Honduras repete a Guatemala, 55 anos depois
Se me fosse dada a opção de escolher o currículo de formação de
novos jornalistas, eu optaria por colocá-los para estudar História.
Não dá para ver o golpe em Honduras fora de seu contexto econômico e histórico internacional.
Do ponto-de-vista da economia, a crise nos Estados Unidos teve um
tremendo impacto em toda a América Central. Nos Estados Unidos os
centro-americanos cumprem o papel de derrubar os salários locais. E
ajudam a sustentar as economias de seus países de origem com as
remessas de dólares.
Com a crise, as elites locais da América Central, atreladas a
interesses estrangeiros, não querem fazer qualquer concessão. O
principal produto desses países é a mão-de-obra barata: os homens
imigram, as mulheres trabalham nas maquilas, empresas que montam
produtos exportáveis para os Estados Unidos.
Fazer concessões aos movimentos sociais implica em ameaçar a
vantagem competitiva que esses países podem oferecer aos investidores
estrangeiros: o trabalho semi-escravo.
De repente, surge na equação um sujeito chamado Hugo Chávez. Com o
dinheiro do petróleo, pode equilibrar esse jogo. Todos esses países são
dependentes de importação de energia. Além de acesso a petróleo mais
barato, através de Chávez os governos podem obter financiamento externo
para projetos de infraestrutura e programas sociais.
Ou seja, é uma perspectiva de autonomia numa região que sempre foi
quintal político e econômico dos Estados Unidos, o que vale também para
o grande vizinho ao Norte, o México.
Portanto, Manuel Zelaya era um exemplo a ser combatido. Embora
eleito por um partido de centro-direita, ameaçava romper o pacto das
elites hondurenhas, assentado sobre a exploração da mão-de-obra local.
Quanto à conjuntura internacional, Honduras desempenha um papel
importante como uma espécie de porta-aviões em terra para projetar o
poder militar dos Estados Unidos na América Central.
Embora Zelaya não tenha falado em acabar com isso, as ideias dele
representavam ameaça de médio prazo, especialmente num quadro em que a
Venezuela se contrapõe abertamente aos Estados Unidos na América
Central e no Caribe.
Engana-se quem acha que a transição do governo Bush para o governo
Obama foi completa. Os neocons não deixaram o poder completamente nos
Estados Unidos. Alguns deles são assessores de Hillary Clinton no
Departamento de Estado. Outros lutam de dentro da burocracia estatal. E
há a câmara de eco neocon nos institutos de estudos internacionais,
revistas e jornais, que trava uma luta diária para influenciar a
política externa. Eles são fortíssimos no Pentágono e na CIA.
Além de pregar a completa hegemonia política, econômica e militar
dos Estados Unidos, os neocons agem em defesa de grandes interesses
econômicos, os mesmos que sustentam seus institutos e publicações.
A História da América Central é a história da subordinação local a esses interesses.
Foi para combater a "ameaça comunista" que os Estados Unidos
derrubaram o governo de Jacob Arbenz na Guatemala, em 1954, num período
em que a United Fruit tinha o monopólio da produção de banana e era
dona da maioria das terras; a subsidiária dela, International Railways
of Central America (IRCA), controlava o transporte; e a Electric Bond
and Share (EBS) controlava a produção e distribuição de energia.
"Vista no contexto da Guerra Fria, a intervenção dos Estados
Unidos na Guatemala foi a primeira expressão na América Latina de uma
política desenvolvida inicialmente na Grécia. No período depois da
Segunda Guerra Mundial, o capital dos Estados Unidos estava se
expandindo mundialmente em uma escala sem precedentes. Movimentos de
trabalhadores nos Estados Unidos e no estrangeiro (especialmente os
abertos às ideias comunistas) eram vistos como ameaça a essa expansão e
portanto tinham que ser colocados sob controle. No estrangeiro, a
intervenção de 1947 na Grécia foi o precedente. Os Estados Unidos
jogaram centenas de milhões de dólares na Grécia para esmagar uma
revolta revolucionária militarmente. A Doutrina Truman deu a
justificativa, ao dizer que os Estados Unidos precisam 'apoiar povos
livres que estão resistindo à subjugação por minorias armadas'. A
Guatemala foi a primeira aplicação dessa lógica na América Latina
(vista também na derrubada do governo nacionalista de Mossadegh no
Irã). Nesse contexto, os Estados Unidos fizeram um teste na Guatemala
de um modelo para reverter revoluções sociais na América Latina
clandestinamente, sem mandar os fuzileiros navais. Muitos aspectos
desse modelo foram aplicados na invasão da baía dos Porcos (Cuba) e em
operações clandestinas subsequentes, inclusive na guerra dos contra nos
anos 80 contra a Nicarágua". (Do livro The Battle for Guatemala, de Susanne Jones).
Hoje, os grandes interesses econômicos que colocam Barack Obama na
parede representam o capital multinacional que prega a "flexibilização"
do trabalho, o desmanche do estado, a criminalização dos movimentos
sociais reinvindicatórios, o estado da segurança nacional, a guerra
permanente e o acesso desimpedido às matérias primas.
A grande ameaça a esses interesses é o voto popular. A grande arma
deles é a mídia. O golpe em Honduras resultou de uma conjuntura
política interna, mas dentro de um contexto econômico e político
internacional. É o neogolpe. A repetição da História, agora como farsa,
na qual o antichavismo faz o papel do anticomunismo, para despistar os
verdadeiros objetivos: garantir a completa subordinação da mão-de-obra.
É a parte que nos cabe nesse latifúndio.
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