terça-feira, 10 de abril de 2007

Primeiro balanço de um choque de gestão


Dizendo-se inspirada em Anita Garibaldi, a governadora Yeda Crusius (PSDB), aplica um "choque de gestão" no RS. Cortes atingem pesadamente serviços públicos, chegando a deixar escolas sem giz e papel higiênico. Em janeiro, Yeda avisou em uma entrevista: “Fui malvada na eleição e serei dura no governo”.

A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), completa cem dias de governo no dia 10 de abril. Segundo ela, a data marca o fim da primeira fase do “novo jeito de governar”, caracterizada por cortes de custeio. Os cortes foram drásticos e chegaram a deixar escolas públicas sem giz e papel higiênico. Motoristas da Secretaria Estadual da Saúde estão pagando pedágio e outras despesas do próprio bolso, mesmo sem receber diárias nem salários. Policiais também já denunciaram a falta de pagamento de diárias.

Para a governadora, “os cortes resultaram em mais serviços de várias áreas, com diálogo interno”. Várias categorias de servidores, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança, discordam da opinião da tucana. No dia 28 de março, eles lotaram a Praça da Matriz para protestar contra o sucateamento dos serviços públicos e o atraso do pagamento da totalidade dos salários. Oficiais da Brigada Militar e delegados de polícia, entre outros setores, entraram na Justiça contra o parcelamento de salários. Perderam. Diálogo interno? Não perguntem a eles.

Ao falar do balanço de 100 dias, Yeda Crusius antecipou também qual será a marca da segunda etapa do governo: mais cortes. Vem aí a “redução de despesas por processos de gestão”. Para tanto, ela firmou um convênio com o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGPQ). Ao assinar a parceria com o presidente do Conselho Superior do PGPQ, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, Yeda anunciou que o programa vai oferecer, até 31 de dezembro de 2010, “consultoria técnica à administração estadual, com enfoque na eficiência e melhoria dos serviços públicos, na redução de despesas e no aumento de receita”. A governadora é uma entusiasta dos métodos privados de gerenciamento e, inspirada neles, pretende resolver a crise financeira do Estado com um “choque de gestão”. Ela acredita que, assim, resolverá em três anos uma crise construída ao longo dos últimos 30 anos.

Mas o choque de gestão de Yeda começa a assustar. Em uma pequena nota de opinião, o jornal Zero Hora advertiu: “A crise financeira do Estado, que se reflete sobre todo o serviço público e tem desdobramentos que afetam a própria capacidade do governo para cumprir o calendário de pagamentos da folha, chegou a extremos que não podem ser admitidos. A carência de materiais básicos para o funcionamento das escolas é um exemplo disso. Por mais rígido que seja qualquer esquema de contenção de custos, ele não pode chegar ao cúmulo de cortar giz ou de deixar faltar papel higiênico. As autoridades escolares, os professores, os funcionários e os alunos têm razão quando se insurgem contra uma situação como essa. Já não é apenas a falta de professores para determinadas disciplinas (...) A falta de giz, por seu caráter simbólico, é algo não apenas incompreensível, mas intolerável” (ZH, 04/04/2007).

Uma Anita Garibaldi malvada?
Em uma entrevista publicada na revista Isto É (17/01/2007), Yeda Crusius admitiu: “Fui malvada na eleição e serei dura no governo”. Dizendo-se inspirada em Anita Garibaldi (ela não chegou a mencionar a relação entre Anita e a idéia de choque de gestão), a governadora prometeu tirar o Rio Grande do Sul da crise. No texto de introdução à entrevista, a revista afirma: “Yeda diz que foi malvada na campanha, ao mostrar que os gaúchos só irão resgatar empregos industriais e relançar a produção agrícola por meio de cortes drásticos em despesas públicas. Agora, depois de ter um pacote de aumento de impostos rejeitado pelos deputados estaduais, Yeda afirma que terá de ser ainda mais dura do que imaginava”. A Isto É não chegou a mencionar que Yeda “foi malvada” também ao prometer, durante a campanha, que não aumentaria impostos e que esse era o estilo do “velho jeito de governar”. Eleita, mesmo antes de tomar posse, propôs aumento de impostos, sendo derrotada na Assembléia Legislativa.

