terça-feira, 17 de novembro de 2009

Malawi: Ventos da mudança



Willard Nyangu, 60, lembra de seu retorno, há quarenta anos, às praias do Lago Malawi [terceiro maior da África, situado entre o Malawi, a Tanzânia e Moçambique, numa altitude de 700m acima do nível do mar, possuindo a maior diversidade de peixes do mundo] com sua canoa cheia de peixes depois de uma noite pescando.
Hoje, a história é bem diferente. Apesar de passar uma noite inteira no lago, Nyangu volta para a praia com apenas um punhado de peixes em sua canoa. Ele diz que o padrão de chuvas tem mudado nos últimos 40 anos e culpa a atividade humana, incluindo o desmatamento, pelos níveis incertos de água que afetam os ciclos de reprodução dos peixes.
Estoques minguantes de peixes
O governo do Malawi estima que a indústria pesqueira empregue mais de 300 mil malawianos. Cerca de 14% das comunidades litorâneas sobrevivem através da pesca, processamento e venda do pescado, venda e conserto de barcos e peças, e outras indústrias relacionadas.
A pesca é um fator chave na segurança alimentar do país – chega a contribuir com 70% da proteína animal nas áreas urbana e rural.
No entanto, a média de peixes capturados diminuiu de cerca de 65 mil toneladas por ano em 1970 e 1980 para apenas 50 mil toneladas por ano no final dos anos 90.
Em 2003, especialistas da indústria pesqueira – alarmados pela diminuição dos estoques de peixe – embarcaram numa estratégia de 10 anos para restaurar a quantidade de peixes. O plano tem por objetivo recuperar os esgotados estoques até um nível sustentável.
Clima Imprevisível
Há três anos, Bingu wa Mutharika, presidente do Malawi, levou a questão adiante ao tomar uma iniciativa para aumentar os estoques de água do lago.
Steve Donda, vice-diretor da indústria pesqueira do Malawi, reconhece que a população de peixes do país está diminuindo, mas, diz ele, que outros fatores além da mudança do clima, incluindo a destruição dos ambientes de reprodução, podem ser responsáveis por isso.
Contudo, um relatório publicado em junho pela ONG Oxfam Ventos da Mudança: Mudança do Clima, Pobreza e o Meio Ambiente no Malawi destaca que os ventos se tornaram tão fortes no país e as chuvas tão pesadas que eles têm seguidamente destruído casas, plantações e barcos.
A principal estação das chuvas está se tornando cada vez mais imprevisível. Em geral, nos últimos 40 anos, pescadores e fazendeiros dizem que as temperaturas estão mais altas e que as chuvas estão chegando mais tarde e ficando mais intensas e concentradas, o que reduz a duração do período e desencadeia mais secas e mais enchentes”, observa Elvis Sukali, um correspondente do Oxfam em Linlongwe [capital do Malawi].
Tomando atitudes
O Oxfam recomendou que o governo do Malawi elaborasse uma lista de ações com medidas que devem ser implementadas a fim de iniciar uma adaptação à mudança climática.
Mutharika lançou um plano de alcance nacional chamado Programas de Ação Nacional para a Adaptação (PANA) [em inglês NAPA, National Adaptation Programmes of Action] com o objetivo de melhorar a organização comunitária, recuperar florestas, aumentar a produção agrícola e o estado de prontidão em caso de enchentes e secas e ampliar o monitoramento climático.
Os PANAs custarão 22,43 milhões de dólares [aproximadamente R$38,1 milhões] que, até agora, não foram disponibilizados pela comunidade internacional, que cobra, antes de qualquer coisa, que o Malawi desenvolva seu plano. O Oxfam condenou as agências de desenvolvimento por fazerem isso, dizendo que o contínuo fracasso em financiar a implementação dos PANAs pelos países menos desenvolvidos no mundo é inaceitável.
No entanto, grupos da sociedade civil no Malawi dizem que a falta de fundos donativos não deve se tornar uma desculpa para a inércia das autoridades, e insistem para que o governo faça mais mesmo se os PANAs continuarem sem financiamento.
Menos chuva, menos alimentos”
O relatório do Malawi coincide com os relatórios do Oxfam produzidos na África do Sul e Uganda, que revelaram que as populações destes países estavam enfrentando desafios similares. Embora o continente africano contribua com menos de 3% das emissões globais, o Oxfam sul-africano observa que a mudança climática representa uma grande ameaça ao desenvolvimento do continente.
Em Uganda, uma análise climática feita pelo governo, publicada em dezembro de 2007, observou que as áreas mais úmidas do país ao redor da bacia do Lago Vitória [maior de todos os lagos africanos], no leste e noroeste, estão ficando ainda mais úmidas.
Meteorologistas e fazendeiros relatam o mesmo problema: na maioria dos distritos, os anos recentes têm testemunhado um aumento na irregularidade no início e final da estação das chuvas, e quando a chuva chega, ela é mais pesada e mais violenta.
Fazendeiros e pecuaristas dizem que estas mudanças estão encurtando a estação de chuvas e que o resultado final é menos chuva e mais seca ou, como um fazendeiro colocou: “Menos chuva significa menos alimento.”
Enfrentando a mudança climática
No entanto, alguma cautela é necessária na interpretação destas afirmações.
A fim de lidar com a situação, o Malawi recentemente imitou Angola, Suazilândia e Zâmbia ao lançar duas novas variedades de milho resistente a doenças – ZM 309 e ZM 523 – desenvolvidas por fazendeiros pobres em áreas propensas a estiagem com solos inférteis, a fim de ajudar a proporcionar alguma segurança alimentar.
Este lançamento é parte do projeto Milho Resistente à Seca para a África [em inglês Drought Tolerant Maize for África] e oferece a mais fazendeiros pobres na região da África sub-sahariana variedades de milho – um alimento básico entre os africanos – que têm níveis aumentados de resistência à seca.
Christine Mtambo, chefe do departamento de agricultura do Malawi, que é responsável pela produção rural no Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, diz que as novas variedades se adaptam às atuais condições climáticas porque elas são resistentes à seca e amadurecem rápido.
Talvez, com a adaptação às mudanças no clima e a aplicação de medidas para aliviar o seu impacto, os pescadores como Nyangu e agricultores com culturas de subsistência serão capazes de enfrentar a mudança climática.
Porém, Raphael Mweninguwe, um renomado colunista ambientalista do Malawi que escreve para o jornal semanal Sunday Times, adverte que a mudança no clima é um aviso para as pessoas reagirem a essas condições aplicando medidas amigáveis ao meio ambiente. Mweninguwe argumenta que deveria haver uma maior consciência das questões relacionadas às mudanças climáticas entre as várias partes envolvidas, tanto dentro do país como fora das fronteiras do Malawi.

Charles Mkoka
Tradução: Aline Oliveira

Para acessar o texto original, clique aqui.

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