando as rédeas.
O padrão continua hoje. A violadora campeã dos direitos humanos no hemisfério é a Colômbia, também a principal destinatária da ajuda e do treino militar dos Estados Unidos nos anos recentes. O pretexto usado é a guerra às drogas, mas isso é um mito, como regularmente relatam grupos de direitos humanos que têm investigado o chocante número de atrocidades e os laços estreitos entre traficantes de narcóticos, proprietários de terras, militares e paramilitares.  O terror estatal devastou organizações populares e virtualmente destruiu o único partido político independente, assassinando milhares de ativistas, inclusive candidatos à presidência. Não obstante, a Colômbia é saudada como uma democracia estável, revelando mais uma vez o que significa democracia.
Meus comentários sobre as raízes madisonianas dos conceitos predominantes de democracia foram injustos num aspecto importante. Assim como Adam Smith e outros fundadores do liberalismo clássico, Madison foi pré-capitalista, e anticapitalista em espírito. Esperava que os governantes fossem “estadistas iluminados” e “filósofos benevolentes”, cuja sabedoria saberia discernir os verdadeiros interesses de seu país.
Madison, porém, logo percebeu o contrário: a minoria opulenta prosseguiu usando seu recém-adquirido poder, como Adam Smith havia descrito alguns anos atrás. Eles estavam decididos a perseguir o que Smith chamou de máxima vil dos patrões: “Tudo para nós e nada para o povo”. Por volta de 1792, Madison advertiu sobre o crescente estado capitalista em evolução estar “colocando a motivação de interesse privado no lugar do dever público”, levando à “real dominação dos poucos sob a aparente liberdade dos muitos”.
“É a minoria inteligente de homens responsáveis que deve controlar a tomada de decisões”, afirmou em meados do século passado o jornalista Walter Lippmann, em seus influentes ensaios sobre democracia. Lippmann foi também a figura mais respeitada do jornalismo norte-americano e célebre comentarista de assuntos públicos durante meio século. “A minoria inteligente é uma classe especializada, responsável pelo estabelecimento da política e pela formação de uma sólida opinião pública”, postulou Lippmann. “Ela deve estar livre de interferência do povo, que é de estranhos intrometidos e ignorantes”.
O povo é tratado como palhaço
O povo é tratado como palhaço
O público tem de ser “posto no seu lugar”, continuou Lippmann: “sua função é ser espectador de ação e não de participante, a não ser em práticas eleitorais periódicas, quando ele escolhe entre a classe especializada“.
Ocupe Wall Street: a "besta" não se deixa domar
Ocupe Wall Street: a “besta” não se deixa domar
Na Enciclopédia de Ciências Sociais, Harold Lasswell, um dos fundadores da ciência política moderna, advertiu que “a minoria dos inteligentes” precisa reconhecer a “ignorância e estupidez das massas” e não “sucumbir aos dogmatismos democráticos de os homens serem os melhores juizes de seus próprios interesses. Eles não são os melhores juizes, nós é que somos. As massas precisam ser controladas para seu próprio bem, e em sociedades mais democráticas, nas quais a força não é disponível, os gerenciadores sociais precisam se voltar amplamente para uma técnica de controle completamente nova, grandemente através da propaganda”.
Mas a grande besta é difícil de ser domada. Repetidamente tem-se pensado que o problema foi resolvido e que o fim da história foi alcançado, numa espécie de utopia dos patrões.
Isso lembra um momento notável das origens da doutrina liberal no começo do século XIX, quando Ricardo e Malthus , entre outras grandes figuras da economia clássica, anunciaram que a nova ciência tinha provado, com a certeza das leis de Newton, que os pobres só eram prejudicados quando tentávamos ajudá-los; e o melhor presente que poderia ser oferecido às massas sofredoras seria libertá-las da ilusão de que têm direito à vida.
Perto da década de 1830 parecia, na Inglaterra, que tais doutrinas tinham vencido. Mas surgiu um problema imprevisto: as massas não-inteligentes começaram a inferir: “Se não temos o direito de viver, então vocês não têm o direito de governar”. O exército britânico teve de enfrentar tumultos e desordem, e logo uma ameaça ainda maior se esboçou, quando os trabalhadores começaram a se organizar exigindo leis de fábrica e legislação social para protegê-los.
Noam Chomsky
Noam Chomsky
Mais para o fim do século, parecia a muitos que a ordem havia sido restabelecida, embora alguns discordassem. O famoso artista William Morris ultrajou a opinião respeitável ao declarar-se socialista numa palestra em Oxford. Ele reconhecia que “era opinião aceita que o sistema competitivo, ou salve-se quem puder, é o último sistema de economia que o mundo verá; é um sistema perfeito e, portanto, a finalidade foi com ele atingida”. “Mas se realmente a história está no fim”, continuou ele, “então a civilização morrerá”.  Morris recusava-se a acreditar nisso, a despeito de proclamações confiantes dos homens mais doutos. Ele tinha razão, como as lutas populares o demonstraram.
Jamais houve e nem haverá motivo para acreditar que somos coagidos por leis sociais misteriosas e desconhecidas, e não por decisões simplesmente tomadas dentro de instituições sujeitas ao desejo humano – instituições humanas que têm de enfrentar o teste da legitimidade e que, se forem reprovadas, podem ser substituídas por outras, mais livres e mais justas, como freqüentemente ocorreu no passado.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Protesto! E o que proponho?


Foi preciso o Brasil ir às ruas para a presidente Dilma propor a reforma política, a primeira medida estrutural em 10 anos de governo petista. Agora faltam as demais: agrária, tributária, etc

