terça-feira, 10 de junho de 2014

Os cotistas desagradecidos | Portal Geledés

Os cotistas desagradecidos


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Família de Albino Postali e Rosa Frizera Postali_ Caxias do Sul _ 1911_ Foto de Primo Postal
Por Tau Golin*, em  Sul 21
A incoerência é típica dos desagradecidos. É o auge da hipocrisia individualista, o que há de mais nojento no ser humano. A cena patética de cuspir no prato e enfumaçar a história.
Depois que o Brasil começou recentemente a política de cotas, a algaravia da intolerância tomou conta do país. A cota, no geral, é um pequeno acelerador para retirar as pessoas da naturalização da miséria, um meio temporário de correção histórica da condição imutável da pobreza. Se a política de cotas é essencial em sociedades estratificadas, pode-se imaginar a sua necessidade neste Brasil amaldiçoado pela escravidão e etnicídio dos povos indígenas.
Nos meios de comunicação observa-se o triunfo de uma enganosa ética do trabalho, o elogio do esforço individual, como se seus porta-vozes levantassem como fênix das cinzas das dificuldades para o voo da prosperidade. Gente empobrecida, ao mesmo tempo, amaldiçoa os cotistas, culpando-os pela sua condição de pouco progresso, apesar de trabalharem a vida toda como jumentos. Invariavelmente realizam o elogio do trabalho, do esforço pessoal, sem questionarem aqueles que acumulam os produtos de seu esgotamento e imutabilidade social.
Nos ambientes sociais, invariavelmente, escuto descendentes de imigrantes condenarem a política de cotas. São ignorantes ou hipócritas. A parte rica do Rio Grande do Sul e outras regiões do Brasil é o presente de cotistas do passado. As políticas de colonização do país foram as aplicações concretas de políticas de cotas. Aos servos, camponeses, mercenários, bandidos, ladrões, prostitutas da Europa foi acenado com a utopia cotista. Ofereceram-lhes em primeiro lugar um lugar para ser seu, um espaço para produzir, representado pelo lote de terra; uma colônia para que pudesse semear o seu sonho.
E lhes alcançaram juntas de bois, arados, implementos agrícolas, sementes, e o direito de usar a natureza – a floresta, os rios e minerais – para se capitalizarem. No processo, milhares não conseguiram pagar a dívida colonial e foram anistiados. E quando ressarciram foi em condições módicas.
Sendo cotistas do Brasil puderam superar a maldição de miseráveis, pobres, servos, e de execrados socialmente. Muitos sequer podiam montar a cavalo, hoje, seus descendentes são até patrões de CTG, mas condenam as cotas, a mão, a ponte, o vento benfazejo, que mudaram a vida de suas famílias.
No início, no século XVIII, sobre os territórios dos charruas, minuanos, kaingangs e guaranis se aplicou a cota de “sesmaria”, um módulo de algo em torno de 13.000 (sim, treze mil) hectares. Se exterminou dois povos nativos para se formar a oligarquia. Em seguida, na metade do mesmo século, aos casais açorianos, destinaram-se “datas”, equivalentes a 272 hectares. No século XIX, aos imigrantes, concederam-se as “colônias”, de mais ou menos 24 hectares. E vieram as colonizadoras particulares e as secretarias do Estado sobre os territórios dos kaingangs e guaranis. E depois a reforma agrária. E mais os programas de expansão da frente agrícola no Brasil central, no Mato Grosso e na Amazônia, com filhos do Rio Grande, na maioria as primeiras gerações dos imigrantes.
Portanto, o Rio Grande é o produto dos cotistas, os quais demandaram sobre outras regiões do país.
E nesta história, a conclusão é óbvia: dificilmente se encontra um indivíduo que não tenha tido familiar cotista. A formação do mercado capitalista de força de trabalho é outra conversa. Faz parte do sistema. Como integra a perversão social o fato histórico de que os proprietários tendem ao individualismo, à baixa solidariedade, ao acúmulo sem compromisso cidadão. Demonstram isto os herdeiros dos cotistas do passado e dos programas de incentivos recentes, com a discriminação, a falta de solidariedade, exacerbado racismo, e o típico deboche dos idiotas.
*Tau Golin é jornalista e historiador.
-
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Um olhar brasileiro sobre os Hereros: em filme e exposição, fotógrafo apresenta a fascinante etnia africana - Por dentro da África

Um olhar brasileiro sobre os Hereros: em filme e exposição, fotógrafo apresenta a fascinante etnia africana





Hereros em Angola - Sergio Guerra - Divulgação 

Natalia da Luz, Por dentro da África




Rio – Eles vivem entre a Namíbia, Angola e Botswana, localizados no sul do continente africano, há mais de 2.500 anos. Um
dos grupos étnicos mais antigos da humanidade, os hereros, formam uma
sociedade surpreendentemente evoluída, fascinante, que mesmo tão próxima
dos sinais de tecnologia e desenvolvimento, conserva uma cultura
tradicional, que certamente tem muito a ensinar. Toda essa riqueza que
preenche o dia a dia dos hereros é retratada no trabalho de um
brasileiro, que há cinco anos acompanha uma comunidade na Namíbe, em
Angola.


- Eu pensei como que uma cultura que está tão perto da sociedade
moderna poderia sobreviver, permanecer tão firme nos dias de hoje.
Comecei então a planejar a possibilidade de descobrir e de compreender
melhor a vida deles – explica, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África,
Sérgio Guerra, o fotógrafo e produtor cultural responsável por
“Hereros”, exposição que já rodou o Brasil e a Europa (agora está em
exibição no Centro Cultural Conde Duque, em Madrid, com a curadoria de
Emanoel Araujo).


Hereros em Angola - Sergio Guerra - Divulgação


Durante os últimos cinco anos ele investigou, acompanhou, vivenciou a
cultura dos hereros. A convite do governo de Angola, ele desembarcou no
país e, escalado para acompanhar uma gravação do programa “Nação
Coragem”, da TV estatal, o pernambucano visitou as regiões de Huila e
Namibe, onde fez as primeiras imagens dos mukubais, um dos subgrupos dos
hereros. Aquele primeiro contato, no ano de 1997, foi uma porta que se
abrira para um novo sentido na vida de Sérgio, que também produziu um
documentário de longa-metragem sobre a vida dos hereros.


Sete anos depois, ele retornou descobrindo os muhimbas, muhakaonas,
mudimbas, muchavicuas, cada um com suas particularidades, rituais,
maneiras de se comportar. E mais uma vez ele percebera que a história
dos hereros precisava ser contada ao mundo. Acompanhado do intérprete
Martins (que fala não apenas o herero, mas os dialetos mukubla e
hakaona, por exemplo), ele mergulhou, em junho de 2009, no cotidiano da
comunidade em uma temporada de 60 dias com uma caravana de 17 pessoas.


Hereros em Angola - Sérgio Guerra - Divulgação-
Eu aprendi a conviver com uma cultura única. Eles não devem ser
subestimados, não podem ser julgados a partir dos valores que estão
enraizados em nossa cultura. Eles cultivam a solidariedade, praticam
economia familiar, onde o maior beneficiário é o coletivo. Isso sim é um
exemplo para a sociedade – conta o fotógrafo,  com brilho nos olhos,
que assina a exposição vista por mais de 200 mil pessoas.


