segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Chomsky: “Enquanto a Síria se suicida, Israel e EUA desfrutam do espetáculo”

Chomsky: “Enquanto a Síria se suicida, Israel e EUA desfrutam do espetáculo”

Em entrevista exclusiva para o portal britânico Cessar Fogo (Ceasefire), o renomado intelectual Noam Chomsky falou com Frank Barat sobre a situação atual no Médio Oriente, em particular a crise da Síria, as negociações de paz entre Israel e os palestinianos e o papel do poder dos EUA na região. “Se os EUA e Israel quisessem ajudar os rebeldes – não o fazem – poderiam fazê-lo sem intervenção militar”.
Qual é a definição das negociações entre Israel e Estados Unidos e porque a Autoridade Palestina (AP) continua a prestar-se a isso?
Do ponto de vista dos EUA, as negociações são, com efeito, um caminho para Israel continuar a sua política de tomar sistematicamente tudo o que quiser na Cisjordânia, mantendo o assédio brutal de Gaza, separando Gaza da Cisjordânia e, claro, ocupando os Montes Golã sírios, tudo com pleno apoio dos EUA. E o marco das negociações, igualmente aos últimos 20 anos de experiência de Oslo, simplesmente proporcionou o encobrimento desta situação.
Em sua opinião, por que a Autoridade Palestina (AP) continua a jogar esse jogo?
Provavelmente, em parte, por desespero. Podemos nos perguntar se é a decisão correta, mas ela não tem muitas alternativas.
Definitivamente, a AP aceita esse marco apenas para sobreviver?
Se ela se nega a negociar, tal como propõem os Estados Unidos, a sua base de apoio seria derrubada. A AP sobrevive essencialmente à base de doações. Israel assegurou que ela não tenha uma economia produtiva. É uma espécie do que em ídiche se chamaria “Sociedade Schnorrer”: pede emprestado e vive do que puder conseguir.
Se a AP tem outra alternativa, não está claro, mas se rejeitar a exigência dos EUA de acudir às negociações em condições totalmente inaceitáveis, a sua base de apoio iria erodir-se. E não tem apoio – externo – suficiente para que a elite palestiniana possa viver de maneira bastante decente – por tabela pródiga – no seu estilo de vida, enquanto a sociedade que a rodeia cai aos pedaços.
Desse modo, seria negativa a queda e desaparição da AP, depois disso tudo?
Depende do que vier a substituí-la. Se fosse permitido a Marwan Barghouti, por exemplo, unir-se à sociedade da forma como fez, por exemplo, Nelson Mandela, poderia ter um efeito dinamizador na organização de uma sociedade palestiniana, que poderia pressionar por exigências mais importantes. Mas lembre-se que eles não têm muitas opções.
De facto, se nos remetemos ao princípio dos Acordos de Oslo, há 20 anos, havia negociações em curso, as negociações de Madrid, nas quais a delegação palestiniana era encabeçada por Haider Abdel-Shafi, uma figura muito respeitada da esquerda nacionalista palestiniana. Abdel-Shafi negava-se a aceitar os termos dos EUA e Israel, que lhes permitiam fundamentalmente a continuidade da expansão dos colonatos. Negou-se, e as negociações estancaram sem chegar a lugar algum.
Enquanto isso, Arafat e os palestinianos do exterior foram paralelamente a Oslo, ganharam o controlo e Haider Abdel-Shafi opôs-se de forma tão contundente que nem sequer se apresentou à dramática cerimónia sem sentido, onde Clinton sorria enquanto Arafat e Rabin apertavam as mãos. Abdel-Shafi não se apresentou porque se deu conta de que era uma traição absoluta. Mas baseava-se em princípios e, portanto, não poderia chegar a nenhuma parte, a menos que conseguisse um importante apoio da União Europeia, dos Estados do Golfo e em última instância dos EUA.
O que acha que realmente está em jogo na Síria neste momento e o que significa para a região em geral?
A Síria está a suicidar-se. É uma história de terror e cada vez está pior. Não há uma saída no horizonte. O que provavelmente acontecerá, se continuar assim, é que a Síria será dividida em três regiões: uma região curda – que já está a formar-se – que poderia separar-se e unir-se de alguma maneira ao semi-autónomo Curdistão iraquiano, talvez com algum tipo de acordo com a Turquia.
O resto do país se dividiria entre uma região dominada pelo regime de Assad – um regime brutal, horrível – e outra secção dominada pelas diversas milícias, que vão desde o extremamente nocivo e violento até ao secular e democrático. Se olharmos o que saiu no New York Times, há uma citação de um funcionário israelita que expressa essencialmente a sua alegria de ver os árabes massacrando-se uns aos outros.
Sim, eu li.
Para os Estados Unidos, assim está bom, não querem outro tipo de saída. Se os EUA e Israel quisessem ajudar os rebeldes – não o fazem – poderiam fazê-lo, inclusive, sem intervenção militar. Por exemplo, com Israel mobilizando forças nos Montes Golã (claro, são as montanhas do Golã da Síria, mas por agora o mundo, mais ou menos, tolera ou aceita a ocupação ilegal de Israel). Se fizessem isso, obrigariam Assad a mover forças até ao sul, o que aliviaria a pressão sobre os rebeldes. Mas não há nenhum indício sequer disso. Mesmo assim, não estão a dar ajuda humanitária à grande quantidade de refugiados que sofrem, não estão a fazer nenhuma das coisas simples que poderiam fazer.
Tudo isso sugere que tanto Israel como os EUA preferem exatamente o que está a acontecer, tal como informava o NYT que mencionámos. Enquanto isso, Israel pode celebrar, a sua condição do que chamam de “cidade na selva”. Houve um interessante artigo do editor do Haaretz, Aluf Benn, que escreveu sobre como os israelitas vão à praia, desfrutam e congratulam-se de serem uma “cidade na selva”, enquanto as bestas selvagens de fora se desgarram entre si. E, claro, Israel, sob essa imagem, não está a fazer nada, exceto defender-se. Eles gostam dessa imagem e os EUA tampouco parecem muito descontentes com ela. O resto é conversa.
Assim, podemos falar de um ataque dos EUA, você acredita que ocorra?
Um bombardeamento?
Sim.
É uma espécie de debate interessante nos Estados Unidos. A ultra-direita, os extremistas da direita, que são uma espécie de espectro internacional, opõem-se, ainda que não seja pelas razões que me agradariam. Opõem-se porque pensam: “por que se dedicar a resolver os problemas dos outros e perder os nossos próprios recursos?” Estão literalmente a perguntar: “quem nos vai defender quando nos atacarem, se nós mesmos estamos dedicados a ajudar outros países, no estrangeiro?” Essa é a ultra-direita. Se nos fixamos na direita “moderada”, gente como, por exemplo, David Brooks, do New York Times, considerado um comentarista intelectual de direita, o seu ponto de vista é de que o esforço dos EUA em retirar as suas forças da região não está a ter um “efeito moderador”. Segundo Brooks, quando as forças norte-americanas estão na região, isso tem um efeito moderador, melhora a situação, como se pode ver no Iraque, por exemplo. Mas se vamos retirar as nossas forças, então já não somos capazes de moderar e melhorar a situação.
Essa é a visão normal da direita intelectual na corrente principal, os democratas liberais e outros. De modo que há um monte de indagações sobre como “devemos exercer a nossa ‘responsabilidade de proteger’”. Bom, basta dar uma olhada nos registos históricos dos EUA sobre a ‘responsabilidade de proteger’. O facto, inclusive, de dizer tais palavras revela algo de, certamente, insólito nos EUA e, de facto, na cultura moral e intelectual do Ocidente.
Isso é, à parte do facto em si, uma grave violação do direito internacional. A última linha de Obama é que ele não estabeleceu uma “linha vermelha”, mas que o mundo a estabeleceu, por meio das suas convenções sobre a guerra química. Bom, na verdade o mundo tem um tratado, que Israel não assinou e que os EUA descuidam totalmente – por exemplo, quando apoiaram o uso, realmente horrível, de armas químicas por Saddam Hussein. Hoje, isso é utilizado para denunciar Saddam Hussein, ignorando o facto de que não só se tolerava, mas, basicamente, havia o apoio do governo de Reagan. E, claro, a convenção não tem mecanismos de aplicação de sanções.
Tampouco existe o que se denomina ‘responsabilidade de proteger’, isso é uma fraude promovida na cultura intelectual do Ocidente. Há um conceito, na verdade dois: um aprovado pela Assembleia Geral da ONU, que se refere à ‘responsabilidade de proteger’, mas que não oferece nenhuma autorização a qualquer tipo de intervenção, exceto nas condições da Carta das Nações Unidas. Outra versão, que se aprovou só por parte do Ocidente, os EUA e os seus aliados, que é unilateral e diz que tal responsabilidade permite a “intervenção militar das organizações regionais na região da sua autoridade, sem a autorização do Conselho de Segurança”.
Pois bem, traduzindo, isso significa que se proporciona a autorização aos EUA e à NATO de utilizarem a violência aonde quiserem, sem autorização do Conselho de Segurança. Isso é o que se chama ‘responsabilidade de proteger’ no discurso ocidental. Se não fosse tão trágico, seria ridículo.
Frank Baraté coordenador do Tribunal Russell sobre a Palestina. O seu livro “Gaza in Crisis: Reflections on Israel's War Against the Palestinians”, com Noam Chomsky e Ilan Pappe, já está disponível. A edição francesa do livro, publicada em 2013, conta com uma extensa entrevista com Stephane Hessel.
Entrevista originalmente publicada no portal Ceasefire. Tradução para espanhol de Rebelióne para português de Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