Frei  Betto no BRASILDEFATO
Que conceito de desenvolvimento é esse que implica na destruição do meio ambiente e na exclusão de bilhões de pessoas do direito a uma vida digna e feliz?
No altar da concepção capitalista de desenvolvimento, 25 milhões de pessoas, a maioria jovens, são condenadas ao desemprego nos países da União Europeia.
Em todo o mundo, uma insatisfação paira no coração dos jovens. Ela não se reflete apenas na irreverência do corte de cabelo, no jeans esfarrapado, nas tatuagens e nos piercings. Emerge principalmente nas manifestações de rua que se propagam mundo afora: Seattle 1999 (contra a Organização Mundial do Comércio); Davos 2000 (contra os donos do dinheiro); Inglaterra 2010 (contra os cortes no orçamento da Educação); Tunísia 2010-2011 (derrubada do presidente); Egito  2011 (derrubada do presidente); Nova York 2011 (Occupy Wall Street); Istambul 2013 (por mais democracia); Brasil 2013.
Há um denominador comum em todos esses movimentos: os jovens sabem o que não querem (ditadura, neoliberalismo, desemprego, corte de direitos sociais, alta do custo de vida etc.), mas não têm clareza do que propor.
Devido ao alto índice de corrupção nos partidos políticos, e a cooptação operada pelo poder  do capital, a ponto de a esquerda desaparecer na Europa, a juventude não  identifica nos partidos condutos capazes de representar os anseios populares e criarem alternativas de poder.
Como previu Robert Michels em 1911, os partidos progressistas facilmente se deixam domesticar pelas benesses burguesas quando se tornam governo. Trocam o projeto de país pelo projeto de poder; afastam-se dos movimentos sociais e se aproximam de  seus antigos adversários; deixam de questionar o capitalismo para propor  medidas cosméticas de melhorias de vida dos mais  pobres.
A queda do Muro de  Berlim, o fracasso do socialismo no Leste europeu e o capitalismo de Estado na  China fazem o socialismo se apagar no horizonte utópico dos jovens.
Na esperança de abrir  alternativas, o Fórum Social Mundial propõe Um Outro Mundo Possível, e  a Teologia da Libertação resgata o sumak kawsay (bem viver) dos  indígenas andinos e sugere Outros Mundos Possíveis, no plural, no qual  a igualdade de direitos não ameace a diversidade de  culturas.
O capitalismo em crise tenta, de todas as maneiras, multiplicar os sete fôlegos do gato neoliberal. Ignora as recomendações da ONU para a crise financeira (como fechar os paraísos fiscais) e se recusa a regulamentar o capital especulativo.
No esforço de se perpetuar, o sistema da idolatria do capital propõe remendos novos em pano velho: capitalismo verde; combate à pobreza através de programas sociais  compensatórios (e não emancipatórios); troca da liberdade individual por  segurança; desprestígio dos movimentos sociais; criminalização do  descontentamento popular.
O óbvio é que o capitalismo representa um êxito para apenas 1/3 da  humanidade. Segundo a ONU, 4 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da  pobreza. O sistema se mostra mais destrutivo que criativo. Até os partidos  progressistas, outrora considerados de esquerda, já não têm proposta  alternativa e, quando no poder, se restringem a ser meros gestores da crise  econômica.
Foi preciso o Brasil ir às ruas para a presidente Dilma propor a reforma política, a primeira medida estrutural em 10 anos de governo petista. Agora faltam as demais: agrária, tributária, etc.
Não basta denunciar as mazelas e os abusos do sistema, como costuma fazer a Igreja Católica. É preciso apontar causas e alternativas. Caso contrário, a insatisfação dos jovens se transformará em revolta, e esta em ninho aconchegante para o ovo da serpente: o nazifascismo.
Frei Betto é escritor, autor  de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.

segunda-feira, 8 de julho de 2013



“Tudo que nos parecia sólido sumiu ao vento como nossos anelos”
(Macbeth – William Shakespeare)
por Arnóbio Rocha
Escrevi recentemente um artigo( Grampos nos EUA, Bem-vindos ao Estado Gotham City) sobre a questão do Senhor Edward Snowden e o tremendo embaraço que ele causa aos burocratas dos EUA, pois expôs ao mundo como o novo Estado, que denomino de Estado Gotham City, funciona, os interesses das corporações privadas e sua fusão com a burocracia estatal, agora sem o menor pudor ou algo que possa ocultar esta realidade.
O Estado Gotham City é a síntese da Crise 2.0, ele é, ao mesmo tempo, causa e resultado da maior crise do Capital desde 1929, uma crise que denomino de paradigmática, aquela que muda e aprofunda os controles do sistema. Do ponto de vista do Estado ele começa a ser forjado no final dos ano de 1970, com a Crise do Petróleo e das Dívidas externas no início dos anos de 1980. Precisamente com Reagan e Volcker(FED) o Goldman Sachs captura o Estado para sí e começa a determinar a ordem do capital financeiro.
Os 25 anos de longo domínio desta lógica de funcionar do Capital encontrou limites na Crise 2.0 e na resistência do velho Estado de Bem Estar Social, que trava a “liberdade” total de movimentos mundiais do Capital. A Crise é o problema-solução, toda uma nova ordem pode advir dela, inclusive a Revolução. Mas, descartada a Revolução de ruptura, o Capital faz a sua própria revolução, ou melhor, impõe uma dura mudança dentro do sistema que lhe mais favorece, em detrimento dos trabalhadores e da sociedade. A face mais visível é a repressão aberta, ou a sutil, a do controle de tudo que acontece na sociedade para melhor dominá-la.
A democracia passa a ser um “estorvo”, os velhos políticos ou as velhas formas de representação são tragados ao caos, esta aparente desordem esconde o “Novo”, um estado controlador, espião, policial que consegue galvanizar as revoltas não contra si, mas contra a própria democracia, vide Egito, Turquia e agora no Brasil. As massas perdidas gritando contra as instituições, contra os políticos, mas não contra o Estado. Aliás, este ganha força com as propostas de intervenções das “forças da Ordem” ou o surgimento de um Batman, de um herói que ajude a criar mais uma “máscara” e proteja o Estado Gotham City.
No meu livro, Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded, no Capítulo VI, trato da questão, além da crise em si, aponto os caminhos desta nova ordem Estatal, que busca esconder a ação do Estado com o ultraliberalismo, quase um semi-estado, mas na verdade é um Estado muito mais forte, de exceção, sem democracia, povo e representação. A horizontalidade exigida pelas multidões casa em essência com os desejos da burocracia, numa dominação de massas de forma eficaz, pois se suprime a representação e seus intermediários( Partidos, Sindicatos, Organizações) tidos como desmoralizados, tudo se diluí em “movimento” em “Redes”(M15, 5 S, Sustentável,Tea Party) e “Indignados”, facilitando enormemente a cooptação e o combate de ideias.
A inteligência se dispersa, os núcleos se dissolvem, pois o Estado parece que não é mais uma ação concreta, algo que se pensou antes, agora se materializa. A ilusão de que a informação era para todos, livre, na verdade ela é extremamente controlada, dosada, permitida, mas principalmente VIGIADA. A utopia de movimento horizontal é um mito tolo, os “chefes” , os  ”anonymus” são a ponta de lança da garantia deste novo Estado. Quando um agente sai da ordem, causa um razoável estrago, mas poucos se dão conta do que realmente Snowden nos disse e o que é a essência de sua mensagem, estamos todos DOMINADOS. Alguns brincam de “guerra fria”, como se fosse possível volta a roda da história.
O mundo está cada vez mais próximo de uma ordem neofascista, não nos moldes dos anos de 1930, mas num Estado forte, repressor, controlador de todas as atividades humanas, num aparente consenso autoritário, com as massas pedindo fim dos partidos, da democracia representativa e ao mesmo tempo da “ordem”. Abaixo republico o Capítulo VI do Livro, sendo a minha contribuição para a reflexão, para separar bem os que indignação positiva de coloboração direta, mesmo que involuntária.
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Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded

PARTE VI

O Estado Gotham City



Desde o início da série Crise 2.0, no blog, procurei levar ao espaço virtual os principais debates sobre as ações dos vários atores envolvidos no processo, suas visões de solução para a economia mundial. Acompanhei de forma sistemática declarações e discursos dos principais líderes políticos, dos economistas, assim como busquei ouvir o que diziam líderes oposicionistas, procurando entender a dinâmica da luta de classes neste momento agudo em que se abrem tantas possibilidades de saídas não clássicas – inclusive, a revolução.
Com este método, a série não apenas elenca os eventos, mas também rascunha teses sobre os diversos cenários que foram surgindo nestes 20 meses de trabalho. Umas das conclusões centrais a que cheguei foi a da mutação do Estado. Parte dela foi um insight conjunto com o companheiro Sergio Rauber. Identificamos que, no limite, alguns elementos desta mutação vieram com a Perestroica, que varreu os regimes do Leste europeu. A partir dos eventos da crise de 2005/2007 e a queda do “Muro de Wall Street”, o novo “Estado” se estabeleceu nos Estados Unidos e na União Europeia. A América Latina já havia passado por este ajuste nos anos 80/90.
Afinal, a Perestroica era uma construção do regime autoritário para se manter, o que era impossível à antiga URSS pelo baixo desenvolvimento tecnológico, pela economia estagnada, voltada para o setor de defesa. O Estado Perestroica era a “saída” que na China até se provou eficaz, pois os chineses fizeram a transição sem a Glasnost – que, efetivamente, derrubou politicamente o regime soviético. Do ponto de vista do Estado, a Perestroica se materializou com as privatizações selvagens, a redução do Estado de Bem-Estar Social da antiga URSS e do Leste europeu. Na própria burocracia, parte virou máfia, parte assumiu o controle das estatais.
Analisemos então a caminhada das democracias rumo a este Estado Gotham City, no qual os burocratas, via agências fundidas ao capital, não querem mais qualquer lembrança do Velho Estado do Bem-Estar Social.
A BURGUESIA REVOLUCIONÁRIA

No Século XVIII a burguesia revolucionária fez a Revolução Francesa para enterrar de vez o Estado Feudal, absolutista, centrado na figura do rei. Não que ela não quisesse um poder centralizado, apenas que não mais defendesse os antigos interesses feudais. A Inglaterra já fizera sua Revolução Burguesa bem antes, preservando o trono, tirando deste o poder determinante. A colônia inglesa também promovera sua revolução. O que havia de comum? A busca de um novo Estado, mais ainda, de um novo sistema econômico que suplantasse as formas feudais de economia.
Feita a revolução nos principais centros do mundo, o Século XIX nasceu sob a égide do capital, com a conquista do Poder Político, consequência do Poder Econômico já predominante. A burguesia então se dedicou a moldar seu Estado, a definir suas fronteiras, a construir nações e um novo mundo.
Internamente, o novo sistema já trazia a dualidade intrínseca da luta de classes: Capital vs Trabalho. A incipiente classe operária ainda imatura sofria sob a força bruta dos patrões burgueses. Submetidos a longas jornadas, com salários que mal davam para se reproduzir, os trabalhadores não tinham leis ou organizações sindicais fortes para defendê-los e organizá-los. Nem assim as crises deixavam de acontecer. Vinham com periodicidade bem definida, tendo seu maior vetor nas crises de escassez, em particular as de produção agrícola, o que levou Malthus a elaborar a famosa fórmula de que o capitalismo poderia ruir por escassez.
Marx rejeitou essa “crise de subconsumo” ou de “escassez” – a de 1846, por exemplo, na verdade era fruto de praga nas plantações –, demonstrando que as crises são associadas à superprodução de capital. A primeira grande depressão do capitalismo se deu entre 1873 e 1895. Violenta, a crise atingira em cheio Europa e Estados Unidos, com causas na Guerra Franco-Prussiana, como contam Martins e Coggiola:
“A crise originou-se na Áustria e Alemanha, países que experimentavam um intenso desenvolvimento industrial devido, em parte, às indenizações pagas pela França em virtude da guerra de 1871. Também o Estados Unidos sofreram mais violentamente seu impacto. Os altos dividendos da indústria alemã incrementaram a especulação, que se alastrou para as ferrovias e imóveis beneficiadas pela grande oferta de crédito. Subitamente, porém, os custos aumentaram e a rentabilidade começou a cair. Inicialmente a crise foi financeira e estourou em Viena, com a quebra da bolsa de valores, seguida de falências de bancos de financiamento austríacos, alemães e norte-americanos. Nos Estados Unidos, a depressão esteve ligada à crise da especulação ferroviária. A simultaneidade na aparição de dificuldades, tanto de um lado como de outro da Mancha e do Atlântico, ilustra a integração das economias industriais em matéria comercial e mais ainda em matéria de movimentos de capitais”.(…) “A crise abriu espaço para a crescente monopolização das economias nacionais e permitiu a intensificação da expansão imperialista, acirrando a tensão entre as grandes potências capitalistas”.
IMPERIALISMO E REVOLUÇÃO
Ali se preparava um Novo Estado, que Lênin analisou em seu “Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo”. O Estado se fortificava não apenas militarmente, mas no conjunto de instituições montadas para dar suporte à nova realidade do capital. A classe operária já era madura e forte, tendo enfrentado o capital com greves, a construção de sindicatos e de partidos de classe.
A guerra imperialista de 1914 eclodiu na Europa numa feroz disputa por mercado e territórios – a guerra é a expressão última do imperialismo. As forças estatais se concentram na indústria de guerra – uma nova indústria ou uma nova revolução industrial, impulsionada pela metalurgia, máquinas, carvão, petróleo, o que mudou radicalmente o mundo.
A revolução na Rússia, o elo mais frágil do imperialismo, abriu uma possibilidade histórica num país cheio de contradições: no campo, relações econômicas feudais e nas cidades uma classe operária minoritária, em parte dizimada na guerra e, depois, na defesa da revolução. Em meio ao caos econômico e social, em 1921 Lênin propôs a NEP, a Nova Política Econômica, em essência o Capitalismo de Estado sem burguesia – a chave da burocracia, que até explica a China atual.
No “mundo livre”, o Pós-Guerra trouxe profunda desagregação. A Alemanha foi praticamente destruída, pagando preço altíssimo pela guerra, mas sua ideia de domínio do mundo continuava no ar. A segunda grande depressão do capital aconteceu em 1929 nos EUA, que já despontavam como a maior economia mundial: violenta queda da bolsa e quebra geral de empresas. Durante quatro longos anos a economia mundial ficou à deriva. A solução encontrada? Seguir as teses de Keynes, que apostava na intervenção do Estado como regulador das crises. URSS e EUA gestaram estados de bem-estar social, com profunda intervenção na economia.

