terça-feira, 8 de julho de 2008

NOSSA ELITE É AMERICANA


Luiz Carlos Azenha

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NAIROBI - Quênia - Depois de uma semana enfrentando os congestionamentos de uma das maiores metrópoles da África eu me perguntei onde é que os quenianos erraram.

Escolhi a foto acima para ilustrar esse texto justamente com o objetivo de não reforçar a imagem que a maioria dos estrangeiros têm da África.

Não, a independência dos países africanos não foi um desastre - como gostam de dizer os antigos colonizadores no escurinho do cinema. Eles adorariam que fosse essa a realidade, para que pudessem se livrar dos crimes que cometeram, dormir com a consciência tranquila e ainda tratar os africanos de forma paternalista.

A independência da África deu certo, sim, mas para poucos. Deu certo para o dono da Mercedes Benz que aparece na foto acima, por exemplo. Relativamente ao conjunto da população eles são poucos. Fazem parte de uma elite africana ligada ao governo ou aos negócios que estrangeiros brancos continuam tocando no Quênia, direta ou indiretamente.

Fui às duas maiores favelas de Nairobi nos últimos dias. Não me surpreendi pelo simples fato de que já conhecia a miséria africana, de viagens anteriores. Pelo contrário, dessa vez me peguei admirando a tenacidade, o espírito comunitário e o empreendedorismo dos quenianos.

O Quênia festeja em 2008 os 45 anos de sua independência. A frustração é óbvia. Aqui mesmo há os que argumentam que a elite negra traiu os ideais do país e continuou o regime dos colonizadores. Há uma grande dose de revolta contra o império do momento - os Estados Unidos - e seu sub-império, o Reino Unido.

Em uma repartição pública, um funcionário me disse que a rainha Elizabeth, da Inglaterra, deveria responder por crimes contra a Humanidade. Ele fazia referência aos crimes cometidos aqui pelos britânicos nos anos 50, quando combateram a rebelião Mau Mau criminalizando a população civil.

Eu lembrei a ele que a História é escrita pelos vencedores e que os britânicos ainda têm meios de controlar essa História. Mas, aos poucos, o mundo saberá o que se passou na África. Já há livros como The British Gulag, por exemplo, tratando do tema.

Mas há também aqueles que argumentam que a democracia ainda não se instalou no Quênia e que esse é o melhor caminho para alçar a grande massa da população às condições mínimas de sobreviência.

Eu refletia sobre o assunto quando recebi um e-mail de uma campanha contra o ditador Mugabe, do Zimbábue. Uma causa aparentemente nobre. No entanto, ainda não entendi o que levou o Ocidente branco a focalizar toda a sua ira contra Mugabe - e nenhuma contra o ditador da Guin'e Equatorial, por exemplo. Não sei o motivo dessa seletividade. Talvez o petróleo que a Guin'e garante a americanos, europeus e japoneses...

De repente me dei conta de que, ao julgar o Quênia, eu estava automaticamente repetindo o comportamento condescendente dos ocidentais brancos em relação à África, como se não tivessemos nossos próprios problemas e soubessemos o que é melhor para eles.

Eu me lembrei de que mais brasileiros foram à Disney do que à Amazônia. Lembrei-me que o nome de um dos programas favoritos da elite brasileira é Manhattan Connection. Que a emissora de vender bugigangas no Brasil se chama Shoptime. Que o Fashion Mall é o shopping chique do Rio de Janeiro. Que em São Paulo se festeja o haloween. Que o caderno da Folha para adolescentes é o Folhateen.

E lembrei que também temos uma elite preconceituosa e reacionária, que se comporta no Leblon e nos Jardins como se estivesse em Paris ou Nova York. Seria um elogio chamar essa elite de africana. A África não merece ser associada a algo tão vulgar e ignorante. Nossa elite é americana.


Estados europeus desalmados






Leonardo Boff


A "Diretiva do Retorno" também chamada de "Diretiva da Deportação ou da Vergonha", da Comunidade Européia acerca dos extracomunitários ilegais desmascara uma faceta desumana que a cultura européia sempre teve e que dificilmente consegue disfarçar. É uma cultura identitária. Possui dificuldade imensa de conviver com o diferente. Ou o agregou, ou o submeteu ou o destruiu. Invadiu praticamente todo o mundo conhecido, subjugando e matando com a cruz e a espada. Foi ela que, nos primórdios da modernidade, provocou o maior genocídio da história humana, segundo o historiador Oswald Splengler em seu O declínio do Ocidente. Onde na América Latina havia 23 indígenas, diz-nos o antropólogo Darcy Ribeiro, após um século, restou apenas um. Depois dominou as populações restantes, explorou todos os recursos naturais possíveis que serviram de base para a industrialização e seu enriquecimento que são suas injustas vantagem até os dias de hoje. Atrás de seus feitos comerciais e técnicos há rios de sangue, de suor e de lágrimas. É uma cultura montada sobre o poder-dominação.

Agora, passando por cima de vários artigos da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 (quando foi que a respeitaram?) maltratam imigrantes, consideram-nos criminosos a serem encarcerados, mesmo menores, sem precisar de mandato judicial, apenas mediante um procedimento administrativo. Prevêem-se campos de concentração para eles. Esses imigrantes escondem tragédias em suas vidas. Estão lá porque querem sobreviver e ajudar a suas famílias que deixaram em seus países.

Vejam a contradição: no século XIX os sobrantes do processo de industrialização europeu, aqueles que poderiam desestabilizar o capitalismo selvagem nascente, previsto por Marx, foram destinados à exportação. Não veio qualquer tipo de gente. Tinham primazia os empobrecidos e os doentes, como meus avós italianos. Todos de sua leva eram acometidos de tracoma, na época de difícil cura. Eu mesmo quando criança passei por esta doença bem como todos de nossa região no interior de Santa Catarina, onde se situa hoje a Sadia e a Perdigão, conhecidas por seus bons produtos.

No Brasil foram acolhidos com generosidade. Ganharam terras, ajudaram a construir esta nação e agora, com a riqueza natural com que Deus nos galardoou, podemos ser a mesa posta para as fomes do mundo inteiro. As políticas da Comunidade Européia de hoje, não mostram nenhuma reciprocidade. Com ações articuladas, se revelam cruéis e sem piedade. Relata-nos o príncipe de nossos jornalistas, Mauro Santayana, no JB de 22/06, que nos anos 80 economistas e sociólogos norte-americanos e europeus sob o patrocínio de banqueiros concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da humanidade, a fim de garantir a gestão do planeta e manter os privilégios dos 20% de ricos. Os demais deveriam ser marginalizados até a sua extinção.

Parece que o genocídio está inscrito no código genético deste tipo de gente que está por detrás de quase todas as guerras dos últimos séculos. A eles que gostam de cultura como pura ilustração lhes recordo o que Immanuel Kant (+1804) diz em sua A paz perpétua (1795). A primeira virtude de uma república mundial é a "hospitalidade geral", como direito e dever de todos. Todos estão sobre o planeta Terra, diz ele, e têm o direito de visitar suas regiões e seus povos, pois a Terra pertence comunitariamente a todos.

Só espíritos anti-cultura ocidental como Francisco de Assis, João XXIII. Luther King e Madre Tereza podem oferecer um paradigma que resgate e salve estes Governos da maldição da vida e da ira divina que pairam sobre eles.


Leonardo Boff é teólogo.

Fonte: Adital

Em defesa da liberdade e do progresso de conhecimento na internet brasileira


Mais uma ameaça à liberdade na internet: um projeto do senador tucano Eduardo Azeredo (PSDB-MG) pode transformar milhares de internautas em criminosos de um dia para outro. Leia o texto abaixo e participe do abaixo-assinado contra essa aberração.

"Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral. O Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância".

"Se, como diz o projeto de lei, é crime "obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida", não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já seria um crime por "cópia sem pedir autorização" na memória "viva" (RAM) temporária do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comum dos usuários que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publicação on-line em um blog, também seria crime. O projeto, se aprovado, colocaria a prática do "blogging" na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém!"

Clique AQUI para saber mais e assinar a petição contra o projeto do senador tucano.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Terremoto de longa duração

Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu – uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA – assentado na combinação virtuosa entre elevados níveis de produtividade e elevados níveis de protecção social.