‘Precisamos rediscutir o modelo de sociedade, antes de determinar a forma de eleição de políticos’



ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO
 do CORREIO DA CIDADANIA





Ainda estamos no calor da onda de manifestações que fazem crer em novos rumos para o país, a despeito do desconcerto que ainda afeta os governos instituídos, incapazes sequer de abrir mão da repressão militar nas ruas, enquanto desengavetam propostas há muito tempo fora de suas pautas, postas à mesa com pressa jamais vista.

Para comentar um pouco sobre o mês que abalou as estruturas do país, e também sobre a propalada reforma política, agora entusiasticamente oferecida por Dilma, o Correio da Cidadania entrevistou o jurista e livre docente da USP, Jorge Luiz Souto Maior.

Para Souto Maior, o atual momento “ficará para a história como um momento de ruptura, de transformação por parte sociedade brasileira, que não será mais a mesma, certamente. Também não serão mais as mesmas as instituições brasileiras, que sentiram fortemente o peso da manifestação popular”, resume.
O jurista enfatiza, no entanto, que as manifestações populares exigem, em seu fundo, uma maior intervenção social do Estado, no sentido de organizar e promover adequadamente os serviços públicos e essenciais. Além de mencionar que os acenos dados até agora pelo governo neste sentido são muito genéricos, faz uma importante  advertência quanto ao tema para o qual mais se voltou o governo até o momento, e aquele que tem recebido maior cobertura na mídia corporativa,  a reforma política.  “Precisamos discutir que modelo de sociedade nós queremos, pra determinar a medida da atuação que se deseja dos políticos e do governo. Penso que a questão, já posta na mesa, sobre a participação mais ativa do Estado nos temas que dizem respeito aos direitos sociais e à economia é algo mais importante do que simplesmente determinar a forma de eleição dos políticos”.

Quanto à ideia de uma Assembleia Constituinte para levar adiante uma reforma política, seja ela instituída de forma ampla  - uma forma de, justamente, levar a cabo uma revisão mais profunda do modelo de sociedade -, seja de forma específica - convocada por Emenda Constitucional, de acordo com a Constituição -, Souto Maior não a enxerga como oportuna. “Creio que essa reforma política pode ter a necessidade de uma constituinte, mas a proposta parcial – fora de um contexto, digamos, revolucionário, e pura e simplesmente dentro de um acerto do modelo de sociedade que aí está – é muito perigosa, na medida em que se abre a porta para a fragilidade da Constituição como um todo, tanto daquilo que ela tem de ruim como também daquilo que tem de bom. E a Constituição de 1988, é importante lembrar, fez parte de um pacto de reconstrução da sociedade brasileira, na forma de um Estado Social-democrático, que na realidade ainda não foi implantado (...) Ainda precisamos implantar a Constituição de 1988”.

O jurista não teme, finalmente, por retrocessos, uma vez que, acima de tudo, o povo tomou as ruas para colocar suas urgências em pauta, como há muito não se via. “Tais reivindicações de massa representaram uma espécie de sepultamento da lógica neoliberal”, completa, complementando que o atual momento deve ser visto também pela perspectiva da crise internacional do capitalismo e seu modelo de sociabilidade e produção, em última análise, o autêntico estopim da revolta.

A entrevista completa com Jorge Luiz Souto Maior pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como o senhor tem visto e o que significa, em sua análise, o desenrolar dos acontecimentos políticos desde o início das manifestações até o seu atual estágio?
Jorge Luiz Souto Maior: Eu vejo o momento muito positivamente, porque é uma demonstração clara e evidente de que as pessoas em geral perceberam que toda mobilização precisa de luta. E, sobretudo, a população tem utilizado a mobilização para pleitear, com mais força, uma maior participação do Estado na vida social, no sentido da melhoria dos serviços sociais. De certa forma, o momento representa um pouco de saída daquela situação vivenciada até aqui, de isolamento, individualismo e certo egoísmo, trazendo um pouco dos valores da solidariedade a essa sociedade, os quais ela tanto precisa. Eu vejo tudo que ocorreu muito positivamente, do ponto de vista democrático, político e também pela conotação social relevante.

Correio da Cidadania: Acredita que este momento mais efervescente já sofreu algum recuo, um arrefecimento?

Jorge Luiz Souto Maior: A efervescência ainda está presente, mas acho que a tendência é diminuir, pelo que tenho visto. Não porque eu queira que diminuam os volumes de manifestações. De toda forma, o que já ocorreu não ficará para a história como algo que passou, simplesmente. Ficará para a história como um momento de ruptura, de transformação por parte sociedade brasileira, que não será mais a mesma, certamente. Também não serão mais as mesmas as instituições brasileiras, que sentiram fortemente o peso da manifestação popular.

O sentimento de força, adquirido pelas manifestações, certamente não ficará perdido mais adiante. Muitas conquistas concretas vieram, embora as reivindicações sejam bastante diversificadas. Houve conquistas e avanços concretos, que se anunciam ainda maiores, como poderemos ver através de uma eventual reforma política. Consequentemente, esses avanços a serem obtidos ficarão como demonstração clara de que as mobilizações sociais são relevantes.

Correio da Cidadania: Quanto à reação e medidas que têm tomado os mandatários, prefeitos, governadores e presidente da República, o que teria a comentar?

Jorge Luiz Souto Maior: Acho que as reações dos governantes, independentemente dos partidos – todos eles, é importante frisar – demonstram uma evolução das manifestações, evidenciando exatamente a conquista do movimento. Porque, num primeiro momento, os governantes desprezaram a força das mobilizações ou quiseram abafá-las, utilizando antigas estratégias de repressão. E tiveram que mudar sua postura, foram forçados a mudar a postura, diante dos eventos que se sucederam e passaram a ser notícia mundial, levando-os a tomarem medidas concretas no sentido de acolher as reivindicações, ou pelo menos parte delas.

Isso mostra, consequentemente, que as mobilizações representaram muitas vitórias e uma delas é exatamente essa: a evolução dos próprios governantes diante das mobilizações sociais, aceitando agora o desafio futuro, em relação ao que vem daqui por diante. Porque as questões colocadas em jogo se anunciam para brevemente, já estão prestes a ocorrerem, ao menos de acordo com o discurso dos próprios políticos.

Qual será a postura dos governantes diante de mobilizações sociais, com reivindicações mais emergentes e mais urgentes, vindas das periferias das cidades, das classes sociais, sobretudo dos trabalhadores? Os movimentos sociais que em grande parte são criminalizados têm agora a importante possibilidade de serem vistos através de suas reivindicações democráticas e também suas mobilizações, dando um impulso ao diálogo e à evolução concreta dos arranjos sociais, políticos e econômicos. Teremos de ver como tudo sucederá. Em princípio, parece que, necessariamente, terá de haver avanços.

Correio da Cidadania: No que se refere especificamente às medidas anunciadas pela presidência da República, para saúde, educação, transportes e sistema político, como você as recebeu, no geral?
Jorge Luiz Souto Maior: É evidente que algumas soluções exigidas nas reivindicações, quanto à saúde pública, educação pública e, sobretudo, o transporte com tarifa zero, não se resolvem de uma hora pra outra. De todo modo, o governo acenou com algumas soluções, que não são nem definitivas nem amplamente satisfatórias, cabendo verificar daqui por diante a eficácia de tais medidas em curto espaço de tempo, a fim de compreendermos se efetivamente representam algum avanço, na perspectiva das reivindicações populares.