CRÉDITO, O MOTOR DA GUERRA FRIA

Muitos economistas consideram os anos 60 e parte dos 70 os anos dourados da economia mundial, com larga expansão da economia, crescimento e mundialização do comércio. Estes anos apagaram em parte a maior catástrofe da humanidade, a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. Os EUA lideravam a oferta de crédito, dinamizando o crescimento: garantiam o crédito e compravam a produção, mesmo que isso significasse enorme déficit comercial. Mas seguravam as rédeas econômicas e combatiam o “comunismo”.
A famosa Crise do Petróleo, de 1974, já se gestava desde 1968/69, o ápice da superprodução. Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, suspendera unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro. Vieram abaixo todos os sistemas de planificação monetária e conversibilidade do Pós-Guerra, que impulsionaram a integração das economias ocidentais.
O repique da crise deu-se em 1981/82, com o início do governo Reagan, e se expressou na questão das dívidas dos países então chamados de “Terceiro Mundo”, que haviam recebido grandes investimentos de capital desde o fim dos anos 60/70. A “conta” foi cobrada por FMI e Clube de Paris no início dos anos 80. Um novo ciclo efetivamente se abriria em 1983, com a maior revolução do capital, a da microeletrônica, e uma virada política que derrubou o Muro de Berlim e a URSS.

O NEOLIBERALISMO

Essa virada política começou com as vitórias de Reagan e Thatcher, que impuseram ao mundo ajuste econômico duríssimo, com privatizações e restrição do crédito “fácil”, resultando na grave crise das dívidas de Brasil, México e Argentina. A ofensiva ideológica neoliberal foi tamanha que não houve ação possível fora desta ordem. Rebeliões latino-americanas foram combatidas sangrentamente, como em El Salvador e Nicarágua, revoluções e governos de esquerda foram sufocados. URSS e países do Leste europeu acabaram impiedosamente derrotados.
Nunca uma ideologia capitalista perdurou tanto como a neoliberal: foram 30 anos seguidos de vitórias, sendo a primeira delas a da premiê Margaret Thatcher contra 200 mil mineiros britânicos de 130 minas de carvão: após 16 meses em greve, entre 1984 e 1985, acabaram reduzidos a pó (hoje são pouco mais de 1.500 em seis minas). Da queda do Muro de Berlim, em 1989, a 2008, nem sequer houve combate ideológico global: a esquerda ideológica resumia-se a pequenos círculos, a tal ponto que Francis Fukuyama decretou “o fim da história”.

SENHOR DO MUNDO E DAS GUERRAS
Como diz Macbeth após as revelações das bruxas: “Tudo que nos parecia sólido sumiu ao vento como nossos anelos”. Vitorioso no combate ao comunismo, Reagan conseguiu eleger seu vice, Bush Pai. A base da economia americana era a indústria bélica, bilhões do orçamento público eram gastos para deter o “inimigo vermelho”. Destruído o inimigo, para que manter a máquina de guerra? A pretexto de proteger suas posições no Golfo Pérsico, Bush Pai invadiu o Iraque em 1991. Mal sucedida militarmente, pois não derrubou Saddam Hussein, a incursão reanimou, contudo, a economia.
Uma surpresa foi a vitória de Bill Clinton, ex-governador de Arkansas, estado pequeno e secundário. Com trajetória de militância política em causas sociais, Clinton liderou por oito anos um dos maiores crescimentos da economia americana – e sem grandes conflitos externos. Favorecido por sua liderança no cenário mundial, impôs política de expansão de empresas e da influência americana baseada no dólar e no mercado financeiro.
Os ataques de 11 de setembro de 2001 mudaram o cenário: Bush Filho governou com seus belicosos “falcões”, que deram início à famigerada guerra ao terror, impondo ao mundo sua doutrina da “guerra preventiva”. Na economia, um novo “inimigo” crescia silenciosamente, a China, que passou a financiar o crescente déficit fiscal americano. Barack Obama chegou à Casa Branca já sob os efeitos do mais profundo dos baques, a quebra do sistema financeiro americano, da qual tratamos anteriormente. No front externo, a secretária de Estado, Hillary Clinton, elegia com seus falcões da guerra um novo inimigo, o Irã.
A sombria Gotham City, paradigma do “Novo Estado
A GÊNESE DO ESTADO GOTHAM CITY