Um terremoto está a assolar a Europa. Não é detectável nos sismógrafos convencionais porque tem um tempo de desenvolvimento atípico. Não ocorre em segundos se não em anos ou talvez décadas. Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu – uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA – assentado na combinação virtuosa entre elevados níveis de produtividade e elevados níveis de proteção social, entre uma burguesia comedidamente rica e uma classe média comedidamente média ou remediada; na eficácia de serviços públicos universais; na consagração de um direito de trabalho que, por reconhecer a vulnerabilidade do trabalhador individual frente ao patrão, confere níveis de proteção de direitos superiores aos que são típicos no direito civil; no acolhimento de emigrantes baseado no reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento europeu, e das suas aspirações à plena cidadania com respeito pelas diferenças culturais.

A destruição deste modelo é crescentemente comandada pelas instituições da União Europeia e pelas orientações da OCDE. Três exemplos recentes e elucidativos. A directiva européia que permite o alargamento da semana de trabalho até às 65 horas. A chamada Diretiva de Retorno, aprovada pelo Parlamento Europeu, que permite a detenção de imigrantes sem documentados até dezoito meses, incluindo crianças, o que virtualmente cria o delito de imigração.

As alterações ao Código do Trabalho em vias de serem aprovadas no nosso país, cujos principais objectivos são: baixar os níveis de proteção ao trabalhador consagrados no direito do trabalho, já de si baixos pelos níveis de violação consentida; transformar o tempo de trabalho num banco de horas gerido segundo as conveniências da produção por maiores que sejam as inconveniências causadas ao trabalhador e à sua família e com o objetivo de eliminar o pagamento das horas extraordinárias; desarticular o movimento sindical através da possibilidade da adesão individual às convenções coletivas por parte de trabalhadores não sindicalizados, o que objetivamente abre as portas a todo o sindicalismo dependente e de conveniência.

Há em comum nestas medidas dois fatos que escapam por agora à opinião pública. O primeiro é que, ao contrário do que aconteceu na legislação européia anterior (que procurou harmonizar pelo padrão dos países com proteção mais elevada), a atual legislação visa harmonizar por baixo, transformando os países mais repressivos em exemplos a seguir. O segundo fato é o objectivo de fazer convergir o modelo capitalista europeu com o norte-americano. A miragem das elites tecno-políticas européias – muitas delas formadas em universidades norte-americanas – é que a Europa só poderá competir globalmente com os EUA na medida em que se aproximar do modelo de capitalismo que garantiu a hegemonia mundial deste país durante o século XX. Trata-se de uma miragem porque concebe como causas da hegemonia norte-americana o que os melhores economistas e cientistas sociais dos EUA concebem hoje como causas do declínio da hegemonia norte-americana, fortemente acentuado nas duas últimas décadas.

A transformação do trabalhador num mero fator de produção e a transformação do imigrante em criminoso ou cidadão-fachada, esvaziado de toda a sua identidade cultural são as duas fraturas tectônicas onde está a ser gerado o terramoto social e político que vai assolar a Europa nas próximas décadas. Vão surgir novas formas de protesto social, muitas delas desconhecidas no século XX. A vulnerabilidade do Estado será visível em muitas delas, tal como aconteceu com a greve de caminhoneiros, vulnerabilidade reconhecida por um primeiro-ministro cuja eventual ignorância da história contemporânea foi compensada pela intuição política: foi a greve de caminhoneiros que precipitou a queda do governo de Salvador Allende.

A quem beneficiará o fim de um sindicalismo independente e agravamento caótico do protesto social? Exclusivamente ao Clube dos Bilionários, os 1125 indivíduos cuja riqueza é igual ao produto interno bruto dos países onde vive 59% da população mundial.


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

domingo, 6 de julho de 2008

Fidel: a história real e o desafio dos jornalistas cubanos


Dedico esta reflexão de caráter histórico a nossos queridos jornalistas, por coincidir com o 7º Congresso da União dos Jornalistas de Cuba. Com eles, sinto-me em família. Como eu teria gostado de estudar as técnicas de seu ofício!

Por Fidel Castro, no Granma



A Upec teve a generosidade de editar um livro intitulado Fidel Jornalista que será lançado amanhã (4), à tarde. Enviaram-me um exemplar que contém vários artigos publicados em órgãos clandestinos ou legais há mais de 50 anos, com prólogo de Guillermo Cabrera Álvarez e escolha, introdução e apontamentos de Ana Núñez Machín.

Eu alcunhei Guillermo Cabrera de O Gênio, desde meus primeiros encontros com ele. Foi a impressão que tive daquela pessoa maravilhosa que infelizmente morreu no ano passado. Foi operado de coração fazia um tempo em nosso prestigioso Centro Cardiovascular da cidade de Santa Clara, criado pela Revolução.

Li de novo alguns dos artigos divulgados em Alerta, Bohemia, La Calle, e vivi mais uma vez aqueles anos.

Diante da necessidade de transmitir idéias, escrevi esses artigos. Fi-lo por puro instinto revolucionário. Sempre apliquei um princípio: as palavras devem ser simples; os conceitos, inteligíveis para as massas. Hoje tenho mais experiência, porém menos força; custa-me muito fazê-lo. O nível de nosso povo, com a Revolução, é muito mais alto; a tarefa é mais difícil.

Do ponto de vista revolucionário, não importam as discrepâncias; o que importa é a honestidade com que a gente opine. Das contradições, sairá a verdade. Talvez, noutra ocasião, valha a pena maior esforço para expressar algumas observações sobre o assunto.

Ontem ocorreu um importante acontecimento, que será o tema principal nos próximos dias: a libertação de Ingrid Betancourt e de um grupo de pessoas que estavam no poder das Farc, sigla da organização Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Em 10 de janeiro deste ano, nosso embaixador na Venezuela, Germán Sánchez, a pedido dos governos da Venezuela e da Colômbia, participa da entrega, à Cruz Vermelha Internacional, de Clara Rojas, que foi candidata à vice-presidência da Colômbia, quando Ingrid Betancourt se candidatou à presidência, e foi seqüestrada em 23 de fevereiro de 2002. Consuelo González, membro da Câmara dos Representantes, seqüestrada em 10 de setembro de 2001, foi libertada com ela.

Abria-se um capítulo de paz para a Colômbia, processo que Cuba vem apoiando há mais de 20 anos, sendo o mais conveniente para a unidade e libertação dos povos da nossa América, empregando novas vias nas complexas e especiais circunstâncias atuais, após o colapso da União Soviética no começo da década de 1990 — que não tentarei analisar aqui —, bem diferentes das de Cuba, da Nicarágua e de outros países nas décadas de 50, 60 e 70 do século 20.

O bombardeamento em 1º de março, de manhã, de um acampamento em solo equatoriano, onde dormiam guerrilheiros colombianos e jovens visitantes de diversas nacionalidades, com uso de tecnologia ianque, ocupação de território, tiros de misericórdia nos feridos e seqüestro de cadáveres, como parte do plano terrorista do governo dos Estados Unidos, repugnou o mundo.

Em 7 de março, realizou-se a Reunião do Grupo de Rio, na República Dominicana, onde o fato foi condenado energicamente, enquanto o governo dos Estados Unidos o aplaudia.

Manuel Marulanda, camponês e militante comunista, chefe principal dessa guerrilha criada há quase meio século, ainda vivia. Faleceu no dia 26 desse mês.

Ingrid Betancourt, enfraquecida e doente, bem como outros presos com precárias condições de saúde, dificilmente poderiam resistir mais tempo.

Por um elementar sentimento de humanidade, alegrou-nos a notícia de que Ingrid Betancourt, três cidadãos norte-americanos e outros prisioneiros tinham sido libertados.

Os civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem os militares serem mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Eram fatos objetivamente cruéis. Nenhum propósito revolucionário podia justificar isso. Em seu momento, será preciso fazer uma análise profunda dos fatores subjetivos.

Em Cuba, ganhamos nossa guerra revolucionária pondo logo em liberdade e sem condição alguma, os prisioneiros. Entregávamos à Cruz Vermelha Internacional os soldados e oficiais capturados em cada batalha, ocupando apenas as armas. Nenhum soldado as entrega, se a morte o espera, ou um tratamento cruel.

