PRAGA, capital da República Tcheca – Essa semana a República Tcheca
deu início às comemorações do 20º aniversário da Revolução de Veludo.
Naquela época, foram os estudantes tchecoslovacos que tomaram a
liderança do processo. Hoje em dia, a juventude do país é ambígua em
relação à democracia ao estilo de Praga.
Na Tchecoslováquia, tudo começou com os estudantes.
No final do outono de 1989, o Muro de Berlim já havia caído, a
fronteira entre Hungria e Áustria tornava-se porosa e na Polônia, há
tempos, já eram realizadas eleições livres. Porém, na Tchecoslováquia o
governo comunista ainda fazia o que podia para se manter firme nas
rédeas do poder. Não iria durar muito.
Em 17 de novembro, milhares de estudantes tomaram as ruas de Praga.
O protesto era pacífico – mas, mesmo assim, foi brutalmente reprimido
por centenas de policiais equipados com armas de guerra. Dois dias
depois, a multidão aumentou de tamanho e, em 20 de novembro, 500 mil
tchecos e eslovacos se juntaram numa marcha pacífica pela cidade. A
Revolução de Veludo – duas semanas de demonstrações não-violentas que
derrubaram o regime comunista – tinha começado.
Das inúmeras revoluções anti-comunistas que ocorreram ao redor do
leste europeu duas décadas atrás – durante um ano em que Timothy Garton
Ash chamou de “o melhor da história européia” – a derrubada do governo
comunista tchecoslovaco chega perto, talvez, do ideal de revolução
democrática. Centenas de milhares de cidadãos querendo ser livres
distribuíam flores a soldados e balançavam chaves como símbolo de
liberdade: o que pode ser mais igualitário que isso?
“Escrava do capitalismo”
Essa semana, a República Tcheca está celebrando o 20º aniversário da
Revolução de Veludo. Muitas das demonstrações estão sendo recriadas,
milhares acenderam velas no centro de Praga em comemoração e Václav
Havel, que se tornou o herói da Revolução, está onipresente. Mas como a
juventude da nação, cujos antecessores foram unânimes na derrubada do
governo comunista, se sente sobre isso hoje?
“Ser escrava do capitalismo não é diferente do que ser escrava do
comunismo”. É o que a mãe de Jana Kajnarová lhe diz. Kajnarová, que
vive hoje em Berlim, diz que existe uma nostalgia forte pela época do
sistema comunista, principalmente nas gerações mais velhas.
“Minha mãe – que está doente e não recebe tratamento suficiente do
Estado – era mais feliz 20 anos atrás”, ela afirma. “E muitos dos
pensionistas de Varnsdorf, minha cidade natal, concordam com ela. Sob o
comunismo as pessoas trabalhavam com a certeza de que um dia não
precisariam mais” a jovem de 25 anos diz. “Agora, você simplesmente não
tem mais esse tipo de segurança”.
Kajnarová também admite estar decepcionada com o governo atual,
afirmando que, no momento, ela acredita que a República Tcheca não tem
uma democracia real. “Simplesmente não há partido bom o suficiente para
ameaçar (o atual presidente tcheco) Václav Klaus”, diz ela. Kajnarová
descreve o presente governo como uma “farsa”.
“Eu posso viajar o quanto quiser”
No entanto, mesmo que Kajnarová entenda o ponto de vista dos
pensionistas de sua cidade e esteja decepcionada com o governo tcheco,
ela ainda acredita que as coisas estão melhores do que eram antes da
Revolução. “Eu lembro constantemente (minha mãe) que agora somos
livres, que eu posso viajar o quanto quiser”.
Esse pensamento é comum entre muitos outros estudantes tchecos neste
século, como demonstra um recente estudo feito pela agência de
pesquisas tcheca CVVM, publicado no jornal Aktuálne. A juventude tcheca
vê a queda do comunismo como uma evolução muito positiva, de acordo com
a pesquisa. Um estudo sobre o fim do comunismo lançado pela empresa Pew
Global Attitudes Project, localizada em Washington, no início do mês,
indica que quase 90% dos tchecos entre 18 e 29 anos aprova o sistema
político multipartidário. 80% aprova a economia de livre mercado.
Ondrej Odehnal, 21 anos, estudante de Brno, uma cidade no sudeste do
país, está certo de que a vida melhorou em todos os aspectos. Ele disse
que, dentre outras coisas, suas instalações sanitárias são muito
melhores agora e que crê que a corrupção no regime durante o qual seus
pais sofreram muito também distorceu as mentes dos cidadãos e suas
atitudes em relação ao Estado.
Perguntado sobre o que achava de seus compatriotas, aqueles que
ainda sentem falta da Cortina de Ferro, ele disse: “Talvez sejam os
velhos comunistas que sentem falta, não? As pessoas dizem muita
besteira”.
Seu amigo Michal Jež, um garoto de 17 anos também de Brno, concorda
com ele. “Hoje em dia, existem pessoas idosas que gostam do comunismo
por que ocupavam uma boa posição no sistema e eram contentes”, Jež diz.
Bem Skála, um rapaz de 24 anos formado pela University of Southern
Bohemia em Ceske Budejovice tem pouco a acrescentar: “comunistas são
porcos”, afirma.
“Cansadas dos nossos políticos”
Ainda assim, poucos jovens têm a ilusão de que estão vivendo em um
tipo de democracia sonhada por todo mundo que a Revolução de Veludo fez
parecer possível. Radys Kovaík, um estudante de 19 anos de Brno,
acompanha a política, mas não tem tempo para o que ele vê como pequenas
engrenagens do parlamento de seu país. Ele disse: “Sou interessado por
política, mas somente por coisas importantes. Os políticos no nosso
país geralmente agem como crianças brigonas”. Radys também acredita que
a vida no país é imensamente melhor agora, mas lamenta o fato de que o
cidadão comum tcheco perdeu o engajamento político por que as pessoas
estão “cansadas de nossos políticos”.
É um pensamento que se espalhou nesse outono. Uma pesquisa feita
pelo grupo STEM relatou, no início deste mês, que, enquanto dois terços
da população viam a Revolução de Veludo como um dos momentos mais
importantes da história tcheca, menos da metade – somente 43% – está
satisfeita em como o país progrediu dali em diante. Uma pesquisa do
mesmo grupo lançada na última sexta-feira descobriu que 87% do povo
tcheco está descontente com a situação política do país.
Na terça-feira, milhares de pessoas se reuniram no centro de Praga
para comemorar o início da Revolução de Veludo. A multidão refez o
percurso que aqueles esperançosos estudantes que mudaram os rumos da
história tcheca fizeram, e nesta multidão havia tanto jovens quanto
velhos. De fato, muito dos que falaram com o SPIEGEL ONLINE (tchecos
vivendo na Alemanha) voltaram para casa para a celebração.
Mas nem todos. Alguns preferiram ficar em Berlim para ir ao show de
Marilyn Manson. “Quase todos nós somos completamente diferentes”,
Odehnal diz. “(Minha geração) é livre – mas indiferente e interessada
em outras coisas. Nosso estilo de vida mudou completamente. E estamos
interessados com o futuro, não com o passado”.
Sarah Karacs
Tradução: Jonas Lunardon
Para acessar o texto original, clique aqui.
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