No último filme da trilogia Batman, o Cavaleiro das Trevas, o roteiro ultraliberal de Frank Miller coincide com a visão da direita radical americana, expressa no Tea Party: o Estado é “inimigo” do povo, serve apenas para manter uma burocracia corrupta e falida. O heroísmo individualista pune os corruptos pela eliminação física, sem tribunais. A “Liga das Sombras”, ainda mais radical, propõe a limpeza de Gotham City, como que para purificar a humanidade, a corrupta e decadente civilização. A doutrina do império não tolera radicais.
Batman é a expressão de um estado de exceção. A Lei Dent do roteiro equivale ao Patriot Act 1, que regeu os EUA pós-11/9: todas as garantias individuais são suspensas, mandam a polícia e o poder coercitivo do Estado. As fundações privadas comandam as redes sociais de proteção, e não mais o Estado: é a Fundação Wayne que sustenta hospitais, escolas e creches. A prisão de Blackgate poderia estar em Guantánamo: tanto numa como noutra, os presos estão sujeitos a regime de exceção.
A metáfora vai mais fundo: se no segundo filme da trilogia o caos total assombrava Gotham, assim como a queda das torres gêmeas assustou Nova York, o hiato da aparente “paz” forçada pela Lei Dent (ou o Patriot Act 1) só terminará simbolicamente com a queda da bolsa de valores e a quebra dos bancos, alimentadas pela ampla especulação – no filme, a invasão direta da Wayne Enterprise. A arte imita a vida, o herói é novamente chamado para evitar a destruição total. A leitura do conflito é bem definida: o poder do capital também pode destruí-lo.
Poucas vezes um filme de ação conseguiu ser tão instrutivo. Bane, um anti-herói típico, toma o poder em nome do povo, caricatura de “socialista” ou “indignado” do movimento Occupy. Todos são convidados a tomar o poder em meio à barbárie. Os vetores visíveis deste “Novo” Estado: fim do conceito de bem-estar social – educação, cultura e saúde perdem seu caráter de obrigação pública e gratuita, assumidas por entes privados; ampla privatização, com o fim da intervenção direta do Estado na economia – ao novo Estado sobra gerir as forças repressivas, aplicar leis restritivas, quebrar direitos fundamentais. É isso que estamos chamando de Estado Gotham City.
O Estado que surge desta crise começou a ser desenhado no fim dos anos 80. Com a queda do Muro de Berlim, livre do contraponto do Leste europeu, reduzir gastos públicos virou obsessão do capital. A redefinição do papel do Estado, de seu tamanho, de seu alcance foi sendo paulatinamente trabalhada econômica, política e ideologicamente.
A própria retomada de um novo ciclo do capital, aparentemente, depende da implementação deste novo Estado. Os governos passariam a meros apêndices de grandes bancos e grandes empresas. Presidentes e primeiros-ministros já se comportam como executivos de corporações, e em muitos casos vão efetivamente trabalhar nelas quando deixam o governo. No plano político, a forma de representação entra em contradição com a democracia representativa – em muitos lugares o próprio conceito de democracia começa a ser questionado: força e repressão viram opção principal. Leis como Patriot Act, nos EUA, ou de imigração, como na França, exemplificam este momento.
O Estado é capturado por agências e burocratas que não respondem aos anseios populares, não passam e nem desejam passar pelo crivo popular. Os casos mais esdrúxulos estão nos EUA: o presidente do Federal Reserve, sem mandato popular, define o futuro do país, e o presidente Obama não tem como intervir nos destinos econômicos, pois a modelagem do Estado não lhe permite margem de manobra. Até a indústria armamentista, antes de composição majoritariamente estatal, foi terceirizada. Aqui no Brasil, algumas agências criadas em gestão tucana desafiam o ordenamento jurídico, legislando sem mandato. A sorte é que o Brasil, a exemplo da União Europeia, não tem Constituição como a americana, que permite a “livre” ação destes burocratas.
Os direitos sociais, consagrados na constituição de vários países da UE, é o atual centro de ataques deste novo modelo de Estado. Portugal, Espanha e Grécia reagem à crise com medidas que afrontam sua lei maior, e os tribunais superiores se transformam no último recurso. Em Portugal, por exemplo, o governo suspendeu entre outros direitos o 13º e o 14º salários por exigência da Troika, mas o Tribunal Constitucional, a mais alta corte portuguesa, anulou a decisão – que, até agora, o primeiro-ministro Passos Coelho não cumpriu. Outra saída são as manifestações de milhões contra os planos de austeridade, para limitar a ação desses governos-fantoche, como veremos adiante.

ESTADO GOTHAM CITY E BRICS
Do ponto de vista do Estado, a China emprega conceitos de economia estatal centralizada combinada a mercado e empresas privadas. O Estado define as ações e uma ampla burocracia vai levando o gigantesco barco, com mais de 1,4 bilhão de habitantes. A China fora incorporada ao capitalismo antes da grande crise, nos anos 90, dando fôlego vital ao sistema capitalista central, agregando amplas massas ao processo produtivo, ajudando a definir novos padrões produtivos e a incrementar a taxa de lucro.
Sinceramente, não sei que outra formação política daria conta de tanta gente e tantas contradições. Os elementos da democracia que conhecemos no Ocidente dificilmente vingam no Oriente – isso vale para China, Coréia do Sul ou Japão, regimes muito específicos.
A desigual Índia, com seu regime de castas, divisão religiosa potencialmente explosiva e seus mais de 1 bilhão de habitantes, está sendo gerida por nova elite política e intelectual, que tenta dar unidade a um país gigantesco que não parece disposto a assumir valores ocidentais. A entrada de grandes empresas dinamizou a economia do país, mas o atraso histórico e a crise começam a minar seu crescimento. A Rússia, com seu poder energético e uma frágil democracia, é dominada por burocratas da antiga URSS. Durante o processo de privatização essa elite ficou bilionária, mas vive em luta mortal pelo controle do Estado e de suas riquezas. Parte do “novo” Estado se firmou lá: mesmo integrando os BRICS, a Rússia tem foco claro no capital, até no modelo do grupo de elite gestor.
O Brasil foi extremamente penalizado nos anos 80, devido à crise da dívida, só se readequando a partir da gestão Itamar, quando lançou sua dolarização, uma moeda ancorada no dólar – e o que era tática temporária virou âncora do poder. Aproveitando o prestígio da estabilidade, FHC conduziu uma série de desmontes do Estado, rumo ao novo Estado: muitas características do que se propõe hoje o capital foram aqui implementadas sem resistência. Os anos de hiperinflação e o desarranjo econômico serviram para conter resistências.
Vários elementos estranhos ao ordenamento jurídico brasileiro, como as famigeradas agências, foram incorporados ao Estado, numa construção artificial do modelo americano, apesar da Constituição de modelo europeu. Essa “ginástica” levou ao esvaziamento do Estado, em particular no setor de infraestrutura, como energia, estradas, portos, aeroportos e comunicações. Nas crises cíclicas de 97, 98 e 99, o Brasil não tinha política de Estado, o que redundou em apagões elétricos, no plano cotidiano, e em completa dependência do FMI, no plano econômico.
Os governos Lula e Dilma deram início à reconstrução da atuação do Estado, mas sem mexer no próprio Estado, sem se opor ao “novo” Estado que emergira da gestão tucana. Os vários avanços econômicos no Brasil, de incorporação de amplas parcelas que viviam à margem da cidadania, sem emprego ou renda, ainda não se traduziram em avanços políticos: a negociação para qualquer mudança é extremamente lenta, desgastante, e emperra o salto para a frente do país.
O impasse é a marca deste período. A grande crise pode ter bloqueado políticas mais afirmativas, de ruptura mesmo com o modelo FHC, do novo Estado, o que atrasa o país. Essa ruptura, no entanto, é de extrema urgência para que o Brasil chegue a outro patamar de país e nação. O que foi feito nestes últimos 10 anos, contudo, não nos parece pouco, visto que recentemente ainda se pensava em atrelar o Brasil aos Estados Unidos como forma única de superar as mazelas. O PT mostrou o contrário, e isto é muito.
De modo geral, o novo Estado parece se impor de forma desigual; nos BRICS, houve bloqueio e empates, não ruptura.