Pessoalmente, não sei dizer se as medidas oficiais vão conduzir aos avanços, acho que devem ser feitos acenos maiores, mais abrangentes, mais definitivos. Mesmo assim, essa é uma verificação a ser feita na sequência, pra sabermos se algum desses anúncios representa evolução. Pessoalmente, acredito que são acenos genéricos demais e precisariam de definições mais concretas.

O debate apenas se iniciou e precisa ser aprofundado, não é possível ficar apenas na promessa de que serão destinados, futuramente, determinados valores dos royalties do petróleo, um percentual ‘xis’ do orçamento, para a educação e a saúde. É preciso saber quanto será administrado, de fato, para a educação, a saúde, e como esse dinheiro efetivamente vai ser empregado, quais são as políticas concretas para viabilizar a educação pública de qualidade e o acesso a ela, seja no ensino fundamental, médio ou superior.

Como será, de fato, o acesso à política, à educação e à saúde pública, sobretudo frente ao interesse privado nas áreas da saúde e também da educação?

São questões bastante relevantes para serem tratadas, de forma que não basta apenas destinar dinheiro. É preciso saber concretamente como e se o dinheiro será usado, quais serão exatamente as políticas para a resolução do quadro atual etc.

Correio da Cidadania: No sentido de novas providências a serem tomadas, a reforma política é o tema para o qual mais se voltou o governo até o momento e aquele que tem recebido maior cobertura na mídia corporativa – e, para a sua consecução, foi anunciada pela presidente Dilma até mesmo a tão criticada, e já descartada, Assembleia Constituinte. Como enxerga a necessidade e urgência de se promover uma reforma política em nosso país?
Jorge Luiz Souto Maior: Não tenho conhecimento profundo dessa questão. Eu tenho visto e lido bastante coisa, em geral com as pessoas pautando a reforma política como forma de gerar benefícios ao país, na perspectiva de melhorar as formas de representação. Vejo discussões sobre como os políticos poderiam representar mais democraticamente a sociedade, como a eleição poderia ser feita de forma a encontrar representantes ou políticos mais conectados com a vontade popular etc.

De todo modo, não sei se basta. Precisamos discutir que modelo de sociedade nós queremos, pra determinar a medida da atuação que se deseja dos políticos e do governo. Penso que a questão, já posta na mesa, sobre a participação mais ativa do Estado nos temas que dizem respeito aos direitos sociais e à economia é algo mais importante do que simplesmente determinar a forma de eleição dos políticos.

Parece também que se corre o risco de considerar todos os problemas vivenciados na sociedade, em geral, frutos da política e sua representação, como se os problemas decorressem somente da classe política partidária, deixando de lado as discussões mais relevantes, em torno da crise econômica nacional e mundial, que passa pelo modelo capitalista de produção. Ou seja, falta a perspectiva econômica e social, que transcende a atuação coletiva, pura e simples, dos políticos.

A sociedade precisa participar mais ativamente do debate a respeito do modelo de gestão de sua vida, dada a estagnação vivenciada, em nível mundial, pelo modo capitalista de produção, o que consequentemente requer, no mínimo, uma remodelação, chegando à sua reavaliação profunda.

Correio da Cidadania: Ainda a respeito da reforma política, muitos advogam que seria de fato mais efetiva uma Constituinte do que um instrumento limitado, para muitos oportunista, como o plebiscito: existem dede os que defendem uma ampla Constituinte -  uma forma de, justamente, levar a cabo uma revisão mais profunda do modelo de sociedade -, até aqueles que propõem uma “assembleia constituinte (revisora) específica, convocada conforme a Constituição, por Emenda Constitucional, para conectar as instituições políticas da República com o povo, que é o poder constituinte real” - conforme chegou a clamar o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Como o senhor se posiciona nesse debate?
Jorge Luiz Souto Maior: O momento de realizar uma constituinte, pelo que tenho visto, em termos de necessidade, parece não existir. Creio que essa reforma política pode ter a necessidade de uma constituinte, mas a proposta parcial – fora de um contexto, digamos, revolucionário, e pura e simplesmente dentro de um acerto do modelo de sociedade que aí está – é muito perigosa, na medida em que se abre a porta para a fragilidade da Constituição como um todo, tanto daquilo que ela tem de ruim como também daquilo que tem de bom. E a Constituição de 1988, é importante lembrar, fez parte de um pacto de reconstrução da sociedade brasileira, na forma de um Estado Social-democrático, que na realidade ainda não foi implantado. Vejo muito por esse aspecto: ainda precisamos implantar a Constituição de 1988, de fato, na sociedade, realizando melhorias na vida através dela.

Ressalto que a melhoria do atual modelo de sociedade requer outras avaliações, requer uma reparticipação, uma repactuação, que precisaria ser muito discutida, muito pensada e muito idealizada, passando por uma avaliação profunda da sociedade brasileira. E simplesmente utilizar uma Constituinte, numa perspectiva parcial, sem uma discussão mais ampla, não é o melhor caminho.

Encaminhar o plebiscito, sugerido pela presidente, me parece melhor e mais adequado, podendo também surtir efeitos relevantes, neste caso atraindo as pessoas para as ruas para um debate político concreto, elevando o nível da discussão. Isso tem efeito importante. Vejo algumas manifestações contrárias ao plebiscito, pois existem questões complexas sugeridas, e que seriam direcionadas ao voto direto da população. Mas creio que, nesse aspecto, há um certo pré-conceito quanto às possibilidades de compreensão da sociedade, em geral, a respeito de seus próprios problemas.

Penso que a sociedade de hoje, sobretudo os estudantes e jovens, é muito apta e rápida na compreensão das coisas, muito mais inteligente do que já foi no passado, e bastante comprometida, embora tenha quem diga o contrário, que tais jovens não estão aí para nada. Não é verdade. Há certa subestimação sobre o que representa essa movimentação política para os jovens. Creio, portanto, que eles são bastante aptos para conduzirem a discussão.

Correio da Cidadania: Abordando alguns detalhes de uma eventual reforma política, fala-se de voto distrital, voto proporcional em lista fechada, financiamento público de campanha, dentre outros aspectos. O que o senhor comentaria a respeito desses pontos ou priorizaria como elementos essenciais para um reforma política no país?

Jorge Luiz Souto Maior: Escolhendo um ponto, me parece que a questão do financiamento público de campanha é a mais relevante a ser avaliada. Mas, de fato, todos os pontos mencionados têm sua importância.

Correio da Cidadania: Acredita que o atual momento crie circunstâncias políticas favoráveis para se levar a cabo uma reforma política que, ainda que circunscrita pela ordem burguesa, tenha um cunho mais progressista, que combata firmemente a “privatização dos mandatos”, consequentemente contrariando os próprios interesses do sistema econômico vigente?

Jorge Luiz Souto Maior: Eu tenho impressão que sim. Tenho impressão que as forças sociais ou a consciência atual tende, mesmo, para o lado da reivindicação social, dos direitos sociais e uma participação mais ativa do Estado na economia e na realidade social, no sentido da diminuição das desigualdades, evitando a diminuição dos direitos sociais, tal como estamos vivenciando.

Acredito que a sociedade tenderá a uma reforma que vise aquilo que ela desconhecia, e não simplesmente a reafirmação de um modelo econômico neoliberal, o que, afinal, mostrou o momento que estamos vivendo. Acho que tais reivindicações de massa representaram uma espécie de sepultamento da lógica neoliberal.

Desse ponto de vista, a gente só pode ser otimista quanto ao que virá. De todo modo, sendo pessimista ou otimista, acho que o problema não é este. Penso que temos de nos dar a chance de conhecer a fundo a sociedade em que vivemos. Não dá pra ter medo do que virá das manifestações populares, porque, no fim das contas, precisamos conhecer a fundo a nossa sociedade.

Correio da Cidadania: O que vislumbra, finalmente, como o decorrer destes intensos acontecimentos das últimas semanas, para curto e médio prazos?

Jorge Luiz Souto Maior: É muito difícil imaginar. Já é difícil entender o presente, mais difícil ainda prever o futuro. Se nós conversássemos há um mês, arrisco-me a dizer que não estaríamos aqui hoje com essa conversa, com todos os fatos que já ocorreram. Na verdade, não só a sociedade brasileira, mas o modelo de sociedade mundial, caminha a passos largos em direção ao estado de estagnação, em nível de caos mesmo. Bastaria um estopim pra que as coisas se apresentassem, mais precisamente no que diz respeito à realidade social. Foi o que acabou ocorrendo, de certa forma a previsão não era tão difícil de ser feita. Mas, agora, prever o que virá por diante, depois de tudo que aconteceu, é difícil. A única coisa que posso dizer, com muita segurança, é que não haverá um passo pra trás, só para a frente, adiante.