O país que passou por uma violenta guerra civil (de 1975 a 2002) que
poupou poucas regiões, como a capital Luanda, selou a paz entre os povos
e mantém,  hoje, os hereros em uma região, apesar de não existir uma
demarcação oficial de terras para eles. Sérgio conta que o governo
permite que eles fiquem dentro do Parque Nacional do Iona (em Namibe) e
em outras áreas que  agora começam a ser ocupadas por grandes
fazendeiros.


Genocídio na vizinha Namíbia


As fronteiras de Angola com os vizinhos Botsuana e Namíbia - Divulgação Durante
a partilha da África Negra, entre 1904 e 1907, os hereros sofreram um
dos maiores genocídios do século XX, segundo a ONU. Em 12 de janeiro de
1904, eles organizaram uma revolta contra o domínio alemão na Namíbia e
foram brutalmente reprimidos sob ordem do general Lothar Von Trotha.
Cerca de 60 mil hereros (70% da população da época) e 10 mil namaquas
(50% da população) morreram, principalmente, de inanição e envenenamento
por parte das tropas alemãs.


Hereros em Angola - Sergio Guerra - DivulgaçãoEm
1985, a ONU reconheceu o caso como uma das primeiras tentativas de
genocídio no século XX. Em 2004, no 100º aniversário do
conflito, Heidemarie Wieczorek-Zeul, ministra do desenvolvimento da
Alemanha, se desculpou oficialmente pela primeira vez e manifestou pesar
sobre o genocídio cometido pelos alemães, declarando: “Nós, alemães, aceitamos a nossa responsabilidade moral e histórica e a culpa pelos atos realizados pelos alemães na época.


Na Namíbia, Sérgio explica que os hereros são identificados como os
que usam vestimentas tradicionais, já os subgrupos são chamados pelo
nome, como os himbas. Em Angola, apesar de se tratarem como subgrupos
(mukubais, muhimbas, muhakaonas…), poucos se referem à etnia herero por
falta de conhecimento sobre suas origens.


- É por essa identificação que eles toleram os casamentos entre os
diferentes subgrupos e se reconhecem como família – ressalta o
brasileiro.


Patrimônio


Hereros em Angola - Sergio Guerra - DivulgaçãoOs
hereros desconhecem a importância do dinheiro que circula no país. O
kwanza (moeda de Angola) não é usado em seus negócios, diferentemente do
gado que representa o maior patrimônio para eles. Quanto mais gado,
mais rico o homem é. E essa riqueza ele distribui entre a família para
que todos cuidem dela.


- Eles se ajudam emprestando os animais entre si, mas a venda do gado
deve ser uma decisão mais familiar. Há muito pouco contato com o
dinheiro, mas isso está aumentando nos dias atuais. Antes, entre os
himbas, só se falava em rands namibiano e agora eles já usam o kwanza.
Os comerciantes preferem fazer tudo a partir da troca, o que é muito
mais lucrativo para eles – explica o brasileiro.


O povo usa o leite da vaca para produzir o óleo que passa sobre o
corpo. A mistura que também contém ocre e plantas é uma espécie de banho
para os hereros, um importante traço da cultura deles e uma maneira de
manter o corpo limpo e protegê-lo do sol.


Relações conjugais


Entre os hereros, Sérgio destaca a relação predominantemente
patriarcal, com deveres bem claros para cada um dos membros da família:
os homens cuidam dos bois (o maior patrimônio para um herero); as
crianças, dos cabritos e as mulheres cozinham, tiram o leite das vacas e
cuidam da horta e das crianças.


Hereros em Angola - Sergio Guerra - DivulgaçãoA
poligamia é um aspecto que também caracteriza os hereros, mas ela não é
permitida apenas para os homens. A mulher pode ter namorados, mas, se
por acaso, o marido não gostar de algum, rapidamente ela se afasta para
não gerar conflito na família. Oferecer a mulher (ou uma delas) para
dormir com um amigo ou convidado é sinal de gentileza entre eles.


- A mulher tem os seus deveres, mas também tem os seus direitos. Ela é
respeitada e se não quiser praticar sexo, ela não o fará nem mesmo
à força. Quando a mulher fica grávida, o filho será de responsabilidade
do marido (independentemente se ele for o pai) – afirma Sérgio,  que
acompanhou não apenas a relação familiar, mas todos os rituais que
compõem a vida dos hereros, desde o nascimento até a morte.


O casamento na infância 


Os hereros podem se casar aos 3, 4, aos 10 anos a partir de uma
negociação feita entre os pais do pretendente e da noiva. De acordo com
Sérgio, o pretendente vai até à família da noiva e propõe o casamento.
Se aceito pelos pais da noiva, ele passará a ser o provedor da
futura esposa, que viverá com os pais até estar preparada para o
casamento (o que acontece após a primeira menstruação e sua iniciação
sexual).


- O marido será responsável por alimentar e cuidar dessa mulher. Após
a primeira menstruação, ela passa por uma iniciação sexual realizada
com os primos. Após um período (que pode durar alguns meses), ela vai
para a casa do marido e se, por acaso, ela não gostar dele, ela não será
obrigada a ficar. Mas uma coisa é importante: no futuro, os filhos dela
com outro homem serão deste marido, a menos que um segundo pretendente
negocie com o primeiro pretendente e arque com suas dívidas – explica.


Hereros em Angola - Sergio Guerra - DivulgaçãoConsiderado
da família, Sérgio, que vive em Angola e visita os hereros com
frequência, tinha liberdade para acompanhar o cotidiano do povo,
inclusive seus momentos mais importantes como nascimento, batismo,
casamento e funeral. Desta relação, o pernambucano ganhou um nome de
batismo em herero: Twamunacó, que significa “alguém que confiamos”.
Os  hereros também entenderam que tinham a possibilidade de se tornarem
protagonistas de sua própria história e de serem beneficiados com esse
trabalho tão especial do brasileiro que mantém com eles uma relação de
amizade que emociona quem assiste. O documentário “Hereros Angola” tem
estreia prevista para o Festival Jan Rouch, na França.


- A expectativa é que consigamos que estas populações possam ter mais
acesso à saúde e educação sem comprometer a cultura e a forma de
viver. Existe um exercício de aceitar e respeitar uma cultura que não é
sua. Quando você decide se abrir e aceitar as pessoas da maneira como
elas são, isso muda você”


Confira a exposição virtual aqui e o trailler do documentário abaixo



Por dentro da África

Read more: http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/um-olhar-brasileiro-sobre-os-hereros-etnia-vive-entre-botsuana-angola-e-namibia#ixzz33chscnJV

terça-feira, 27 de maio de 2014

Ucrânia: Poroshenko, o camaleão | DESACATO

Ucrânia: Poroshenko, o camaleão

Eleito no 1º turno do pleito de domingo 25, o novo presidente da Ucrânia serviu sob governos favoráveis ao Ocidente e à Rússia.
Por Gianni Carta.
Petro Poroshenko: A oligarquia na presidéncia
Petro Poroshenko: A oligarquia na presidéncia

