sábado, 9 de fevereiro de 2008

Essas mulheres de vento


Há em mim aquário despojado de água, mulheres nuas, arrozais do Ceilão, moedas de ouro da Pérsia. Despojado de tudo, menos deste quarteto de cordas de Wolfgang Amadeus Mozart. Depois que vi a palavra búzio, pude amar o búzio.
A palavra búzio não é búzio. O búzio, mesmo, é inédito. Qualquer abismo, sagrado: – nele habita o nada. E se pode ser nada, pode bosque vazio. Bosque vazio tua infância, bosque vazio teu primeiro rabisco no caderno de folhas alvas, carne de salmão? Foi aqui no bosque vazio que o sonho viu a vida pela última vez. Qualquer sonho, nada: – nele o bosque vazio. Enquanto o filósofo Mo tsi tenta fisgar as carpas se espelhando no vento, o milagre rabisca qualquer coisa no caderno de brisa. Súbito uma carpa carregada pelo vento entra pela única porta do Templo de Shirakawa. Os olhos do filósofo, assombrados, fogem na neblina e Mo tsi, cego, procura o caderno de brisa embaixo do rio, do córrego, do riacho, do arroio na copa das árvores, debaixo da pedra, nos bares, nos bordéis, nos hospitais, nas barcas, nos copos de conhaque, na infância, ah, e na infância encontra o caderno de brisa com os dois olhos de Mo tsi
desenhados pelo milagre. E se houver jardim de sopros no oco da estrela alfa de touro? Se pequeno mosteiro com pomar houver na constelação boreal de Cassiopéia? E se nada disso houver, que Houyhnhnms saiba imaginá-los. A imagem é a respiração daquele que é o Estranhíssimo. Te ofendo com apitos, meu deus, com pratos de plantas, para que aprendas a inutilidade do céu. Há mais pensamentos que coisas. Fico miosótis para o fim desaprendo a ira para pra te convencer que a morte não existe: essa pirataria sepulcral é só um jeito da gente brincar de sumiço. Te convenço que aqui no centro se unge com boana. Balanço cabeleira só pra ofender meu Deus. Ante o mar azulado, em sua cadeira de praia, ela dormindo sonha com o príncipe da neblina que se aproxima de sua orelha para esquecer ali a música verdejante. Certa mulher, mas não esta ou aquela, porque me refiro à que vive na ilha do Arvoredo – nas noites perigosas – é música atravessando o muro. Que a vir vê-las, posso coroá-las antigas: paraísas violas de relva. Uma que voa morde o calcanhar da estrela: há fogo e há chuva. Outra esparze o pó de Quevedo, mas pó enamorado, que a pouca poesia não ousaria entender. Aquela enlouquece entre salsos pendentes: escreve breviários, bestiários, conduz o velame de certa barca sendo sonhada. Por nós, os fracos, os de alma vil, se perfumam, às vezes espalham os cabelos nossos: essas mulheres de vento.

Fernando José Karl

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