Willard
Nyangu, 60, lembra de seu retorno, há quarenta anos, às praias do Lago
Malawi [terceiro maior da África, situado entre o Malawi, a Tanzânia e
Moçambique, numa altitude de 700m acima do nível do mar, possuindo a
maior diversidade de peixes do mundo] com sua canoa cheia de peixes
depois de uma noite pescando.
Hoje,
a história é bem diferente. Apesar de passar uma noite inteira no lago,
Nyangu volta para a praia com apenas um punhado de peixes em sua canoa.
Ele diz que o padrão de chuvas tem mudado nos últimos 40 anos e culpa a
atividade humana, incluindo o desmatamento, pelos níveis incertos de
água que afetam os ciclos de reprodução dos peixes.
Estoques minguantes de peixes
O
governo do Malawi estima que a indústria pesqueira empregue mais de 300
mil malawianos. Cerca de 14% das comunidades litorâneas sobrevivem
através da pesca, processamento e venda do pescado, venda e conserto de
barcos e peças, e outras indústrias relacionadas.
A
pesca é um fator chave na segurança alimentar do país – chega a
contribuir com 70% da proteína animal nas áreas urbana e rural.
No
entanto, a média de peixes capturados diminuiu de cerca de 65 mil
toneladas por ano em 1970 e 1980 para apenas 50 mil toneladas por ano
no final dos anos 90.
Em
2003, especialistas da indústria pesqueira – alarmados pela diminuição
dos estoques de peixe – embarcaram numa estratégia de 10 anos para
restaurar a quantidade de peixes. O plano tem por objetivo recuperar os
esgotados estoques até um nível sustentável.
Clima Imprevisível
Há
três anos, Bingu wa Mutharika, presidente do Malawi, levou a questão
adiante ao tomar uma iniciativa para aumentar os estoques de água do
lago.
Steve
Donda, vice-diretor da indústria pesqueira do Malawi, reconhece que a
população de peixes do país está diminuindo, mas, diz ele, que outros
fatores além da mudança do clima, incluindo a destruição dos ambientes
de reprodução, podem ser responsáveis por isso.
Contudo, um relatório publicado em junho pela ONG Oxfam – Ventos da Mudança: Mudança do Clima, Pobreza e o Meio Ambiente no Malawi –
destaca que os ventos se tornaram tão fortes no país e as chuvas tão
pesadas que eles têm seguidamente destruído casas, plantações e barcos.
“A
principal estação das chuvas está se tornando cada vez mais
imprevisível. Em geral, nos últimos 40 anos, pescadores e fazendeiros
dizem que as temperaturas estão mais altas e que as chuvas estão
chegando mais tarde e ficando mais intensas e concentradas, o que reduz
a duração do período e desencadeia mais secas e mais enchentes”,
observa Elvis Sukali, um correspondente do Oxfam em Linlongwe [capital
do Malawi].
Tomando atitudes
O
Oxfam recomendou que o governo do Malawi elaborasse uma lista de ações
com medidas que devem ser implementadas a fim de iniciar uma adaptação
à mudança climática.
Mutharika
lançou um plano de alcance nacional chamado Programas de Ação Nacional
para a Adaptação (PANA) [em inglês NAPA, National Adaptation Programmes
of Action] com o objetivo de melhorar a organização comunitária,
recuperar florestas, aumentar a produção agrícola e o estado de
prontidão em caso de enchentes e secas e ampliar o monitoramento
climático.
Os
PANAs custarão 22,43 milhões de dólares [aproximadamente R$38,1
milhões] que, até agora, não foram disponibilizados pela comunidade
internacional, que cobra, antes de qualquer coisa, que o Malawi
desenvolva seu plano. O Oxfam condenou as agências de desenvolvimento
por fazerem isso, dizendo que o contínuo fracasso em financiar a
implementação dos PANAs pelos países menos desenvolvidos no mundo é
inaceitável.
No
entanto, grupos da sociedade civil no Malawi dizem que a falta de
fundos donativos não deve se tornar uma desculpa para a inércia das
autoridades, e insistem para que o governo faça mais mesmo se os PANAs
continuarem sem financiamento.
“Menos chuva, menos alimentos”
O
relatório do Malawi coincide com os relatórios do Oxfam produzidos na
África do Sul e Uganda, que revelaram que as populações destes países
estavam enfrentando desafios similares. Embora o continente africano
contribua com menos de 3% das emissões globais, o Oxfam sul-africano
observa que a mudança climática representa uma grande ameaça ao
desenvolvimento do continente.
Em
Uganda, uma análise climática feita pelo governo, publicada em dezembro
de 2007, observou que as áreas mais úmidas do país ao redor da bacia do
Lago Vitória [maior de todos os lagos africanos], no leste e noroeste,
estão ficando ainda mais úmidas.
Meteorologistas
e fazendeiros relatam o mesmo problema: na maioria dos distritos, os
anos recentes têm testemunhado um aumento na irregularidade no início e
final da estação das chuvas, e quando a chuva chega, ela é mais pesada
e mais violenta.
Fazendeiros
e pecuaristas dizem que estas mudanças estão encurtando a estação de
chuvas e que o resultado final é menos chuva e mais seca ou, como um
fazendeiro colocou: “Menos chuva significa menos alimento.”
Enfrentando a mudança climática
No entanto, alguma cautela é necessária na interpretação destas afirmações.
A
fim de lidar com a situação, o Malawi recentemente imitou Angola,
Suazilândia e Zâmbia ao lançar duas novas variedades de milho
resistente a doenças – ZM 309 e ZM 523 – desenvolvidas por fazendeiros
pobres em áreas propensas a estiagem com solos inférteis, a fim de
ajudar a proporcionar alguma segurança alimentar.
Este
lançamento é parte do projeto Milho Resistente à Seca para a África [em
inglês Drought Tolerant Maize for África] e oferece a mais fazendeiros
pobres na região da África sub-sahariana variedades de milho – um
alimento básico entre os africanos – que têm níveis aumentados de
resistência à seca.
Christine
Mtambo, chefe do departamento de agricultura do Malawi, que é
responsável pela produção rural no Ministério da Agricultura e
Segurança Alimentar, diz que as novas variedades se adaptam às atuais
condições climáticas porque elas são resistentes à seca e amadurecem
rápido.
Talvez,
com a adaptação às mudanças no clima e a aplicação de medidas para
aliviar o seu impacto, os pescadores como Nyangu e agricultores com
culturas de subsistência serão capazes de enfrentar a mudança
climática.
Porém,
Raphael Mweninguwe, um renomado colunista ambientalista do Malawi que
escreve para o jornal semanal Sunday Times, adverte que a mudança no
clima é um aviso para as pessoas reagirem a essas condições aplicando
medidas amigáveis ao meio ambiente. Mweninguwe argumenta que deveria
haver uma maior consciência das questões relacionadas às mudanças
climáticas entre as várias partes envolvidas, tanto dentro do país como
fora das fronteiras do Malawi.
Charles Mkoka
Tradução: Aline Oliveira
Para acessar o texto original, clique aqui.
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