ESTADO GOTHAM CITY E INDIGNADOS

Pelo lado dos trabalhadores e da população em geral, vimos que se organizam na Europa, no Oriente Médio e nos EUA em vários movimentos de indignados. Mas o que importa é identificar se há planos claros de ruptura com o sistema ou mesmo propostas dentro do sistema que, de forma objetiva, apontem alguma saída da crise. Várias vezes debati o papel dos indignados na série Crise 2.0.
 As famosas manifestações da Primavera Árabe, com auge no Egito, rapidamente se estenderam à Europa. O país mais atingindo pela crise, sem dúvida, foi a Grécia. A resistência tem sido heroica, lembrando seu passado mitológico. A Puerta Del Sol em Madri é o símbolo de luta e resistência dos trabalhadores e do povo espanhol. As rebeliões de Londres, numa onda que misturava protesto e vandalismo, mostrou que a luta é a saída para as regiões mais excluídas, apesar da repressão violenta. A ocupação de Wall Street foi indício de que a resistência chegara ao coração do sistema. O amplo empobrecimento, os seguidos planos que salvam a pele dos bilionários não são digeridos pacificamente por trabalhadores e estudantes.

E o futuro? O caso da Espanha é emblemático.

  •  A Primavera de Madri/Barcelona deu frutos ou se esvaziou?
  • Os indignados desmascararam o governo “socialista”, mas com a forte abstenção que defenderam deram combustível à direita. Isso adiantou?
  • O movimento forjou qualquer plataforma alternativa de poder ou mesmo de governo?
  • Apenas se indignar com os políticos não leva à despolitização geral?
Para mim ficou claro que todos estes movimentos que questionam o sistema estabelecido mas não propõem alternativa de poder ou de governo acabam em imensa frustração e despolitização, alimentado a direita, que galvaniza a revolta para seus interesses. Foi o que aconteceu na Espanha e em outros países, fechando-se a vaga histórica de um período revolucionário, como procurei demonstrar em “Crise 2.0: Direita, Volver!!”
Os limites destes movimentos estão no vazio de propostas alternativas. A exceção seria a Grécia. O caminho do Syriza, o pequeno partido grego de esquerda que ousou enfrentar as forças políticas tradicionais e disputou firmemente as eleições, conquistando amplo crescimento, é uma alternativa clara aos governos-fantoches da Troika. Este é o rumo para os trabalhadores e o povo em geral, que pagam a dura conta da crise.

domingo, 7 de julho de 2013

Cidadania e Vandalismo

Cidadania e Vandalismo
                              Guto Nadal – Secretario de Habitação-Bagé-RS – arquiteto e urbanista -especialista em Gestão Pública Participativa

Ingredientes para fermento na massa:
Lei FIFA com restrições do espaço territorial público + passagem de ônibus mais cara do mundo no comparativo do custo por hora de trabalho + violência policial abusiva em um ato pacífico + manipulação da grande mídia + instrumento de comunicação alternativo e instantâneo de abrangência mundial (WEB) com doses de mentiras e desinformações

                Sou da geração que passou a infância convivendo com a ditadura. Conheci movimentos de massa, no final da década de 70 a partir das greves de bancários, trabalhadores da construção civil, metalúrgicos e estudantes. E que resultaram em importantes avanços para os trabalhadores, estudantes e na construção do primeiro partido do país construído a partir de bases: o Partido dos Trabalhadores. No início da década de 80 (83 e 84) lutamos pelas eleições diretas que resultou na abertura política em 1985, na constituinte de 86-88 e na primeira eleição direta para presidente do nosso país em 1989. Em 1992, foi a vez de lutarmos frente a um mar de corrupção e o avanço do Neoliberalismo. O impeachment foi conquistado, à derrota neoliberal foi mais demorada. Começamos a derrota-lo a partir do Rio Grande do Sul, com a eleição de Olívio Dutra (1999-2002) o primeiro gestor público a implantar o Orçamento Participativo em um estado subnacional no mundo. Convivemos neste período com a era de FHC quando o avanço neoliberal fez com que o patrimônio dos brasileiros fosse vendido por valores irrisórios e ocorreu a precarização dos serviços públicos e a estagnação de nosso país. O salário mínimo chegava a 67 dólares em dezembro/2002 e apenas 95 mil jovens tinham acesso a universidade, a distribuição de renda era apenas um vale, nosso país era a 11ª economia mundial e os juros eram de 44 %, 33 milhões de brasileiros encontravam-se na linha de pobreza absoluta e o IDH ( Índice de Desenvolvimento Humano) era o mesmo dos países do terceiro mundo.

                Foi necessário elegermos (2002), reelegermos (2006) um trabalhador e uma mulher (2010) para presidente do país, para termos os mais diferentes avanços em políticas públicas. O salário mínimo, hoje supera a 300 dólares, 2 milhões de jovens tiveram acesso a universidade e a distribuição de renda beneficiou a mais de 27,9 milhões de brasileiros* que saíram da linha da pobreza absoluta e outros 40,3 milhões que ascenderam à classe C a partir da geração de 18 milhões de novos empregos, a geração de trabalho e renda para trabalhadores e a formalização de milhões de microempreendedores e trabalhadoras domésticas. Já foram construídas e entregues mais de um milhão de moradias. Para combater a corrupção as informações foram publicadas via WEB e foi criado o Conselho de Justiça, hoje nosso país é a 7ª Economia Mundial e os juros foram reduzidos para 8%, temos um IDH semelhante aos países desenvolvidos, para os capacitados vivemos uma situação de pleno emprego e estamos desenvolvendo um plano de capacitação de dimensões inéditas.

Hoje o mundo vive a luta contra a crise econômica,recessão, desemprego e a miséria. Enquanto, em nosso país vivemos um momento de estabilidade, de desenvolvimento econômico com distribuição de renda e inclusão social de milhões de brasileiros e brasileiras, contudo muito ainda falta a ser feito. Nos grandes centros os problemas de mobilidade urbana decorre do excessivo uso individual do automóvel. É necessário maior investimentos em mobilidade urbana de massas e valorização de alternativas de transporte não motorizados, nossa educação necessita de mais qualidade e valorização de nossos educadores, nossa saúde requer mais ações de descentralização com valorização dos trabalhadores da saúde e criação de centros de excelência regionais e maior valorização de médicos clínicos gerais. O combate a corrupção tem que ser constante e vigilante, temos que avançar em gestão pública participativa para que a cidadania tenha controle na aplicação dos recursos públicos.