A pior leitura que se pode fazer é dizer que tudo vai voltar ao que era, que nada disso valeu a pena, foi só um fogo de palha. De fato, não vai, e acho que essa previsão é possível fazer. Mas saber qual o limite é uma grande dificuldade, porque acho que os problemas identificados não serão resolvidos rapidamente, a insatisfação permanecerá, outros problemas de natureza social tendem a se manifestar, ainda mais dentro da atual lógica econômica.

A reivindicação sempre vem dentro de outra perspectiva econômica, a de avançar sobre os direitos dos trabalhadores. Se isso se repetir, de que forma os trabalhadores reagirão, de que forma a sociedade vai se mobilizar contra, como se portarão os movimentos sociais, reivindicando moradia, reivindicando justiça social, reivindicando melhores condições de vida, de trabalho, como as respostas serão efetivamente dadas, é toda uma dinâmica que está posta na mesa, ainda sem conclusões.

É uma dinâmica que vai gerar efeitos múltiplos e imprevisíveis. Porque, de toda forma, fingir que essas coisas não estão acontecendo, tal como vivenciávamos até então, fazendo de conta que a sociedade estava coesa, bem unida a partir de um bem comum etc., não é mais uma postura sustentável. Em certo sentido, a sociedade está unida, mas, neste caso, pela busca de uma outra sociedade, uma sociedade que supere todos os problemas que estão postos e identificados. Não é mais possível fingir que tais problemas não existem. De que forma as pessoas mobilizadas se contentariam, eventualmente, com uma não solução dos problemas é algo que não dá pra prever. Mas, certamente, tal dinâmica continuará se desenvolvendo.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Revolução Farroupilha, uma visão crítica...

Até quando vamos endeusar a revolução farroupilha? (Por Juremir Machado)

Até quando?
Todo os anos eu me pergunto: até quando?
Sim, até quando teremos de mentir ou omitir para não incomodar os poderosos individuais ou coletivos?
Até quando teremos que tapar o sol com a peneira para não ferir as suscetibilidades dos que homenageiam anualmente uma “revolução” que desconhecem? Até quando teremos de aliviar as críticas para não ofender os que, por não terem estudado História, acreditam que os farroupilhas foram idealistas, abolicionistas e republicanos desde sempre? Até quando teremos de fazer de conta que há dúvidas consistentes sobre a terrível traição aos negros em Porongos? Até quando teremos de justificar o horror com o argumento simplório de que eram os valores da época? Valores da traição, do escravismo, da infâmia?
Até quando fingiremos não saber que outros líderes – La Fayette, Bolívar, Rivera – outros países – Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia – e outras rebeliões brasileiras – A Balaiada, no Maranhão, por exemplo – foram mais progressistas e, contrariando “valores” da época, ousaram ir aonde os farroupilhas não foram por impossibilidade ideológica? Até quando a mídia terá de adular o conservadorismo e a ignorância para fidelizar sua “audiência”?
Até quando deixaremos de falar que milhões de homens sempre souberam da infâmia da escravidão? Os escravos. Até quando minimizaremos o fato de que a Farroupilha, com seu lema de “liberdade, igualdade e humanidade”, vendeu negros para se financiar? Até quando deixaremos de enfatizar que os farrapos prometiam liberdade aos negros dos adversários, mas não libertaram os seus? Até quando daremos pouca importância ao fato de que a Constituição farroupilha não previa a libertação dos escravos? Até quando deixaremos de contar em todas as escolas que Bento Gonçalves ao morrer, apenas dois anos depois do fim da guerra civil, deixou mais de 50 escravos aos seus herdeiros? Até quando?
Até quando?
Até quando adularemos os admiradores de um passado que não existiu somente porque as pessoas precisam de mitos e de razões para passar o tempo, reunir-se e vibrar em comum? Até quando os folcloristas sufocarão os historiadores? Até quando o mito falará mais alto do que a História? Até quando não se dirá nos jornais que os farroupilhas foram indenizados pelo Império com verbas secretas? Que brigaram pelo dinheiro? Que houve muita corrupção? Que Bento Gonçalves e Neto não eram republicanos quando começaram a rebelião? Que houve degola, sequestros, apropriação de bens alheios, execuções sumárias, saques, desvio de dinheiro, estupros, divisões internas por causa de tudo isso e processos judiciais?
Até quando, em nome de uma mitologia da identidade, teremos medo de desafiar os cultivadores da ilusão? Até quando historiadores como Décio Freitas, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Tau Golin, Jorge Eusébio Assumpção, Spencer Leitman e tantos outros serão marginalizados? Até quando nossas crianças serão doutrinadas com cartilhas contando só meias verdades?
Até quando a rebelião dos proprietários será apresentada como uma revolução de todos? Até quando mentiremos para nós mesmos? Até quando precisaremos nos alimentar dessa ilusão?
Até quando viveremos assim?

Aprender com a intervenção pedagógica do mestre na escola no filme "Lev Vygotsky"

160913 vygostsky 2PGL - [José Paz Rodrigues] Junto com crianças e alunos, os mestres são o mais importante e fundamental que existe em aulas e escolas. Os seres humanos devem ter preferência sempre a edifícios, computadores, quadros digitais e todo o tipo de recursos didáticos. Todos os grandes pedagogos da história educativa mundial acreditavam que os bons mestres são impagáveis.


Nenhum país, por rico que seja, tem dinheiro suficiente para incentivar os bons docentes. E, que importante é ter bons mestres! Todos e todas podemos refletir no valiosos que foram para nós aqueles nossos mestres de primária, secundária e mesmo ensino superior. Para fazer-nos pessoas de proveito, para as nossas aprendizagens racionais, associativas, motóricas e apreciativas, para o nosso progresso social e para termos valores humanos. Cada um de nós pode refletir sobre aqueles docentes seus que foram importantes para a nossa educação. Porque, ademais de conhecimentos, souberam como ensiná-los e nos motivaram para o avanço no nosso ensino, e tinham verdadeiros valores como pessoas com senso ético, com sensibilidade, com alegria e com o seu apreço pela vida e pelos seus alunos.
Por tudo isto, temos que solicitar uma boa preparação psicodidática dos docentes, que nesta altura não há ou, se há, é muito deficiente. Em primeiro lugar, um plano de formação inicial dos professores adequado, motivador e fomentador da vocação docente. Porque a formação inicial é importantíssima e durante muitos anos no nosso país esteve, e continua a estar, abandonada, subvalorizada, mediatizada e desconsiderada. Bastaria, para melhorá-la, tomar como modelo o Plano Profissional de 1931, adaptando-o aos tempos atuais, que foi o melhor que tivemos, nunca superado. Também poderia valer, em certa maneira, o Plano de estudos de 1967, que, como o anterior, desgraçadamente pouco durou. Em segundo lugar, cumpre uma maior e melhor preocupação pela formação permanente ou em exercício dos docentes. Esta formação também é muito importante e hoje está muito esquecida, com falta de apoio e de regulação idónea. Pouco criativa e inovadora e excessivamente rotineira e aborrecida. Em âmbitos que necessitam com urgência de uma profunda renovação. Infelizmente, longe ficou a exemplar renovação pedagógica dos anos oitenta e noventa do passado século.
Numa conferência pronunciada em Bilbau, no ano 1905, por o para mim maior pedagogo da nossa história, Manuel Bartolomé Cossío, sob o título de “O mestre, a escola e o material de ensino”, ao final da mesma pronunciou umas formosas palavras, com atualidade profunda ainda hoje. Estas palavras foram: ”Concluo, pois, como ali terminava: formade mestres; aumentade os mestres; gastade, gastade nos mestres”. Por isto é muito grave a desconsideração que ultimamente existe sobre os docentes e o poupar dinheiro prescindindo nos estabelecimentos de ensino de mestres e professores. Os mestres são as verdadeiras “almas da escola”, em palavras precisamente dos grandes mestres institucionistas Giner e Cossío.
Para isso, nada como escutar Cossío, quando no mesmo livro antes citado, de forma maravilhosa e tão acertada diz: ”O primeiro material de ensino; o adequado em todo o caso, o que está sempre vivo, o que não se esgota jamais, é a realidade mesma, que generosamente se nos oferece” (…) Rompamos pois os muros da sala de aula. Levemos as crianças ao campo, ao obradoiro, ao museu, como tantas vezes se tem asseverado, ensinemos-lhes a realidade na realidade, antes que nos livros, e entrem na sala de aula só para refletir e para escrever, redigir e desenhar (…) O que é necessário para poder realizar esta escola, imagem da vida? Todos o compreendedes: fazem falta mestres. A eles há que atender antes que ao edifício escolar, como antes que ao material de ensino. Temos que formar bons mestres”.(...) Dade-me um bom mestre e ele improvisará o local da escola sem falta, ele inventará o material de ensino, ele fará que a assistência seja perfeita; mas dade-lhe à sua vez a consideração que merece...”
Ninguém pode duvidar da grande importância que tem para a nossa sociedade contar com bons docentes, com qualidades humanas positivas e bem preparados profissionalmente, nos campos da didática e da psicologia evolutiva e da educação. Quem tinha isto muito claro era o grande psicopedagogo russo Lev Vygotsky (1896-1934). O tema central das suas pesquisas e investigações psicoeducativas foi demonstrar a importância do labor do docente, se a sua intervenção pedagógica é acertada, para o avanço das aprendizagens dos escolares e para o seu desenvolvimento psicossocial. Com roteiro e apresentação da pedagoga Marta Kohl de Oliveira, a Atta Mídia e Educação do Brasil realizou em 2006 um interessante documentário sobre Vygotsky, que serve para centrar o presente artigo da série dedicada aos grandes educadores do mundo.
Ficha técnica do filme-documentário:
Título original: Lev Vygotsky.
Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2006, 45 min., a cores e a preto e branco, documentário).
Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.
Roteiro e Apresentação: Marta Kohl de Oliveira (Formada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da USP, fez mestrado e doutorado em Psicologia da Educação na School of Education da Stanford University (California, EUA). Autora de vários livros dedica-se à pesquisa e à docência no ensino superior. O pensamento de Lev S. Vygotsky tem sido importante suporte teórico para as suas pesquisas).
Argumento: Vygotsky preocupa-se em entender o funcionamento psicológico do ser humano, integrando aspetos biológicos e culturais. Com relação à educação, a teoria de Vygotsky enfatiza o papel da aprendizagem no desenvolvimento humano, valorizando a escola, o professor e a intervenção pedagógica. Talvez por isso, as suas ideias têm tido tanta repercussão entre os educadores do ocidente, apesar da sua distância no tempo e espaço (viveu na antiga União Soviética e faleceu há 79 anos). A produção de Vygotsky foi vasta: escreveu cerca de 200 trabalhos científicos que foram pontos de partida para inúmeros projetos de pesquisa posteriores, desenvolvidos pelos seus colaboradores e seguidores, e ainda centrais na agenda de psicologia da educação contemporânea.
Conteúdos do Documentário: Biografia de Vygotsky. Planos Genéticos. Mediação Simbólica. Pensamento e Linguagem. Pensamento Generalizante. Inteligências Prática e Abstrata. Fala Egocêntrica. Desenvolvimento e Aprendizagem. Jogo Simbólico. Visão Prospetiva. Zona de Desenvolvimento Proximal. Intervenção Pedagógica.


