Wladimir Pomar - Correio da Cidadania
Aproveitando as declarações do ex-major Curió sobre a Guerrilha do
Araguaia, assim como o clima morno da conjuntura, por algumas semanas
me dediquei a fazer um sumário da minha participação nos acontecimentos
que precederam e depois sucederam aquela guerrilha. Espero não haver
cansado os leitores com memórias de um passado que teima voltar, talvez
porque nem todos tenham acertado suas contas com ele.
Para finalizar essa série, embora não tenha tido a pretensão de esgotar
o assunto, gostaria de sistematizar um pouco do que aprendi. Primeiro,
a lição de que não se deve cair na armadilha de que se pode, de
antemão, determinar o caminho, ou a forma principal de luta, a ser
seguido para realizar as transformações econômicas, sociais e políticas
que o país necessita para ingressar no socialismo.
Isso poderia não ter mais importância se, 40 anos depois daquelas
experiências, a idéia não continuasse viva na cabeça de muita gente. Há
os que nutrem a suposição de que só nos resta o caminho armado.
Paradoxalmente, no momento em que consideram as grandes massas
populares inebriadas por promessas de demagogos populistas. E há também
os que juram, de braços abertos, que o único caminho viável é o
pacífico, das eleições sucessivas. Para eles, basta manter-se firme no
trabalho institucional que as urnas nos levarão ao paraíso.
Como deuses onipotentes, uns decretam que o inimigo será inflexível e
incapaz de fazer qualquer concessão, enquanto os outros determinam que
o inimigo não tem mais qualquer condição de tentar aventuras golpistas,
nem ditaduras sanguinárias. E ambos já previram, cada um a seu modo,
que o povão vai agir como supõem.
Nessa questão eu aprendi que é a prática de luta que vai determinar o
caminho, e não o inverso. Assim, se do ponto de vista geral é melhor
estar preparado para a pior situação, do ponto de vista prático é
fundamental estar ligado, quase fundido, ao dia a dia dos trabalhadores
e das demais camadas populares, de modo a acompanhar o seu aprendizado,
conhecer sua disposição e ganhar influência sobre eles.
Esta é a única maneira de saber como o povão vai agir, caso a burguesia
decida resolver suas contradições com os trabalhadores e o povo da
mesma forma que sempre resolveu, num passado não muito longínquo.
Diante disso, as massas populares tanto podem partir para a luta,
quanto fazer uma retirada estratégica, como fizeram em 1964 e 1968. As
duas possibilidades existem e é muito difícil supor que alguém seja
capaz de determinar qual delas vai prevalecer.
O mesmo pode ser verdade para o caso de a burguesia continuar, por um
longo período, constrangida a seguir a tendência atual, de solução
passo a passo das contradições. É lógico que ela trabalhará sempre,
sejam suas alas moderadas, sejam suas alas radicais, para praticar
fraudes ou levar as forças de esquerda a cometerem erros sérios, de
modo a lhes impor uma derrota eleitoral de caráter estratégico. Numa
situação dessas, a derrota pode tanto empurrar as camadas populares
para lutas mais radicais quanto para uma nova retirada estratégica,
dependendo do contexto em que a derrota ocorrer.
Assim, sem medir muito claramente as questões políticas em jogo,
estamos sempre correndo o perigo de ajudar o inimigo. Por isso, fico
sempre impressionado de ver, ou ouvir, militantes ditando o que os
trabalhadores e o povo devem fazer, sem que tenham qualquer laço
orgânico com segmentos sociais concretos, no chão de fábrica ou nas
comunidades de bairros e favelas. Nestas condições é realmente muito
difícil saber o que as massas estão pensando e o que pretendem.
É isso que exige da esquerda a necessidade de combinar os processos
eleitorais com as lutas sociais e políticas. E, mais do que antes,
essas lutas precisam ser com razão e com limite, de modo a evitar que
os movimentos sociais sejam fragmentados, como resultado de ações que
permitam à burguesia se passar por vítima e reconquistar influência
sobre a classe média e mesmo sobre parcelas menos politizadas da
população trabalhadora pobre.
Em relação ao baixo nível atual de mobilização social, não adianta
morder os calcanhares, nem xingar o povão de medíocre, como fazem
alguns. Mesmo porque as massas populares nem sempre conseguem tirar
todas as lições de suas experiências de luta. Seja porque, antes, não
passaram por experiências idênticas, seja porque essas lutas sofrem de
descontinuidade, ou ainda porque tais experiências não foram
sistematizadas, nem devolvidas, de modo conveniente às massas.
Porém, também aprendi que não podemos tomar qualquer situação, por pior
que seja, como algo estático e invariável. Sempre haverá fatores, às
vezes silenciosos e imperceptíveis à primeira vista, que estarão
processando mudanças e vão determinar uma cascata de outras
modificações. No período da guerrilha do Araguaia fomos incapazes de
acompanhar essas mudanças e nos ajustarmos a elas. Mas também não faz
muito tempo que, sem reparar o que estava acontecendo na base da
sociedade, em virtude dos programas sociais do governo Lula, muita
gente acreditou que ele e o PT seriam liquidados pela crise de 2005.
Enganaram-se redondamente.
Por fim, aprendi que é preciso, sempre, manter espírito crítico, a todo
momento, avaliando a correção ou não de cada teoria, de cada ação, de
cada luta, mesmo que isso seja doloroso. Isto é verdade tanto para
processos de lutas massivas, quanto para processos de estagnação da
mobilização social. Num e noutro caso, nem sempre as massas estão
certas, do mesmo modo que nós. Em qualquer das situações, só
participando e vivendo com elas as experiências de luta, ou da falta de
luta, podemos tirar lições dos erros delas e dos nossos, se tomarmos a
prática como o critério da verdade.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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