Petro Poroshenko era o menos ruim dos
candidatos à Presidência. Aos 48 anos, o magnata das confeitarias mais
conhecido como “Rei do Chocolate” é considerado um pragmático. O motivo?
Foi ministro nos governos sob a presidência do pró-Europeu Viktor
Yushchenko e do corrupto pró-russo Viktor Yanukovich. De fato,
Poroshenko é um dos fundadores do pró-russo Partido das Regiões, o de
Yanukovich. E quando eclodiram os protestos na Praça Maidan em novembro
de 2013, pelo fato de Yanukovich não ter assinado um acordo de
livre-comércio com a União Europeia – enquanto o presidente flertava com
a Rússia –, Poroshenko deu o ar da graça ao lado dos manifestantes. Em
fevereiro, Yanukovich escapuliu para a Rússia. Poroshenko sentiu,
certamente, que suas chances de ser o novo presidente eram fortes.
A Polônia será o primeiro país
estrangeiro que Poroshenko visitará. Um gesto altamente simbólico, visto
que Varsóvia tem fortes elos com Kiev e faz parte da União Europeia.
“Escolhemos a Europa”, disse Poroshenko no seu primeiro discurso. Em
seguida, Poroshenko quer ir a Moscou, e os russos já aceitaram o
“diálogo” com o novo presidente. O diálogo, diga-se, será difícil. Isso
porque Poroshenko não aceita a anexação pelos russos da Crimeia, em
março. Na Ucrânia, o primeiro destino de Poroshenko será Donbass, a
região industrial ao leste do país. Lá, está claro, ele também terá
dificuldades. As regiões autoproclamadas independentes de Donetsk e
Luhansk, rebatizadas Nova Rússia, só o aceitarão como presidente se
Poroshenko, por sua vez, aceitar a independência das duas regiões
unificadas. União que Poroshenko já disse não aceitar.
De qualquer forma, a competição no
pleito era fraca para Poroshenko. Yulia Timoshenko, a liderar a
agremiação Batkivshchyna (Pátria), heroína da Revolução Laranja, em 2004
(provocada por fraude eleitoral de Yanukovich), agora está com a imagem
um tanto desgastada. Aos 53 anos, suas tranças loiras com coroa capilar
continuam lindas, mas ela passou anos atrás das grades por aceitar um
controverso contrato de gás com a Rússia. Agora ela busca justiça
social… No entanto, ideologia é algo difícil de explicar em um país de
23 anos. O mais sensato é dizer que aqui os políticos mudam de ideologia
de acordo com as circunstâncias. De fato, Poroshenko quer fazer
renascer seu Partido Solidariedade, que seria, acreditem, de
centro-esquerda.
Com 70% dos votos contados, o
“pragmático” Poroshenko contava na segunda-feira 26 com 53,75%,
Timoshenko com 13% e Oleg Liashko, um radical independente, com 8% do
sufrágio. O populista Liashko chegou a propor tomar militarmente as
regiões de Donetsk e Luhansk.
O comparecimento às urnas foi
relativamente alto, de 60%, especialmente quando considerados os fatos
de que em Donetsk não houve colégio eleitoral, para citar um exemplo.
Isso sem contar as intimidações por parte de milicianos separatistas
pró-russos. E não somente em Donetsk e Luhansk, mas também em outras
regiões separatistas ao leste e sul do país. Em Sloviasnk, por exemplo, o
fotojornalista italiano Andrea Rocchelli, e seu interpréte, Andrei
Mironov, foram mortos.
Em Kiev, as eleições, também municipais,
foram tranquilas. Debaixo de um enorme calor, no colégio eleitoral
localizado no Instituto de Pesquisa de Fisiologia Bogomelets, centro de
Kiev, Ivan Plachkov, ex-ministro de Energia de Yushchenko, disse a
CartaCapital: “Votei no candidato que pode vencer no primeiro turno”. O
motivo? Ele cita o exemplo de sua vinícola, às margens do Danúbio. “O
terroir, as uvas e a mão de obra são da Ucrânia. A tecnologia é italiana
e francesa.” Ele não usa uvas estrangeiras? “Claro, precisamos
experimentar novos vinhos, mas temos vinhos com uvas ucranianas vendidos
na Europa.”
Em outro colégio eleitoral de Kiev, o
Clube do Exército, o calor inexiste. Ar condicionado. Uma jovem, Taiana
Batyuk, diz que votou em Poroshenko. “Ele é um empresário, acho que vai
saber administrar o país.” Ela começa a chorar. “Não quero mais ver a
imagem tão denegrida da Ucrânia mundo afora. Somos pobres, a Rússia nos
domina, a mansão de Yanukovich virou museu para estrangeiros.” Seu
companheiro, um sorridente jovem, Pinkevich Alexey, a conforta.
Eis Miroslava Kotorovich, violinista de
grande talento, com a filha. “Votei em Poroshenko. Espero que ele saiba
lidar com a UE e Putin. É a melhor opção.”
Quem sabe tem razão Kotorovich. Nascido
em Odessa, ele tem experiência em um país pós-comunista de 46 milhões de
habitantes onde empresários são vistos como pessoas que tomam suas
próprias decisões. São os oligarcas, que, bem ou mal, influenciam
políticos ou se tornam políticos.
Segundo a revista americana Forbes,
Poroshenko vale 1,6 bilhão de dólares. No início da campanha eleitoral,
Poroshenko era o segundo favorito, atrás de Vitali Klitschko, campeão
peso pesado pelo Conselho Mundial de Boxe. Klitschko, da legenda Aliança
Democrática Ucraniana pela Reforma e herói na luta conta Yanukovich na
Praça Maidan, abriu mão, diga-se, de sua candidatura presidencial para
favorecer Poroshenko. Isso após um encontro em Viena entre ele,
Poroshenko e Dmytro Firtash, o magnata do gás recentemente preso em
Viena pelo FBI. Firtash, diga-se, é um grande lobista russo. “Há muitas
especulações sobre esse encontro e tantos outros nesse país onde
oligarcas são políticos ou fazem política”, diz o cientista político e
jornalista Oleg Varfolomeyev.
“Se legitimiado em todo o país,
inclusive no leste e no sul, Poroshenko trará novas esperanças”, diz o
economista Andriy Novak. As pessoas saberão com quem tratar. Ele é bom
empresário e, portanto, entende de economia. No entanto, “será que seu
objetivo é ser mais rico que Kinat Akhmetov, o oligarca mais rico da
Ucrânia?” Outro obstáculo: “Ele é sincero quando diz que não quer
aumentar os poderes presidenciais?” Desde a Revolução Laranja de 2004,
os poderes do presidente foram reduzidos. De um camaleão espera-se
qualquer coisa.
Foto: Sergei Supinski / AFP

domingo, 25 de maio de 2014

Algumas ideias sobre o Capital de Piketty

harveyphoto copyEsquerda - [David Harvey] Thomas Piketty escreveu um livro chamado Capital que
causou grande celeuma. Ele defende a taxação progressiva e a tributação
da riqueza global como único caminho para deter a tendência à criação
de uma forma “patrimonial” de capitalismo, marcada pelo que chama de uma
desigualdade “apavorante” de riqueza e rendimento.

Também
documenta com detalhes excruciantes, e difíceis de rebater, como a
desigualdade social de ambos, riqueza e rendimento, evoluíram nos
últimos dois séculos, com ênfase particular no papel da riqueza. Ele
aniquila a visão, amplamente aceite, de que o capitalismo de livre
mercado distribui riqueza e é o grande baluarte para a defesa das
liberdades individuais. Piketty demonstra que o capitalismo de livre
mercado, na ausência de uma grande intervenção redistributiva por parte
do Estado, produz oligarquias antidemocráticas. Essa demonstração deu
base à indignação liberal e levou o Wall Street Journal à apoplexia.