                Nos últimos dias o Brasil foi chocalhado por manifestações articuladas a partir de redes sociais ( Faceboock, Twitter... ) que colocam nosso país na agenda de mobilização de massas tendo como com instrumento de comunicação a Web ( nova mídia), mobilizações semelhantes como já ocorreram em países como Espanha, Portugal, Grécia, França e Turquia. Porém oportunistas facistas querem disputar e despolitizar o movimento. Inclusive fazendo uso da violência para amedrontar a militância de centro-esquerda que sempre lutaram uma vida inteira pela qualificação dos serviços públicos e pela ética na política.

                Meu repúdio aos atos de vandalismo, banditismo, opressão e violência praticados nas manifestações que queremos que sejam pacíficas e democráticas, e não onde facistas agridem militantes de partidos de centro-esquerda e de esquerda. É importante resgatar que foi a polícia do governador do PSDB-SP que reprimiu violentamente a primeira manifestação de 5000 pessoas deste ciclo e que alimentou o noticiário inclusive provocando uma linha editorial da grande mídia de apoio a violência militar contra manifestações, onde trabalhadores, estudantes e jornalistas foram feridos.

                Somos solidários a juventude e a cidadania brasileiras que mobilizam-se pelo direito a mobilidade de qualidade, ao zelo pelo dinheiro público, por melhores políticas públicas para que nosso país continue a avançar. Mas não queremos ver em nosso país discurso e atos de despolitização usando os jovens e a cidadania para o retrocesso de nosso país. Queremos avançar, as bandeiras presentes de norte a sul, de leste ao oeste por um Brasil melhor são nossas bandeiras. O Brasil acordou? Para nós o Brasil nunca adormeceu, somos militantes no dia a dia, na sociedade, em nossos partidos, no serviço público e nos movimentos populares, lutamos para aprofundar e avançarmos para uma sociedade justa e democrática.

                Sou de esquerda e luto para fortalecer os fóruns e instrumentos da democracia participativa. Além dos movimentos que mencionei também participei de todas as Conferências das Cidades desde 2003. Fórum que também pauta avanços em questões defendidas pelo Movimento Cidadania Web: o transporte público e a mobilidade urbana. O Brasil esta neste momento fazendo o debate em diversas Conferências Setoriais para que os problemas de hoje serviam como solução para os de amanhã. Participar é exercer a cidadania, permitir que sejamos manipulados e oprimidos é defender aqueles que vencemos com a constituinte/88. Nossa Constituição não avançou tudo o que queríamos, por isso que defendemos também a Reforma Política. Defender a Cidadania e a Democracia é um dever de todos nós, coibir a repressão injustificada, o vandalismo e o facismo também. A jovem democracia brasileira merece nossa maturidade e nossa vigilância. Manifestação é um ato político. Parabéns a nova geração que quer dar continuidade ao que construímos até aqui. Vamos em frente, falta muito o que fazer. Vamos semear ? Passaremos por espinhos, apreciaremos as flores e finalmente colheremos os frutos que serão usufruídos pelas gerações atuais e futuras que estão por vir.
Brasil país justo, democrático e sem miséria é nosso sonho, e o seu ? A construção de um Brasil melhor iniciou a partir do Fórum Social Mundial, do qual somos protagonistas ontem, hoje, amanhã e sempre. Vamos a luta nosso país precisa de todos nós!

* OIT- Organização Internacional do Trabalho (2013)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A covardia europeia contra o presidente Evo Morales


Os europeus, os campeões da defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade, demonstraram que suas relações com a Casa Branca estão acima de tudo e que podem pisotear os direitos de um avião presidencial caso isso seja preciso para que o grande império não se incomode com eles. Um rumor infundado sobre a presença no avião presidencial boliviano do ex-espião estadunidense Edward Snowden, conduziu a um sério incidente diplomático aeronáutico entre Bolívia, França, Portugal e Espanha. Por Eduardo Febbro.


Paris - Os europeus são incorrigíveis. Para não ficar mal com o império norteamericano são capazes de violar todos os princípios que defendem nos fóruns internacionais. O presidente boliviano Evo Morales foi o último a experimentar as consequências dessa política de palavras solidárias e gestos mesquinhos. Um rumor infundado sobre a presença no avião presidencial boliviano do ex-membro da Agência Nacional de Segurança (NSA) norteamericana, o estadunidense Edward Snowden, conduziu a um sério incidente diplomático aeronáutico entre Bolívia, França, Portugal e Espanha. 

Voltando de Moscou, onde havia participado da segunda cúpula de países exportadores de gás, realizada na capital russa, Morales se viu forçado a aterrissar no aeroporto de Viena depois que França, Portugal e Espanha negaram permissão para que seu avião fizesse uma escala técnica ou sobrevoasse seus espaços aéreos. Os “amigos” do governo norteamericano avisaram os europeus que Morales trazia no avião Edward Snowden, o homem que revelou como Washington, por meio de vários sistemas sofisticados e ilegais, espionava as conversações telefônicas e as mensagens de internet da maioria do planeta, inclusive da ONU e da União Europeia.

O certo é que Edward Snowden não estava no avião de Evo Morales. No entanto, ante a negativa dos países citados em autorizar o sobrevoo do avião presidencial, Morales fez uma escala forçada na Áustria. As capitais europeias coordenaram muito bem suas ações conjuntas para cortar a rota de Evo Morales. Surpreende a eficácia e a rapidez com que atuaram, tão diferente das demoradas medidas que tomam quando se trata de perseguir mafiosos, traficantes de ouro, financistas corruptos ou ladrões do sistema financeiro internacional.

Segundo a informação da chancelaria boliviana, o avião havia obtido a permissão da Espanha para fazer uma escala técnica nas Ilhas Canárias. Essa autorização também foi cancelada e, finalmente, o avião teve que aterrissar no aeroporto de Viena. Segundo declarou em La Paz o chanceler boliviano David Choquehuanca, “colocou-se em risco a vida do presidente que estava em pleno voo”. “Quando faltava menos de uma hora para o avião ingressar no território francês nos comunicam que tinha sido cancelada a autorização de sobrevoo”. O ministro pediu uma explicação tanto da França quanto de Portugal, país que tomou a mesma decisão que a França.

