Revolução?
Wladimir Pomar - Correio da Cidadania
Pelo andar da carruagem, parece que a campanha de 2010 voltará a assistir baixarias da pior espécie. Talvez a utilização do caso Lurian-Mirian Cordeiro, em 1989, se torne brincadeira infantil diante do tipo de acusação assacada por Folha de São Paulo-César Benjamin contra Lula. Sem bandeira, a direita parece disposta a ultrapassar todos os limites, na mesma suposição de Goebbels de que uma mentira, repetida mil vezes, se transforme em verdade.
Enquanto uma parte da esquerda flerta com essa aventura de viés fascista, outra amacia a crítica ao período FHC, caracterizando-o como revolução silenciosa. Para compreender o caráter do que chama de nova revolução silenciosa do governo Lula, essa parte da esquerda considera essencial entender os anos dourados do neoliberalismo, que tiveram por base as políticas de liberalização, privatização e desregulação, propugnadas pelo Consenso de Washington e aplicadas pelo FMI e Banco Mundial. Segundo ela, para combater a crise de recessão e desemprego, que se espraiara pelo mundo nos anos 1980.
Ainda segundo essa análise, a revolução silenciosa de FHC, cujo maior mote foi "o Estado é mau gestor" e "o Mercado tudo resolve", teve como eixos as reformas estruturais nas contas públicas, impondo a disciplina fiscal, no comércio externo, abrindo o mercado doméstico aos produtos e investimentos estrangeiros no Estado, retirando-o das atividades econômicas através das privatizações, e também na desregulação trabalhista, através da flexibilização das leis do trabalho.
Para início de conversa, cabe o reparo sobre as razões do Consenso de Washington. Ele não foi costurado para combater a crise de recessão e desemprego, mas para elevar a taxa média de lucro das corporações transnacionais, mesmo que isto aprofundasse a recessão e o desemprego nas economias nacionais. As políticas de liberalização, privatização e desregulação, aplicadas com denodo por FHC, tinham esse caráter preciso.
É verdade que, como todo contra-revolucionário, FHC procurou chamar sua agenda neoliberal de revolução silenciosa. Se os golpistas de 1964 chamaram sua contra-revolução de revolução redentora, por que FHC não teria o direito de fazer o mesmo? No entanto, quando uma parte da esquerda aceita chamar uma contra-revolução de revolução, isso apenas pode significar que ela não leva a sério o conteúdo desses conceitos.
Em relação à era FHC, José Luiz Fiori tinha razão em dizer que houve "uma imensa recomposição patrimonial da riqueza brasileira, (...) movida por uma transferência gigantesca de riqueza ou privatização de riqueza". Francisco de Oliveira também estava certo ao afirmar que se assistiu à criação de "uma nova burguesia no país" e que "o governo perdeu boa parte da capacidade que tinha de distribuir favores no Estado entre seus aliados". Portanto, o que a contra-revolução de FHC realizou foi uma brutal reorganização do capitalismo brasileiro, reduzindo a participação do capital estatal na economia.
Para o tucanato, o tripé que sustentava o capitalismo desde a era Vargas (capital estatal, capital privado nacional e capital privado estrangeiro), deveria tornar-se um bipé com elefantíase, tendo o capital estrangeiro como principal. Ao Estado caberia apenas o papel de facilitador da relocalização empresarial, ao mesmo tempo em que fingia ser regulador e compensador dos desequilíbrios sociais. Nessas condições, supor que os tucanos apoiavam as políticas neoliberais por acreditarem que esta seria a condição necessária para o crescimento econômico e a inserção competitiva no mercado internacional é o mesmo que acreditar em fadas.
Os tucanos e seus associados, do mesmo modo que todos os segmentos sociais e políticos que, em qualquer época, apoiaram a colonização de seu país por invasores estrangeiros, na verdade acreditavam que o neoliberalismo era a salvação de seu grupo particular. Muitos membros desse grupo se transformaram em parte daquela nova burguesia, resultante da recomposição patrimonial da riqueza. Confundir interesses particulares com interesses nacionais é erro primário.
Na era FHC o problema não foi somente que o Estado tenha deixado de ser o principal indutor da economia e delegado este papel para o mercado. Ou que ele tenha desregulado, quebrado monopólios, vendido empresas estatais e tentado desmontar a CLT. Ou, ainda, que o país tenha se tornado "o paraíso para investimentos internacionais" e que os movimentos sociais tenham passado a ser criminalizados e desqualificados como forças reacionárias contrárias à modernização.
Esse tipo de lista genérica esconde o conteúdo de cada um desses atos. Na verdade, ocorreu uma tentativa criminosa de quebrar o Estado e transformá-lo no principal freio ao desenvolvimento econômico. Ele quebrou somente monopólios estatais, enquanto estimulava a monopolização e a oligopolização privada. A pretensa venda de empresas estatais foi, em geral, uma transferência nebulosa de ativos públicos para o setor privado estrangeiro e nacional, quase no estilo mafioso russo. E os investimentos estrangeiros vieram apenas para lucrar nesses negócios escusos e no cassino das bolsas de valores, ou para fechar indústrias concorrentes.
Nessas condições, os anos FHC não foram uma década perdida para seus autores, nem um fracasso para a inserção subordinada do país na economia internacional. Eles conseguiram legar às gerações futuras uma herança contra-revolucionária extremamente complexa, com um Estado quase desmontado, incapaz de planejar e projetar, e com visões econômicas ainda fortes, para as quais políticas industriais estão fora de moda, crescimento e consumo sempre geram inflação e elevar a renda dos pobres é populismo.
Essa caminhada só foi momentaneamente paralisada porque os resultados de seu programa de governo introduziram uma cunha profunda na massa da burguesia, ao beneficiarem somente a um pequeno setor dessa classe, e porque os movimentos populares souberam aproveitar-se das contradições no meio da burguesia para derrotar eleitoralmente aquele setor.
Assim, a rigor, ao invés de revolução silenciosa de FHC, o que ocorreu foi uma contra-revolução inacabada. E, no caso da vitória de Lula, ela foi, no máximo, uma revolução cultural, o que já é muito para um país em que a hegemonia ideológica e política das classes dominantes ainda é avassaladora.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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