Observamos com preocupação que o imperialismo tenta aproveitar os acontecimentos da Colômbia para ocultar e justificar seus horrendos crimes de genocídio noutros povos, desviar a atenção internacional de seus planos intervencionistas na Venezuela e na Bolívia, e da presença da IV Frota em apoio à linha política que pretende liquidar totalmente a independência e apoderar-se dos recursos naturais dos demais países ao sul dos Estados Unidos.

São exemplos que devem ilustrar todos nossos jornalistas. A verdade em nossos tempos navega por mares tempestuosos, onde a mídia está nas mãos dos que ameaçam a sobrevivência humana com seus imensos recursos econômicos, tecnológicos e militares. Esse é o desafio dos jornalistas cubanos!



sábado, 5 de julho de 2008

A Harpa da Birmânia

Uma tropa, liderada por um capitão apaixonado por música, e que ensinou seus comandados a cantar, entrega as armas para os ingleses já quase na fronteira com a Tailândia depois de terem notícias do fim da guerra. A um dos soldados, o harpista, é delegado uma tarefa inglória: subir até uma montanha nas redondezas e convencer os demais soldados a abandonarem os postos e se entregarem. Chegando lá, é mal compreendido (acusado de traição) e, frente à continuação dos ataques, são todos massacrados pelos canhões britânicos. O harpista escapa roubando as roupas de um monge.


informações sobre o filme e release:

Gênero: Drama
Diretor: Kon Ichikawa
Duração: 116 minutos
Ano de Lançamento: 1956
País de Origem: Japão
Idioma do Áudio: Japonês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0049012/
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: XviD MPEG-4
Vídeo Bitrate: 1470 Kbps
Áudio Codec: AC3
Áudio Bitrate: 190
Resolução: 560 x 400
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 23.976 FPS
Tamanho: 1,36 Gb
Legendas: No torrent

Créditos: makingoff - mfcorrea

Elenco:

Rentaro Mikuni, Shôji Yasui, Jun Hamamura, Takeo Naito¹, Akira Nishimura¹, Hiroshi Tsuchikata, Sanpei Mine, Yoshiaki Kato, Sojiro Amano, Yôji Nagahama, Eiji Nakamura, Shojiro Ogasawara, Tomoko Tonai, Tatsuya Mihashi, Yûnosuke Itô

Crítica:

Considerado um dos clássicos do cinema japonês da década de 50, A Harpa da Birmânia, de Kon Ichikawa, tem um aperitivo a mais para quem o vê hoje, após o lançamento no Brasil do livro-reportagem “Corações Sujos”, do jornalista Fernando Morais. A trama é parecida: alguns japoneses não acreditam que o país deles perdeu a II Guerra Mundial (alguns nem sequer consideravam as notícias sobre a bomba atômica) e continuaram a lutar mesmo depois do cessar-fogo. O livro de Morais relata como os japoneses que haviam imigrado para o Brasil continuaram a luta por anos.

No caso de A Harpa da Birmânia, uma tropa, liderada por um capitão apaixonado por música, e que ensinou seus comandados a cantar, entrega as armas para os ingleses já quase na fronteira com a Tailândia depois de terem notícias do fim da guerra. A um dos soldados, o harpista, é delegado uma tarefa inglória: subir até uma montanha nas redondezas e convencer os demais soldados a abandonarem os postos e se entregarem. Chegando lá, é mal compreendido (acusado de traição) e, frente à continuação dos ataques, são todos massacrados pelos canhões britânicos. O harpista escapa roubando as roupas de um monge.

Ichikawa fez parte de um grupo de cineastas japoneses que, nos anos 50 e 60, ajudaram a projetar o cinema do país em todo o mundo ao modernizar a maneira de filmar, associando técnicas narrativas ocidentais e abandonando as tradicionais formas de interpretação dos atores, vindas do teatro kabuki e Nô. São os chamados “sete samurais” do cinema, referência ao filme de Akira Kurosawa, ele próprio um dos cavaleiros – os demais são, além de Kurosawa e Ichikawa, Mikio Naruse, Masaki Kobayashi, Hiroshi Teshigahara, Hideo Gosha e Kihachi Okamoto.

O que fez de A Harpa da Birmânia um filme clássico no ocidente, além das inovações técnicas, é mesmo a cativante história do harpista desgarrado de seu grupo que, quando tem oportunidade de se juntar a eles novamente, face ao terror da guerra, opta por tornar-se um monge budista e cultuar a memória dos mortos. Sozinho, ele queima e enterra boa parte de seus conterrâneos que estavam sendo devorados ao léu pelas aves de rapina. Ele lhes dá um fim digno, apesar de ter sido humilhado e quase morto por eles. (O roteiro é de Natto Wada, mulher de Ichikawa, que escreveu o roteiro de seus melhores filmes até 1965.)

Numa das mais belas cenas do filme, ele encontra, na beira de um rio enlameado, pilhas de corpos levados pela correnteza. Cabe ao soldado enterrar a todos e ainda ensinar um menino tailandês a tocar a harpa, para que ele tirar da música o seu sustento. Enquanto isso, sua tropa original acredita na sua sobrevivência e espera pela sua volta, enquanto aguarda o dia de voltar ao Japão e começar a reconstrução do país.

Kon Ichikawa já tem no currículo mais de 100 filmes. Aos 91 anos, ainda continua na ativa, filmando pelo menos um filme a cada dois anos. As obras de Ichikawa, apesar da produção em escala industrial, têm sempre um toque pessoal: ele, realizador sensível, nunca deixa de imprimir seu inigualável olhar humanista, caloroso, em todos os filmes, sejam eles aventuras, romances ou painéis históricos.

Alguns de seus melhores filmes são cultuados no mundo todo, como Fogos na Planície (Pauline Kael o tinha na sua lista dos 10 melhores de todos os tempos) e As Irmãs Makioka, obra-prima filmada em 1984 baseada num livro de 700 páginas do autor Junichiro Tanizaki, lançado no Brasil recentemente pela Ediouro traduzido diretamente do japonês – é considerado um dos maiores (não só no tamanho) livros já escritos no Japão.

A Harpa da Birmânia (no original, Biruma no Tategoto) já foi lançada no Brasil com o nome de “Jamais Deixarei os Mortos”. É um filme pacifista que explora por meio de delicadas metáforas os efeitos da dominação ocidental no Japão pós-guerra e as dores causadas pelas perdas no conflito. Fala de um tempo de exceção em que culturas, religiões, países e raças perdem o sentido de serem assim divididos, pois talvez a divisão tenha sido feita apenas para fins de segregação e destruição.

Depois de ver filmes tão belos quanto esse é que percebemos o quão tolos e ruins são bobagens como O Regaste do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, um dramalhão apelativo, choroso e piegas, filmado com todo o aparato técnico para ressaltar a superficialidade das relações humanas.

De: http://mino.multiply.com/reviews/item/118

O torrent para o filme:

Arquivo anexado Biruma_no_tategoto__The_Burmese_Harp____Kon_Ichikawa.torrent


No torrent há legendas em português, inglês e espanhol.


Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar

Limpeza étnica na Europa fascista



por Altamiro Borges*



O Parlamento do Mercosul, reunido na cidade argentina de San Miguel de Tucumán, aprovou ontem uma dura resolução de repúdio às novas regras migratórias em vigor na União Européia, a fascista “Diretiva de Retorno”. Segundo relatos de bastidores, o documento foi articulado pelo ministro de Relações Exteriores do Brasil, o embaixador Celso Amorin, foi consensual entre os países membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e teve o entusiástico apoio dos governos da Venezuela e Bolívia, ainda em fase de adesão formal ao bloco regional.


“O Parlamento do Mercosul declara seu repúdio à denominada Diretiva de Retorno, que constitui uma violação aos direitos humanos básicos, em particular ao direito de livre circulação... Declara a sua esperança na capacidade do Parlamento Europeu rever, com base nos valores civilizatórios da Europa, essa decisão equivocada e estéril, que mancha a imagem da União Européia”, afirma a incisiva resolução, que será encaminhada a todas as instâncias internacionais. Alguns governos latino-americanos também não descartam a possibilidade de adotar duras medidas de represália, no espírito do direito à reciprocidade, como forma de pressão sobre as nações européias.

