Léo Lince - Portal do PSOL |
Nos tempos do saudoso Carlito Maia, quando era "pequeno e insolente", o Partido dos Trabalhadores fazia congressos bem mais animados. Mais criativos e sintonizados com o dinamismo que lhe chegava dos conflitos sociais. Agora, "grandalhão e indolente", o partido aderiu ao figurino "prêt-à-porter" da ordem dominante. Marqueteiro americanizado, brilho de aluguel, confete arremessado na boca dos canhões de luz. Um espetáculo.
A matriz do debate e resoluções congressuais, antes ancorada nas
demandas da cidadania, emana agora da "estadania", aquele espaço onde o
continuísmo conservador elabora os seus múltiplos disfarces. Máquina
eleitoral acoitada na máquina do Estado, o PT não "tomou o poder", foi
tomado por ele. Embarcou no bonde da ordem dominante, sentou na
janelinha e opera como ferramenta a serviço dos novos barões
assinalados.
No entanto, é curioso notar que, apesar de já bem consolidado esse
"passamento", o petismo ainda conserva o dom de iludir alguns e de
assustar os setores mais desavisados da velha direita. Há, por um lado,
os que ainda se emocionam diante dos confetes: pedacinhos coloridos de
saudade dos bons tempos. Por outro lado, o jogo de cena - simulacro do
eterno e insuperável antagonismo entre a esquerda e a direita - cumpre
função importante na polarização cenográfica entre os que disputam a
gestão do mesmo modelo.
Afinal, estamos em ano de eleição geral e há uma disputa presidencial
na linha do horizonte. Em função de tal fato, foi facultado transformar
o primeiro dia do congresso em palco de perdidas ilusões. Foi um
Deus-nos-acuda. Os jornais abriram manchetes garrafais: "guinada à
esquerda". Defesa dos direitos humanos e de seu arquivado Plano
Nacional, taxação das grandes fortunas, redução da jornada de trabalho,
avanço na reforma agrária, controle democrático sobre o monopólio dos
meios de comunicação de massas, tudo isso foi aprovado no contexto de um
estranho silencioso consenso. Não houve, na tribuna do inexistente
debate, uma única ou escassa voz a questionar tais pontos. Uma beleza.
Antes de entoar alvíssaras, a cautela recomenda prestar atenção no
entorno histórico e conjuntural do evento. Ricardo Berzoine, o
presidente que saía, e José Eduardo Dutra, presidente entrante, portanto
figuras postadas no vértice partidário, cuidaram de explicar aos
patrocinadores, em tempo real, o sentido da "guinada". Os dois disseram
mais ou menos a mesma coisa: são apenas diretrizes, algo mais genérico
possível, serão submetidos à candidata, aos aliados, aos setores da
sociedade, sindicatos, empresários. Ou seja, não vale o escrito: é
vento.
No encontro petista que antecedeu a última eleição geral também foi
aprovada uma resolução, tão positiva quanto as atuais, que exigia a
anulação do vergonhoso leilão da Vale. O governo, afinado ao modelo
dominante, era contra e a maioria do partido, acoitada na maquina de
governo, não moveu uma palha. Como no caso da propaganda contra as
privatizações no segundo turno da mesma eleição presidencial, são
palavras ao vento, papel sem lastro.
Os dirigentes de turno da máquina petista podiam até se poupar. Não
carecia o vexame da explicação. Os magnatas supremos do grande capital
estão tranqüilos. Tratam direto com a chefia geral. Passeiam rindo suas
bocas vorazes pelos balcões do Banco Central, do BNDES, fundos de
pensão, onde se acertam sobre o mais espantoso processo de concentração
de poder da história brasileira. As incorporações, apropriações e
mega-fusões, tudo escorado nas arcas do tesouro, são a nova face da
privatização, o novo surto do velho choque de capitalismo.
Aliás, o presidente Lula cuidou de encomendar, nas vésperas do
congresso petista, entrevista exclusiva ao "Estadão". Entre os
destaques, dois recados. Aquele que define o congresso petista como "uma
feira de produtos ideológicos", compra quem quer. E, no estilo Laudo
Natel, respondeu que o único estado forte que ele admite é o "Estadão",
referindo-se ao jornal que é o símbolo mais vetusto do conservadorismo
brasileiro.
Quem predica uma agenda de mudanças que não praticou em sete anos de
governo faz por merecer a desconfiança geral. As resoluções aprovadas,
todas positivas, podem até freqüentar a retórica dos palanques de
campanha, mas carregam a insustentável leveza da mentira cenográfica.
Léo Lince é sociólogo e mestre em
ciência política
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 2 de março de 2010
Guinada cenográfica
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário