A advogada e senadora Cristina Kirchner aparece como favorita para vencer as eleições de 28 de outubro. Com a oposição dividida, pode vencer já no primeiro turno. Reivindicando o legado do peronismo defende “salário digno, uma casa, férias e direitos para os trabalhadores”.
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior
BUENOS AIRES - Favorita para vencer as eleições presidenciais argentinas, em 28 de outubro, a advogada e senadora Cristina Fernández Kirchner, esposa da presidente Nestor Kirchner, tem como conceito central de sua campanha a idéia de que “a mudança só está começando”. A Argentina está no caminho certo, diz ela por onde passa, e precisa dar continuidade à atual política para seguir crescendo e recuperando-se da grave crise política e econômica que atingiu o país em 2002. “A novidade da mudança é que a Argentina tomou um caminho definitivo e temos que perseverar nesta via de esforço, trabalho e produção”, afirmou a senadora, durante uma conferência realizada pelo jornal The Wall Street Journal, em Madri. Alguns números da economia argentina dão credibilidade a estas palavras.
Nos últimos cinco anos, a Argentina teve um crescimento médio de 8%, o desemprego e a indigência estão abaixo dos 10% e a pobreza caiu de 60% para 26%. O país atingiu hoje um superávit fiscal primário de US$ 10 bilhões e as exportações estão na casa dos US$ 50 bilhões. Nas ruas de Buenos Aires ainda se vê muita pobreza, mas muito menos do que se viu na hecatombe social verificada na crise de 2002. As últimas pesquisas indicam uma vitória de Cristina no primeiro turno, com algo entre 40% e 50% dos votos.
Além de garantir “segurança jurídica” para quem quiser investir na Argentina, Cristina Kirchner promete reforçar no país “um modelo de acumulação econômica e de inclusão social” e diversificar a economia para que o país seja menos vulnerável no futuro. E reivindica o legado do peronismo ao defender “um salário digno, uma casa, férias e direitos para os trabalhadores”. A senadora vem cultivando esse legado na campanha presidencial. Nesta quinta-feira, ao participar da cerimônia oficial de homenagem aos 55 anos da morte de Eva Perón, Cristina criticou aqueles que “tentam sem sucesso convencer aos argentinos de que tudo está mal”. A frase funciona na medida em que, se nem tudo está bem no país, parece muito melhor do que esteve há bem pouco tempo.
Em defesa de Hugo Chávez
Uma amostra do estilo e do pensamento da senadora foi dada durante sua visita a Espanha, na primeira viagem como candidata. Ela se reuniu com empresários daquele país e foi indagada sobre qual seria sua relação com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, caso eleita. Cristina saiu em sua defesa, dizendo que ele desempenha um papel fundamental no equilíbrio energético da região. Mesmo os empresários argentinos críticos de Chávez, observou, comentam privadamente sobre os ótimos negócios que estão fechando com a Venezuela. Além disso, acrescentou, ele foi reeleito pela imensa maioria da população venezuelana em uma eleição supervisionada por organismos internacionais. A resposta indica que, caso eleita, ela dará continuidade à política de Nestor Kirchner que construiu uma relação política e econômica muito próxima com Chávez.
Para ser mais exato, ela não deixa dúvidas sobre isso. Ao agradecer o papel que Chávez teve em momentos difíceis da Argentina (especialmente no que diz respeito à crise energética que ainda afeta o país), ela assinalou: “A equação energética da América Latina não se completa sem a presença da Venezuela e da Bolívia. A América Latina precisa de Chávez como a Europa precisa de Putin. Quando a Venezuela não era dirigida por Chávez, a energia venezuelana não atendia à América Latina, mas aos Estados Unidos, e isso em condições leoninas”.
Oposição dividida
Além da recuperação da economia argentina, a divisão da oposição também favorece a candidatura da senadora Kirchner. Ela não tem hoje nenhum grande adversário. Segundo as últimas pesquisas, somados, os candidatos oposicionistas chegam a aproximadamente 30% das intenções de voto.
De acordo com o último levantamento do instituto Analogias, Cristina possui 50,1%, sendo seguida por Roberto Lavagna, da coalizão Concertación para Una Nación Avanzada (UNA), com 11%. Em terceiro lugar, aparece Elisa Carrió, líder da Coalizão Cívica, com 10,1%, e Ricardo López Murphy (4,5%), do movimento Recrear. Seguem-se o ex-presidente Carlos Menem, com melancólicos 3,5% e o governador da província de Neuquén, Jorge Sobisch, com, 1,6%.
Os peronistas ligados ao ex-presidente Carlos Menem, os chamados anti-K, devem lançar um nome para enfrentá-la. Mais à direita, o ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna, e o também ex-ministro da Economia, Ricardo López Murphy, lançaram-se na corrida presidencial apostando num desgaste de Kirchner. Nenhum dos dois têm empolgado o eleitorado argentino até aqui, o que já fez surgir a possibilidade do recém-eleito prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, entrar na disputa. Ele nega, mas a simples menção ao seu nome já indica a debilidade atual das outras candidaturas.
Outra candidatura que está na rua é a de Elisa Carrió, que já foi candidata à presidência da República. Carrió vem batendo duro em Cristina Kirchner criticando, entre outras coisas, o fato dela tentar aproveitar-se de sua condição de esposa do presidente. “Em outubro, haverá uma mulher presidente e ela será do norte, porque as pesquisas estão me colocando em segundo para uma disputa no segundo turno”, disse Carrió em um comício realizado esta semana em Mar del Plata.
Até aqui, porém, segundo indicam as pesquisas, o eleitorado argentino não vem demonstrando nenhuma rejeição especial ao nome de Cristina pelo fato dela ser casada com Kirchner. Essa relação, aliás, nunca é demais lembrar, não é exatamente algo estranho à história da Argentina.
Mais à esquerda, o Partido Comunista e o Partido Humanista anunciaram uma aliança eleitoral em torno do nome de Luis Ammann (do PH). Lideranças dos dois partidos tentam agora ampliar essa frente com a adesão de outros partidos de esquerda, como o Partido Socialista Autêntico. Em caso de um segundo turno, porém, é provável que apóiem a candidatura de Cristina Kirchner, como já antecipou o dirigente comunista Patrício Echegaray.
Neste final de julho, o cenário político argentino é amplamente favorável à senadora. Mas como faltam cerca de três meses para as eleições presidenciais, advertem seus conselheiros mais próximos e prudentes, ainda é muito para contar vitória. Mas, ao mesmo tempo em que procura administrar o favoritismo, a senadora cumpre uma agenda que já prepara sua chegada à presidência. Após visitar a Espanha, sua próxima escala será o Brasil, onde, em agosto, estará se reunindo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na agenda da reunião, destacam-se, entre outros temas, os problemas do Mercosul e da integração sul-americana.
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