ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO do CORREIO DA CIDADANIA |
Ainda estamos no calor da onda de manifestações que fazem crer em novos rumos para o país, a despeito do desconcerto que ainda afeta os governos instituídos, incapazes sequer de abrir mão da repressão militar nas ruas, enquanto desengavetam propostas há muito tempo fora de suas pautas, postas à mesa com pressa jamais vista.
Para comentar um pouco sobre o mês que abalou as estruturas do país, e também sobre a propalada reforma política, agora entusiasticamente oferecida por Dilma, o Correio da Cidadania entrevistou o jurista e livre docente da USP, Jorge Luiz Souto Maior.
Para Souto Maior, o atual momento “ficará para a história como um momento de ruptura, de transformação por parte sociedade brasileira, que não será mais a mesma, certamente. Também não serão mais as mesmas as instituições brasileiras, que sentiram fortemente o peso da manifestação popular”, resume.
O jurista enfatiza, no entanto, que as manifestações populares exigem, em seu fundo, uma maior intervenção social do Estado, no sentido de organizar e promover adequadamente os serviços públicos e essenciais. Além de mencionar que os acenos dados até agora pelo governo neste sentido são muito genéricos, faz uma importante advertência quanto ao tema para o qual mais se voltou o governo até o momento, e aquele que tem recebido maior cobertura na mídia corporativa, a reforma política. “Precisamos discutir que modelo de sociedade nós queremos, pra determinar a medida da atuação que se deseja dos políticos e do governo. Penso que a questão, já posta na mesa, sobre a participação mais ativa do Estado nos temas que dizem respeito aos direitos sociais e à economia é algo mais importante do que simplesmente determinar a forma de eleição dos políticos”.
Quanto à ideia de uma Assembleia Constituinte para levar adiante uma reforma política, seja ela instituída de forma ampla - uma forma de, justamente, levar a cabo uma revisão mais profunda do modelo de sociedade -, seja de forma específica - convocada por Emenda Constitucional, de acordo com a Constituição -, Souto Maior não a enxerga como oportuna. “Creio que essa reforma política pode ter a necessidade de uma constituinte, mas a proposta parcial – fora de um contexto, digamos, revolucionário, e pura e simplesmente dentro de um acerto do modelo de sociedade que aí está – é muito perigosa, na medida em que se abre a porta para a fragilidade da Constituição como um todo, tanto daquilo que ela tem de ruim como também daquilo que tem de bom. E a Constituição de 1988, é importante lembrar, fez parte de um pacto de reconstrução da sociedade brasileira, na forma de um Estado Social-democrático, que na realidade ainda não foi implantado (...) Ainda precisamos implantar a Constituição de 1988”.
O jurista não teme, finalmente, por retrocessos, uma vez que, acima de tudo, o povo tomou as ruas para colocar suas urgências em pauta, como há muito não se via. “Tais reivindicações de massa representaram uma espécie de sepultamento da lógica neoliberal”, completa, complementando que o atual momento deve ser visto também pela perspectiva da crise internacional do capitalismo e seu modelo de sociabilidade e produção, em última análise, o autêntico estopim da revolta.
A entrevista completa com Jorge Luiz Souto Maior pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como o senhor tem visto e o que significa, em sua análise, o desenrolar dos acontecimentos políticos desde o início das manifestações até o seu atual estágio?
Jorge Luiz Souto Maior: Eu vejo o momento muito positivamente, porque é uma demonstração clara e evidente de que as pessoas em geral perceberam que toda mobilização precisa de luta. E, sobretudo, a população tem utilizado a mobilização para pleitear, com mais força, uma maior participação do Estado na vida social, no sentido da melhoria dos serviços sociais. De certa forma, o momento representa um pouco de saída daquela situação vivenciada até aqui, de isolamento, individualismo e certo egoísmo, trazendo um pouco dos valores da solidariedade a essa sociedade, os quais ela tanto precisa. Eu vejo tudo que ocorreu muito positivamente, do ponto de vista democrático, político e também pela conotação social relevante.
Correio da Cidadania: Acredita que este momento mais efervescente já sofreu algum recuo, um arrefecimento?