O livro tem sido frequentemente apresentado como substituto para o
século 21 do trabalho de Marx sobre o século 19, que tem o mesmo título.
Piketty nega que fosse essa a sua intenção, na verdade – o que parece
certo, uma vez que seu livro não é, de modo algum, sobre o capital. Ele
não nos conta por que razão ocorreu a catástrofe de 2008, e por que está
a demorar tanto para tanta gente se levantar, sob o fardo do desemprego
prolongado e da execução da hipoteca de milhões de casas. Ele não nos
ajuda a entender por que o crescimento é tão medíocre hoje nos EUA, em
oposição à China, e por que a Europa está travada sob uma política de
austeridade e uma economia de estagnação.


O que Piketty mostra estatisticamente (e estamos em dívida com ele e
seus colegas por isso) é que o capital tendeu, através da história, a
produzir níveis cada vez maiores de desigualdade. Isso, para muitos de
nós, não é novidade. Além disso, é exatamente a conclusão teórica de
Marx, no primeiro volume da sua versão do Capital. Piketty fracassa em
observar isso, o que não é surpresa, já que sempre clamou, diante das
acusações dos média de direita de que é um marxista disfarçado, que não
leu O Capital de Marx.


Piketty reúne uma grande quantidade de dados para sustentar a sua
argumentação. A sua descrição das diferenças entre rendimento e riqueza é
persuasiva e útil. E faz uma defesa cuidadosa da tributação sobre as
heranças, do imposto progressivo e de um imposto sobre a riqueza global
como possíveis (embora que certamente politicamente inviáveis) antídotos
contra o avanço da concentração de riqueza e poder.


Mas, por que razão ocorre essa tendência para o crescimento da
desigualdade? A partir dos seus dados (temperados com ótimas alusões
literárias a Jane Austen e Balzac), ele deriva uma lei matemática para
explicar o que acontece: o contínuo aumento da acumulação de riqueza por
parte do famoso 1% (termo popularizado graças, claro, ao movimento
Occupy) é devido ao simples facto de que a taxa de retorno sobre o
capital (r) sempre excede a taxa de crescimento do rendimento (g). Isso,
diz Piketty, é e sempre foi “a contradição central” do capital.


Mas esse tipo de regularidade estatística dificilmente alicerça uma
explicação adequada, quanto mais uma lei. Então, que forças produzem e
sustentam tal contradição? Piketty não diz. A lei é a lei e isso é tudo.
Marx obviamente teria atribuído a existência de tal lei ao
desequilíbrio de poder entre capital e trabalho. E essa explicação ainda
é válida. A queda constante da participação do trabalho no rendimento
nacional, desde os anos 1970, é decorrente do declínio do poder político
e económico, à medida que o capital mobilizava tecnologia, desemprego,
deslocalização de empresas e políticas anti-laborais (como as de
Margaret Thatcher e Ronald Reagan) para destruir qualquer oposição.


Como Alan Budd, um conselheiro económico de Margaret Thatcher,
confessou num momento de descuido: as políticas anti-inflação dos anos
1980 mostraram-se “uma maneira muito boa de aumentar o desemprego, e
aumentar o desemprego era um modo extremamente desejável para reduzir a
força das classes trabalhadoras… o que foi construído, em termos
marxistas, como uma crise do capitalismo que recriava um exército de mão
de obra de reserva, possibilitou que os capitalistas lucrassem mais do
que nunca.” A disparidade entre a remuneração média dos trabalhadores e
dos executivos-chefes era de cerca de trinta para um em 1970. Hoje está
bem acima de trezentos para um e, no caso do MacDonalds, de cerca de
1200 para um.


Mas no segundo volume do Capital de Marx (que Piketty também
não leu, como alegremente declara) Marx apontou que a tendência do
capital de rebaixar os salários iria, em algum momento, restringir a
capacidade do mercado de absorver os produtos do capital. Henry Ford
reconheceu esse dilema há muito tempo, quando determinou o salário de
cinco dólares para o dia de oito horas dos trabalhadores – para aumentar
a procura dos consumidores, disse.


Muitos pensavam que a falta de procura efetiva estava na base da
Grande Depressão da década de 1930. Isso inspirou políticas
expansionistas keynesianas depois da Segunda Guerra Mundial e resultou
em alguma redução das desigualdades de rendimento (nem tanto da
riqueza), no meio de uma forte procura que levou ao crescimento. Mas
essa solução apoiava-se no relativo empoderamento do trabalho e na
construção do “estado social” (termo de Piketty) financiado pela taxação
progressiva. “Tudo dito”, escreve ele, “durante o período de 1932-1980,
durante cerca de meio século, o imposto de rendimento federal mais
alto, nos EUA, era em média 81%.” E isso de modo algum prejudicou o
crescimento (outra parte das evidências de Piketty, que rebate os
argumentos da direita).


Ali pelo final dos anos 1960, ficou claro para vários capitalistas
que eles precisavam fazer alguma coisa a respeito do excessivo poder do
trabalho. Por isso, Keynes foi excluído do panteão dos economistas
respeitáveis, houve uma deslocação para o lado da oferta e para o
pensamento de Milton Friedman, e teve início uma cruzada para
estabilizar, se não para reduzir a tributação, desconstruir o Estado
social e disciplinar as forças do trabalho. Depois de 1980, houve uma
queda nas taxas mais altas de imposto e os ganhos do capital – uma
grande fonte de rendimento dos ultra-ricos – passaram a ser tributados
por taxas muito menores nos EUA, aumentando enormemente o fluxo de
capital do 1% do topo da pirâmide.


Contudo, o impacto no crescimento era desprezível, mostra Piketty.
Tal “efeito cascata” de benefícios dos ricos no restante da população
(outra crença favorita da direita) não funcionou. Nada disso era ditado
por leis matemáticas. Tudo era política.


Mas então a roda deu uma volta completa, e a pergunta mais importante
tornou-se: e onde está a procura? Piketty ignora essa questão. Os anos
1990 encobriram essa resposta com vasta expansão do crédito, inclusive
estendendo o financiamento hipotecário aos mercados subprime.
Mas o resultado foi uma bolha de ativos fadada a estourar, como
aconteceu em 2007-2008, levando consigo o banco de investimento Lehman
Brothers, juntamente com o sistema de crédito. Entretanto, as taxas de
lucro e a consequente concentração de riqueza privada recuperaram muito
rapidamente depois de 2009, enquanto todos os outros continuavam muito
mal. As taxas de lucro das empresas estão agora tão altas quanto sempre
estiveram nos EUA. As empresas estão sentadas sobre grande quantidade de
dinheiro e recusam-se a gastá-lo, porque as condições do mercado não
estão robustas.


A formulação da lei matemática de Piketty camufla, mais do que revela
sobre as políticas de classe que estão em jogo. Como notou Warren
Buffett, “claro que há luta de classes, e é a minha classe, a dos ricos,
que está a lutar, e estamos a vencer.” Uma medida-chave da sua vitória
são as crescentes disparidades de riqueza e rendimento do 1% do topo em
relação a todo o resto da população.


