O preço da soberba: o Inter “preservou” tanto seu time que ele ficou em Porto Alegre
Havia
algo de estranho no ar. Um certo aroma de anti-clímax. Milhares de
colorados atravessaram mares e continentes para chegar aos Emirados
Árabes. A confiança era grande. Muito grande. Mas havia algo de estranho
no ar. Diferente do que ocorreu no Japão. Uma coisa chamou-me a atenção
nos últimos dias. As entrevistas de jogadores, dirigentes e do técnico
do Inter falavam do “nervosismo da estreia”, do “frio na barriga”, dos
terríveis “minutos iniciais”. Não era a primeira vez que o Colorado
participava de uma competição desse porte. Esses discursos pareciam
dizer o contrário. Já entre a torcida o clima era de máxima confiança e
esperança, razão que levou milhares de pessoas a viajar milhares de
quilômetros.
No fim, o problema não foi o “frio na barriga” ou os “minutos
iniciais”. Ao final do jogo, os comentaristas esgrimiam suas primeiras
teses classificando a derrota do Inter para o Mazembe de “fiasco”,
“vexame”. O Inter perdeu para um time ruim, repetiam em coro. O Mazembe
pode até ser um time ruim. Mas, nos 90 minutos, o time ruim foi o
Internacional. O Mazembe teve um goleiro que defendeu todas as bolas
chutadas pelos atacantes colorados. Já o goleiro colorado não defendeu
as duas que os africanos dispararam. A pontaria dos atacantes africanos
funcionou. Já a do “ataque” colorado…A defesa e o ataque do Inter foram
muito ruins. O time da República Democrática do Congo esbanjou força,
confiança e eficiência. Não tiveram frio na barriga em nenhum momento do
jogo.
Pior é ouvir, ao final do jogo, o inabalável Alecsandro dizer que fez
uma boa partida no primeiro tempo e que só não fez um gol porque Tinga o
atrapalhou. Aí podem ser encontradas algumas razões para a derrota. A
permanência desse rapaz na equipe, após meses de repetidas atuações
medíocres, é indicativo de uma certa soberba que aposta no valor de
alguns supostos “medalhões”. Especialista em auto-promoção e em
entrevistas sempre generosas consigo mesmo, o centroavante colorado saiu
de campo repetindo o mesmo mantra de sempre: joguei bem. Imagine quando
jogar mal.
Mas certamente ele não é o único responsável pela derrota. Os maiores
responsáveis são os dirigentes do Inter e o técnico Celso Roth que
passaram o segundo semestre repetindo que era preciso poupar o time para
o Mundial. Após ganhar a Libertadores, o Inter arrastou-se pelo
Campeonato Brasileiro, repetindo medíocres atuações, mais ou menos como a
de hoje. Maior tempo de posse de bola e absoluta incompetência
ofensiva. Toca pra cá, toca pra lá. Bola para Kleber. Chuveirinho pra
área. Alecsandro sempre escondido atrás dos zagueiros, esperando uma
falha da defesa. Na saída do jogo, um torcedor definiu bem esse quadro: o
Inter passou seis meses sem jogar e acreditou que, num passe de mágica,
voltaria a jogar bem em um jogo decisivo. Jogou exatamente o que vinha
jogando.
Foi um fiasco, é verdade. Mas isso não é o principal. A derrota do
Inter para o Mazembe mostrou que o futebol tem sua racionalidade
própria. Na imensa maioria das vezes, vitórias e derrotas não são fruto
do acaso, tem boas razões a explicá-las. O problema do Inter não foi o
frio na barriga ou o nervosismo da estreia. O problema foi uma decisão
equivocada de sua direção e de sua comissão técnica que desprezaram a
ideia de que a qualidade no futebol tem a ver, entre outras coisas, com
repetição, com a atitude de mudar o que não está funcionando. Não foi o
nervosismo da estreia que derrotou o Colorado. Foi a soberba dos
senhores Fernando Carvalho, Vitória Pífero e Celso Roth que acreditaram
que o futebol apareceria num estalar de dedo, após meses guardado no
armário, para se preservar. O Inter preservou tanto o futebol que foi
campeão da Libertadores que ele acabou ficando em Porto Alegre. Agora é
tarde. É enfiar a viola no saco e aguentar a flauta dos gremistas que
não esperavam um Natal tão generoso. Resta o consolo (pequeno para um
torcedor, é verdade) de que o futebol tem algo a nos dizer sobre a vida,
seus acertos e erros. Os fiascos e os sucessos não caem do céu. Eles
são cuidadosamente tecidos no dia-a-dia.
Foto: Alexandre Lops (Site do Sport Club Internacional)
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