Nessa entrevista, ela afirmou: “Fui uma malvada na campanha. Isso gerou um grau de confiança muito grande. A população entendeu porque sentia que as coisas estavam piorando. Minha proposta era parar de ficar reclamando do governo federal e assumir a responsabilidade, fazer com coragem o que poderíamos fazer”. Mas logo após afirmar que não ficaria reclamando do governo federal, ela...reclama do governo federal: “a política agrícola do governo foi inexistente. Então, houve uma quebra generalizada do setor agrícola e do agronegócio (...) Temos a penalização do ICMS sobre as exportações. A Lei Kandir veio para compensar os exportadores, mas o governo Lula jamais ressarciu o que deve aos Estados”. Ao ser indagada sobre como resolver a crise, ela disparou: "o que vai acontecer no decorrer do ano eu não sei. O que eu sei dizer é que nós vamos fazer os cortes que havíamos proposto”.

A tesoura como política central
E os cortes vieram. No dia 17 de janeiro, Yeda anunciou o que considerou uma das grandes inovações de seu governo: a implantação do regime de caixa. Esse regime, centralizado pela Secretaria da Fazenda, só libera recursos para órgãos do Estado de acordo com o ingresso de receitas. Além disso, foram suspensos por 100 dias os gastos ordinários, o que inclui celebração e renovação de contratos, convênios, diárias, aquisição de passagens, abertura de concursos e contratação de pessoal. Também foram cortados 30% das despesas de custeio das secretarias e reduzidos em 20% os cargos de confiança. Segundo Yeda, o RS passaria a ser governado com realismo orçamentário, o que não teria acontecido nos últimos governos, incluindo aí o governo Rigotto (PMDB), do qual o PSDB fez parte. Na época, secretários de Rigotto duvidaram que tais metas fossem atingidas, pois os órgãos do Estado já estariam operando sob limite máximo de arrocho.

A implantação do regime de caixa estava comprometida com uma decisão de não utilizar o caixa único do Estado (uma conta que concentra recursos de todas as secretarias, fundações, autarquias e empresas estatais). Durante a campanha, Yeda identificou o aumento de impostos e a utilização do caixa único como decisões típicas do “velho jeito de governar”. A primeira promessa foi descumprida mesmo ainda antes da governadora tomar posse (em dezembro de 2006). A segunda não resistiu a três meses de governo. Entre fevereiro e março, o governo Yeda sacou R$ 233 milhões do caixa único. O secretário da Fazenda, Aod Cunha, admitiu que a decisão contraria o princípio do regime de caixa (que só autoriza despesas de acordo com as receitas do Estado). Não havia outra alternativa, disse Aod. Resta ainda uma promessa de campanha que não foi descumprida: a de não privatizar nenhuma empresa pública.

O uso das privatizações como política para enfrentar a crise financeira do Estado também foi um tema central na campanha eleitoral. Na época, Yeda Crusius garantiu enfaticamente que não privatizaria nenhuma empresa pública, o que gerou um bate-boca público entre ela e seu vice, o empresário Paulo Feijó (PFL), um entusiasta do Estado mínimo. Depois da campanha, Feijó chegou a dizer que havia sido censurado pela coordenação da campanha para não falar abertamente no assunto. Agora, considerando as promessas descumpridas nos temas de aumento de impostos, pagamento do salário do funcionalismo e de uso do caixa único, ninguém ficaria surpreso se o assunto voltasse à agenda de governo com a mesma justificativa usada até aqui: “dissemos que não iríamos fazer, mas não há alternativa”. A governadora já anunciou que pretende vender ações do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). Garante que o Estado manterá o controle acionário. Mas a lógica do “não há alternativa” permanece como uma nuvem a sobrevoar também essa promessa.



Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

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