Médicos do povo para o povo
Emir Sader
Há
10 anos que se estão formando as primeiras gerações de médicos de
origem pobre na América Latina. Não estão sendo formados pelas
excelentes universidades publicas latinoamericanas, que têm os melhores
cursos tradicionais de medicina do continente. Nem falar das
universidades privadas.
Eles estão sendo formados pelas Escolas Latinoamericanas
de Medicina, projeto iniciado há 10 anos em Cuba e que agora já conta
com uma Escola similar na Venezuela e tem projeto de ampliar-se para
países como Bolívia e Equador. São selecionados estudantes por cotas de
movimentos sociais-originários do movimento camponês, do movimento
negro, do movimento sindical, do movimento indígena e de outros
movimentos sociais -, se tornam alunos do melhor curso de medicina
social do mundo e retornam a seus países para praticar os conhecimentos
adquiridos não na medicina privada, mas na medicina social, pública,
nos lugares que os nossos países mais precisam, sem contar normalmente
com os médicos formados nas universidades tradicionais.
Cuba transformou uma antiga instalação militar - a
Academia Naval Granma - em uma universidade médica latinoamericana,
para que milhares de jovens privados de estudar medicina nos seus
países, possam ter acesso a esse curso em Cuba e retornem a seus países
para atender necessidades que não são contempladas pela medicina
tradicional.
Além da melhor medicina social que se pode dispor hoje
no mundo, os alunos recebem formação histórica sobre o nosso
continente, respeitando-se as convicções - políticas, religiosas - de
cada aluno. "Médicos dispostos a trabalharem onde for preciso, nos mais
remotos cantos do mundo, onde outros não estão dispostos a ir. Esse é o
médico que vai ser formar nesta Escola" - dizia Fidel na inauguração da
Escola.
A primeira turma se formou em 2005. Formar um médico nos
EUA custa não menos de 300 mil dólares. Cuba está formando atualmente
mais de 12 mil médicos para países do Terceiro Mundo, em uma
contribuição inestimável para os povos desses países. Mesmo passando
dificuldades econômicas nas duas ultimas décadas, Cuba não diminuiu
nenhuma vaga na Escola
Latinoamericana de Medicina - como, aliás, nenhuma vaga nas escolas cubanas, nem nenhum leito em hospital.
Desde a formação da primeira turma, em 2005,
graduaram-se médicos de 45 países e de cerca de 84 povos originários.
Formaram-se 1496 médicos em 2005, 1419 em 2006, 1545 em 2007, 1500 em
2008, 1296 em 2009. Os três países que tiveram mais médicos formados na
Escola são Honduras, com 569, Guatemala, com 556 e Haiti, com 543.
Atualmente mais de 2 mil
alunos estudam na Escola. A procedência social deles é
em sua maioria operários e camponeses. As religiões predominantes são a
católica e a evangélica.
A Escola em Cuba - em uma cidade contigua a Havana - é
integrada por 28 edificações numa área de mais de um milhão de metros
quadrados, onde os estudantes recebem o curso pré-medico e os dois
primeiros anos do curso de medicina, de ciências básicas. Depois os
alunos recebem o "ciclo clínico" nas 13 universidades médicas
existentes em Cuba. O corpo geral de professores é de mais de 12 mil.
O Brasil também já conta com cinco gerações de médicos,
formados na melhor medicina social, sem que possam exercer a profissão,
propiciada pela generosidade de Cuba. Os Colégios Médicos tem
conseguido bloquear esse beneficio extraordinário para o povo
brasileiro, alegando que o currículo em que se formara, não corresponde
exatamente ao das universidades brasileiras - uma forma corporativa de
defender seus privilégios.
As nossas universidades públicas costumam ter as vagas
ocupadas por alunos que se preparam muito melhor que a grande maioria,
por dispor de recursos econômicos que lhes possibilitam ter formação
muito superior às dos outros. Assim, em geral tem origem na classe
média alta e na burguesia, que desfrutam da melhor formação que as
universidades públicas possuem, gratuitamente, sem que a isso
corresponda a contrapartida de exercer medicina social, nas regiões em
que o país mais necessita.
Essas instituições corporativas não devem se preocupar,
as centenas de médicos formados na Escola Latinoamericana de Medicina
não abrirão consultórios nos Jardins de São Paulo, na zona sul do Rio
ou em outras regiões ricas das capitais brasileiras. Eles irão fazer a
medicina social que o Brasil precisa, atendendo a demandas que não são
atendidas pelos médicos formados nas melhores universidades públicas
brasileiras, mas que derivam seus conhecimentos para atender a
clientelas privadas, em condições de pagar consultas e tratamentos
caros.
As negociações para o reconhecimento dos diplomas dos
jovens médicos solidários formados em Cuba estão em desenvolvimento,
com apoio do governo brasileiro, mas ainda não chegaram a uma solução
que permita o aporte dessas primeiras gerações de médicos brasileiros
de origem popular.
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