My Happiness Bears No Relation to Happiness
tem como título secundário “Vida de um poeta no século palestiniano”.
Mas para melhor se entender a biografia do poeta palestinano Taha
Muhammad Ali redigida por Adina Hoffman, é quase preferível dizer: “Um
século palestiniano na vida de um poeta”. Esta escorregadela sintáctica
não pretende desacreditar o trabalho de Hoffman, já que, ao empilhar no
topo das empoeiradas pedras da história uma série de lembranças
fluidas, a obra de Hoffmann constitui um marco literário. Porque é a
primeira biografia de um escritor palestiniano escrita em língua
inglesa. Porque oferece uma biografia que evoca a Palestina anterior a
1948.
O elenco de lugares desaparecidos começa com a vila de
Saffurriyya, plantada no cimo de uma colina na Galileia. A infância de
Ali passada nesse espaço foi difícil mas idílica. O seu pai foi
atingido pela poliomielite e tornou-se por isso incapaz de trabalhar, o
que levou a família a viver na pobreza. Ali, nascido em 1931,
frequentou a escola apenas por 4 anos, antes de começar a trabalhar
para o sustento dos pais e família. Na altura em que devia estar a
aprender matemática, Ali trabalhava como negociante, vendendo ovos em
Haifa.
Por fim, Ali, um empresário inteligente, passou a gerir
um quiosque na sua casa de família. Construiu assim um pequeno mas
activo negócio, mas de olhos postos na sua noiva, Amira, que lhe fora
prometida desde o nascimento, e cujo riso e porte gracioso, escreve
Hoffman, «tinham entrado na sua corrente sanguínea tão profundamente
que ela parecia quase fazer parte dele».
A presença de Amira, juntamente com a suave Galileia,
amaciou os duros contornos dos primeiros tempos da vida de Ali. A
paisagem mais tarde evocada pela sua poesia e recreada no livro de
Hoffman, vibra com vida e parece de certo modo diferente, quase
magicamente, do mundo circundante. Hoffman escreve:
«Os próprios espinhos pareciam ali emanar um odor doce, e apesar de não
conseguir saber que perfume pertencia a cada uma das plantas, ou
explicar como se apercebia da diferença entre a fragrância de um
arbusto de Nazaré e a de um arbusto cujas raízes mergulhavam no solo de
Saffuriyya, o rapaz estava convencido de que, fiando-se no seu nariz,
sabia perfeitamente quando passara a orla [da sua aldeia]…»
Saffuriyya estava situada numa terra fértil que rendia
colinas de frutas, incluindo as romãs mais procuradas de toda a
Galileia. Saffurriyya era uma «aldeia do Corão, de contos épicos e de
heróis de tonalidades damasquinas ou cairotas». E acima de tudo,
Saffurriyya era um fio que prendia Ali e a sua família ao tecido da
Palestina.
Mas o pano foi rasgado numa noite de Julho de 1948
quando as forças israelitas bombardearam a aldeia. Ali e a sua familia
fugiram para o Líbano. Aí, o jovem Ali furtava bens num campo de
refugiados até à primavera de 49, quando ele e a sua família
regressaram ao recém baptizado Israel. Depois de passarem furtivamente
a fronteira a coberto da noite, estabeleceram-se em Nazaré, a menos de
10 kms dos vestígios da sua aldeia. Ali abriu o quiosque que mais tarde
se transformou numa das duas lojas de recordações que hoje possui.
Apesar da sua carreira como poeta ter começado tarde, a
loja de Ali em Nazaré era ponto de encontro de importantes figuras
literárias palestinianas, incluindo Michel Haddad. Neste ponto, o livro
torna-se, segundo Hoffman «numa espécie de retrato de grupo». Hoffman
explica: «Taha não é o único artista nesta história. Para entender Taha
e o seu lugar nas letras palestinianas e árabes, é fundamental ter a
consciência do tipo de personalidades com quem foi contactando ao longo
dos anos».
Muito embora o leitor possa perder ocasionalmente Ali de vista em My Happiness,
este livro compele-o a procurar a sua poesia, que está disponível
traduzida para inglês e compilada numa antologia intitulada: So What: New and Selected Poems 1971-2005 (tradução de Peter Cole, Yahya Hijazi and Gabriel Levin)
Esta terra é uma prostituta
Estendendo a mão aos anos…
A nossa terra faz amor com os marinheiros
E despe-se perante os recém-chegados…
Parece não haver nada que a ela nos una
E eu – não fora a madeixa do teu cabelo,
Trigueiro como o néctar da alfarroba…
A tua trança
É a única coisa
Que me liga, como um nó, a esta prostituta.
Estendendo a mão aos anos…
A nossa terra faz amor com os marinheiros
E despe-se perante os recém-chegados…
Parece não haver nada que a ela nos una
E eu – não fora a madeixa do teu cabelo,
Trigueiro como o néctar da alfarroba…
A tua trança
É a única coisa
Que me liga, como um nó, a esta prostituta.
Neste poema, o cabelo acorrenta o narrador a uma terra
que o irá trair e sufocar. Mas em “O lugar ele mesmo, ou Espero que não
possas digeri-lo”, também publicado na antologia, a imagem do cabelo
ganha outro sentido, desta vez como algo reconfortante:
E vim então ao lugar ele mesmo…
Onde estão as ovelhas balindo
E as romãs da noite
O cheiro do pão
E o tetraz?
Onde estão as janelas
E a tranquilidade da trança de Amira?
Onde estão as ovelhas balindo
E as romãs da noite
O cheiro do pão
E o tetraz?
Onde estão as janelas
E a tranquilidade da trança de Amira?
Quer na poesia de Ali, quer na biografia de Hoffman (que o Booklist
considera como uma das melhores biografias de 2009), a profunda e
complexa relação de Ali com a terra é posta em evidência. Hoffman tem o
cuidado de explicar as circunstâncias históricas de onde nasce esta
ambivalência. My Happiness Bears No Relation to Happiness
deve ser considerada como um complemento fundamental, embora não um
substituto, para a obra de Ali. Do mesmo modo que há uma sintonia entre
os poemas de Ali, também a obra de Hoffman convive harmoniosamente com
a escrita de Ali, com a sua vida e com o seu tempo.
Créditos: Todos por Gaza.
Fonte: The Electronic Intifada
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