Jorge Luiz Souto Maior: A efervescência ainda está presente, mas acho que a tendência é diminuir, pelo que tenho visto. Não porque eu queira que diminuam os volumes de manifestações. De toda forma, o que já ocorreu não ficará para a história como algo que passou, simplesmente. Ficará para a história como um momento de ruptura, de transformação por parte sociedade brasileira, que não será mais a mesma, certamente. Também não serão mais as mesmas as instituições brasileiras, que sentiram fortemente o peso da manifestação popular.
O sentimento de força, adquirido pelas manifestações, certamente não ficará perdido mais adiante. Muitas conquistas concretas vieram, embora as reivindicações sejam bastante diversificadas. Houve conquistas e avanços concretos, que se anunciam ainda maiores, como poderemos ver através de uma eventual reforma política. Consequentemente, esses avanços a serem obtidos ficarão como demonstração clara de que as mobilizações sociais são relevantes.
Correio da Cidadania: Quanto à reação e medidas que têm tomado os mandatários, prefeitos, governadores e presidente da República, o que teria a comentar?
Jorge Luiz Souto Maior: Acho que as reações dos governantes, independentemente dos partidos – todos eles, é importante frisar – demonstram uma evolução das manifestações, evidenciando exatamente a conquista do movimento. Porque, num primeiro momento, os governantes desprezaram a força das mobilizações ou quiseram abafá-las, utilizando antigas estratégias de repressão. E tiveram que mudar sua postura, foram forçados a mudar a postura, diante dos eventos que se sucederam e passaram a ser notícia mundial, levando-os a tomarem medidas concretas no sentido de acolher as reivindicações, ou pelo menos parte delas.
Isso mostra, consequentemente, que as mobilizações representaram muitas vitórias e uma delas é exatamente essa: a evolução dos próprios governantes diante das mobilizações sociais, aceitando agora o desafio futuro, em relação ao que vem daqui por diante. Porque as questões colocadas em jogo se anunciam para brevemente, já estão prestes a ocorrerem, ao menos de acordo com o discurso dos próprios políticos.
Qual será a postura dos governantes diante de mobilizações sociais, com reivindicações mais emergentes e mais urgentes, vindas das periferias das cidades, das classes sociais, sobretudo dos trabalhadores? Os movimentos sociais que em grande parte são criminalizados têm agora a importante possibilidade de serem vistos através de suas reivindicações democráticas e também suas mobilizações, dando um impulso ao diálogo e à evolução concreta dos arranjos sociais, políticos e econômicos. Teremos de ver como tudo sucederá. Em princípio, parece que, necessariamente, terá de haver avanços.
Correio da Cidadania: No que se refere especificamente às medidas anunciadas pela presidência da República, para saúde, educação, transportes e sistema político, como você as recebeu, no geral?
Jorge Luiz Souto Maior: É evidente que algumas soluções exigidas nas reivindicações, quanto à saúde pública, educação pública e, sobretudo, o transporte com tarifa zero, não se resolvem de uma hora pra outra. De todo modo, o governo acenou com algumas soluções, que não são nem definitivas nem amplamente satisfatórias, cabendo verificar daqui por diante a eficácia de tais medidas em curto espaço de tempo, a fim de compreendermos se efetivamente representam algum avanço, na perspectiva das reivindicações populares.
Pessoalmente, não sei dizer se as medidas oficiais vão conduzir aos avanços, acho que devem ser feitos acenos maiores, mais abrangentes, mais definitivos. Mesmo assim, essa é uma verificação a ser feita na sequência, pra sabermos se algum desses anúncios representa evolução. Pessoalmente, acredito que são acenos genéricos demais e precisariam de definições mais concretas.
O debate apenas se iniciou e precisa ser aprofundado, não é possível ficar apenas na promessa de que serão destinados, futuramente, determinados valores dos royalties do petróleo, um percentual ‘xis’ do orçamento, para a educação e a saúde. É preciso saber quanto será administrado, de fato, para a educação, a saúde, e como esse dinheiro efetivamente vai ser empregado, quais são as políticas concretas para viabilizar a educação pública de qualidade e o acesso a ela, seja no ensino fundamental, médio ou superior.
