quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

UM TOUR PELO INFERNO

Por Tali Feld Gleiser.

Dunas, praias, montanhas e lagoas fazem parte da Lagoa da Conceição, um dos recantos mais belos da Ilha de Santa Catarina. Para conseguir voltar mais rápido a casa, o nosso laberíntico sistema de transporte me tem permitido visitar esse lugar tão belo do qual falei acima. A Lagoa sempre me comove. Sempre achei que conseguiria viver sem o mar, mas sem a lagoa e as montanhas, seria muito difícil. Na quinta-feira vim num ônibus com uns 12 israelenses, nacionalidade que se vê habitualmente por aqui. Idade? Idade dos que terminam o (des)serviço militar obrigatório daquele país. O serviço militar para os homens é de 3 anos e para as mulheres de 2. Embora, segundo dados do ano passado, um quarto dos israelenses que chegam aos 18 anos esquiva totalmente o Exército. Mas mesmo assim, os jovens seguem a "tradição" de viajar durante um ano após completarem o (des)serviço militar. Visitam, especialmente o continente americano. Me pergunto o que eles entendem de nós, especialmente depois que o meu primo teve a péssima idéia de ficar em casa durante 24 intermináveis dias, com todas as manias e falta de limites que muitos moradores dos kibbutzim1 têm.

Este grupo cantava e conversava em voz alta como se não houvesse outros passageiros no ônibus. Instantaneamente veio à minha mente Ehud Olmert e seu "se os carros não funcionam, os palestinos podem caminhar". Esta imagem era o contraste com as imagens que a paisagem nos brindava a mim e ao grupo de israelenses. Um sol radiante, o brilho da água. Quando viram que as dunas se aproximavam, ao mais puro estilo israelense, um deles gritou "Rega!" (Espere!) ao cobrador, como se ele soubesse hebraico. Eu os ajudei e puxei da cordinha para que eles descessem pulando e com os olhos resplandescentes, talvez se sentindo em casa em meio à areia. Alegres, bronzeados e saudáveis e correram até as dunas. Nesse momento lembrei de uma notícia que tinha lido de manhã antes de sair: "Qualquer um que violar as fronteiras do Egito terá as pernas quebradas. Não serão toleradas violações das fronteiras do Egito", declarou o ministro egípcio de Assuntos Exteriores, Ahmed Abul Gheit, em uma entrevista com a televisão pública egípcia. É claro que se referia aos palestinos que há duas semanas cruzaram pelo passo da Rafah para poder comprar alimentos, remédios e artigos de primeira necessidade que o bloqueio sionista não deixa entrar em Gaza.

A cada dia que passa me espanta mais a indiferença mundial. Agora é possível ver filmagens, fotos, ouvir depoimentos do sacrifício que os palestinos fazem para continuar vivos. Mas é claro, é o povo escolhido por deus quem ataca com bombardeios constantes, roubando a água potável, não permitindo a entrada de suprimentos, medicinas, deixando que os feridos morram sem atenção médica e o presente do povo palestino se extinga diante da indiferença generalizada. Do que se defendem os israelenses judeus? Não só dos estilingues, as pedras e os foguetes de curto alcance que lançam os palestinos. Se defendem da sua psique doentia, de estar repetindo os mesmos crimes que eles sofreram, de executar minuto a minuto um genocídio cuidadosamente planejado.

O Papa Ratzinger tem razão: o inferno existe e esse inferno se chama Gaza e Cisjordânia. Se chama África. Se chama Iraque. Se chama Afeganistão. Se chama Kurdistão. Se chama Colombia. O inferno está em toda parte onde o povo que habite nesse território não tenha direito a viver em paz com justiça e à sua auto-determinação. A igreja católica e o sionismo são sócios na venda de passagens pro inferno.

1. Em Israel, colônias agrícolas de produção e consumo comunitários, que com o tempo foram perdendo sua orientação socialista para substituí-la pela lógica do mercado.

Um comentário:

sandraamertens disse...

Gostaria que alguém me informasse onde anda a Tali Feld Gleiser, informar para erecina@hotmail.com, não tenho contato com a mesma desde 2008