Vygotsky, psicopedagogo com ideias inovadoras:
A obra de Vygotsky ressalta o papel da escola no desenvolvimento mental das crianças e é uma das mais estudadas pela pedagogia contemporânea. Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielorrússia, região então dominada pela Rússia (e que só se tornou independente em 1991, com a desintegração da União Soviética, adotando o nome de Belarus). Os seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições económicas, o qual permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Ele teve um tutor particular até entrar no curso secundário e dedicou-se desde cedo a muitas leituras. Aos 18 anos matriculou-se no curso de medicina em Moscova, mas acabou cursando direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielorrússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, que ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia, área em que rapidamente ganhou destaque, graças à sua cultura enciclopédica, o seu pensamento inovador e a sua intensa atividade, tendo produzido mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, cuja origem é a sua tese de mestrado. Lev Vygotsky faleceu em 1934, mas a sua obra ainda está em pleno processo de descoberta e debate em vários pontos do mundo, incluindo o Brasil e a Europa.
Em menos de 38 anos de vida, Vygotsky conheceu momentos políticos drasticamente diferentes, que tiveram forte influência no seu trabalho. Nascido sob o regime dos czares russos, Vygotsky acompanhou de perto, como estudante e intelectual, os acontecimentos que levaram à revolução comunista de 1917. O período que se seguiu foi marcado, entre outras cousas, por um clima de efervescência intelectual, com a abertura de espaço para as vanguardas artísticas e o pensamento inovador nas ciências, além de uma preocupação em promover políticas educacionais eficazes e abrangentes. Logo após a revolução, Vygotsky intensificou os seus estudos sobre psicologia. Visitou comunidades rurais, onde pesquisou a relação entre nível de escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento cognitivo. Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente cultural ficou cada vez mais limitado. Vygotsky usou a dialética marxista para a sua teoria de aprendizado, mas a sua análise da importância da esfera social no desenvolvimento intelectual era criticada por não se basear na luta de classes, como se tornara obrigatório na produção científica soviética. Em 1936, dous anos após a sua morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de Stalin e assim permaneceu por 20 anos. "Ele foi um pensador complexo e tocou em muitos pontos neurálgicos da pedagogia contemporânea", diz a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Teresa Rego.
A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores interessa em particular os estudos sobre desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou do seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Por serem muito significativas as suas palavras, escolhi aquelas frases e treitos das mesmas para que os educadores e docentes possam refletir sobre elas: "O saber que não vem da experiência não é realmente saber". "O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa por outra pessoa". “ Uma palavra que não representa uma ideia é uma cousa morta, da mesma forma que uma ideia não incorporada em palavras não passa de uma sombra”. “Ao brincar, a criança assume papéis e aceita as regras próprias da brincadeira, executando, imaginariamente, tarefas para as quais ainda não está apta ou não sente como agradáveis na realidade”. “As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro se tornarão o seu nível básico de ação real e moralidade”. “O único “bom aprendizado” é o que é para o avanço do desenvolvimento”. “ A estrutura da língua que uma pessoa fala influencia a maneira com que esta pessoa percebe o universo”. “Através dos outros, nos tornamos nós mesmos”. “ O voluntariado, mais do que as atividades altamente intelectuais, diferenciam o homem dos animais mais próximos dele”.
Várias das suas obras foram publicadas na nossa língua nos últimos anos. Entre elas quero destacar aquelas que têm mais interesse para os professores:Construção do Pensamento e da Linguagem (2011); Desenvolvimento Psicológico na Infância (1999); Estudos sobre a História do Comportamento (1997); Formação Social da Mente (1999); Imaginação e Criação na Infância. (2009); Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (1988); Pensamento e Linguagem (1987); Psicologia Pedagógica (2003) e Teoria e Método em Psicologia (2004).

A mediação pedagógica, básica para a aprendizagem:
Os estudos de Vygotsky sobre aprendizado decorrem da compreensão do homem como um ser que se forma em contacto com a sociedade. "Na ausência do outro, o homem não se constrói homem", escreveu o psicopedagogo. Ele rejeitava tanto as teorias inatistas, segundo as quais o ser humano já carrega ao nascer as caraterísticas que desenvolverá ao longo da vida, quanto as empiristas e comportamentais, que veem o ser humano como um produto dos estímulos externos. Para Vygotsky, a formação dá-se numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade ao seu redor, ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Essa relação não é passível de muita generalização; o que interessa para a teoria de Vygotsky é a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa. Segundo ele, apenas as funções psicológicas elementares se caracterizam como reflexos. Os processos psicológicos mais complexos, ou funções psicológicas superiores, que diferenciam os humanos dos outros animais, só se formam e se desenvolvem pelo aprendizado. Entre as funções complexas se encontram a consciência e o discernimento. "Uma criança nasce com as condições biológicas de falar, mas só desenvolverá a fala se aprender com os mais velhos da comunidade", diz. Outro seu conceito-chave é a mediação. Segundo a teoria vygotskiana, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos, como, por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam a natureza, e da linguagem, que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito.
Todo aprendizado é necessariamente mediado, e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo própria aluno. Segundo Vygotsky, ao contrário, o primeiro contacto da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.
Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, deve antecipar-se ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o primeiro vem antes. É a isso que se refere um dos seus principais conceitos, o de zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender, potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky.
Como Piaget, Vygotsky não formulou uma teoria pedagógica, embora o pensamento do psicólogo bielorusso, com a sua ênfase no aprendizado, ressalte a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, "puxando" dela um novo conhecimento."Ensinar o que a criança já sabe desmotiva o aluno e ir além de sua capacidade é inútil", comenta a professora Teresa Rego, interpretando a Vygotsky. O psicólogo considerava ainda que todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma habilidade ou de um conjunto de informações, mas amplia as estruturas cognitivas da criança. Assim, por exemplo, com o domínio da escrita, o aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento psicológico.