Como será, de fato, o acesso à política, à educação e à saúde pública, sobretudo frente ao interesse privado nas áreas da saúde e também da educação?
São questões bastante relevantes para serem tratadas, de forma que não basta apenas destinar dinheiro. É preciso saber concretamente como e se o dinheiro será usado, quais serão exatamente as políticas para a resolução do quadro atual etc.
Correio da Cidadania: No sentido de novas providências a serem tomadas, a reforma política é o tema para o qual mais se voltou o governo até o momento e aquele que tem recebido maior cobertura na mídia corporativa – e, para a sua consecução, foi anunciada pela presidente Dilma até mesmo a tão criticada, e já descartada, Assembleia Constituinte. Como enxerga a necessidade e urgência de se promover uma reforma política em nosso país?
Jorge Luiz Souto Maior: Não tenho conhecimento profundo dessa questão. Eu tenho visto e lido bastante coisa, em geral com as pessoas pautando a reforma política como forma de gerar benefícios ao país, na perspectiva de melhorar as formas de representação. Vejo discussões sobre como os políticos poderiam representar mais democraticamente a sociedade, como a eleição poderia ser feita de forma a encontrar representantes ou políticos mais conectados com a vontade popular etc.
De todo modo, não sei se basta. Precisamos discutir que modelo de sociedade nós queremos, pra determinar a medida da atuação que se deseja dos políticos e do governo. Penso que a questão, já posta na mesa, sobre a participação mais ativa do Estado nos temas que dizem respeito aos direitos sociais e à economia é algo mais importante do que simplesmente determinar a forma de eleição dos políticos.
Parece também que se corre o risco de considerar todos os problemas vivenciados na sociedade, em geral, frutos da política e sua representação, como se os problemas decorressem somente da classe política partidária, deixando de lado as discussões mais relevantes, em torno da crise econômica nacional e mundial, que passa pelo modelo capitalista de produção. Ou seja, falta a perspectiva econômica e social, que transcende a atuação coletiva, pura e simples, dos políticos.
A sociedade precisa participar mais ativamente do debate a respeito do modelo de gestão de sua vida, dada a estagnação vivenciada, em nível mundial, pelo modo capitalista de produção, o que consequentemente requer, no mínimo, uma remodelação, chegando à sua reavaliação profunda.
Correio da Cidadania: Ainda a respeito da reforma política, muitos advogam que seria de fato mais efetiva uma Constituinte do que um instrumento limitado, para muitos oportunista, como o plebiscito: existem dede os que defendem uma ampla Constituinte - uma forma de, justamente, levar a cabo uma revisão mais profunda do modelo de sociedade -, até aqueles que propõem uma “assembleia constituinte (revisora) específica, convocada conforme a Constituição, por Emenda Constitucional, para conectar as instituições políticas da República com o povo, que é o poder constituinte real” - conforme chegou a clamar o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Como o senhor se posiciona nesse debate?
Jorge Luiz Souto Maior: O momento de realizar uma constituinte, pelo que tenho visto, em termos de necessidade, parece não existir. Creio que essa reforma política pode ter a necessidade de uma constituinte, mas a proposta parcial – fora de um contexto, digamos, revolucionário, e pura e simplesmente dentro de um acerto do modelo de sociedade que aí está – é muito perigosa, na medida em que se abre a porta para a fragilidade da Constituição como um todo, tanto daquilo que ela tem de ruim como também daquilo que tem de bom. E a Constituição de 1988, é importante lembrar, fez parte de um pacto de reconstrução da sociedade brasileira, na forma de um Estado Social-democrático, que na realidade ainda não foi implantado. Vejo muito por esse aspecto: ainda precisamos implantar a Constituição de 1988, de fato, na sociedade, realizando melhorias na vida através dela.
Ressalto que a melhoria do atual modelo de sociedade requer outras avaliações, requer uma reparticipação, uma repactuação, que precisaria ser muito discutida, muito pensada e muito idealizada, passando por uma avaliação profunda da sociedade brasileira. E simplesmente utilizar uma Constituinte, numa perspectiva parcial, sem uma discussão mais ampla, não é o melhor caminho.
