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Milton Temer- Portal Socialismo e Liberdade |
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Na contramão das potências capitalistas ocidentais, governos
latino-americanos, os bolivarianos particularmente, estão dando exemplo
numa batalha essencial dos tempos sombrios a que estamos condicionados.
Insurgem-se contra o estabelecimento da barbárie cultural que vem
ameaçando seus povos por conta da crescente concentração de poder,
político e econômico, em mãos dos grandes meios de informação privados.
Ousam propor, e aprovar, legislações que estabelecem controles
democráticos sobre esses meios, e as executam.
Em função de tal "heresia", tornam-se alvo de ataques incessantes e
crescentes dos tentáculos da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP),
essa Internacional orgânica que acumplicia os controladores dessas
corporações mediáticas aos setores mais reacionários dos diversos
países do continente. São tratados como protoditatoriais, e outros
epítetos do gênero. Alvos, enfim, de belicosidade, sequer original,
pois que vem de longe.
Cretinice imperialista: Irã recebe ameaças por construção de usina de energia nuclear dos mesmos que fecham os olhos para as 200 ogivas nucleares de Israel.
Já na Revolução Francesa do fim do século XVIII, Robespierre, numa
de suas monumentais disputas retóricas na tribuna da Convenção, era
peremptório na definição do poder dos formadores de opinião. "Os
jornalistas têm nas mãos o destino dos povos. (...) Assim como os
príncipes calculam suas forças pela quantidade de seus soldados e pelos
recursos de suas finanças, os chefes de facções rivais entre nós
calculam as deles pelo número de cronistas que podem patrocinar",
afirmava ele, e dava exemplo prático, a partir do seu embate com La
Fayette. O "herói de dois mundos", então passado para o campo da
burguesia, obtivera, através do controle sobre jornalistas influentes,
"mais conquistas, no espaço de alguns meses, do que poderia ter
alcançado na Revolução, durante meio século, à frente de um Exército".
A quem interessar, este trecho é extraído de obra importantíssima,
editada pela Contraponto: "Discursos e Relatórios na Convenção".
Mas retornando ao grão. Se já era assim quando a mídia se restringia
a quase panfletos mal impressos, distribuídos entre populações com
altíssimo nível de analfabetismo, não é difícil imaginar por que, com o
avanço tecnológico gigantesco, o terreno se transformou numa arena
quase principal do confronto entre o mundo do trabalho e as classes
dominantes, nos dias atuais. Cabendo aos governos, por via de
conseqüência, se definir por campo exatamente a partir da posição que
tomam em relação ao conceito de "liberdade de expressão".
Se ousarem considerar que é um direito social, estarão entrando em
choque com o grande capital, onde o conceito é avaliado pela maior ou
menor capacidade de transformar notícia e informação, para além de
ferramenta de poder, em produto, valor de troca; em mercadoria geradora
de lucro, no mais das vezes pantagruélicos.
O caso mais recente é o que concerne à divulgação da nova lei do
audiovisual na Argentina. A ler a correspondente do Globo, em Buenos
Aires, com matérias valorizadas nas manchetes de página, a reforma
estaria sendo enfiada goela abaixo do Congresso e da população por um
poderoso governo, controlado por um inqüestionável Executivo. Longe de
nós entrar nas querelas e seqüelas das lutas internas entre os
herdeiros do peronismo. Mas é impossível não repelir a desonestidade
editorial, e a cumplicidade aí constatável do quadro assalariado de
editores e redatores, que não se peja de fazer o jogo sujo dos
interesses empresariais e ideológicos do grande patronato.
Pois se há algo facilmente verificável, é que poder, na realidade
argentina atual, tem a própria idéia de quebra do monopólio privado
sobre os meios de comunicação, e não a presidência de Cristina Kishner.
Seu grupo político foi batido em recentes eleições legislativas.
Resultado previsível para governos que se pretendem populares e
democráticos, mas não vão ao grão das questões essenciais.
Por que, então, vem obtendo êxito retumbante na aprovação de uma
legislação que estabelece limites concretos ao monopólio do Clarin
(grupo que corresponde, na Argentina, aos privilégios e exclusividades
que as organizações Globo têm no Brasil)?