Oito milhões de “criminosos”

A Diretiva de Retorno, aprovada pelo parlamento europeu em 18 de junho, representa uma brutal regressão na política migratória e reflete a atual onda direitista no velho continente, com a vitória de vários governantes xenófobos. Ela relembra a fúria racista do período nazi-fascista. Fixa que, a partir de 2010, o estrangeiro em situação irregular em qualquer país da União Européia terá de sete a 30 dias para voltar ao seu país de origem, independentemente do tempo de residência na Europa e mesmo de sua situação familiar. Caso não deixe o país, ele ficará sujeito à detenção por seis meses, prorrogáveis por mais 12 meses. Os filhos nascidos na Europa também poderão ser separados dos pais imigrantes e os deportados não poderão retornar à Europa durante cinco anos.

Segundo estimativas, atualmente há oito milhões de imigrantes ilegais no continente – entre eles, cerca de 800 mil brasileiros. A partir da vigência desta lei, já batizada de Diretiva da Vergonha, todos passarão a viver como criminosos, perseguidos pela polícia migratória e discriminados por europeus envenenados pelas manipulações racistas difundidas na mídia hegemônica. O clima de terror já impera. Na Itália, o magnata da mídia Silvio Berlusconi, durante a sua campanha para o terceiro governo, pregou abertamente a “tolerância zero contra o rom [ciganos], os clandestinos e os criminosos”. Eleito, já ordenou a destruição de acampamentos e a prisão sumária de ciganos.

Arsenal de desgraças do colonizador

Na França, liderada por outro fascista, Nicolas Sarkozy, foram fixadas cotas anuais de expulsão de estrangeiros. Também foi autorizado o interrogatório de “suspeitos” durante seis dias, sem a presença de advogados, e as normas de controle dos aeroportos agora serão secretas. O governo francês ainda decretou que os patrões deverão denunciar funcionários sem documentos sob pena de multa de 15 mil euros e cinco anos de prisão. Na Espanha, o social-democrata Luis Zapatero se vangloriou de ter expulsado 330 mil imigrantes – 50% mais do que nos últimos quatro anos de José Aznar. Outros países autorizaram a polícia a deter os imigrantes por 42 dias sem acusação formal e os serviços secretos já vasculham, sem sentença judicial, os correios eletrônicos.

Na opinião do jornalista Luis Eça, a escalada xenófoba na Europa, que explica a recente vitória de governantes fascistas, teria vários motivos. “A aversão da população européia aos imigrantes se explica, em parte, pelo racismo – nem sempre expresso, mas, em geral, latente –, herdado dos tempos coloniais, quando os africanos eram acoimados de selvagens e os asiáticos de bárbaros que deveriam ser ‘civilizados’. Outra razão, talvez mais importante, é o temor de que os intrusos venham a tomar postos de trabalho da população local”. Os imigrantes seriam as vítimas destas injustiças. “Após séculos, primeiro escravizando e depois explorando impiedosamente a África, a América Latina e parte da Ásia, a Europa parece não ter esgotado o seu arsenal de desgraças”.

Novos escravos da Europa

No seu calvário, o imigrante sofre ao tentar ingressar no “primeiro mundo”, ao ser violentamente explorado e, agora, ao ser perseguido e expulso. Ele trabalha nas áreas mais penosas e insalubres, numa jornada média de 60 horas semanais, com salários baixos e sem qualquer direito. Temendo ser denunciado à polícia, ele se submete às horas não pagas, à truculência patronal, às demissões arbitrárias, à ausência de indenizações e ao trabalho noturno e no final de semana. Os imigrantes ilegais, mas também os legais, são utilizados pela burguesia para instigar a concorrência entre os trabalhadores, o que estimula a divisão na própria classe e os piores instintos xenófobos.

Reportagem contundente do jornal O Estado de S.Paulo, intitulada “Novos escravos da Europa”, revelou o drama de dois africanos, Adam Mohamed e John Kawala, que venderam suas lojas de artesanato em Gana “para reunir dinheiro e pagar todas as propinas necessárias para cruzar várias fronteiras e chegar a Europa. Em três semanas, passaram por Gana, Togo, Benin, Níger, Líbia e finalmente cruzaram o mar Mediterrâneo até o sul da Itália. Gastaram 4 mil cada um na viagem. Tudo isso para, três meses depois, viverem na condição parecida com a da escravidão na Europa. ‘Se eu soubesse que viria ao inferno, não teria iniciado a viagem’, afirma Kawala, 35 anos”.

Violação dos direitos humanos

O artigo mostra que esta é a sina da maioria dos 500 mil africanos, latino-americanos e asiáticos que ingressa no bloco todos os anos. O grosso trabalha ilegalmente, sendo responsável por quase 12% do PIB europeu. Muitos vivem “em condições de indigência. Eles sofrem diariamente com violência, vivem em edifícios abandonados, sem eletricidade ou água, e infestados de ratos. Pior: não podem voltar diante das dívidas que acumularam com seus patrões. Conhecida por criticar as condições de trabalho na produção da cana-de-açúcar no Brasil ou de têxteis na China, a Europa está sendo obrigada agora a admitir a existência dessas violações em seu próprio território”.

No trabalho nos campos da Itália, França ou Espanha, “quem ousa fugir é até perseguido pelos capatazes das fazendas. Há dois anos, a região [da Calábria] ainda foi tomada por um escândalo envolvendo a morte de poloneses que também trabalhavam no campo. Investigações feitas pela Justiça mostraram que algumas das mulheres encontradas mortas poderiam ter sido estupradas e aquela foi a primeira vez que os italianos passaram a saber a real situação dos imigrantes... Hoje, os que morrem não têm muitas vezes nem como ter seu corpo transportado para seus países”.

Resposta deve ser dura

Além de comer o pão que o diabo amassou, em condições desumanas de trabalho, o imigrante será agora mais perseguido e humilhado. Para Emir Sader, “a mensagem européia é clara. Diz um colunista espanhol: ‘Imigrante, não, muito obrigado. Petróleo, passe, por favor’. Em outras palavras, livre comércio, mas, numa sociedade que considera o ser humano mercadoria, estes são excluídos da lei geral. As mercadorias podem circular livremente, os seres humanos, não... Não é necessário recordar que sempre aceitamos imigrantes europeus, sem nenhuma política de cotas”.

Para o renomado sociólogo, é urgente repudiar esta barbárie fascista. “Uma vez García Márquez anunciou que não permitiria mais a venda dos seus livros na Espanha se passasse a ser solicitado visto aos colombianos. Agora, Hugo Chávez anuncia que deixará de vender petróleo aos países que aplicarem a Diretiva da Vergonha”. A resposta dos governos e dos povos latino-americanos, africanos e asiáticos deve ser dura. Nos séculos 19 e 20, os países do Sul “receberam milhões de italianos, portugueses, franceses, alemães, espanhóis e ingleses, que para cá vieram em busca de melhores oportunidades que seus países não ofereciam. Mas, na Europa de Berlusconi, Sarkozy, Merkel e Brown, gratidão não é um argumento levado em conta”, ironiza Luis Eça.




*Altamiro Borges, Miro é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Não houve resgate

por Narciso Isa Conde

O regime de Uribe é perito em iniciativas espectaculares e shows mediáticos. E para isso conta com a ajuda nada desprezível dos poderosos meios de comunicação dos EUA e da oligarquia capitalista mundial. Dia 1º de Julho deste ano o jornal El País, da Espanha, informava que:

"Bogotá autorizou a reunião dos negociadores europeus a fim de discutirem as condições para futuros encontros destinados a discutir o futuro dos sequestrado pelas FARC, segundo informaram os media colombianos. O antigo consul francês em Bogotá, Noél Sáez e o diplomata suíço Jean-Pierre Gontard partiram no princípio do passado fim de semana rumo a um ponto de encontro nas montanhas que o governo não informou e poderiam ter-se reunido já com membros do secretariado da guerrilha, o principal órgão directivo, e inclusive com o novo líder das FARC".

Por sua vez, a Agencia Popular de Notícias, da Venezuela, a 2 de Julho esclareceu o seguinte:

"Quanto as FARC, em coordenação com emissários dos governos da França e da Suíça, efectuavam a transferência dos 15 retidos em dois helicópteros, funcionários do Exército colombiano já haviam detectado e ocupado as aeronaves previsamente".