Encaminhar o plebiscito, sugerido pela presidente, me parece melhor e mais adequado, podendo também surtir efeitos relevantes, neste caso atraindo as pessoas para as ruas para um debate político concreto, elevando o nível da discussão. Isso tem efeito importante. Vejo algumas manifestações contrárias ao plebiscito, pois existem questões complexas sugeridas, e que seriam direcionadas ao voto direto da população. Mas creio que, nesse aspecto, há um certo pré-conceito quanto às possibilidades de compreensão da sociedade, em geral, a respeito de seus próprios problemas.
Penso que a sociedade de hoje, sobretudo os estudantes e jovens, é muito apta e rápida na compreensão das coisas, muito mais inteligente do que já foi no passado, e bastante comprometida, embora tenha quem diga o contrário, que tais jovens não estão aí para nada. Não é verdade. Há certa subestimação sobre o que representa essa movimentação política para os jovens. Creio, portanto, que eles são bastante aptos para conduzirem a discussão.
Correio da Cidadania: Abordando alguns detalhes de uma eventual reforma política, fala-se de voto distrital, voto proporcional em lista fechada, financiamento público de campanha, dentre outros aspectos. O que o senhor comentaria a respeito desses pontos ou priorizaria como elementos essenciais para um reforma política no país?
Jorge Luiz Souto Maior: Escolhendo um ponto, me parece que a questão do financiamento público de campanha é a mais relevante a ser avaliada. Mas, de fato, todos os pontos mencionados têm sua importância.
Correio da Cidadania: Acredita que o atual momento crie circunstâncias políticas favoráveis para se levar a cabo uma reforma política que, ainda que circunscrita pela ordem burguesa, tenha um cunho mais progressista, que combata firmemente a “privatização dos mandatos”, consequentemente contrariando os próprios interesses do sistema econômico vigente?
Jorge Luiz Souto Maior: Eu tenho impressão que sim. Tenho impressão que as forças sociais ou a consciência atual tende, mesmo, para o lado da reivindicação social, dos direitos sociais e uma participação mais ativa do Estado na economia e na realidade social, no sentido da diminuição das desigualdades, evitando a diminuição dos direitos sociais, tal como estamos vivenciando.
Acredito que a sociedade tenderá a uma reforma que vise aquilo que ela desconhecia, e não simplesmente a reafirmação de um modelo econômico neoliberal, o que, afinal, mostrou o momento que estamos vivendo. Acho que tais reivindicações de massa representaram uma espécie de sepultamento da lógica neoliberal.
Desse ponto de vista, a gente só pode ser otimista quanto ao que virá. De todo modo, sendo pessimista ou otimista, acho que o problema não é este. Penso que temos de nos dar a chance de conhecer a fundo a sociedade em que vivemos. Não dá pra ter medo do que virá das manifestações populares, porque, no fim das contas, precisamos conhecer a fundo a nossa sociedade.
Correio da Cidadania: O que vislumbra, finalmente, como o decorrer destes intensos acontecimentos das últimas semanas, para curto e médio prazos?
Jorge Luiz Souto Maior: É muito difícil imaginar. Já é difícil entender o presente, mais difícil ainda prever o futuro. Se nós conversássemos há um mês, arrisco-me a dizer que não estaríamos aqui hoje com essa conversa, com todos os fatos que já ocorreram. Na verdade, não só a sociedade brasileira, mas o modelo de sociedade mundial, caminha a passos largos em direção ao estado de estagnação, em nível de caos mesmo. Bastaria um estopim pra que as coisas se apresentassem, mais precisamente no que diz respeito à realidade social. Foi o que acabou ocorrendo, de certa forma a previsão não era tão difícil de ser feita. Mas, agora, prever o que virá por diante, depois de tudo que aconteceu, é difícil. A única coisa que posso dizer, com muita segurança, é que não haverá um passo pra trás, só para a frente, adiante.
A pior leitura que se pode fazer é dizer que tudo vai voltar ao que era, que nada disso valeu a pena, foi só um fogo de palha. De fato, não vai, e acho que essa previsão é possível fazer. Mas saber qual o limite é uma grande dificuldade, porque acho que os problemas identificados não serão resolvidos rapidamente, a insatisfação permanecerá, outros problemas de natureza social tendem a se manifestar, ainda mais dentro da atual lógica econômica.