“Queremos nos amedrontar. É uma discriminação contra o presidente”, disse Choquehuanca. Em complemento a esta informação, o portal de Wikileaks também acusou a Itália de não permitir a aterrisagem do avião presidencial boliviano. Em Paris, o conselheiro permanente dos serviços do primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault disse que não tinha nenhuma informação sobre esse assunto. Por sua vez, a chancelaria francesa disse que não estava em condições de comentar ocaso. Bocas fechadas, mas atos concretos.

Ao que parece, todo esse enredo se armou em torno da presença de Snowden no aeroporto de Moscou. Alguém fez circular a informação de que Snowden estava no aeroporto da capital russa com a intenção de subir no avião de um dos países latino-americanos dispostos a lhe oferecer asilo político. Snowden é procurado por Washington depois de revelar a maneira pela qual o império filtrava as conversações no mundo. O chanceler boliviano qualificou como uma “injustiça” baseada em “suspeitas infundadas sobre o manejo de informação mal intencionada” o cancelamento das permissões de voo para o avião de Evo Morales. “Não sabemos quem inventou essa soberana mentira; querem prejudicar nosso país”, disse Choquehuanca. “Não podemos mentir à comunidade internacional e não podemos levar passageiros fantasmas”, advertiu o responsável pela diplomacia boliviana.

Em La Paz, as autoridades adiantaram que não receberam nenhum pedido de asilo por parte de Edward Snowden. Evo Morales havia evocado a possibilidade de conceder asilo a Snowden, mas só isso. O mesmo ocorreu com outra vítima da informação e da perseguição norteamericana, o fundador do Wikileaks, Julian Assange. O mundo ficou pequeno para Edward Snowden. 

Assange está refugiado na embaixada do Equador em Londres e Snowden encontra-se há dez dias na zona de trânsito do aeroporto de Sheremétievo, em Moscou. Segundo Dmitri Peskov, o secretário de imprensa do presidente Vladimir Putin, o norteamericano havia solicitado asilo a Rússia, mas depois “renunciou a suas intenções e a sua solicitação”. Peskov esclareceu, porém, que o governo russo não entregaria o fugitivo para a administração norte-americana: “o próprio Snowden por sincera convicção ou qualquer outra causa se considera um defensor dos direitos humanos, um lutador pelos ideais da democracia e da liberdade pessoal. Isso é reconhecido pelos ativistas e organizações de direitos humanos da Rússia e também por seus colegas de outros países. Por isso é impossível a entrega de Snowden por parte de quem quer que seja a um país como os EUA, onde se aplica a pena de morte.

Quando se referiu ao caso de Snowden em Moscou, Evo Morales assinalou que “o império estadunidense conspira contra nós de forma permanente e quando alguém desmascara os espiões, devemos nos organizar e nos preparar melhor para rechaçar qualquer agressão política, militar ou cultural”. Os europeus, os campeões da defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade, demonstraram que suas relações com a Casa Branca estão acima de tudo e que podem pisotear os direitos de um avião presidencial caso isso seja preciso para que o grande império não se incomode com eles.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

terça-feira, 2 de julho de 2013

CAFEZINHO X GLOBO: "NÃO É SÓ O DARF!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Noam Chomsky: os EUA estão a acelerar a destruição do mundo


No seu ensaio mais recente, Noam Chomsky afirma: “pela primeira vez na história da espécie humana, temos claramente desenvolvida a capacidade para nos destruir a nós próprios”. Refere-se não apenas à ameaça do holocausto nuclear, presente desde 1945, mas também “a processos de longo prazo como a destruição ambiental que conduzem na mesma direcção”. E sublinha que a nação mais poderosa do mundo continua a agir como se desejasse efectivamente essa destruição.


Desde a Crise dos Mísseis de Cuba até ao frenesim dos combustíveis fósseis, os EUA têm a intenção de ganhar a corrida para o desastre. Essa é a opinião do filósofo, linguista e activista estado-unidense Noam Chomsky.
“Pela primeira vez na história da espécie humana, temos claramente desenvolvida a capacidade para nos destruir a nós próprios. Isto tem sido assim desde 1945. Agora, finalmente, reconhece-se que há processos de longo prazo como a destruição ambiental que conduzem na mesma direcção”, assegura Chomsky no seu ensaio mais recente, publicado em Tomdispatch.com.
Segundo o linguista, as sociedades menos desenvolvidas estão a tratar de mitigar ou de superar estas ameaças. “Não estão a falar de guerra nuclear ou de desastre ambiental, estão realmente a tratar de fazer alguma coisa a esse respeito”, diz.
O filósofo destaca as políticas de países como Bolívia, que tem “uma maioria indígena e requisitos constitucionais que protegem os direitos da natureza”, e Equador, que também tem uma grande população indígena “e é o único exportador de petróleo que conheço onde o Governo procura ajudar a que esse petróleo permaneça no solo em lugar de o produzir e o exportar, e é no solo que ele deve permanecer”.

Segundo Chomsky, no outro extremo, as sociedades “mais ricas e poderosas da história do mundo, como Estados Unidos e Canadá, correm a toda a velocidade para destruir o meio ambiente o mais rapidamente possível. Ao contrário de Equador e das sociedades indígenas em todo o mundo, querem extrair até à última gota de hidrocarboneto da terra à maior velocidade possível”.
O outro assunto que Chomsky analisa é a guerra nuclear. “Acaba de passar o 50º aniversário da Crise dos Mísseis, que foi considerado o momento mais perigoso da história pelo historiador Arthur Schlesinger, assessor do presidente John F. Kennedy. Entretanto, o pior destes nefastos acontecimentos é que a lição não tenha sido aprendida ” afirmou.
“Neste momento el tema nuclear surge frequentemente nas primeiras páginas dos jornais, como sucede com a Coreia do Norte e o Irão”, aponta o activista.
Os recentes exercícios militares da Coreia do Sul e dos EUA na península coreana, que suscitaram ameaças de Pyongyang de realizar um ataque nuclear, ter-se-ão certamente apresentado como ameaçadores do ponto de vista do Norte. “Também nós os veríamos como ameaçadores se tivessem ocorrido no Canadá e nos tomassem como alvo”, acrescentou.
“Isto desperta, sem dúvida, alarmes do passado. Eles recordam esse passado, e portanto reagem de forma muito agressiva e extrema. O problema não é que não existam alternativas, é que essas alternativas não sejam concretizadas. Isso é perigoso. E assim, se nos interrogamos acerca de como é que o mundo vai a parecer, a imagem que surge não é bonita imagem. A menos que as pessoas façam alguma coisa a esse respeito”, conclui Chomsky.

* Serviço da Novosti
Texto completo em http://actualidad.rt.com/actualidad/view/96580-chomsky-eeuu-destruccion-mundo