Há, contudo, uma dificuldade central no argumento de Piketty. Ele
repousa sobre uma definição equivocada de capital. Capital é um
processo, não uma coisa. É um processo de circulação no qual o dinheiro é
usado para fazer mais dinheiro, frequentemente – mas não exclusivamente
– por meio da exploração da força de trabalho. Piketty define capital
como o stock de todos os ativos em mãos de particulares,
empresas e governos que podem ser negociados no mercado – não importa se
estão a ser usados ou não. Isso inclui terra, imóveis e direito de
propriedade intelectual, assim como coleção de arte e de joias. Como
determinar o valor de todas essas coisas é um problema técnico difícil,
sem solução consensual. Para calcular uma taxa de retorno, r,
significativa, temos de ter uma forma de avaliar o capital inicial. Não
há como avaliá-lo independentemente do valor dos bens e serviços usados
para produzi-lo, ou por quanto ele pode ser vendido no mercado. Todo o
pensamento económico neoclássico (base do pensamento de Piketty) está
fundado numa tautologia. A taxa de retorno do capital depende
essencialmente da taxa de crescimento, porque o capital se valoriza na
base do que produz e não pelo que utilizou para a sua produção. O seu
valor é fortemente influenciado por condições especulativas, e pode ser
seriamente distorcido pela famosa “exuberância irracional” que Greenspan
supôs detetar como característica dos mercados imobiliário e de ações.
Se subtrairmos habitação e imóveis – para não falar do valor das
coleções de arte dos hedge funders– a partir da
definição de capital (e a razão para a sua inclusão é bastante débil),
então a explicação de Piketty para o aumento das desigualdades de
riqueza e rendimento desabaria, embora a sua descrição do estado das
desigualdades passadas e presentes ainda ficassem de pé.


Dinheiro, terra, imóveis, fábricas e equipamentos que não estão a ser
usados produtivamente não são capital. Se é alta a taxa de retorno
sobre o capital que está a ser usado é porque uma parte do capital foi
retirado de circulação e, de facto, está em greve. Restringir a oferta
de capital para novos investimentos (fenómeno que estamos a testemunhar
agora) garante uma alta taxa de retorno sobre o capital que está em
circulação. A criação dessa escassez artificial não é só o que fazem as
companhias de petróleo, para garantir a sua elevada taxa de lucro: é o
que todo o capital faz quando tem oportunidade. É o que sustenta a
tendência de a taxa de retorno sobre o capital (não importa como é
definido ou medido) exceder sempre a taxa de crescimento do rendimento.
Esta é a forma como o capital garante a sua própria reprodução, não
importa quão desconfortáveis sejam as consequências para o resto de nós.
E é assim que a classe capitalista vive.


Há muitas outras coisas valiosas nos dados coletados por Piketty.
Mas, a sua explicação de porque as tendências à desigualdade e à
oligarquia surgem está seriamente comprometida. As suas propostas de
solução para a desigualdade são ingénuas, se não utópicas. E ele
certamente não produziu um modelo de trabalho para o capital do século
21. Para isso, ainda precisamos de Marx ou de seus equivalentes para os
dias atuais.





Artigo de David Harvey, disponível em davidharvey.org.


Tradução de Inês Castilho para outraspalavras.net, revista por Carlos Santos para esquerda.net

Por um transporte coletivo humanizado

Por um transporte coletivo humanizado

 
 
 Frei Marcos Sassatelli
  







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Nestes dias, assistimos a uma verdadeira guerra no transporte
coletivo da Grande Goiânia. Só para se ter uma ideia da gravidade da
situação, foram depredados - conforme noticiou a imprensa - 104 ônibus
(20 só num dia).





Antes da Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC), da
Companhia Metropolitana do Transporte Coletivo (CMCT) e das empresas
concessionárias, a responsabilidade por essa situação é do Poder
Público. É ele que tem a obrigação de cuidar, direta ou indiretamente,
do transporte coletivo para que seja um transporte humanizado e de
qualidade. O que realmente falta é a vontade política de resolver o
problema. Os motoristas e os trabalhadores, usuários do transporte
coletivo, merecem respeito. Chega de tanto descaso!





Por que será que o Poder Público tem sempre tanta dificuldade para
dialogar e negociar com o povo? Por que será que esse mesmo Poder
Público nunca quer atender (ou, pelo menos, demora demais para atender)
as justas reivindicações dos trabalhadores? O “bem viver” do povo não
deveria ser a prioridade das prioridades da ação política?





Infelizmente, na nossa sociedade capitalista neoliberal - que é
estruturalmente iníqua, iniusta e desumana - o que prevalece não é o
“bem viver” do povo, mas o lucro a qualquer preço das grandes empresas.
Os trabalhadores, que já são “legalmente” explorados em seu trabalho,
depois de uma jornada exaustiva e desgastante, são obrigados - mesmo
cansados - a enfrentar um transporte coletivo humilhante, deprimente e
insuportável.





Embora ninguém seja a favor da violência, dá para entender a revolta
do povo. A estrutura psicológica da pessoa dos trabalhadores tem um
limite. Ninguém aguenta mais! Antes que aconteçam as depredações ou a
queima de ônibus, as autoridades não deveriam dialogar com os
trabalhadores? Ninguém sabe até onde pode chegar o desespero.





O comportamento do Poder Público revela uma total desconsideração
para com os trabalhadores, motoristas, usuários do transporte coletivo e
o povo em geral.





Quando o PT ainda era Partido dos Trabalhadores - hoje não é mais
(mudou de lado) -, sempre “gritava” em defesa dos direitos dos
trabalhadores. Hoje, ele “grita” em defesa do lucro das grandes empresas
e a favor do agro-hidro negócio. Que traição vergonhosa!





Os políticos e os governantes - durante o exercício do mandato -
deveriam ser obrigados a usar o transporte coletivo. Tenho certeza que a
situação mudaria em pouco tempo. Atualmente, como não precisam do
transporte coletivo, eles não têm nenhuma pressa para resolver a questão
das paralizações e das depredações de terminais e de ônibus. O povo só
interessa enquanto é útil para o capital financeiro. Não o sendo mais,
pode ser descartado.





A desculpa do Poder Público para não atender as reivindicações dos
trabalhadores é sempre a mesma: a falta de verbas. Ora, para gastos
mirabolantes com a copa do mundo e outras obras faraônicas nunca faltam
verbas. É só uma questão de modelo de sociedade e de prioridade
política. As verbas existem.





O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) deveria exigir que as
autoridades competentes resolvam, o mais rápido possível, a situação
caótica do transporte coletivo. Já passou da hora!





O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de
Goiás (Sindittransporte) e o Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores
no Transporte Coletivo Urbano de Goiânia e Região Metropolitana
(Sindicoletivo), mesmo tendo divergências quanto à maneira de conduzir o
processo, deveriam ficar unidos para garantir os direitos dos
trabalhadores.





É bom que os trabalhadores fiquem de alerta. Quando a diretoria de um
Sindicato negocia com o Poder Público ou com os empresários e faz
acordos sem realizar a assembleia da categoria, ouvindo seu parecer, é
sinal evidente que o Sindicato se tornou “pelego”. Não representa mais
os trabalhadores, mas outros interesses escusos. Assim sendo, a
assembleia dos trabalhadores deve desautorizar a diretoria do Sindicato e
tomar as devidas providências. Ela é soberana.





Mesmo com todas as dificuldades e contradições, os trabalhadores não
podem cair na armadilha dos detentores do poder econômico, que é dividir
os trabalhadores para enfraquecer a luta. No caso em questão, eles
querem colocar os trabalhadores usuários do transporte coletivo contra
os motoristas, que também são trabalhadores.





As reivindicações dos motoristas do transporte coletivo por melhores
salários e as lutas do povo por um transporte coletivo digno são justas e
merecem todo nosso apoio.