A reivindicação sempre vem dentro de outra perspectiva econômica, a de avançar sobre os direitos dos trabalhadores. Se isso se repetir, de que forma os trabalhadores reagirão, de que forma a sociedade vai se mobilizar contra, como se portarão os movimentos sociais, reivindicando moradia, reivindicando justiça social, reivindicando melhores condições de vida, de trabalho, como as respostas serão efetivamente dadas, é toda uma dinâmica que está posta na mesa, ainda sem conclusões.
É uma dinâmica que vai gerar efeitos múltiplos e imprevisíveis. Porque, de toda forma, fingir que essas coisas não estão acontecendo, tal como vivenciávamos até então, fazendo de conta que a sociedade estava coesa, bem unida a partir de um bem comum etc., não é mais uma postura sustentável. Em certo sentido, a sociedade está unida, mas, neste caso, pela busca de uma outra sociedade, uma sociedade que supere todos os problemas que estão postos e identificados. Não é mais possível fingir que tais problemas não existem. De que forma as pessoas mobilizadas se contentariam, eventualmente, com uma não solução dos problemas é algo que não dá pra prever. Mas, certamente, tal dinâmica continuará se desenvolvendo.
Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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Nenhum país, por rico que seja, tem dinheiro suficiente para incentivar os bons docentes. E, que importante é ter bons mestres! Todos e todas podemos refletir no valiosos que foram para nós aqueles nossos mestres de primária, secundária e mesmo ensino superior. Para fazer-nos pessoas de proveito, para as nossas aprendizagens racionais, associativas, motóricas e apreciativas, para o nosso progresso social e para termos valores humanos. Cada um de nós pode refletir sobre aqueles docentes seus que foram importantes para a nossa educação. Porque, ademais de conhecimentos, souberam como ensiná-los e nos motivaram para o avanço no nosso ensino, e tinham verdadeiros valores como pessoas com senso ético, com sensibilidade, com alegria e com o seu apreço pela vida e pelos seus alunos.
Por tudo isto, temos que solicitar uma boa preparação psicodidática dos docentes, que nesta altura não há ou, se há, é muito deficiente. Em primeiro lugar, um plano de formação inicial dos professores adequado, motivador e fomentador da vocação docente. Porque a formação inicial é importantíssima e durante muitos anos no nosso país esteve, e continua a estar, abandonada, subvalorizada, mediatizada e desconsiderada. Bastaria, para melhorá-la, tomar como modelo o Plano Profissional de 1931, adaptando-o aos tempos atuais, que foi o melhor que tivemos, nunca superado. Também poderia valer, em certa maneira, o Plano de estudos de 1967, que, como o anterior, desgraçadamente pouco durou. Em segundo lugar, cumpre uma maior e melhor preocupação pela formação permanente ou em exercício dos docentes. Esta formação também é muito importante e hoje está muito esquecida, com falta de apoio e de regulação idónea. Pouco criativa e inovadora e excessivamente rotineira e aborrecida. Em âmbitos que necessitam com urgência de uma profunda renovação. Infelizmente, longe ficou a exemplar renovação pedagógica dos anos oitenta e noventa do passado século.
Numa conferência pronunciada em Bilbau, no ano 1905, por o para mim maior pedagogo da nossa história, Manuel Bartolomé Cossío, sob o título de “O mestre, a escola e o material de ensino”, ao final da mesma pronunciou umas formosas palavras, com atualidade profunda ainda hoje. Estas palavras foram: ”Concluo, pois, como ali terminava: formade mestres; aumentade os mestres; gastade, gastade nos mestres”. Por isto é muito grave a desconsideração que ultimamente existe sobre os docentes e o poupar dinheiro prescindindo nos estabelecimentos de ensino de mestres e professores. Os mestres são as verdadeiras “almas da escola”, em palavras precisamente dos grandes mestres institucionistas Giner e Cossío.