"Ainda que o governo da Colômbia tenha anunciado a operação como um resgate militar por parte do Exército colombiano, segundo a televisão francesa, a libertação de Ingrid Betancourt, junto com 10 militares colombianos, um polícia e os três mercenários estado-unidenses, teria sido resultado do desvio do helicóptero onde as FARC transferiam os 15 retidos para um ponto onde, supostamente, seriam entregues a Alfonso Cano, o qual estava a negociar com uma delegação francesa e suíça a sua libertação".

Esta claro: as FARC acederam em libertar esses retidos para serem entregues à referida delegação franco-suíça, que actuou em nome dos países europeus "Amigos da Colômbia", os quais antes já haviam intervido em favor da troca humanitária de prisioneiros.

Recordamos que, pouco antes de ser bombardeado o acampamento do comandante Raúl Reyes, este tratava de buscar a maneira de libertar Ingrid Betancourt e, para esse fim, teve contactos directos com o governo do Equador e da França.

Então Uribe e seus chefes militares, com a cumplicidade e a tecnologia do Pentágono e a ajuda de dois generais equatorianos vinculados à CIA, planearam e executaram a "operação cirúrgica" que exterminou o acampamento do comandante Reyes.

Assim, violentando a soberania territorial do Equador e provocando um massacre – completado com o remate a tiros e paus dos sobreviventes – impediu-se então a libertação de Ingrid Betancourt.

Já anteriormente, no início deste milénio, imediatamente depois da captura pelas FARC desta ex-candidata presidencial colombiana, o autor deste artigo participou em gestões para a sua liberdade e também então o senhor Álvaro Uribe interpôs uma operação militar para bloquear esse passo, quando estava a ponto de conretizar-se.

Roubo da iniciativa às FARC

Agora as circunstâncias são diferentes e Uribe e seu regime narco-para-terrorista decidiram actuar de outra maneira.

Como não podiam recusar o pedido do diplomata francês Noel Sáez e do suíço Jean Pierre Gontard, aceitaram suas gestões e autorizaram seus esforços para entrar em contacto com o Secretariado das FARC e inclusive informaram, nacional e internacionalmente, a partir do palácio presidencial.

As FARC aceitaram de boa vontade a proposta franco-suíça e dispuseram-se a trabalhar nessa direcção.

Esses quinze reféns estavam distribuído em três pontos diferentes e distantes, e por essa razão resolveram juntá-los num ponto comum da selva colombiana.

Montou-se previamente uma operação civil, em helicópteros civis, para efectuar as transferências e organizar a cerimónia de entregas dos prisioneiros, na qual aparentemente participaria a direcção das FARC e a delegação estrangeira.

Tudo estava acordado e os helicópteros civis avançaram nas direcções previstas, só que nem as FARC nem os representantes da França e da Suíça contaram com a astúcia inescrupulosa de Uribe, apesar de ser bem conhecida e comprovada. Talvez tenham pensado – e mal – que Uribe não se atreveria a tanto.

Mas nem Uribe, nem a CIA, nem o Pentágono, iam permitir que as FARC registassem esse tento; menos ainda se era relativamente fácil impedi-lo, voltando nesse ponto o jogo a seu favor.

Bons trapaceiros, magníficos jogadores, peritos no roubo... arquitectaram "intervir" nos voos dos helicópteros civis, antes de chegarem ao ponto onde se encontravam os prisioneiros.

Tomaram militarmente as duas aeronaves, disfarçaram de civis os militares e procederam para enganar os encarregados de reuni-los no seu plano humanitário.

Jogada relativamente fácil, que evidentemente não necessitou de qualquer trabalho de infiltração prévia nos grupos de custódia, por mais que os uribistas insistam na tentativa de converter essa mentira em verdade, para apresentar as FARC em suposta e falsa debandada.

Foi preciso simplesmente conhecer os helicópteros contratados em Bogotá pelos negociadores estrangeiros, precisar suas localizações e possíveis trajectórias através de um seguimento adequado.

A finalidade não podia ser derrubá-los, nem tão pouco realizar outra acção de extermínio como aquela realizada contra Raúl Reyes na fronteira com o Equador.

Depois de aceitar a gestão europeia e de propaganda, Uribe e seus colaboradores não podiam actuar dessa maneira criminosa sem pagar um enorme custo político.

A meta fundamental era impedir que as FARC concretizassem o gesto que aprovara. Impedir a entrega formal dos retidos aos intermediários europeus e capturá-los de surpresa para roubarem o show.

Esses tipos não são só ladrões de pesos, dólares e propriedades.

Roubam também iniciativas e contam com um poderoso coro mediático que propaga a sua manobra como uma grande façanha.

Não houve resgate militar de prisioneiros, porque os retidos estavam a ponto de serem entregues no decorrer de uma operação civil e ninguém das FARC tinha ordens para resistir e por em risco a vida dessa pessoas.

Houve assalto militar de dois helicópteros pilotados por civis desarmados, para então atribuir-se a vitória pela libertação daqueles que de qualquer forma – e sem o risco do choque que implicava essa operação surpresa – iam ser libertados.

Uribe e o alto comando militar colombiano interceptaram o processo e desviaram-no a seu favor. Tudo – repito – para roubar a iniciativa às FARC e "ganhar" o show.

Nada a felicitar na conduta de Uribe

Isso não merece felicitação alguma, nem a Uribe nem aos seus, a partir de uma posição francamente revolucionária ou simplesmente progressista e honesta.

Tão pouco demonstra a caducidade da luta armada como proclamam outros que provavelmente a ela terão que recorrer se as coisas continuarem como vão, se a "mãe de todas a crises" desenvolver seu poder de arrastamento, se IV Frota da Armada dos EUA continuar no seu curso agitado, se a base de Manta for transferida para a Guajira colombiana (próximo à fronteira com a Venezuela), se a "guerra climática" do Pentágono continuar a ser executada, se o separatismo de fabrico imperialista persistir em fracturar a Bolívia (primeiro) e o Equador e a Venezuela (depois), e se nossos povos se virem obrigados a desembainhar a espada de Bolívar.

Aqueles que elogiam Uribe e conciliam com ele, a partir de processos diferentes e contrapostos ao engendro que ele representa, aqueles que o consideram seu irmão e os que mantêm silêncio frente aos planos tenebrosos desse senhor e dos seus poderosos padrinhos do Norte (agora mais desordenado e mais brutal), na verdade afiam a faca para as suas gargantas: estão a dar oxigénio a uma espécie de sub-imperialismo perverso, instrumento dos falcões de Washington.

Uribe é um criminoso, não porque há poucos dias e correctamente o tenha dito o comandante Daniel Ortega, e sim porque realmente mata a granel, dentro e fora das suas fronteiras.

Conta com muitos sicários e com um tutor feroz e voraz com sede na Casa Branca.

Não é casual o amor que lhe têm Bush e McCain.

A quem não fica bem elogiá-lo é o comandante Chávez, menos ainda depois de o líder da revolução bolivariana lhe ter dito tantas verdades merecidas: mentiroso, genocida, peão do imperialismo...

Por isso, quando leio estas desnecessárias felicitações e observo da sua parte um inesperado espírito de cooperação com Uribe, resultado no meu entender da razão de Estado, da diplomacia mal compreendida e de manobras tácticas inconsistentes, fico com o coração despedaçado.

Não comandante, lhe queremos muitíssimo. Valorizamos consigo o processo anti-imperialista e pro-socialista que o senhor catalizou na Venezuela e na nossa América. Mas assim não.

E na verdade não quero pensar que a Venezuela esteja a começar a fazer marcha atrás e sim que simplesmente incorreu num mau cálculo e num erro superável. Essa é a minha esperança actual.