Termino com as sábias e contundentes palavras do nosso irmão, o papa
Francisco, que nos fazem refletir e são uma luz para nossa vida.





“Assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para
assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a
uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata.
Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não
seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é
exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo,
quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje,
tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o
poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes
massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho,
sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si
mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora.
Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que aliás chega a ser
promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e
opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria
raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas,
na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não
são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A alegria do Evangelho - EG,
53).





Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia
(USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), é professor aposentado de
Filosofia da UFG. E-mail:
mpsassatelli(0)uol.com.br

 


A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania

sábado, 24 de maio de 2014

O estranho Mujica no desconcertante Uruguai

O estranho Mujica no desconcertante Uruguai

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Um escritor espanhol acompanha insólita rotina do presidente e opina: ela só seria possível em seu país particular, que teima em desafiar lógicas do “bom-senso”
Por Juan José Millás | Tradução: Cibelih Hespanhol
[Primeira de duas partes da entrevista. Breve, em "Outras Palavras", a conversa completa com Mujica]
A tempestade se anunciava, em tal estado de exaltação, que mais se parecia às sensações que precedem as piores enxaquecas. Em pleno meio dia, toda a atmosfera tornava-se escura (como se Deus tivesse fechado os olhos), e se levantava por todos os cantos um ar estranho, de tonalidades psíquicas, produtor de uma euforia gratuita. Cada greta das paredes adquiria uma relevância misteriosa, como se em seu interior, ao invés de certamente viver uma barata, vivesse uma libélula.
Logo o céu desabava, com a mesma violência com a qual a polícia, à sua maneira, manda abaixo a porta de uma casa de narcotraficantes; e a água começava a cair em grandes jorros. Em quinze minutos, os edifícios já estavam ensopados como uma esponja recém-tirada da água e colocada sobre a borda de uma banheira. Crianças brincavam entre as poças de água, enquanto a realidade permanecia suspensa.
O clima montevideano sofria de transtornos de caráter. No quarto do hotel, onde a janela se abria para um pátio de luzes, era natural sentir-se como um desses personagens de Onetti que, nus sobre a cama, sem parar de fumar, escutam obsessivamente os ruídos vindos do exterior, enquanto tentam compor em sua cabeça uma imagem do mundo.
O mundo, a princípio, eram as ruas que se desdobravam até este estranhíssimo lugar, onde se encontram as águas do Rio Prata com as do Oceano Atlântico, duas monstruosidades naturais a copular sem nenhuma pausa. Às vezes o mar penetra no rio, às vezes é o rio quem se introduz no mar – depende dos ventos, das marés, das chuvas, dos efeitos das mudanças climáticas. Esta sobreposição afeta a fauna: peixes de mar que se precipitam, de súbito, na água doce, e peixes de rio que se encontram de pronto em toda a dimensão do mar salgado.
topo-posts-margem
- Morrem os peixes quando atravessam a fronteira? – perguntei a um pescador.
- Ou saem a tempo, ou se adaptam – disse ele.
- Mas morrem, por vezes? – insisti, em uma preocupação íntima.
- Acredito que ou saem ou se adaptam – insistiu ele também.
O País semanal havia nos enviado ao outro lado do mundo para que escrevêssemos uma reportagem, de modo que ao cair da tarde o fotógrafo Jordi Socías e eu saímos a caminhar, tomando uma das tantas ruas que davam até o estuário.
Já estávamos andando havia uma hora, quando vimos sair um sujeito com uma sacola de uma loja de delicatessen.
- Vendem bons vinhos aí? – perguntou Socías.
- Muitos bons – respondeu o homem – e um pão excelente. Mas já estão fechando.
Era um sujeito de classe alta, aberto a conversas, de modo que perguntamos a ele se estávamos muito longe do mercado.
- Não vá até lá – disse ele – a esta hora estará às moscas.
- E se tomarmos o caminho pela avenida?
- Nem pensar, está fechada também. Subam por esta rua, e a quatrocentos metros encontraram alguns bares, como os de Madrid ou Paris.
- Mas nós não queremos ver Madrid ou Paris. Queremos ver Montevidéu. – disse Socías.
O sujeito nos espiou como se estivéssemos loucos, e se afastou cuidadosamente de nós dois, que continuamos a caminhar na direção proibida. Realmente, estava mesmo às moscas.
- É que aqui você tem que vir pela manhã. – nos avisaram no mercado.
Há lugares de Montevidéu que só são Montevidéu em certos horários: quando é manhã, ou quando é a hora de comer. Logo se transformam em outra cidade, na qual todos os dias são sempre uma tarde de domingo, como acontece na vida de algumas pessoas: na de Felisberto Hernandéz, por exemplo, escritor uruguaio enormemente infeliz, que havíamos lido antes de viajar.
Montevidéu era um estado de espírito.
Retornei ao quarto de hotel já em estado líquido. Tirei a roupa – exceto as meias (porque tenho a superstição de que me mantêm os pés unidos às pernas), enchi a banheira de água fria, entrei nela, acendi um cigarro e abri um romance de Onetti justo no instante em que o personagem dizia: “eu sou um homem solitário, fumando em um lugar qualquer da cidade; a noite me rodeia, vai desdobrando-se como um rito, gradualmente, e nada tenho a ver com ela”.
Larguei o livro em um gesto de defesa. A temperatura do meu corpo já não era febril. Lembrei-me do sujeito que pretendia que, em Montevidéu, ao invés de vermos Montevidéu, víssemos Madrid ou Paris, e então me veio à cabeça uma pergunta: “Uruguai é um país europeu ou latino-americano?”. Era como se eu perguntasse se as águas, no estuário do Rio da Prata, eram mais fluviais que marítimas ou mais marítimas que fluviais.
O aconselhável seria erguer o dedo e levá-lo a boca, comprovando assim se pertencia ou não ao sal. Montevidéu conhecia com intimidade os romances aflitos de Onetti, tanto quanto a prosa indócil de Levrero.
* * *
O que acabo de contar, na verdade, aconteceu em outro momento, mas aqui foi lançado desta forma, não sei por quê. Digamos que seja pela mudança de horário. O que realmente aconteceu tão logo chegamos, com a maleta já disposta sobre a cama do quarto do hotel, foi o seguinte: tocou o telefone, e quem nos chamava era o secretário de comunicação do presidente do Uruguai.
- Às três e meia – disse ele – chegará um carro para pegá-los e levá-los até a chácara de Mujica.
Olhei o relógio: era meio dia.
- Mas havíamos combinado que o encontro seria amanhã – observei, com cautela.
- Amanhã não pode ser – concluiu o secretário.
Desliguei e avisei o fotógrafo. Socías e eu éramos dois senhores já velhos, que nos arrastamos por treze horas de avião, um fuso horário e um salto abismal do inverno espanhol até o verão uruguaio. Estávamos animados, sim, mas justamente por nos sentirmos tão bem é que começávamos a suspeitar do nosso equilíbrio mental.
Quando o carro chegou, chovia com uma inclemência extraordinária – como se quisessem machucar alguém com aquelas águas. E apesar de ainda restarem cinco ou seis horas de luz (de luz escura) porque em Montevidéu, em fevereiro, anoitece tarde, as ruas já se haviam apagado como os corredores de um escritório em um dia de feriado.
O automóvel seguiu navegando. Alcançamos uma zona rural. A chuva havia parado um pouco, e através dos vidros molhados, em meio às terras de cultivos, víamos aqui ou ali, distribuídos de forma irregular, galpões que talvez fossem casas, casas que talvez fossem galpões. E cachorros, muitos deles, que vinham correndo para saudar o carro.
Havia galinhas, também. Neste instante, apareceu no meio do caminho um cachorro morto que, tão logo nos aproximamos, mostrou-se estar vivo. Ainda assim, custou a sair da direção do carro, como se não acreditasse que este realmente existisse, ou tampouco se importasse. Foi quando o condutor parou o automóvel em uma encruzilhada.
- É aqui – disse.
Havíamos chegado em Rincón del Cerro. Descemos do carro e vimos, no meio do campo, uma guarita de vigilância, de estética semelhante à dos banheiros portáteis – o que conferia à paisagem certo ar surreal. E ali mesmo, à direita, um pouco oculta pela vegetação, nos apontaram a casa de José Mujica, o presidente da República Oriental do Uruguai. Diziam que a casa era muito modesta. Mentira. É pobre. Poderíamos dizer que é como um barracão confortável, com telhado de zinco, em cuja porta nos esperava este ancião que já se tornou uma espécie de moda em seu país. Trajava uma calça desgastada e uma camisa azul.
- Senhor presidente – disse, estendendo-lhe a mão.
- Fora, Manuela! – gritou ele a uma cachorra de três patas, que já havia se adiantado a nos dar as boas vindas.