Para isso, nada como escutar Cossío, quando no mesmo livro antes citado, de forma maravilhosa e tão acertada diz: ”O primeiro material de ensino; o adequado em todo o caso, o que está sempre vivo, o que não se esgota jamais, é a realidade mesma, que generosamente se nos oferece” (…) Rompamos pois os muros da sala de aula. Levemos as crianças ao campo, ao obradoiro, ao museu, como tantas vezes se tem asseverado, ensinemos-lhes a realidade na realidade, antes que nos livros, e entrem na sala de aula só para refletir e para escrever, redigir e desenhar (…) O que é necessário para poder realizar esta escola, imagem da vida? Todos o compreendedes: fazem falta mestres. A eles há que atender antes que ao edifício escolar, como antes que ao material de ensino. Temos que formar bons mestres”.(...) Dade-me um bom mestre e ele improvisará o local da escola sem falta, ele inventará o material de ensino, ele fará que a assistência seja perfeita; mas dade-lhe à sua vez a consideração que merece...”
Ninguém pode duvidar da grande importância que tem para a nossa sociedade contar com bons docentes, com qualidades humanas positivas e bem preparados profissionalmente, nos campos da didática e da psicologia evolutiva e da educação. Quem tinha isto muito claro era o grande psicopedagogo russo Lev Vygotsky (1896-1934). O tema central das suas pesquisas e investigações psicoeducativas foi demonstrar a importância do labor do docente, se a sua intervenção pedagógica é acertada, para o avanço das aprendizagens dos escolares e para o seu desenvolvimento psicossocial. Com roteiro e apresentação da pedagoga Marta Kohl de Oliveira, a Atta Mídia e Educação do Brasil realizou em 2006 um interessante documentário sobre Vygotsky, que serve para centrar o presente artigo da série dedicada aos grandes educadores do mundo.
Ficha técnica do filme-documentário:
Título original: Lev Vygotsky.
Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2006, 45 min., a cores e a preto e branco, documentário).
Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.
Roteiro e Apresentação: Marta Kohl de Oliveira (Formada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da USP, fez mestrado e doutorado em Psicologia da Educação na School of Education da Stanford University (California, EUA). Autora de vários livros dedica-se à pesquisa e à docência no ensino superior. O pensamento de Lev S. Vygotsky tem sido importante suporte teórico para as suas pesquisas).
Argumento: Vygotsky preocupa-se em entender o funcionamento psicológico do ser humano, integrando aspetos biológicos e culturais. Com relação à educação, a teoria de Vygotsky enfatiza o papel da aprendizagem no desenvolvimento humano, valorizando a escola, o professor e a intervenção pedagógica. Talvez por isso, as suas ideias têm tido tanta repercussão entre os educadores do ocidente, apesar da sua distância no tempo e espaço (viveu na antiga União Soviética e faleceu há 79 anos). A produção de Vygotsky foi vasta: escreveu cerca de 200 trabalhos científicos que foram pontos de partida para inúmeros projetos de pesquisa posteriores, desenvolvidos pelos seus colaboradores e seguidores, e ainda centrais na agenda de psicologia da educação contemporânea.
Conteúdos do Documentário: Biografia de Vygotsky. Planos Genéticos. Mediação Simbólica. Pensamento e Linguagem. Pensamento Generalizante. Inteligências Prática e Abstrata. Fala Egocêntrica. Desenvolvimento e Aprendizagem. Jogo Simbólico. Visão Prospetiva. Zona de Desenvolvimento Proximal. Intervenção Pedagógica.
Vygotsky, psicopedagogo com ideias inovadoras:
A obra de Vygotsky ressalta o papel da escola no desenvolvimento mental das crianças e é uma das mais estudadas pela pedagogia contemporânea. Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielorrússia, região então dominada pela Rússia (e que só se tornou independente em 1991, com a desintegração da União Soviética, adotando o nome de Belarus). Os seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições económicas, o qual permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Ele teve um tutor particular até entrar no curso secundário e dedicou-se desde cedo a muitas leituras. Aos 18 anos matriculou-se no curso de medicina em Moscova, mas acabou cursando direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielorrússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, que ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia, área em que rapidamente ganhou destaque, graças à sua cultura enciclopédica, o seu pensamento inovador e a sua intensa atividade, tendo produzido mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, cuja origem é a sua tese de mestrado. Lev Vygotsky faleceu em 1934, mas a sua obra ainda está em pleno processo de descoberta e debate em vários pontos do mundo, incluindo o Brasil e a Europa.
