Frei Marcos Sassatelli no Correio da Cidadania | |
O ministro da Fazenda Guido Mantega afirmou que o novo governo terá
"torneiras fechadas" e repetiu várias vezes que é necessário "frear
gastos públicos". Acrescentou que "todos os ministérios terão de dar a
sua contribuição". Declarou também que negociar um salário mínimo
superior aos R$ 540 previstos no projeto de Orçamento-2011 é "uma ameaça
à consolidação fiscal".
Disse ainda "ser fundamental que não sejam aprovados projetos em
tramitação no Congresso, como a PEC 300, que eleva salários na área de
segurança". Além de "cortar despesas de custeio e aumentar a poupança
pública", o ministro "se comprometeu a economizar o suficiente para
reduzir a dívida pública de 41% para 30% do PIB em 2014" (Folha de S.
Paulo, 25/11/10, p. A6).
Como se pode perceber pela fala do ministro, está claro que - embora
mudando algumas pessoas - a política econômica continua a mesma. Ela
está voltada para os interesses do grande capital. "Mudança, mas sem
virada de mesa. Executivos do mercado de capitais viram na indicação da
equipe econômica da presidenta eleita, Dilma Rousseff, um esforço de
renovação, porém, conservando o status quo longamente testado e
aprovado" (Ib., p. A8).
O povo empobrecido, oprimido e excluído continuará recebendo do poder
público "esmolinhas" para que não se revolte e para que continue
alimentando o "populismo" dos nossos governantes, tão necessário para
fins político-eleitoreiros.
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar fechadas para o desvio de
verbas, para o superfaturamento nas licitações públicas, para os
mensalões, para a barganha política na distribuição de cargos, para a
prática da corrupção e para todos os gastos desnecessários, como, por
exemplo, a compra do Aerodilma.
Quem leu a notícia "governo negocia a compra de novo avião presidencial"
e tem um mínimo de senso de justiça deve ter ficado profundamente
indignado. É um acinte que subestima a inteligência do nosso povo. Não
dá para entender como um governo que pretende ser "dos trabalhadores"
(mas que, de fato, traiu "os trabalhadores") se preocupe tanto com
posturas ostensivas e luxuosas. Parece que os nossos governantes estão
se lambuzando com o poder às custas do povo sofrido. Lembrem-se de que
não é o cargo que dá valor e dignidade à pessoa humana, mas é a pessoa
humana que dá valor e dignidade ao cargo.
O Aerodilma "custa até cinco vezes os US$ 56,7 milhões (…) pagos em 2005
pelo Aerolula, um Airbus-A319 em versão executiva". Que vergonha! As
próprias autoridades estão escondendo a cara. "Justificar tal despesa
seria complicado, como foi em 2005, e seria fonte certa de desgaste para
Dilma (…) Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer, e a nova
compra está sendo camuflada por uma necessidade real" (Folha de S.
Paulo, 29/11/10, p. A12). Vejam só a preocupação do nosso governo. É
realmente ridículo. É realmente assustador ver tanta irresponsabilidade.
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar abertas para implementar
políticas públicas que criem condições permanentes de vida digna para o
nosso povo (isso não se faz com "esmolinhas"); que defendam e promovam
os direitos humanos; que implantem um sistema de educação pública de
qualidade, um sistema de saúde com atendimento respeitoso e competente,
um verdadeiro sistema de segurança (sem violência policial); um
transporte coletivo eficiente; enfim, políticas públicas voltadas para a
geração de empregos com salário justo para todos, principalmente para
os jovens, tirando-os do mundo da violência e das drogas (não com
salário mínimo de R$ 540, que é uma afronta aos trabalhadores(as)).
Isso, sim, significa "virar a mesa" e pôr em prática uma política
econômica diferente, uma política econômica humana e a serviço do bem
comum.
Infelizmente, no sistema capitalista neoliberal, as relações econômicas,
internacionais e nacionais, são estruturalmente criminosas e
assassinas. Matam os pobres paulatinamente. Basta lembrar que, em 2009, o
governo gastou 36% do orçamento da União (380 bilhões de reais) para
pagar os juros da dívida pública, enquanto gastou 4,8% para a saúde e
2,8% para a educação. Trata-se de uma verdadeira sangria, que torna os
ricos sempre mais ricos à custa dos pobres sempre mais pobres.
Por que o governo, dito "popular" e "dos trabalhadores" (não "dos
capitalistas"), não promove uma auditoria a respeito da dívida pública,
interna e externa, como seus membros sempre defenderam antes de chegar
ao poder? A própria Constituição Federal de 1988, a respeito da dívida
externa, diz que o governo deve fazer a auditoria, no prazo de um ano, a
partir da data de sua promulgação. Não o fez. Por quê?
Se o governo promovesse a auditoria da dívida pública, descobriria quem
fez a dívida, como o dinheiro foi usado, quem se beneficiou (não foi,
certamente, o povo) e, talvez, descobriria que, na realidade, a dívida
já foi paga muitas vezes e que o credor é o próprio povo. Isso poderia
justificar, legal e moralmente, o cancelamento e o não pagamento da
dívida pública e o PIB poderia ser usado integralmente para implementar
políticas públicas em benefício do povo.
Mas, mesmo admitindo a hipótese que, depois da auditoria, sobrassem
algumas dívidas (o que é muito improvável), o governo teria a obrigação
moral de pagar a dívida só depois de resolver os problemas sociais
básicos do nosso povo e depois que todos tivessem uma vida humana digna.
Isso justificaria a moratória.
Graças a Deus, ainda tem muita gente que acredita num "outro mundo
possível" e num "outro Brasil possível". E é por isso que continua
lutando para que o "sonho" se torne realidade. "Vem, Senhor, não tardes
mais, és o anseio das nações! Vem curar os nossos 'ais' e expulsar as
opressões!" (Canto litúrgico do Advento).
Frei Marcos Sassatelli, Frade Dominicano, doutor em Filosofia (USP) e
em Teologia Moral (Assunção - SP) e membro da Comissão Dominicana
Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO, Vigário Episcopal do Vicariato Oeste
da Arquidiocese de Goiânia e administrador paroquial da Paróquia Nossa
Senhora da Terra.
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Torneiras fechadas e torneiras abertas
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