Porque, por conta de confronto de interesses diretos, colocou a seu
lado amplos setores da sociedade civil organizada, através de um
projeto que transfere para empresas de menor expressão econômica, ou
para organizações não-lucrativas da sociedade civil, concessões até
então abocanhadas quase monopolisticamente pelo grupo. Fato gerador de
base parlamentar favorável, pois congressista burguês é capaz de tudo,
menos de pôr em risco o seu mandato.
Entre os efeitos já percebidos pela população há um elucidativo: o
da transmissão do futebol. Pela lei, não pode mais ser exclusividade do
grupo Clarin. Passa a ser transmitido de forma mais ampla; por todas as
TVs abertas, inclusive as públicas. Quanto aos clubes, tiveram sua
participação na distribuição de recursos da venda significativamente
ampliada. Passam a receber muito mais do que lhes tocava na venda ao
grupo monopolista. Ou seja, e para citar o quadro brasileiro: fim à
subordinação do horário dos jogos ao horário das novelas.
Mais ainda; estabelece-se limites de extensão de rede, e de tempo de
concessão. Ninguém poderá controlar mídias distintas sobre um mesmo
território. A concessão será reavaliada a cada 10 anos. Podendo, ou
não, ser renovada desde que atendidas, ou não, preceitos mínimos de
respeito à cidadania e ao ser direito concreto de ter acesso à
informação. Para tanto, evidentemente, instrumentos de controle serão
implementados.
Nada de novidade, tudo previsto em amplos debates que, na discussão
do processo constitucional de 88, os segmentos brasileiros voltados
para a democratização dos meios de comunicação. Mostrando que, no
Brasil, se a idéia pega, se o governo Lula tivesse um mínimo de
autonomia e coragem, a Globo tem muito com que se preocupar.
O que preciso ser esclarecido de forma incisiva é a necessidade de
definir legitimamente o conceito de liberdade de expressão, ponto
fundamental na construção de uma sociedade justa e libertária. Conceito
que não tem nada a ver com a forma como é utilizado pela SIP e seus
tentáculos nos diversos países. Não se trata, para ser preciso, de
defender direitos empresariais sobre a concessão pública de rádio e
televisão (as emissoras são simples produtoras que têm concessão sobre
canais de transmissão que não lhes pertence, mas sim à sociedade como
um todo).
Para receber tal concessão, que tem tempo definido, essas
concessionárias se obrigam a deveres que não cumprem. Basta, aliás,
consultar o capítulo de Comunicação Social de nossa Constituinte, para
ver a imensa quantidade de exigências constantemente atropeladas por
esses concessionários aqui no Brasil.
Quando a Globo esperneia, sabe por que o faz. Quando ataca Chavez ou
Rafael Correa por não terem renovado concessões de canais que
substituem partidos políticos onde a direita não consegue organizá-los,
conscientemente atropela a realidade dos fatos. Omite o que esses
canais são capazes de produzir para desestabilizar a ordem
institucional vigente - e quem fizer um balanço honesto do papel das
emissoras de tv venezuelanas no fracassado golpe contra Chavez terá
infindáveis argumentos comprobatórios.
Cabe, portanto, aos que lutam pela democratização dos meios de
comunicação no Brasil, ampliarem seu espectro de reivindicações para
além da defesa das emissoras comunitárias. Cabe retomar os tempos em
que o povo, na rua, afirmava não ser bobo, e rejeitava a rede Globo.
Exigir desse governo que se diz democrático e popular a abertura de
debate semelhante ao que ocorre entre nossos vizinhos continentais.
Cenário realmente difícil de imaginar, quando lembramos que,
distintamente do moderado Tancredo Neves - cuja primeira coletiva de
imprensa foi dada no Congresso Nacional, onde afirmou não se propor a
"pagar a dívida externa com o sangue do povo brasileiro" - , Lula deu a
sua sentadinho no banco de ouvinte do Jornal Nacional, dirigido pelo
casal apresentador e respeitando os intervalos comerciais.
Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos
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