O seu conceito de zona de desenvolvimento proximal:
A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é um conceito elaborado por Vygotsky, e define a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto (normalmente o docente) ou em colaboração com outro companheiro. Quer dizer, é a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo, conhecimentos fora do seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. Segundo isto, o indivíduo não pode construir conhecimento novo sem uma estrutura, um fundamento, de aprendizagem prévia. Lev Vygotsky diz que o indivíduo não pode transpor um expediente de aprendizagem sem algum conhecimento anterior cognitivamente relacionado, a fim de conectar e suportar a nova informação.
Vygotsky descreve dois níveis de desenvolvimento, denominados desenvolvimento real e desenvolvimento potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver situações utilizando o seu conhecimento de forma autônoma. O nível de desenvolvimento real é dinâmico, aumenta dialeticamente com os movimentos do processo de aprendizagem. O desenvolvimento potencial é determinado pelas habilidades que o indivíduo já construiu, porém, encontram-se em processo. Isto significa que a dialética da aprendizagem que gerou o desenvolvimento real, gerou também habilidades que se encontram em um nível menos elaborado que o já consolidado. Desta forma, o desenvolvimento potencial é aquele que o sujeito poderá construir.
A ZDP muitas vezes é tomada como um dos níveis de desenvolvimento, porém, trata-se precisamente do campo intermediário do processo. Sendo o desenvolvimento potencial uma incógnita, já que não foi ainda atingido, Vygotsky postula sua identificação através do entendimento da ZDP. Tomando como premissa o desenvolvimento real como aquilo que o sujeito consolidou de forma autónoma, o potencial pode ser inferido com base no que o indivíduo consegue resolver com ajuda. Assim, a zona proximal fornece os indícios do potencial, permitindo que os processos educativos atuem de forma sistemática e individualizada.
Temas para refletir e realizar:
Depois de ver o documentário, organizar um debate-papo ou tertúlia, sobre os diferentes aspetos que sobre a figura de Lev Vygotsky aparecem no mesmo. Refletir sobre o seu pensamento psicoeducativo e comentar, dando alternativas concretas, sobre como se poderia pôr em prática hoje nas nossas escolas a sua didática prática, apresentada na famosa ideia de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Poderia pesquisar-se também na Internet sobre as experiências realizadas em diferentes escolas seguindo as suas ideias, entre elas o antigo método denominado “lancansteriano” e os sistemas didáticos de “ensino mútuo”, assim como sobre as suas interessantes e numerosas publicações, editadas postumamente.
Elaborar uma monografia, procurando informações em livros e na Internet, sobre as suas ideias mais importantes, e entre elas a da ZDP. Com fotos, textos, cartazes, retalhos de imprensa e materiais elaborados, poderia organizar-se nas escolas uma magna exposição sobre o modelo pedagógico proposto por ele.
Escolher uma, para lê-la entre todos, das obras básicas, e de maior aplicação à Didática nas aulas, escritas por Vygotsky, publicadas na nossa língua, escolhida entre as citadas antes, para comentá-la e debater sobre as palavras, ideias educativas e propostas práticas que o psicopedagogo bielorusso faz na mesma.

José Paz Rodrigues Académico da AGLP, Didata e Pedagogo Tagoreano.

domingo, 15 de setembro de 2013

USA e a SIRIA...

Uma breve história da guerra dos EUA contra a Síria: 2006-2014
Blog Moon of Alabama, EUA

“O Congresso dos EUA desobedeceu ao AIPAC e ao lobby israelense. Foi a primeira vez que isso aconteceu, em 22 anos.”

“A Síria reconquistou a própria independência. O mais provável é que, em 2014, Bashar al-Assad seja reeleito presidente da República Árabe Síria. A história síria o recordará para sempre, como governante civilizado e herói do seu povo.”

“O povo dos EUA, pela primeira vez em décadas, conseguiu fazer parar uma guerra que o presidente desejava. Essa é vitória imensa e um precedente. Que todos os norte-americanos lembrem bem desses dias, quando aparecer outra guerra inventada, ou esse ou aquele país pequeno ou distante levantar-se. Os norte-americanos, nós, temos os meios para fazer parar qualquer guerra.”
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Em 2006 os EUA estavam em guerra no Iraque. Muitas das forças inimigas contra as quais os EUA lutavam furiosamente chegavam ao Iraque através da Síria. No mesmo ano o Hizbullah derrotou Israel, que invadira o Líbano. As forças armadas de Israel eram emboscadas cada vez que tentavam penetrar no Líbano, enquanto o Hizbullah usava foguetes contra as posições do exército israelense e nas cidades. O Hizbullah recebia apoio e suporte da Síria e do Irã, que chegavam através da Síria. Os planos de longo prazo dos EUA e Irã, para manter a supremacia no Oriente Médio dependiam de interromper as vias de abastecimento para o Hizbullah.

Os países sunitas sectários do Golpe, viram seus sunitas serem derrotados no Iraque, e um governo xiita, apoiado pelo Irã assumir no Iraque. Todos esses países tinham motivos para tentar atacar a Síria. E também havia razões econômicas, que tornavam necessário derrubar uma Síria independente. Um gasoduto, do Qatar à Turquia, competia com outro, do Irã à Síria. Grandes reservas de gás natural descobertas nas águas de Israel e Líbano, faziam aumentar muito a possibilidade de que também houvesse gás em águas nacionais sírias.

No final de 2006, os EUA começaram a financiar uma oposição externa ao partido Baath, que governava a Síria.[1]Aqueles opositores eram na maioria exilados da Fraternidade Muçulmana expulsos da Síria depois que fracassaram várias tentativas de golpe de Estado, entre 1976 e 1982. Em 2007, EUA, Israel e Arábia Saudita construíram um plano para “mudança de regime” na Síria. O objetivo do plano era destruir a aliança da “resistência”entre o Hizbullah, Síria e Irã:

“Para minar o Irã, predominantemente xiita, o governo Bush decidiu, de fato, reconfigurar suas prioridades no Oriente Médio. No Líbano, o governo cooperara com o governo da Arábia Saudita, que é sunita, em operações clandestinas que visam a minar o Hezbollah, organização de xiitas apoiada pelo Irã. Os EUA também tomaram parte em operações clandestinas contra o Irã e seu aliado, a Síria. Resultado colateral dessas atividades foi provocar a radicalização de grupos sunitas extremistas, que têm uma visão militante do Islã e são hostis aos EUA e simpáticos à Al-Qaeda.”[2]

Em 2011, três anos de seca, provocada pelo aquecimento global e pela Turquia, que construiu barragens e gigantescos projetos de irrigação na região, haviam enfraquecido a economia síria. Grandes populações, das áreas rurais mais pobres, perderam seus meios de sobrevivência e acorreram às cidades. Esses fatores criaram o terreno fértil a partir do qual lançar um golpe contra o estado sírio.

A parte que coube aos EUA naquele plano foi garantir cobertura “midiática” e o necessário “clima de opinião”, na opinião pública global, para viabilizar o golpe. Para isso, os EUA usaram as ferramentas que conhecem bem, de criar “revoluções coloridas”. “Jornalistas cidadãos” foram recrutados, treinados e armados com o necessário equipamento de vídeo e comunicações bem conhecidos da “mídia comercial” de propaganda, em todo o mundo. Outros foram treinados para organizar “manifestações civis pacíficas”.Os sauditas encarregaram-se da parte mais tenebrosa do plano: financiaram e armaram grupos rebeldes, muitos deles associados à exilada Fraternidade Muçulmana, com a tarefa de instigar movimento mais amplo e atacar forças do estado sírio, além de atacarem também manifestantes civis pacíficos.

Uma manifestação local em Deraa, perto da fronteira da Jordânia, foi usada para iniciar o golpe. Manifestações começaram pacíficas, mas logo começaram os ataques à bala contra manifestantes e contra a polícia. Inevitavelmente, os dois lados escalaram. Grupos armados pelos sauditas passaram a atirar consistentemente contra soldados do estado sírio. Com colegas mortos e feridos, as forças do exército sírio retaliaram contra os manifestantes. Grupos de manifestantes armaram-se, eles também, para enfrentar o exército sírio. 

