JOÃO QUERIDO RIPPER
Por Marcelo Salles,
Ele chega em mangas de camisa, preta, e
calça bege. Usa óculos e tem sempre uma expressão serena, que parece
eterna. A primeira coisa que transmite é paz. Encontro o repórter
fotográfico João Roberto Ripper em Brasília, na casa do diplomata Celso
França, que preparou uma calorosa recepção. Na terça-feira, dia 23,
Ripper inaugura a exposição “Mulheres entre luzes e sombras”, no Espaço
Cultural Zumbi dos Palmares, na Câmara dos Deputados.
De acordo com o rilisi, a exposição mostra “o paralelismo entre as
realidades de mulheres exploradas, violadas, ameaçadas e livres com a
evolução histórica do seu papel na sociedade brasileira. Ao lançar o seu
olhar sobre o assunto, Ripper contamina a todas e todos sobre essa
questão tão antiga e tão importante na atualidade – a quem pertence os
corpos das mulheres?”.
Mulheres, camponeses, índios, favelados, carvoeiros, canavieiros, a
gente mais explorada pelo sistema capitalista. São esses os que movem
Ripper, que nos últimos seis anos alugou uma casa na favela da Maré, no
Rio de Janeiro, onde coordena um curso de fotografia na Escola Popular
de Comunicação Crítica.
O mergulho de Ripper na favela gerou frutos. Os alunos formados por
ele – e outros professores extremamente competentes, como Dante
Gastaldoni e Évlen Bispo – já são centenas. Mais que isso, estão sendo
formados professores capazes de interpretar a realidade sem o filtro das
corporações de mídia.
Nesse ponto Ripper comenta: essa mídia acusa o governo Lula de querer
censurar a imprensa, mas na verdade ela é a grande censora. O exemplo
que ele dá é o da favela. Na medida em que a favela só vira notícia
quando há algum tipo de violência (geralmente tiroteios entre
traficantes varejistas ou entre estes e policiais), a mensagem que fica
é: na favela só há violência, bandidos. A favela passa a ser,
consequentemente, o mal na terra.
Se considerarmos os níveis alarmantes da concentração midiática no
Brasil (ex.: seis emissoras privadas de tv e uma pública recém-nascida
para 190 milhões de habitantes); e se considerarmos que essas emissoras
privadas, que detêm mais de 90% da audiência, defendem o mesmo projeto
político-econômico, ou seja, as ditaduras civil-militares, estrutura
neoliberal que prega o Estado fraco, a exploração dos povos e o
enriquecimento dos monopólios privados; então a consideração de Ripper
fica muito nítida.
Hoje a censura não está no Estado, mas nas Redações, em grande parte
financiadas pelo poder econômico. É o que confirma pesquisa divulgada
pelas Nações Unidas, em 2002, com chefes e ex-chefes latino-americanos. A
pergunta foi: “Quem exerce o poder na América Latina?”. A resposta: 1)
Os grupos econômicos, empresários, o setor financeiro; 2) Os meios de
comunicação; 3) Os poderes constitucionais – Executivo, Legislativo e
Judiciário; 4) As Forças Armadas, a polícia; 5) Partidos políticos, os
políticos, operadores políticos, líderes políticos; 6) EUA, a embaixada
norte-americana, organismos multilaterais de crédito, o fator
internacional, o fator externo, empresas transnacionais.
Essa é a grande batalha política do nosso tempo. “O jornalismo está
implicado numa dinâmica, a disciplinariedade, que é, desde o século
XVIII, a principal estratégia de poder”, anota a professora da USP Mayra
Rodrigues Gomes, no livro “Poder no jornalismo”. A mídia, hoje, é a
instituição com maior capacidade de produção e reprodução de
subjetividades. Ou seja: é a mídia quem, em grande parte, determina
formas de pensar, sentir e agir dos indivíduos e da sociedade como um
todo. Claro que há outras instituições fortíssimas (Família, Igreja,
Governos, Escola…), mas a mídia ganha papel de destaque nos dias de hoje
basicamente por três razões:
1) o desenvolvimento das tecnologias, que permitem um maior alcance
das mídias (outdoor, televisão, rádio, revista, publicidade em ônibus,
em prédio, internet, sites, vídeos, cinema, jornal, orkut, twitter
etc.), de modo que para o cidadão é praticamente impossível evitar as
mensagens da mídia 2) A extrema concentração, conforme mencionado acima;
e 3) O analfabetismo e analfabetismo funcional da população. Segundo o
Instituto Paulo Montenegro, em pesquisa divulgada em 2005, apenas 26% da
população entende o que lê. Para além da limitação causada pelo
analfabetismo ao indivíduo, esse dado joga peso para rádios e tevês, que
são concessões públicas, mas que se encontram sob o controle de
corporações privadas, cujos interesses divergem dos interesses da nação e
de seu povo.
Quem continua ignorando o papel das corporações de mídia, que não é
meramente informativo, como dizem, e sim o de grande sustentáculo do
sistema opressivo, ou é desqualificado ou está mal intencionado.
Por tudo isso, o trabalho de Ripper é um convite à resistência. Ao
mesmo tempo em que dá visibilidade aos que historicamente são
marginalizados pelo sistema, e assim fortalece indivíduos e movimentos
sociais que lutam, o repórter fotográfico é, ele mesmo, um exemplo de
que é possível trabalhar com dignidade sem se submeter aos tiranos. E
assim a gente segue, fazendo mídia, enquanto os medíocres vão fazendo
média por aí.
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