José Mujica Cordano, o dono da cachorra aleijada, contava 80 anos – quinze dos quais passou preso, por pertencer ao Movimento de Liberação Nacional Tupamaros. Possui em seu currículo de guerrilheiro duas fugas e, em seu corpo, seis feridas de bala. Detido pela última vez em 1972, não voltaria a ver a luz do dia até 1985. Entrou, portanto, com 37 anos e saiu com 50. Durante este tempo, conheceu no cárcere da ditadura vergonhas das mais terríveis. Desnudo, com as mãos e os pés atados, aplicavam-lhe choques nas áreas genitais e na língua. O aguilhão elétrico era um dos instrumentos preferidos pelos militares, mas não era o único, nem o mais sofisticado. Outra prática também alcançou sua fama, consistindo-se em obrigar o preso a caminhar pela estrutura externa das janelas, do sexto piso, por exemplo, com uma carapuça tapando a cabeça, fazendo-o sentir apenas o vazio por baixo de seus pés. Havia também a “banheira”, o afogamento com panos embebecidos de água, as simples surras, e, enfim, a fome, o isolamento, os cachorros… Cada prisão tinha a sua especialidade.
Segundo relatado por Walter Pernas, em Comandante Facundo, o então presidente do Uruguai, que havia perdido os dentes devido às surras que recebia diariamente, chegou a comer papel higiênico e sabão – além das moscas que chegavam até sua cela (com frequência, um simples buraco), atraídas pelo forte cheio de fezes que exalava do preso. Havia chupado, com suas gengivas desnudas, em busca de um pouco de cálcio, os ossos que jogavam os carcereiros depois que os cachorros já os haviam devorado. Bebeu de sua própria urina, dormiu durante anos sobre um chão de cimento, exposto a frios intoleráveis e calores asfixiantes. Havia passado semanas ou meses sem ver a luz, anos sem conversar com ninguém que não fossem os ratos ou os insetos que conviviam com ele ou faziam-lhe visitas. Perdeu a noção do espaço e do tempo, delirou, emagreceu até ser capaz de contar cada um dos ossos de seu esqueleto. Defecava-se e mijava-se constantemente, pois, fruto das surras, das balas e da alimentação, sofria de problemas renais e digestivos.
Conta Walter Pernas que ele já não podia caminhar erguido, como um homem, e nos momentos de maior deterioração física e psíquica os militares levavam seus filhos até a prisão para que vissem a besta e a insultassem. Viajou, enfim, várias vezes até o limite da morte, de onde regressava alucinado, com os olhos desvairados e praticamente sem massa muscular sobre a qual se sustentar. Levavam-no de uma prisão a outra, de um buraco a outro, como um saco de mercadoria suja, jogando-o sem cerimônias sobre o caminhão militar e de lá o tirando a pontapés e socos.
Conhecedores de sua diarreia crônica e seus problemas urinários, os carcereiros não prestavam atenção às suas súplicas para usar o banheiro. Mas, através de sua própria constância, e da de sua mãe, conseguiu com o passar dos anos que o deixassem possuir um urinol do qual não se separava, e que se converteu, com o tempo, no símbolo de uma pequena vitória sobre seus sequestradores. Abandonou o cárcere abraçado a ele, já convertido em um vaso de flores. Apenas quatro dias após sua soltura, pronunciou um discurso político no qual era impossível encontrar qualquer vestígio de ressentimento. A natureza, disse então, pôs nossos olhos na frente do rosto, para que sempre possamos olhar adiante.
- Fora, Manuela! – voltou a gritar Pepe Mujica à cachorra de três patas.
Manuela foi embora e entramos na casa, que cheirava a umidade.
- O Uruguai está se tropicalizando – disse Mujica – não sei como ainda pode ter gente negando a mudança climática.
Sentamo-nos no “hall” da entrada, que também era a sala de onde se distribuíam os outros cômodos da casa (um dormitório, um banheiro e a cozinha: quarenta ou quarenta e cinco metros no total). E percebi com horror que ele esperava que eu o entrevistasse. Dirigi-me a ele, então.
À primeira de minhas perguntas me respondeu que os governantes já não mandavam nada.
- Quem manda, então? – perguntei.
- Os grandes poderes financeiros. Já não é o cachorro que abana a cauda, mas a cauda que balança o cachorro.
- E você diz isso aos chefes de Estado e aos presidentes com os quais se reúne?
- Sim.
- E o que eles dizem?
- Me dão razão, mas olham para o outro lado. Cultivam a ilusão de voltar a serem presidentes, não se atrevem a enfrentar o inimigo. Dissimulam, mas a verdade é que somos marionetes.
- E como pôde governar por quase cinco anos sendo consciente destas limitações?
- Este é um paisinho muito especial. Mais de 50% do movimento bancário está na mão do Estado. Os uruguaios nos ensinam que, quando temos um peso, devemos ir até o Banco da República, que é o banco do Estado. E não que nos trate bem, mas temos confiança nele. O sistema bancário privado é débil.
- Todos os setores estratégicos do Uruguai estão nacionalizados.
- Não ponha a culpa em mim. Quando eu nasci já estava tudo assim. É uma construção da história.
Enquanto conversávamos, e como a porta havia ficado aberta, devido ao calor, entra Manuela, entra um galgo coxo, entra outro cachorro de raça indefinida, e todos nos miram, uivam, pedem carícias, creio que entra também um gato e se enrosca entre minhas pernas, as moscas zumbem excitadas… Lá fora, junto ao barulho da chuva se escuta, de vez em quando, uma profusão de cantos de galos. Observo Mujica, e me parece que vai e vem dentro de si mesmo, como se tivesse uma gangorra dentro da sua cabeça. Quando regressa, se junta ao mundo com uma pitada de cortesia e outra de malícia. Pergunto a mim mesmo que interesse podemos despertar nele, este par de espanhóis dentro de sua casa. Pergunto-me também se suas respostas são tão mecânicas como minhas perguntas. Ele diz que o Uruguai é um país menos rico, que adormeceu a partir da década de 60, depois de ser campeão do mundo no Maracanã.
- Cinquenta anos de nostalgia – acrescenta.
Diz que se burocratizaram, que encheram de gente as propriedades do Estado, que tinham um teatro (o Solís) com um empregado para subir o telão e outro para baixá-lo. Diz que ainda tem um problema com a burocracia estatal. Reconhece que os sindicatos dos funcionários, muito poderosos, lhe torceram um pouco o braço. Diz que tem paciência, que é preciso seguir lutando e semeando, e que já pensou muito, pois no cárcere tinha bastante tempo para pensar, e aprendeu que tudo muda, mas sempre devagar.
Diz que quando jovem andava sempre “muito apressado”, que passou entre 25 e 30 anos de sua vida, a metade preso, a metade mais ou menos livre, ou “prisioneiro de meus próprios esquemas”. Diz que há 20 ou 30 anos atrás era possível discutir se havia guerras justas ou não, e que justas eram aquelas que significavam um processo de liberação nacional ou tentativa de liberação de nações que se sentiam submetidas, mas que hoje, do jeito que estão as coisas, todas as guerras são para que os mais fracos sofram ainda mais. Diz que é preciso tratar de mudar as coisas através da paz, que é preciso levar a cabo políticas de Estado e estas são as em que, a partir de posições distintas, buscam-se pontos de acordo. Diz que têm aparecido problemas que nenhum país pode resolver por si mesmo, que ou governamos a globalização ou a globalização governará a todos nós.
Diz que a democracia e o socialismo são compatíveis, mas com a condição de que um não engula o outro. Diz que o que mais importa destacar de seu mandato é a luta contra a pobreza e a indigência, e o crescente clima de estabilidade política e confiança que vem atraindo os investimentos estrangeiros. Pergunta se queremos um uísque, diz que não teremos outro remédio senão voltar à economia produtiva, e que neste terreno o Uruguai está muito bem situado, pois tem uma excelente produção de lácteos, de carne, de cereais. Diz que produzem trigo, soja, que exportam arroz, que são bons vendedores de carne de vaca, que exportam peixes pois comem muito pouco, que possuem um mar precioso mas têm vivido de costas para ele já que são descendentes de galegos. Diz que fala muito com os chineses, que são seu principal cliente, que compram toda sua soja e estão aumentando sua presença, que nas campanhas eleitorais as bandeiras são todas chinesas. Diz que o problema da Europa é ter-se descuidado da economia produtiva, subordinando-a a engrenagem financeira, e daí a imagem da cauda que move o cachorro, quando o importante é o cachorro…
Vem-me à cabeça que o secretário de comunicação nos disse que teríamos uma hora ou uma hora e meia, e que Jordi Socías também precisa de um tempo para tirar as fotos. Então sou invadido por um gesto de impotência, apago o cigarro, e digo a Mujica, ao presidente do Uruguai, ao Pepe, como o chamam:
- Olha, eu não sei fazer entrevistas, não sei fazer isso que estou fazendo.
Mujica se retira um momento até a gangorra que tem dentro de si (e fecham-se um pouco os seus olhos), volta (abrindo-os), e me observa através das fendas pelas quais observa o mundo, como se ainda continuasse dentro de uma célula, como se o corpo todo fosse uma célula e os olhos aquele olho mágico das portas.
- O que eu sei – continuei – é contar o que me acontece. Se o senhor me permitir vir tomar café da manhã em sua casa, te acompanhar até o trabalho, ver como se move, como age, enfim, então eu contaria tudo isso…
Como a situação, aparentemente, tornou-se um pouco difícil (afinal nem Mujica nem seu secretário de comunicação poderiam entender que enviaram a eles, do outro lado do mundo, um sujeito que não sabe fazer entrevistas), interveio Socías:
- O que Mirás quer dizer é que tudo o que ele saber fazer é contar histórias.
- Vamos tomar um trago – conclui Mujica.
E vamos até a cozinha, onde nos serve um uísque. Jordi começa a fazer as fotos. Não parece, de forma alguma, que estamos com um presidente ou algo parecido. Então me lembro de que este homem doa 87% de seu salário a um projeto de moradias para pobres, e pergunto a ele se ainda lhe resta dinheiro suficiente para viver. Ele me diz que sim, e que ele e sua senhora, depois de se juntarem ao partido, ainda possuem 45000 pesos – uns dois mil euros.
Nota da tradutora: uns seis mil reais
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Juan José Millás