Em menos de 38 anos de vida, Vygotsky conheceu momentos políticos drasticamente diferentes, que tiveram forte influência no seu trabalho. Nascido sob o regime dos czares russos, Vygotsky acompanhou de perto, como estudante e intelectual, os acontecimentos que levaram à revolução comunista de 1917. O período que se seguiu foi marcado, entre outras cousas, por um clima de efervescência intelectual, com a abertura de espaço para as vanguardas artísticas e o pensamento inovador nas ciências, além de uma preocupação em promover políticas educacionais eficazes e abrangentes. Logo após a revolução, Vygotsky intensificou os seus estudos sobre psicologia. Visitou comunidades rurais, onde pesquisou a relação entre nível de escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento cognitivo. Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente cultural ficou cada vez mais limitado. Vygotsky usou a dialética marxista para a sua teoria de aprendizado, mas a sua análise da importância da esfera social no desenvolvimento intelectual era criticada por não se basear na luta de classes, como se tornara obrigatório na produção científica soviética. Em 1936, dous anos após a sua morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de Stalin e assim permaneceu por 20 anos. "Ele foi um pensador complexo e tocou em muitos pontos neurálgicos da pedagogia contemporânea", diz a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Teresa Rego.
A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores interessa em particular os estudos sobre desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou do seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Por serem muito significativas as suas palavras, escolhi aquelas frases e treitos das mesmas para que os educadores e docentes possam refletir sobre elas: "O saber que não vem da experiência não é realmente saber". "O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa por outra pessoa". “ Uma palavra que não representa uma ideia é uma cousa morta, da mesma forma que uma ideia não incorporada em palavras não passa de uma sombra”. “Ao brincar, a criança assume papéis e aceita as regras próprias da brincadeira, executando, imaginariamente, tarefas para as quais ainda não está apta ou não sente como agradáveis na realidade”. “As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro se tornarão o seu nível básico de ação real e moralidade”. “O único “bom aprendizado” é o que é para o avanço do desenvolvimento”. “ A estrutura da língua que uma pessoa fala influencia a maneira com que esta pessoa percebe o universo”. “Através dos outros, nos tornamos nós mesmos”. “ O voluntariado, mais do que as atividades altamente intelectuais, diferenciam o homem dos animais mais próximos dele”.
Várias das suas obras foram publicadas na nossa língua nos últimos anos. Entre elas quero destacar aquelas que têm mais interesse para os professores:Construção do Pensamento e da Linguagem (2011); Desenvolvimento Psicológico na Infância (1999); Estudos sobre a História do Comportamento (1997); Formação Social da Mente (1999); Imaginação e Criação na Infância. (2009); Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (1988); Pensamento e Linguagem (1987); Psicologia Pedagógica (2003) e Teoria e Método em Psicologia (2004).
A mediação pedagógica, básica para a aprendizagem:
Os estudos de Vygotsky sobre aprendizado decorrem da compreensão do homem como um ser que se forma em contacto com a sociedade. "Na ausência do outro, o homem não se constrói homem", escreveu o psicopedagogo. Ele rejeitava tanto as teorias inatistas, segundo as quais o ser humano já carrega ao nascer as caraterísticas que desenvolverá ao longo da vida, quanto as empiristas e comportamentais, que veem o ser humano como um produto dos estímulos externos. Para Vygotsky, a formação dá-se numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade ao seu redor, ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Essa relação não é passível de muita generalização; o que interessa para a teoria de Vygotsky é a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa. Segundo ele, apenas as funções psicológicas elementares se caracterizam como reflexos. Os processos psicológicos mais complexos, ou funções psicológicas superiores, que diferenciam os humanos dos outros animais, só se formam e se desenvolvem pelo aprendizado. Entre as funções complexas se encontram a consciência e o discernimento. "Uma criança nasce com as condições biológicas de falar, mas só desenvolverá a fala se aprender com os mais velhos da comunidade", diz. Outro seu conceito-chave é a mediação. Segundo a teoria vygotskiana, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos, como, por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam a natureza, e da linguagem, que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito.