Os “cidadãos jornalistas” entraram em cena, com propaganda de que só haveria vítimas entre os “manifestantes pacíficos” e jamais noticiaram o número de vítimas entre os soldados sírios. As agências “ocidentais” de noticiário integraram-se ao esquema. Ativaram-se células já organizadas em outras cidades da Síria. Mais uma vez, a expressão “manifestantes pacíficos” foi apresentada como cobertura para “uma terceira força”, como disse a comissão de investigação da Liga Árabe, que lutava contra as forças do governo sírio e também instigava os manifestantes a armarem-se.

O governo dos EUA ajudou com sua própria campanha de propaganda; por exemplo, quando mentiu[3]sobre ataques da artilharia síria contra manifestantes – que não haviam acontecido. 

Organizações para-governamentais norte-americanas, como Avaaz, Anistia Internacional e Human Rights Watch, uniram-se à campanha contra o governo sírio. E a ciberguerra, movida contra agências noticiosas sírias, suprimiu completamente o outro lado da história. Até hoje, a Agência Sírio-Árabe de Notícias [orig. Syrian Arab News Agencysana.sy] continua expurgada dos resultados [TALVEZ SÓ NOS EUA. No Brasil, encontra-se o que se vê emhttp://syrianfreepress.wordpress.com/tag/syrian-arab-news-agency/, às 19h04, 14/9/2013] se se procura em Google [TALVEZ SÓ NOS EUA. No Brasil, encontramos facilmente o que se vê em http://sana.sy/index_eng.html, às 19h03, 14/9/2013 (NTs)].

Rapidamente se tornou visível que a estratégia concebida para criar uma “revolução colorida” não funcionara.

O estado sírio mostrou-se capaz de resistir do que parecia. O presidente sírio Bashar al-Assad era mais respeitado e querido pelos sírios do que os instigadores do golpe haviam suposto. E o presidente atendeu rapidamente várias das demandas dos manifestantes autênticos. A Constituição síria for reformada, criaram-se novos partidos, houve eleições e as forças de segurança mais violentas e abusivas foram contidas, postas sob controle estrito. As grandes cidades, mesmo aquelas nas quais a maioria era de sunitas, não apoiaram nem se uniram à violência crescente dos milicianos sectários. As deserções do exército sírio e de quadros políticos foram poucas e sem importância. Durante algum tempo, até a economia conseguiu resultados bastante satisfatórios.

Os inimigos da Síria tiveram de aumentar o ‘envolvimento’. Arábia Saudita e Qatar usaram todas as suas capacidades para recrutar jihadis de outros países dispostos a lutar na Síria. A CIA, alimentada com dinheiro saudita, enviou para lá toneladas de armas e munição, recolhida de seus arsenais pelo mundo. Grupos terroristas foram criados, com treinamento e inteligência de combate. E criou-se um grupo de exilados, para começar a ser apresentado ao mundo como futuro governo possível para a Síria.

O governo sírio foi forçado a recolher-se, para preservar seus soldados. Grandes porções da Síria rural foram tomadas pelos grupos terroristas. A população dessas áreas fugiu pelas fronteiras ou para as cidades maiores. Nas áreas urbanas onde os terroristas se acastelaram, tornou-se difícil desalojá-los sem causar vasto dano aos prédios e à infraestrutura. Mas o governo sírio, dessa vez, já sabia o que fazer. Com a ajuda de aliados, unidades armadas do Irã, unidades armadas do Hizbullah foram retreinadas para guerra contra grupos terroristas insurgentes. E criaram-se unidades paramilitares locais, para reocupar as áreas das quais o exército já desalojara os terroristas. A Rússia cuidou de manter o suprimento de artigos necessários à sobrevivência dos civis e armamento para as forças do exército sírio. 

Do lado dos instigadores do golpe as coisas começaram a dar errado. Os Jihadisprovidenciados pela Arábia Saudita mostraram combatentes eficientes, mas fanáticos religiosos, e não encontraram espaço no contexto social da Síria – de governo laico e sociedade multirreligiosa liberal inclusiva. Começaram os confrontos com a população, e com combatentes locais pró-Assad. Ainda hoje chegaram notícias de luta violenta no nordeste da Síria, entre terroristas jihadistas e bandidos locais.[4]

Questões sobre suprimentos de armas a serem recebidas da Líbia, entre os EUA e grupos da Al-Qaeda, mataram o embaixador dos EUA em Benghazi. 

Apesar de ter sido ‘reformatado’ pelo menos três vezes, o planejado grupo para um governo no exílio mostrou-se inefetivo, dadas as disputas internas entre os vários grupos entre si e entre seus patrocinadores. A campanha de imprensa sobre “manifestantes pacíficos” começou a fazer água, à medida que mais e mais imagens e histórias emergiam, mostrando massacres cometidos pelos grupos golpistas, contra soldados sírios. A população nos países que inicialmente apoiara o que supunha ser um levante democrático mudou de opinião, e passou a opor-se a qualquer envolvimento naquele conflito. 

Quando se tornou mais evidente que os golpistas não conseguiriam derrotar o exército sírio, o presidente Barack Obama dos EUA apareceu com sua “linha vermelha” sobre o uso de armas químicas. Foi como um convite aos golpistas, para que usassem armas químicas no cenário da guerra, para em seguida culpar o governo sírio. Assim se criaria a necessidade, dado o que dissera o presidente, de os EUA intervirem militarmente, ao lado dos jihadistas terroristas. Tentaram fazer isso algumas vezes, mas Obama não deu sinal de disposição para usar a força. Para tentar impedir que, no caso de os terroristas conseguirem tomar o governo sírio, eles assumissem o poder, os EUA alteraram o plano: agora, haveria terroristas “moderados”, treinados pelos EUA, que assumiriam o controle dos combates, sobretudo em torno da capital Damasco.

Em meados de agosto de 2013, um grupo de 300 combatentes treinados pela CIA entraram na Síria pela Jordânia.[5](Hoje, o governo Obama está tentando alterar essa data.[6])

A tarefa deles era ir até Damasco e assumir, eles mesmos, a luta contra o governo sírio. Foram impedidos. Pararam, sem conseguir avançar mais, a caminho de um subúrbio de Damasco. Sem o apoio aéreo dos EUA, como havia acontecido na Líbia, o uso de forças especiais treinadas pelos EUA revelou-se inútil. Foi ativado então o plano “linha vermelha”.

Dia 21 de agosto, algum produto químico venenoso foi liberado no ar em alguns subúrbios de Damasco. Instantaneamente surgiram pelo canal YouTube enorme quantidade de vídeos em que se viam cadáveres enfileirados de supostas vítimas de ataque “químico”. Mas os vídeos não indicavam nenhum dos sintomas corretos de vítimas de exposição ao gás sarin, nem os atingidos que se via estavam recebendo os cuidados médicos de protocolo para o caso de ataque real com armas químicas. Tudo era falso. A conclusão de que se tratava de falsa operação ‘armada’para inculpar o governo Assad correu o mundo.[7]

Mas Obama ainda tentou convencer o mundo de que o governo sírio usara armas químicas, e insistiu em distribuir fiapos de evidências, mas, de fato, não exibiu qualquer prova. E convocou aliados para que se unissem a ele numa intervenção militar. 

O Parlamento britânico votou e decidiu que não. O povo britânico, como o povo norte-americano já não tem estômago para mais guerras. Obama viu-se preso num “ardil 22”:[8]podia ir à guerra sem consultar o Congresso; nesse caso, corria o risco de ser tirado da presidência por impeachment, de uma Câmara de Representantes muito hostil; ou pedia autorização ao Congresso para ir à guerra. Em pouco tempo Obama desceu da posição de “faço a guerra sozinho”[9]e pediu autorização ao Congresso. O povo dos EUA já era amplamente contrário a mais uma guerra no Oriente Médio, e os militares também.[10]Pressionados pelos eleitores, e ante o fato de que não havia prova alguma do tal “massacre”, o Congresso negou a licença para matar que Obama lhe pedira. 

O Congresso dos EUA desobedeceu ao AIPACe ao lobby israelense. Foi a primeira vez que isso aconteceu, em 22 anos.

Obama tem agenda urgente a cuidar, no plano doméstico. Há o Obama-care, o orçamento, e disputa já iminente pelo teto da dívida. Depois de perder a guerra no Congresso, Obama não poderia, baseado só em pressupostos poderes presidenciais, ir à guerra. Os riscos eram altos demais: ou um impeachment imediato, ou status de pato manco até o final do mandato. O que fazer?

Foi quando o cavaleiro russo, Vladimir Putin, acorreu em socorro de Obama.