Juan José Millás é escritor espanhol, autor de dezenas de livros e publicado em 23 idiomas. Sua obra é marcada pela introspecção psicológia e pelas transições que estabelece entre o quotidiano e o fantástico. Criou um gênero, o articonto, em que uma história banal transforma-se, por fantasia, em narrativa para enxergar criticamente a realidade

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Adital - Aplicativo de combate à violência contra a mulher é vencedor de prêmio do Google

Aplicativo de combate à violência contra a mulher é vencedor de prêmio do Google



Adital



Projeto Brasileiro "Promotoras Legais Populares 2.0 (PLP 2.0)”, que
pretende apoiar as mulheres no combate à violência doméstica, foi um dos quatro
vencedores do "Desafio Impacto Social”, uma iniciativa promovida pela empresa
Google que premia projetos de ONGs que usam a tecnologia para solucionar
problemas na esfera social. O resultado foi divulgado no último dia 08 de maio durante
um evento no escritório da empresa Google, em São Paulo.



Desenvolvido pela ONG Geledés em parceria com a ONG Themis, o "Projeto
PLP 2.0” pretende apoiar as mulheres no combate à violência doméstica através
de um aplicativo instalado em smartphone. De acordo com o aplicativo, há um
mecanismo com o botão "Pânico” que ao ser acionado avisa instantaneamente
as redes de atendimento de proteção da mulher sobre a situação de perigo, além
de gravar áudio e vídeo pelo celular para gerar provas da situação vivida pela
vítima.



O Projeto foi vencedor na categoria de voto popular. Os demais
vencedores foram selecionados pelo júri. Os demais vencedores foram: o projeto
"Rede Minha Cidade” da ONG Meu Rio; o projeto "SMS Bebê”, desenvolvido pelo
Instituto Zero a Seis; e o projeto ”Pesca Mais Sustentável", da organização Conservação
Internacional.



De acordo com a Geledés, o Brasil possui um dos maiores índices de
violência contra a mulher do mundo. Nos últimos 10 anos, cerca de 43,5 mil
mulheres foram assassinadas no país, uma média de 4,5 mil casos por ano. Segundo
dados divulgados pela organização, a cada uma hora e meia, uma mulher é assassinada
no Brasil.



O Desafio de Impacto Social Google reuniu 10 finalistas. Os quatro
vencedores receberam cada um o Prêmio Global Impact Award no valor de R$ 1
milhão, bem como apoio tecnológico do Google para ajudar a tirarem os seus
projetos do papel. Além dos quatro vencedores, a empresa premiou outros seis
finalistas com uma quantia de R$ 500 mil pela qualidade dos projetos
apresentados durante o Desafio. Para mais informações sobre cada projeto
finalista do Desafio acesse: https://desafiosocial.withgoogle.com/brazil2014



Informações sobre o projeto Promotoras legais Populares acesse o site:


http://www.geledes.org.br/voce-votou-e-nos-ganhamos-obrigada-impacto-social-google-brasil/



Informações sobre a Ong Themis através do link http://www.themis.org.br/