Ainda a sociedade industrial |
Escrito por Wladimir Pomar - Correio da Cidadania | |
Foi na onda neoliberal de superar a sociedade industrial que FHC e sua
trupe quase conseguiram quebrar a sociedade industrial capitalista que
vinha sendo construída no Brasil. Ao invés de buscarem alternativas
soberanas às dificuldades de reprodução do capital, no contexto da nova
globalização capitalista, subordinaram o país às pretensões das grandes
corporações transnacionais - CTN.
As CTN pretendiam manter as informações sob seu controle, incorporar
empresas nacionais para manter as lucrativas e fechar as inviáveis,
realocar suas plantas produtivas em países agrários e aproveitar-se do
menor custo da mão-de-obra, tudo para elevar sua taxa média de lucro,
ou sua margem de rentabilidade, questão chave para a reprodução
ampliada do capital.
O governo brasileiro de então esnobou as experiências de países como a
China e a Índia, que abriram suas portas aos capitais estrangeiros, mas
sob a condição de instalarem plantas novas, para o adensamento das
cadeias produtivas industriais nacionais, além de transferirem
informações tecnológicas e também abrirem o comércio mundial a elas.
Nessas condições, enquanto no Brasil a globalização capitalista,
pretensamente pós-industrial, quebrou indústrias e intensificou o
desemprego e a precarização do trabalho, naqueles e em outros países da
Ásia ela contribuiu para que a indústria se desenvolvesse em ritmo
rápido e a classe operária industrial crescesse bem mais do que em todo
o período de industrialização da Europa e Estados Unidos.
Em menos de 30 anos, a China e outros países asiáticos desenvolveram
uma sociedade industrial que tende a superar as sociedades industriais
européia e norte-americana. A emergência da China, ainda considerada
improvável por boa parte do pensamento de esquerda e de direita até o
início do século XXI, colocou o Brasil e o resto do mundo diante de
questões inusitadas, tanto a respeito do industrialismo quanto da
relação da economia com as questões ambientais, sociais e políticas.
Embora exista muita gente que continue separando a economia não só do
meio ambiente, mas também das questões sociais e políticas, os exemplos
da China, Brasil e outros países emergentes mostram justamente que não
é possível fazer essa separação.
No caso da China, diante do passivo ambiental de quase seis mil anos de
história, a maior parte não-industrial, que utilizou ao máximo seus
recursos naturais, a construção de uma nova sociedade industrial vem
sendo fundamental na criação das condições materiais para superar
aquele passivo, embora inicialmente tenha contribuído para agravá-lo.
No caso do Brasil, cujo passivo ambiental também é enorme, apesar da
história relativamente curta de sua civilização, será difícil acertar
as contas com aquele passivo se o país não desenvolver uma forte
sociedade industrial. Nesse sentido, as pessoas que continuam separando
meio ambiente de economia e bem-estar social não entenderam nada. O
Brasil precisa buscar a sustentabilidade ambiental ao mesmo tempo em
que deve alcançar a sustentabilidade social e política e ser
industrialmente competitivo, num mundo globalizado.
Essa equação, na sociedade de classes em que vivemos, na qual os
interesses do capital ainda são hegemônicos e dominantes, não é fácil
de elaborar nem solucionar, mesmo estando no governo. O exemplo do
Pré-Sal é significativo. Trata-se de um recurso mineral altamente
poluente, mas cuja exploração pode contribuir para elevar a riqueza
social do país a um novo patamar, assim como para avançar em muitos dos
problemas relacionados ao meio ambiente.
Diante disso, o governo Lula tenta colocar em prática um novo marco
regulatório, no qual o sistema de partilha predomine nas parcerias do
Estado com a iniciativa privada na exploração dos recursos. A Petrobras
será a parceira estatal exclusiva e a Petrosal a estatal reguladora.
Além disso, o governo se empenhou para que todos os estados brasileiros
partilhassem dos royalties gerados pela exploração, e para que fosse
criado um fundo social, a ser aplicado em educação, ciência e
tecnologia e redução da pobreza.
Alguns setores políticos consideram insuficientes as medidas propostas
pelo governo. Defendem o total controle do Estado sobre o Pré-sal,
embora tal controle esteja assegurado. Na verdade, o que eles defendem
é a proibição da participação privada, nacional e estrangeira, na
exploração e produção. Porém, não sugerem de onde o governo brasileiro
deve tirar os recursos necessários para desenvolver essa exploração e
produção a curto e médio prazos.
Por outro lado, como não poderia deixar de ser, o tema envolve ainda a
contradição de se desenvolver uma fonte energética suja e finita, num
momento em que o mundo e o Brasil se esforçam para ampliar o uso de
fontes limpas e renováveis. Essa contradição só pode ser resolvida
satisfatoriamente se o pré-sal, como Lula tem dito, for um passaporte
para o futuro. Ou seja, se as demandas e os recursos utilizados para
sua exploração resultarem no adensamento das cadeias industriais
brasileiras, no resgate do débito social (maior redistribuição de
renda, educação, saúde e melhores condições de moradia, saneamento e
transportes), na proteção e recuperação do meio ambiente e no
desenvolvimento científico e tecnológico.
Do mesmo modo que o pré-sal, a sociedade industrial da qual fará parte
contém contradição idêntica. Sua equação e solução dependem do
desenvolvimento e do direcionamento que forem dados às riquezas
geradas. O que, por sua vez, dependerá da correlação das forças
políticas e do desenvolvimento da luta de classes no interior da
sociedade capitalista. É principalmente aí que economia e questões
sociais e ambientais e políticas se encontram.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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