Todo aprendizado é necessariamente mediado, e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo própria aluno. Segundo Vygotsky, ao contrário, o primeiro contacto da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.
Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, deve antecipar-se ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o primeiro vem antes. É a isso que se refere um dos seus principais conceitos, o de zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender, potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky.
Como Piaget, Vygotsky não formulou uma teoria pedagógica, embora o pensamento do psicólogo bielorusso, com a sua ênfase no aprendizado, ressalte a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, "puxando" dela um novo conhecimento."Ensinar o que a criança já sabe desmotiva o aluno e ir além de sua capacidade é inútil", comenta a professora Teresa Rego, interpretando a Vygotsky. O psicólogo considerava ainda que todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma habilidade ou de um conjunto de informações, mas amplia as estruturas cognitivas da criança. Assim, por exemplo, com o domínio da escrita, o aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento psicológico.
O seu conceito de zona de desenvolvimento proximal:
A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é um conceito elaborado por Vygotsky, e define a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto (normalmente o docente) ou em colaboração com outro companheiro. Quer dizer, é a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo, conhecimentos fora do seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. Segundo isto, o indivíduo não pode construir conhecimento novo sem uma estrutura, um fundamento, de aprendizagem prévia. Lev Vygotsky diz que o indivíduo não pode transpor um expediente de aprendizagem sem algum conhecimento anterior cognitivamente relacionado, a fim de conectar e suportar a nova informação.
Vygotsky descreve dois níveis de desenvolvimento, denominados desenvolvimento real e desenvolvimento potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver situações utilizando o seu conhecimento de forma autônoma. O nível de desenvolvimento real é dinâmico, aumenta dialeticamente com os movimentos do processo de aprendizagem. O desenvolvimento potencial é determinado pelas habilidades que o indivíduo já construiu, porém, encontram-se em processo. Isto significa que a dialética da aprendizagem que gerou o desenvolvimento real, gerou também habilidades que se encontram em um nível menos elaborado que o já consolidado. Desta forma, o desenvolvimento potencial é aquele que o sujeito poderá construir.
A ZDP muitas vezes é tomada como um dos níveis de desenvolvimento, porém, trata-se precisamente do campo intermediário do processo. Sendo o desenvolvimento potencial uma incógnita, já que não foi ainda atingido, Vygotsky postula sua identificação através do entendimento da ZDP. Tomando como premissa o desenvolvimento real como aquilo que o sujeito consolidou de forma autónoma, o potencial pode ser inferido com base no que o indivíduo consegue resolver com ajuda. Assim, a zona proximal fornece os indícios do potencial, permitindo que os processos educativos atuem de forma sistemática e individualizada.Temas para refletir e realizar:José Paz Rodrigues Académico da AGLP, Didata e Pedagogo Tagoreano.
Depois de ver o documentário, organizar um debate-papo ou tertúlia, sobre os diferentes aspetos que sobre a figura de Lev Vygotsky aparecem no mesmo. Refletir sobre o seu pensamento psicoeducativo e comentar, dando alternativas concretas, sobre como se poderia pôr em prática hoje nas nossas escolas a sua didática prática, apresentada na famosa ideia de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Poderia pesquisar-se também na Internet sobre as experiências realizadas em diferentes escolas seguindo as suas ideias, entre elas o antigo método denominado “lancansteriano” e os sistemas didáticos de “ensino mútuo”, assim como sobre as suas interessantes e numerosas publicações, editadas postumamente.
Elaborar uma monografia, procurando informações em livros e na Internet, sobre as suas ideias mais importantes, e entre elas a da ZDP. Com fotos, textos, cartazes, retalhos de imprensa e materiais elaborados, poderia organizar-se nas escolas uma magna exposição sobre o modelo pedagógico proposto por ele.
Escolher uma, para lê-la entre todos, das obras básicas, e de maior aplicação à Didática nas aulas, escritas por Vygotsky, publicadas na nossa língua, escolhida entre as citadas antes, para comentá-la e debater sobre as palavras, ideias educativas e propostas práticas que o psicopedagogo bielorusso faz na mesma.