Putin ofereceu um negócio: a Síria aceitaria entregar armas não convencionais; e os EUA aceitariam que o governo sírio e o presidente Assad permanecessem no poder. Não é ideia nova: apareceu há um ano, em agosto de 2012, quando o ex-senador Richard Lugar propôs exatamente isso, em Moscou.[11]

As armas químicas sírias são praticamente inúteis, no campo tático. Mas podem ser usadas contra centros de população israelenses – e têm, por isso, importante poder dissuasório e de contenção, contra a violência de Israel. Mas nas atuais circunstâncias converteram-se em risco a evitar. Ao mesmo tempo, os mísseis convencionais do Hizbullah já se comprovaram muito efetivos, como força de contenção; e não implicam os mesmos problemas associados às armas não convencionais. A Síria pode, com segurança, entregar parte de seu armamento de contenção dissuasória. E confia que seus aliados Irã e Rússia providenciarão substitutos efetivos, se necessário.

Obama agarrou-se à boia que Putin lançou para ele. Sabia que entrar abertamente em guerra contra oponente bem preparado[12]e aliados significaria guerra longa e incerta. Metera-se em situação de perde-perde, mas agora voltava a ainda parecer vencedor. Resgatou Israel de uma situação em que estava ameaçada por bombas de gás e ainda arranjou a alguma coisinha para fazer trotar seu cavalinho de batalha premiado – o desarmamento de armas de destruição em massa.

Hoje, os ministros de Relações Exteriores da Federação Russa e dos EUA assinaram umas “Linhas Gerais para a Eliminação das Armas Químicas Sírias”[orig. Framework for Elimination of Syrian Chemical Weapons].[13]Exige-se que, sendo possível, todas as armas químicas sírias estejam eliminadas até meados de 2014. 

O documento nada diz sobre o futuro do governo Assad. Mas a Rússia com certeza já providenciou para dar e obter as necessárias garantias. Nem a Síria teria entregado suas armas sem negociação precisa e suficiente. 

A Rússia, tanto quanto a Síria, sabe que Obama tem de manter a imagem, e ninguém falará sobre o real acordo firmado horas antes em Genebra. Agiram, aliás, como Nikita Khrushchev, que manteve silêncio sobre seu acordo com Kennedy, sobre a remoção dos mísseis nucleares norte-americanos da Turquia, depois da crise dos mísseis em Cuba. À parte as garantias anunciadas, o cumprimento das garantias de desarmamento, que pode demorar um pouco mais do que foi acordado hoje, depende da sobrevivência do governo de Assad. Derrubar Assad é assunto que, por hora, os russos proibiram. 

Daqui em diante, Obama começará, aos poucos, a reduzir o apoio aos terroristas na Síria. Pressionará Israel, Arábia Saudita e Turquia para que façam o mesmo. Quanto mais rapidamente a Síria promover a eliminação das armas químicas, mais rapidamente Obama se recolherá. A imprensa-empresa nos EUA rapidamente descobrirá a disputa pelo orçamento e o negócio da espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos EUA, que voltarão às manchetes. E, aos poucos, a opinião pública dos EUA esquecerá que existe Síria.

A oposição síria não está gostando do acordo e não deseja que dê certo.[14]O Conselho Militar Sírio fará o possível para que dê errado. Mas logo perceberá que ficou sem apoio político e sem dinheiro. Enquanto isso, as forças locais do CMS combatem contra grupos aliados da al-Qaeda. É bem possível que alguns grupos locais anti-Assad rapidamente se aliem ao exército sírio, contra os terroristas jihadistas. O general Selim Idris talvez consiga algum emprego burocrático de baixo escalão em Dubai ou no Qatar.

O rei saudita odeia os ideólogos da al-Qaeda tanto quanto odeia a Fraternidade Muçulmana e todos os persas. Concordará em pôr fim à guerra e atacará o bolso dos que insistam em continuar a financiá-la. 

O príncipe Bandar, responsável por recrutar terroristas jihadistas, deu-se muito mal (outra vez) e não fez o que foi pago para fazer, porque disse que controlava mas não controlava seus jihadistas alugados. Pode ser mandado de volta para o deserto bravio. Os estados do Golfo seguirão (terão de seguir) o exemplo dos sauditas.

Em Israel, Netanyahoo já viu que, essa, ele perdeu. A derrota do AIPAC no Congresso já o informou disso. Embora esse round contra a Resistência não tenha sido decisivo, é verdade que grande parte da Síria foi destruída e que o arsenal estratégico sírio está, por hora, reduzido. Netanyahoo também concordará com o plano dos EUA de reduzir os latidos pró-guerra, mas exigirá alguma “compensação” imerecida. É o que ele sempre faz, e Obama sempre cede.

O premiê turco Erdogan tentará continuar a apoiar os jihadistas na Síria. É o único estadista do planeta que o faz por razões ideológicas: Erdogan é crente fiel. Mas tem também muitos problemas com outros vizinhos e a economia turca movida a empréstimos externos está à beira de precipício profundo. Há sinais vindos da Rússia e do Irã, de que pode haver algumas dificuldades técnicas, motivadas pelo inverno, com os suprimentos de gás para a Turquia. Provavelmente bastarão para induzir Erdogan a jogar a toalha. Há também gente dentro de seu próprio partido, sobretudo empresários da Anatólia, que já não o aceitam como líder. Podem usar a fraqueza política de Erdogan para trazer outro ator para o palco.

Sem apoio e sem qualquer possibilidade de vencer a luta, a parte síria da oposição que se armou provavelmente deporá armas e tentará algum acordo de anistia com o governo. Os quadros estrangeiros da al-Qaeda continuarão a lutar. Mas têm mínima base ideológica de apoio entre a população síria; e não têm qualquer chance contra exército experiente e plenamente mecanizado. Haverá bloqueio contra seus financiadores. Mas o terrorismo é duro de matar. É possível que, em breve, os EUA ajudem a Síria, com inteligência ou drones, a combatê-los.

Claramente, a Rússia é a grande vitoriosa estratégica na guerra à Síria. Está de volta ao cenário do Oriente Médio, em condições de aí permanecer por algum tempo. Ganhou por larga margem de pontos, a batalha pela opinião pública global. A Gazprom ficará feliz se puder ajudar a Síria na prospecção e na extração de gás de suas reservas oceânicas. Daí virão os fundos para reconstruir e rearmar a Síria. A Gazprom pode também comprar gás do gasoduto Irã-Síria, vendê-lo à Europa e reforçar seu monopólio por ali.

O Irã reforçou seu papel estratégico e está hoje bem posicionado para negociar um bom entendimento com os EUA, que pode pôr fim a 30 anos de hostilidades quentes e frias. Investiu muito na Síria e mais gastará para ajudar a reconstruir o país, mas o resultado estratégico – vitória do “eixo da Resistência” – vale bem o que custou.

A Síria e o povo sírio venceram a guerra e perderam muito. Serão precisos muitos anos para reintegrar os refugiados, para reconstruir o país e esperar que cicatrizem feridas profundas. Mas a Síria também reconquistou a própria independência. O mais provável é que, em 2014, Bashar al-Assad seja reeleito presidente da República Árabe Síria. A história síria o recordará para sempre, como governante civilizado e herói do seu povo.

O povo dos EUA, pela primeira vez em décadas, conseguiu fazer parar uma guerra que o presidente desejava. Essa é vitória imensa e um precedente. Que todos os norte-americanos lembrem bem desses dias, quando aparecer outra guerra inventada, ou esse ou aquele país pequeno ou distante levantar-se. Os norte-americanos, nós, temos os meios para fazer parar qualquer guerra.

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[8] Ardil 22 é título de um famoso romance-sátira da 2ª Guerra Mundial, lançado em 1961, depois, filme [http://www.cineclick.com.br/ardil-22]. O “ardil 22” é uma lei-armadilha pela qual os pilotos-personagens sempre acabavam obrigados a voar em missões de guerra: “Você pode se declarar louco, para não ser mandado voar a missão que eles inventam. Mas se eles perceberem que você não quer voar a missão, prova-se que você não está louco, e eles mandam você voar a missão” (mais sobre o livro, emhttp://www.livrariasaraiva.com.br/produto/347842/ardil-22-(catch-22)[NTs].
[9] De http://www.moonofalabama.org/2013/08/syria-obamas-climb-down.html:“Naquele momento, Obama só poderia ter uma de duas ideias na cabeça: ou (a) ele não quer guerra e espera que o Congresso o salve daquela estúpida “linha vermelha”, armadilha que ele mesmo inventou para si próprio e que foi a causa real da operação clandestina, falsa, no subúrbio de Damasco; ou (b) ele quer guerra e espera que o AIPAC, com seu descomunal lobby, ponha ordem no Congresso e lhe dê sua guerra, para benefício do sionismo universal.”