Eduardo Galeano cidadão do Mercosul: as palavras e a alma da América Latina



O escritor uruguaio Eduardo Galeano foi declarado hoje o primeiro Cidadão Ilustre do Mercosul, em reconhecimento à sua contribuição "à cultura, à identidade latino-americana e à integração regional". A homenagem ocorreu em Montevidéu, em um ato público que reuniu personalidades da cultura e da política latino-americana. O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, viajou a Montevidéu para participar da cerimônia. Em sua fala de agradecimento, Galeano disse que o primeiro cidadão ilustre da região foi José Artigas e fez uma menção especial a três brasileiros: Aleijadinho, Garrincha e Oscar Niemeyer. Ele disse:

Nossa região é o reino dos paradoxos.
Vejamos o caso do Brasil.
Paradoxalmente, Aleijadinho, o homem mais feio do Brasil, criou as mais altas formosuras da arte da época colonial.
Paradoxalmente, Garrincha, arruinado desde a infância pela miséria e pela poliomielite, nascido para a desdita, foi o jogador que mais alegria ofereceu em toda a história do futebol;
E paradoxalmente, Oscar Niemeyer já cumpriu cem anos de idade e é o mais novo dos arquitetos e o mais jovem dos brasileiros.


E defendeu a unidade dos povos latino-americanos:

Esta nossa região faz parte de uma América Latina organizada para o divórcio de suas partes, para o ódio mútuo e a mútua ignorância. Mas só existindo juntos seremos capazes de descobrir o que podemos ser, contra uma tradição que nos treinou para o medo, a resignação e a solidão e que a cada dia nos ensina a não gostarmos de nós mesmos, a cuspirmos no espelho, a copiar ao invés de criar.

Clique AQUI para ler a íntegra do discurso de agradecimento de Galeano, feito na manhã de hoje, em Montevidéu.
Oriente Médio: Guerra? Não. Agressão





Milton Temer

Milton Temer
Quando se discute o conflito no Oriente Médio, algumas premissas têm que ser estabelecidas.

1- Não vale invocar anti-semitismo, ou preconceito antijudaico, para evitar enfrentar qualquer crítica mais ou menos severa a decisões e atitudes de eventuais governos de Israel. Ninguém, salvo o próprio povo de Israel, pode ser responsabilizado pelo fato de a estrela de Davi, bem simbólico maior da religião judaica, ser também o símbolo mais evidente do Estado de Israel, um estado que, embora institucionalmente democrático, é deliberadamente não-laico e, o que é inimaginável, mantém legislação que legaliza a tortura a suspeitos de atos atentatórios à defesa nacional . Por conta disso, são tanques e blindados com estrelas de Davi nas bandeiras presas às suas antenas de rádio que, em “caça aos terroristas”, passam por cima de civis desarmados dentro de suas próprias casas nas cidades e vilas do território ocupado da Palestina.

2- Não estamos analisando um confronto entre dois Estados parelhos em possibilidades materiais e bélicas. Estamos, sim, diante da investida de uma das maiores máquinas militares do mundo – helicópteros Apache de última geração, caças F-16, tanques e buldozers poderosíssimos, além de reconhecida posse de armamento nuclear – contra populações civis de um território descontínuo, ocupado por uma centena de postos de controle militares (os chamados check points israelenses entre as vilas e cidades palestinas, e não somente na fronteira que separa os dois territórios nacionais).

3- É falacioso tratar, em pé-de-igualdade, como atualmente é feito através dos principais meios de comunicação mundiais – a CNN americana, com destaque – a ocupação militar israelense e os atos suicidas palestinos em cidades de Israel. Não são irmãos gêmeos, contemporâneos, de uma mesma realidade trágica. Não. A ocupação militar israelense é a geradora do caldo de cultura em que se geram os terroristas fundamentalistas, ou os jovens universitários desesperados com o absoluto desencanto existencial, em função da destruição de suas possibilidades de vida profissional e de lazer, com um mínimo de liberdade e dignidade. E cito autor israelense para reforçar meu ponto-de-vista – Ran Há Cohen, no Jewish Peace News, com endereço eletrônico conhecido: thebungle@carthlink.netEste endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo. . O que diz ele no seu ensaio sobre Terrorismo vs. Ocupação , onde responde a leitores que o criticam por “ não escrever sobre terrorismo palestino contra Israel”?
    “(...) O terrorismo é o termo mais popular na cobertura da mídia no Oriente Médio, e as pessoas ainda querem que eu fale sobre isso também. Por que isso? Creio que é porque essas pessoas não querem que eu fale sobre um outro termo: ocupação. Notem com que raridade esse termo é usado quando o assunto em pauta é o conflito israelo-palestino. De fato, quando se ouve alguém dizer ‘terrorismo’ insistentemente, fique certo que ela não usará o termo ‘ocupação’”.
4- Não existe solução possível, capaz de gerar uma convivência fraterna e solidária por parte dos dois povos que têm tudo para construir as mais avançadas sociedades democráticas da região, enquanto se mantiver, por parte dos sucessivos governos de Israel – e aí incluindo os trabalhistas que antecederam os fundamentalistas Netanyahu e Sharon— a política de implantação de assentamentos artificiais de judeus ortodoxos em terras confiscadas ao Estado ou a particulares palestinos.

Acertados nessas preliminares, vamos aos fatos que pudemos viver, por conta da delegação da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, em Jerusalém, Tel Aviv, Ramalah e Jenin.

Encontro com Shimon Perez

No dia seguinte à chegada a Jerusalém, a delegação de parlamentares brasileiros já tinha um encontro com o Ministro das Relações Exteriores de Israel – Shimon Perez, personagem referencial dos social-democratas imensamente incomodados pela convivência com o governo Sharon, fundamentalista de direita.

Com experiência das agendas apertadas que o parlamentar vive em Brasília, sempre em dificuldades para receber delegações estrangeiras que constantemente visitam nosso Congresso, a disponibilidade de Perez, no bojo da crise do cerco a Arafat, do início das investidas contra Jenin e Belém, não deixou de causar uma certa perplexidade. Será que o Brasil tem tanta expressão internacional, ou Perez, afastado do Comitê de operações mais restrito do governo, não tinha tanto o que fazer? Para mim, pessoalmente, prevaleceu a segunda leitura, embora Perez não deixasse passar, pelas palavras ditas, nenhuma sensação de isolamento político. Mas a voz tênue com que tenta nos convencer que concorda com a definição das linhas de ação do governo, como se delas tivesse participado ativamente, denuncia a insegurança.

– Como o senhor, na condição de Premio Nobel da Paz, explica sua participação numa coalizão governamental em que o primeiro-ministro é criticado – à exceção, é claro, dos Estados Unidos e seus mais fiéis carregadores de bagagem – por quase todos os governos do mundo, principalmente os da União Européia, pela ocupação violenta de territórios palestinos?

– Não sinto nenhum desconforto. Não estamos atacando populações civis. Estamos apenas caçando terroristas.

– Mas como o senhor reagiria se o Partido Trabalhista inglês apoiasse um governo conservador inglês que decidisse pela invasão da Irlanda, para “caçar terroristas” do IRA?

É aí, enfim, que Perez externa suas debilidades políticas. Seus “desconfortos” ocultos...

– É claro que existem algumas diferenças com a maioria governamental. Sou a favor do reconhecimento da Cisjordânia como território palestino, mas não absolvo Arafat pela derrota nas negociações de Camp David, que permitiriam tal solução.

Mas vamos ter claro o seguinte: não há por que traçar de Perez uma imagem, por princípio, indelével. Prêmio Nobel da Paz, suas atitudes positivas têm ampla exposição mediática. Mas quem o conhece na intimidade, não o pinta da mesma forma, como deixa objetivamente transparecer a carta aberta enviada por seu amigo de 24 anos, e assessor por quatro, Gideon Levy, publicada no Ha’aretz, principal jornal israelense, em 24 de janeiro deste ano, sob o título “Diga a verdade Shimon”:
    “(...) Em 1989,quando você era Ministro da Economia no governo Shamir e a primeira Intifada, utilizei estas páginas para escrever ‘Uma carta a um ex-patrão’. Naquela época, eu lhe disse que ‘pela primeira vez em sua vida, nada lhe restava a perder – exceto a perspectiva de sumir no ar rarefeito’. Isso foi depois que você guardou silêncio face à conduta das IDFs – Forças de Defesa Israelenses – com relação à Intifada, face à continuação da ocupação e à recusa obstinada de Israel em reconhecer a OLP como representante dos palestinos. Naquela ocasião, eu acreditava que você pensava de modo diferente de Yitzhak Shamir e Yitzhak Rabin (conhecido à época como ‘quebra-ossos’), mas que você não tinha apenas coragem suficiente para se manifestar.

