Rodrigo Mendes – Da Redação Colaboraram Valéria Nader e Gabriel Brito | |||
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O editorial da Folha de S. Paulo do dia 30 de outubro é dessas peças
com rara preciosidade, pois sintetiza tudo que a mídia grande conseguiu
produzir como senso comum a respeito dos países que têm governos
progressistas na América Latina, em especial da Venezuela. O texto,
intitulado "Convite ao tumulto", critica o fato de o Congresso
brasileiro ter aprovado a entrada da Venezuela no Mercosul sem nenhum
tipo de ressalva.
O editorial apresenta uma argumentação absolutamente frágil para essa
aprovação: "pressões do Executivo e lobbies empresariais interessados
em manter uma política de ‘boa vizinhança’". A conclusão que se tira ao
se ler o texto é que o grande problema da Venezuela é Hugo Chávez. O
editorial é claro ao afirmar "será Chávez, e não uma Venezuela
abstrata, quem irá dispor de poder de veto sobra as decisões do
Mercosul".
Nota-se que o editorial não é, em si, contrário à entrada da Venezuela
no Mercosul. Aliás, a posição do jornal sobre isso só ficará mais clara
duas páginas depois (ler mais adiante) – em mais uma matéria, como é o
costume da Folha, em que o assunto é sua própria opinião e não um fato
em si. Ou seja, o editorial apenas problematiza a questão da Venezuela
e o que pode acontecer com o país sendo membro efetivo do bloco.
O destaque na manchete da Folha do mesmo dia, duas páginas depois do
editorial, era a ausência de qualquer ressalva à entrada da Venezuela.
Essa frase específica demonstra onde estava, para a Folha, a ênfase do
debate. Segundo a lógica expressa ali, é claro que é preciso aprovar a
entrada da Venezuela no Mercosul por conta do vultoso poderio econômico
que seu petróleo traz ao bloco. Ainda mais em tempos de pré-sal.
Isso é o detalhe; o ponto central que a Folha quer focar são as
ressalvas. Por conta de seu regime, por conta dos supostos atentados
contra a democracia (aqui, ainda um ponto polêmico), enfim, por conta
de Chávez ser um governo identificado como "de esquerda" – e afinal,
nada pode ser mais ultrapassado que ser de esquerda.
A última edição da revista Veja também trouxe um texto sobre o assunto,
novamente, como é seu costume, com críticas raivosas e babentas a
Chávez. Isso chegou a ser tema de debate na redação do Correio da
Cidadania, e decidimos não tratar da Veja nesse artigo, pois a idéia é
debater jornalismo. Infelizmente, a Veja não se enquadra mais na
categoria jornalismo.
Vizinha ao editorial de 30 de outubro, a coluna de Eliane Catanhêde –
contumaz e conhecida crítica de Chávez - faz uma branda crítica à
oposição demo-tucana ao governo federal por conta de sua polarização
contrária à entrada da Venezuela no Mercosul. A articulista elenca uma
série de argumentos favoráveis à entrada do país governado por Hugo
Chávez que, segundo ela, são muito mais fortes do que o eventual ônus
político que o presidente venezuelano traria ao bloco.
Chama atenção expressão usada por Catanhêde no final do primeiro
parágrafo ao dizer que "nem mesmo discurso" tinha a oposição para
querer barrar a entrada da Venezuela. Bom, se queria saber de onde se
cria o discurso que baseia uma posição contrária à entrada da
Venezuela, Eliane Catanhêde deve ter descoberto ao abrir a Folha
daquela sexta-feira e ler, depois de olhar satisfeita para sua própria
coluna, o texto à esquerda (geograficamente) do dela.
Pois esse editorial provê toda a munição que qualquer um precisa para
criar um discurso contra a entrada da Venezuela no Mercosul. O texto
afirma ainda que o regime venezuelano tem apenas "fiapos" de
democracia, o que contribuiria para a situação supostamente já instável
do bloco de integração.
Brilhantemente desmontada por uma de suas mais importantes
articulistas, a Folha, ao lado da maioria dos grandes veículos de
comunicação, é responsável por criar uma névoa com grande capacidade de
ofuscar o que acontece na Venezuela. Não por acaso, esses mesmos
veículos são muito importantes não só na construção desses argumentos
utilizados pela oposição, mas pela aceitação desses argumentos.
Pois a criação de um senso comum de que a Venezuela tem uma "ditadura"
(ainda que o termo seja empregado com extrema cautela e parcimônia,
pois, por mais problemático que seja, o governo chavista, sob muito
poucos critérios, pode ser considerado uma ditadura) e representa um
retrocesso na democracia latino-americana, entre uma série de outros
"problemas" de ordem interna e externa, é, em grande parte, oriunda
muito mais da contra-propaganda jornalística do que de qualquer
experiência real que o povo brasileiro tenha sofrido por causa do
regime venezuelano.
Continua certa Eliane Catanhêde ao informar que a discussão em torno ao
tema não é de ordem político-ideológica, mas muitos mais de ordem
comercial. Ainda mais porque essa foi a motivação do governo brasileiro
ao aprovar o tema, apontada no relatório final aprovado no Congresso.
Em nenhum momento a base governista responsável por bancar a posição
declarou qualquer simpatia ao governo venezuelano – nenhum crime aí.
Apenas apontou a importância econômica que a Venezuela trará ao
Mercosul.
Chávez sempre esteve em maus lençóis quando sob o foco da mídia
brasileira – e costuma estar sob o foco, pois a cada passo seu é
acusado de ser antidemocrático. Mas uma breve comparação feita na
redação do Correio instala uma reflexão: quando esteve Álvaro Uribe,
presidente colombiano que sempre fez tudo aquilo que Chávez é acusado
de ameaçar fazer, sob os holofotes da mídia? Será Uribe, principal
aliado declarado dos Estados Unidos na América do Sul, parceiro militar
do exército estadunidense, alvo de julgamento tão criterioso dos
senadores da República em uma eventual situação parecida?
A resposta virá quando, e se, a Colômbia pedir formalmente ingresso no
Mercosul. Mas Uribe já tem larga vantagem. Ainda que, economicamente,
seu país tenha uma significância muito menor que a Venezuela, seu
presidente nunca foi acusado pela mídia brasileira de ser golpista nem
antidemocrático. Na verdade, Uribe não é um fator de instabilidade sob
o ponto de vista das elites e, consequentemente, da mídia grande.
Rodrigo Mendes é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Venezuela na mídia: dois pesos, duas medidas, um lado
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