Os mortos Pan-Americanos
Infelizmente, parece que o Rio 2007 será lembrado mais pelos seus mortos do que pelos jogos. As mesmas forças policiais que pretendem dar segurança ao Pan são responsáveis por invasões de comunidades. No Brasil, o chamado espírito olímpico é fatal.
Sandra Carvalho e Fernando Delgado
Em vez de contagem de medalhas, estamos contando corpos. Infelizmente, parece que o Rio 2007 será lembrado mais pelos seus mortos do que pelos jogos. As mesmas forças policiais que pretendem dar segurança ao Pan são responsáveis por invasões de comunidades, e já levaram à morte, no mínimo, 44 pessoas no Complexo do Alemão: são os mortos pan-americanos. No Brasil, o chamado espírito olímpico é fatal.
Mega eventos iguais ao Pan têm históricos violentos. O governo mexicano matou 25 estudantes que protestavam pacificamente contra o autoritarismo do governo no início das Olimpíadas de 1968, no que ficou conhecido como Massacre de Tlatelolco. No dia da abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2003, a polícia da República Dominicana atirou em um grupo de sindicalistas que organizavam uma "Tocha contra a Fome". Em 2006, o Vietnam fez uma campanha de "limpeza social" com detenções em massa, recolhimento forçado de crianças e outros abusos contra sua população de rua, tudo por causa do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.
Existem outros exemplos. No Rio de Janeiro, além das violações de direitos durante a ECO 92, a cada Carnaval a "Operação Verão" traz seus excessos policiais. No dia-a-dia, autoridades municipais e estaduais vêm realizando uma "limpeza social" silenciosa, através, por exemplo, do recolhimento arbitrário de crianças na "Operação Turismo Seguro" e na destruição de pertences dos moradores de rua na "Operação Cata-Tralha”.
No histórico comparativo de violência institucional durante mega eventos no mundo, o Brasil se destaca pelo alto número de pessoas mortas: 44 mortos do Complexo do Alemão. As autoridades policiais conseguiram, inclusive, agregar maior crueldade aos seus já conhecidos abusos: revistar crianças sob a mira de fuzil em comunidades pobres. Se essas mortes e abusos policiais ficarem impunes, resta a evidente e direta responsabilidade do secretário de Segurança Pública e do governador do Estado.
Às execuções cometidas por esquadrões da morte (no passado), pelo tráfico, pelas milícias e grupos de extermínio, soma-se esse elevado padrão de letalidade policial, onde a execução sumária adquire um caráter supostamente “legal” ao ser registrada como auto de resistência. Entramos na era do Caveirão, afinal. O Estado não esconde mais sua violência. Ele se orgulha. A polícia invade as comunidades a bordo de blindados com símbolo de caveira anunciando "Eu vou pegar sua alma". Trata-se do projeto de criminalização da pobreza, que associa o morador de favelas à criminalidade e assume o número de mortos como um resultado positivo, como critério de eficiência policial.
Que vergonha! Pela criminalização da população negra e pobre; por utilizar violência policial como suposta solução de enfrentamento da criminalidade; por gastar bilhões com o Pan, enquanto milhões de pessoas moram em barracos; por executar seus cidadãos: que vergonha! É esse o chamado legado social do Pan, ou “pandemônio”, como o evento ficou conhecido em grande parte das comunidades pobres.
Sandra Carvalho é diretora e Fernando Delgado é pesquisador do Centro de Justiça Global, organização brasileira de defesa dos direitos humanos: www.global.org.br.
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