    “Onze anos mais tarde, em 200, escrevi-lhe uma outra carta aberta. Isso foi depois de Oslo e do assassinato de Rabin, e depois que você tinha perdido outra eleição – dessa vez, para o cargo de presidente. Na época, eu disse:”Muitos israelenses o vêm agora como uma pessoa diferente. Para eles, você representa a esperança de alguma coisa diferente”. E, agora, quando lhe escrevo outra vez, tenho de lhe dizer: você já não representa a esperança de nada”.

Encontro com Sari Nosseibek

Antes de tudo, quem é Sari Nosseibek?

Os brasileiros o conhecem por uma longa entrevista às páginas amarelas de Veja. É um professor de universidade em Jerusalém; uma referência entre os mais moderados do movimento de libertação palestino. Considera radical o comportamento dos dirigentes de seu governo, onde ocupa o cargo de Ministro para os Assuntos de Jerusalém, insinuando suas responsabilidades em não impedir a participação de jovens desarmados, nos confrontos de rua ao longo das Intifadas. E o encontro com ele, realizado no mesmo dia em que havíamos conversado com Perez, viria a propósito. Porque ninguém melhor do que Nosseibek para reforçar os argumentos de Perez quanto à classificação de Arafat como responsável pelo fracasso de Camp David.

Mas não foi o que sucedeu.

Nosseibek, o mesmo que fala de radicalismo pelo desprezo das lideranças palestinas ao espírito de negociação, não se referia certamente às discussões em Camp David, quando faz tais críticas. Sobre o acordo apadrinhado por Clinton, ele não tergiversa: “Fosse eu o negociador, e teria tomado a mesma decisão. Também teria denunciado as concessões propostas, por estarem muito abaixo do mínimo exigido para que fossem aceitas pelo nosso povo”.

E Nosseibek não se referia ao essencial. Quando Perez, na sua conversa da manhã, se lamentava de que Arafat não havia compreendido que ao não aceitar tudo o que lhe havia sido ofertado pelo governo Barak em Camp David, simplesmente omitiu o essencial, para além do bem abaixo do mínimo de devolução de territórios ocupados. O governo trabalhista de Barak-Perez, em nenhum momento, interrompeu o que hoje se constitui no mais grave empecilho para uma solução justa para os palestinos – a instalação forçada dos assentamentos artificiais que Israel implanta, por exigência do setor judaico fundamentalista, o mais ortodoxo, em áreas confiscadas ao Estado e a particulares palestinos.

São tais assentamentos que, implantados aqui e acolá, se localizam de forma a tornar quase impossível o estabelecimento de uma linha de fronteiras no momento em que houver condições concretas para a suspensão do conflito. Eles correspondem a uma espécie de contraponto dantesco ao êxodo que, desde 1948 – ano do nascimento do Estado de Israel, a partir de uma resolução da ONU – foi imposto a milhões de palestinos, que viram suas casas e terras completamente arrasadas. Da mesma forma que o retorno desses palestinos não é mais exigido no conceito de “paz justa” que se passou a utilizar nas discussões para busca de solução para a guerra , o problema gerado pela pulverização de assentamentos terá que ser solucionado a partir de seus desmontes ou, o que parece mais lógico, de transferência para as populações palestinas, até como compensação pela não restituição das terras e reconstrução de habitações destruídas dos refugiados já instalados em outros países.

Como reage o povo palestino?


Aqui Ariel Sharon, velho militante da concepção do “Grande Israel” – que nos assustou com uma entrevista no já citado Ha’aretz, em que questionava a legitimidade da Jordânia como país – invade a Esplanada das Mesquitas, cercado de guarda-costas, em ato francamente provocativo, dá o ponta-pé-inicial na série de Intifadas que vieram justificar a radicalidade da repressão militar atual.

Naquela manifestação, Sharon se cacifava junto à direita judaica, ao prenunciar o governo agressivo e ostensivamente discriminatório em relação aos palestinos, que terminou implementando. Abriu espaço para a irracionalidade que se alastrou em ambos os lados, ao colocar a disputa nos termos que interessavam aos fundamentalistas. Do lado palestino, à medida que jovens, mulheres e crianças se viam atiçados às manifestações de rua, onde pedras e estilingues eram respondidos com fogo de artilharia dos tanques, ou de eficientes metralhadoras dos inexperientes reservistas da infantaria israelense, as perdas de vidas começaram a entrar no quotidiano. A morte se banalizava, o que facilitou o crescimento dos que, do lado palestino, têm formulação doutrinária tão fundamentalista quanto a de Sharon e seus fanáticos, pelo lado judaico. Consolidaram-se os dois pólos de uma mesma visão reacionária do mundo, fundada numa visão exclusivamente religiosa, onde a vida material conta pouco. O Hamas recebia de presente as condições subjetivas para a criação dos jovens suicidas. Sharon os gerou, e deles necessita para a implantação da sua lógica exterminadora de todo o povo palestino, objetivo maior de sua concepção de estado judaico – “uma terra sem povo, para um povo sem terra”

E em alguns exemplos concretos que vivenciamos – Ramalah, Jenin e check points— , isso fica evidente. Tanto o da brutalidade dos partidários de Sharon, quanto o da coragem e solidariedade de árabes e judeus progressistas em defesa do povo palestino.Vamos cuidar de cada um, por partes.

Ramalah

Cidade que abrigava o QG de Yasser Arafat, centro governamental da Autoridade Nacional Palestina. Foi teatro de combates violentos, que destruíram bens materiais, mas não chegaram e desfigurar totalmente seu aspecto urbano extremamente simpático. Pelo menos em sua região central, onde pudemos transitar. Em ruas arborizadas, com prédios de meia altura, o contraste entre o céu azul e as paredes amarelas das pedras de Jerusalém – que caracterizam as construções locais – era reforçado pelo sol brilhante e forte, mas bastante agradável.

Ocupada, foi transformada, mais que em gueto, num verdadeiro campo de concentração. No dia em que a visitamos, parecia uma cidade fantasma. Casas com janelas fechadas, ou varandas encobertas por cortinas, eram as celas dessa verdadeira penitenciária. No centro, dos prédios mais altos confiscados pelas forças de ocupação, a bandeira de Israel definindo o ponto de concentração de franco atiradores que dali controlavam o rigor do toque de recolher, capaz de se estender por até 60 horas, nunca durando menos de dois dias para cada interrupção de poucas horas, quando os que ainda tinham algum dinheiro podiam se revitalizar nos que ainda tinham alguma mercadoria para vender.

Os militares israelenses não hostilizam a coluna de pacifistas estrangeiros que se desloca armada de bandeiras brancas, numa das mãos, e passaporte estrangeiro, na outra. Apenas controlam à distância.

O objetivo é alcançar o QG de Arafat, na ocasião vivendo uma situação de alimentação e higiene absolutamente dramática. Era o que nos informava, por telefone, Mário Lill, então participante do escudo humano de voluntários acampados no prédio, para garantir a segurança de Yasser Arafat, humilhado e ameaçado pelos tanques estacionados a poucas dezenas de metros do seu gabinete.

Dali não passamos. Soldados extremamente jovens, e extremamente tensos, transmitindo mais insegurança e descontrole do que propriamente ordem unida, não nos permitiam o abuso de tentar passar a barreira. Um deles poderia atirar, sob o pretexto de que um de nós poderia ser um homem-bomba – verdadeira fixação paranóica que lhes parece ter sido injetada.

Mesmo nessas condições adversas, algumas mulheres palestinas se aventuravam, nas portas das casas, a transmitir mensagens pelos microfones e câmeras das equipes de TV que nos acompanhavam, todos paramentados em capacetes protetores e coletes à prova de balas. E do que diziam aos borbotões vinha a tradução de algum de nossos parceiros letrado em árabe. Arafat, mergulhado em crises de liderança antes das Intifadas, passava a simbolizar a liderança unificadora de todo o povo palestino, desde que não cedesse aos invasores. Não deveria entregar os militantes palestinos que o acompanhavam na área cercada, e que os israelenses queriam capturar a qualquer preço. Se entregasse, a liderança entraria em crise novamente. Os acordos que posteriormente veio a aceitar, nesse sentido, estão na raiz do recrudescimento do movimento oposicionista à sua liderança.

Ou seja; longe do espírito de rendição, aquela ocupação gerava uma evidente indignação e ódio aos ocupantes.

Check Points

Mal recuperados dos momentos desagradáveis de Ramalah, novo símbolo da violência nos afronta – a necessidade de transpor um dos pontos de controle que, nas estradas e saídas das cidades palestinas, submetem os seus habitantes a humilhações permanentes. Uma super guarita, com um muro de concreto, tipo gelo baiano em grandes dimensões, serve de filtro que torna longuíssima e difícil a ida para o trabalho ou escola que esteja na cidade vizinha/ Um filtro conduzido pelos reservistas quase meninos, tão aterrorizadores quanto aterrorizados, separando maridos de mulheres e de filhos aos gritos de “um de cada vez”. Mais uma fonte de ódios e recalques cada vez mais dificilmente superáveis.

No hotel, o mapa da Palestina, do prosaico guia turístico de espetáculos semanais que ainda continuam a ser teimosamente editados com indiscutível qualidade editorial, espanta ver aquela centena de pontos azuis sobre o fundo amarelo dos limites territoriais palestinos. São os check points. Tão odiados quanto os assentamentos artificiais de judeus ortodoxos ao lado dos centros urbanos, maiores ou menores, da Palestina. São os símbolos visíveis, junto com a bandeira nacional onde pontifica a estrela de David, da opressão do exército de ocupação israelense.

Enquanto tais símbolos não saírem do território palestino, consolidam-se as condições para que não se encerre o ciclo de desesperados em seus ataques suicidas contra as cidades de Israel.

Jenin


Foram 50, 100 ou 500 mortos, população civil desarmada, dentro de suas casas, por conta da marcha batida dos tanques e buldozers, quebrando paredes, derrubando portas, passando por cima dos móveis das salas e quartos, sem verificar,antes , se havia ali algum velho, criança ou alguma mulher em estado de pânico?

Nunca vai se saber, porque o governo Ariel Sharon tem poderes insuperáveis. Seu governo, sob suspeita de responsabilidade em inúmeras denúncias de massacre sobre as populações civis, inexplicavelmente tem o direito de barrar a comissão investigativa de alto nível que a ONU já havia nomeado. Inexplicavelmente, não. Diferentemente de Miloscevic, Sharon é da entourage do governo Bush – o autor da máxima do “quem está comigo é do bem; quem está contra é do mal”. Está entre os que têm direito de bombardear o que bem entender sob o pretexto de “eliminar os focos de terrorismo”. Mesmo que, para isso, exerça um terrorismo mais intenso ainda – mais ou menos na lógica que permitiria ao torturado poder agir como torturador de seu algoz, por direito de vingança.

Essa leniência em relação aos abusos de Sharon é inqualificável. Sem tentar estabelecer qualquer paralelo, indiscutivelmente existiam muito menos indícios de crimes de guerra contra o já encarcerado Miloscevic do que no de Ariel Sharon. E se dúvida houvesse, o relatório da Human Rights Watch, organização não-governamental americana que, diferentemente da delegaçÃo da ONU, teve permissão para entrar em Jenin., liquida com ela. Não houve massacre, é a conclusão do que relatam, por diferença de cifras entre o que se denunciava e o que se comprovou, mas houve, indiscutivelmente, crimes de guerra – assassinato de civis inocentes, e utilização de escudos humanos palestinos para proteção dos bravos guerreiros de Israel. O governo Sharon não contesta a conclusão, e ainda tentou festejar pelo fato de a HRW, consentida por ele, se limitar à denúncia dos crimes.

Aliás, só teria dúvida sobre o que se cometeu de brutal e irracional sobre a população civil de palestina, quem não tivesse se dado ao trabalho de ver as fotos após a abertura da cidade aos órgãos de imprensa à Cruz Vermelha, até então interditados no acompanhamento dos combates, e do resgate de feridos. Se em Ramalah, primeiro ensaio, houve quem guardasse cadáveres dentro de casa por impossibilidade de buscar socorro em horas de toque de recolher, não é mentalmente saudável imaginar o que deve ter ocorrido em Jenin.

Não vimos, mas pudemos ter o sentimento do que ali ocorrera, quando participamos – em linha de frente, como vários parlamentares estrangeiros presentes – da marcha em que milhares de pessoas, caminhando por oito quilômetros até chegar às portas da cidade, forçavam a passagem de uma coluna de 30 caminhões com víveres, remédios e água para os habitantes da cidade absolutamente isolada do resto do mundo. A reação dos tanquistas e infantes não era distinta dos que cercavam o QG de Arafat em Ramalah. Gritos e impropérios, antecipando ameaças de represália imediata, caso não houvesse recuo.

E aí pudemos viver os momentos mais emocionantes da solidariedade internacional. No confronto com a barreira armada até os dentes, pacifistas das mais diversas partes do mundo comprovavam o espetáculo humanista comovente, propiciado pelos jovens que, estrela de Davi, pacífica e solidária nas mochilas, gritavam em hebraico e em árabe os slogans de mobilização solidária ao povo palestino encerrado em Jenin.

Os militares israelenses cederam, parcialmente, diante da conclusão lógica que, diante das câmeras de televisão que acompanhavam a imensa manifestação, não poderiam cometer a loucura de disparar.

Proibiram a passagem dos militantes a pé, mas autorizaram a entrada dos caminhões.

A saída; onde está a saída?


Estamos chegando ao que interessa – existe, ou não, possibilidade de solução pacífica para o conflito entre Israel e Palestina?

De pronto, a resposta não pode ser otimista.

Os fatos consumados, o redesenho das linhas de separação fronteiriça, os extensos períodos de ocupação militar israelense com todos os abusos daí conseqüentes sobre as populações civis nos levam a ter muita dificuldade de ver as partes, por moto próprio, sentadas frente a frente numa mesa de negociações.

Mais difícil ainda, porque Israel conta com o apoio, para o que der e vier, da comunidade judaica de altíssima influência econômica e eleitoral, junto às elites políticas norte-americanas. No contexto atual, isto se agrava. Não só pelo 11 de setembro, e seus desdobramentos irracionais, como pela própria linha doutrinária que orienta as decisões do governo Bush (para as quais, aliás, o 11 de setembro foi de extrema utilidade).

E pior. Porque o mundo de hoje, liquidado campo do, digamos, “socialismo real” – se assim se podia caracterizar o regime soviético –, desapareceram os contrapontos ao estabelecimento da hegemonia do grande Império ianque. Desapareceu o equilíbrio relativo na Assembléia Geral e no Conselho de Segurança da ONU. A própria OTAN – independentemente de ser instituição com ampla maioria de potências européias – se transformou numa espécie de apêndice do Departamento de Defesa americano. Principalmente pelo papel subalterno, de porta-voz dos interesses da Casa Branca, que ali é desempenhado pelo representante do governo britânico de Tony Blair, hoje no cargo de sercretário-geral.

A saída tem, então, que ser encontrada por outro caminho. E este caminho certamente passa pela União Européia, atualmente os principais parceiros econômicos de Israel – onde os ingleses não têm assento –, e de onde saem as mais concretas manifestações oficiais de indignação contra o governo Sharon.

É a União Européia, mais o conjunto de governos árabes, crescentemente pressionados por seus povos, quem pode impor aos Estados Unidos o recuo no apoio incondicional a qualquer abuso de Sharon. É daí que pode sair o caminho alternativo, traçado pela proposta recente da Liga Árabe, e aceita pelos palestinos:

a- Reconhecimento das fronteiras de 1967.

b- Retirada das tropas israelenses para os limites dessas fronteiras.

c- Envio de uma Força Internacional de Paz que garanta o estabelecimento de um equilíbrio mínimo no tabuleiro de dispositivos militares para a concretização, aí sim, de uma solução definitiva, que jogue as lembranças dos atentados suicidas, pelo lado palestino, e dos tanques e buldozers israelenses, sobre populações civis objetivamente desprotegidas, para o cenário de um passado que ninguém quererá mais ver de retorno.


Milton Temer, jornalista, é do Diretório Nacional do PSOL e presidente da Fundação Lauro Campos.