Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania | |
Na tarde de 2 dezembro, noite em Zurique, a FIFA elegeu as sedes das
duas Copas do Mundo que serão jogadas após a edição em terras
brasileiras. Para 2018, deu Rússia, que deixou para trás Inglaterra,
Holanda/Bélgica e Espanha/Portugal. Quatro anos depois, a Copa irá pela
primeira vez ao Oriente Médio, mais precisamente à ilha da fantasia
chamada Catar, que bateu EUA, Coréia do Sul, Japão e Austrália.
Para os incautos, é possível ver surpresa nas escolhas, especialmente a
segunda. No entanto, a eleição dos dois únicos países da concorrência
ditos em desenvolvimento apenas confirma tendência que a entidade máxima
do futebol inaugurou no novo século, muito bem conectada com os
movimentos da economia e geopolítica globais. "Ambos possuem em comum o
futebol em desenvolvimento e fortunas a serem investidas", publicou o
Diário Lance.
Fora o abismo entre a tradição russa e catariana no esporte, o
diagnóstico é preciso. As escolhas recentes de África do Sul e Brasil
atestam o fato, assim como as Olimpíadas de Pequim (2008) e as
Olimpíadas de Inverno em Sochi, Rússia, em 2012. Tanto FIFA como COI
mostraram suas verdadeiras faces nos últimos anos, atrelando escolhas a
interesses econômicos, sob justificativa de desenvolver novos pólos, o
que vem sendo crescentemente desmascarado.
O real objetivo é a expansão de mercados, o que tem sentido
teoricamente, porém, não da forma que temos visto. Além do mais, o
processo de escolha foi recheado de escândalos. Uma equipe de reportagem
do Sunday Times mostrou, novamente, a fragilidade ética dos membros do
Comitê Executivo da FIFA. Passando-se por empresários americanos, os
jornalistas insinuaram pagar propina para que dois delegados votassem na
candidatura ianque, ‘acordo’ que acabou selado e prontamente divulgado
ao mundo. A FIFA afastou ambos temporariamente, deu punições brandas e
tocou o barco.
Para muitos, foi exatamente esse furo que minou a candidatura inglesa, a
que dispunha de maior infra-estrutura já construída, enorme tradição e
fanatismo pelo jogo e, já que a FIFA ama tanto dinheiro, trata-se do
centro futebolístico mais rico do mundo - é certo que de forma mais que
questionável, com ricaços se apoderando cada vez mais dos times e
ofendendo tradições, mas nada incômodo para os padrões da entidade.
Exatamente por isso, os ingleses são os mais inconformados. Mas não são
os únicos. O diário alemão Bild ironizou as escolhas: "Katarstrophe" era
sua manchete, em alusão ao oásis financeiro do oriente. Portugueses e
espanhóis também estão em fúria, acusando sem meias palavras que a
Rússia, liderada por Putin, maior representante da postulação, comprou a
vitória.
Essa é a atual realidade do futebol: a mercantilização do esporte vive
seu auge e poderosos agentes econômicos, de diversos setores, perceberam
esse excelente filão, muito atraente para seus empreendimentos e sob
forte chancela oficial, dos governos/contratantes, aliados de primeira
hora dos mercados e também ávidos pelos negócios que tais eventos
proporcionam.
Para alimentar essa ciranda, até conseguiram popularizar a falácia de
que uma Copa ou Olimpíada pode trazer enormes dividendos futuros para os
anfitriões, impulsionando inclusive o crescimento nacional. Tal
artimanha já foi desvendada por estudos de diversos economistas,
aclarando que nem no melhor dos casos a economia sofre pulsações muito
visíveis. Pelo contrário, a conta costuma fechar é no vermelho; o
‘capital’ moral e espiritual da população local, além da notoriedade do
momento, seriam os efeitos mais verdadeiros.
2010 e 2014 desnudam verdadeiras intenções
Em alguns casos, nem isso. A África do Sul já provou o quanto esse
modelo é cercado de embustes. Sua Copa custou caríssimo, a população
pobre e negra foi segregada do torneio, trabalhadores locais que
pretendiam capitalizar com o evento foram esmagados pela blindagem aos
patrocinadores oficiais e os funcionários contratados para trabalhar no
mundial foram constantemente enganados. Além de o governo ter bancando
sozinho os 8 bilhões de reais que custaram a festa.
No Brasil, que ainda falaremos muito em outras ocasiões, a coisa já anda
muito preocupante. Diversas licitações foram feitas nas coxas, as
principais obras em estádios (hiper-inflacionadas desde a saída, pois
pretendem atender a um modelo de estádio-shopping elitizador) já estão
loteadas entre as mais famosas e insuspeitas empreiteiras e Ricardo
Teixeira está envolvido em diversas falcatruas, como sempre na verdade.
A mesma imprensa inglesa que ‘corrompeu’ dois delegados da FIFA, neste
caso através da BBC, publicou matéria em que denunciava a ISL (empresa
de marketing da FIFA, falida em 2001 por inúmeras maracutaias, mas que
enriqueceu muitos amigos da entidade) de pagar, durante 10 anos,
propinas para dirigentes, entre eles o nosso ilustre Teixeira, que teria
recebido 17 milhões de reais no período. Outros delegados
sul-americanos da FIFA também aparecem. Por fim, a entidade acabou de
pagar US$ 5,5 milhões para arquivar um processo de corrupção na corte de
Zurique, o que mostra a grande utilidade na neutralidade deste pequeno e
pacato país.
Além disso, o Diário Lance descobriu o golpe que o cartola máximo de
nosso país pode dar com a Copa. Presidente da CBF e do Comitê
Organizador Local (COL), constituiu sociedade para administrar os lucros
da Copa. De um lado a CBF, com 99,9%; de outro Teixeira, auto-incluído,
com 0,01%. Note-se que ele está nos dois lados do balcão. Por fim,
pequeno contrabando no texto do contrato social do COL permite ao seu
presidente (Teixeira!) destinar os lucros para onde bem entender, sem
respeitar qualquer proporcionalidade. Ou seja, pode simplesmente
embolsar a montanha de grana que virá.
Isso porque na época da candidatura brasileira tal sociedade foi
constituída sem fins lucrativos. Após a vitória, mudou-se seu caráter.
Não é preciso dizer nada mais, até porque os demais integrantes da
equipe organizadora são da mesma estirpe: filha do João Havelange,
advogado do Daniel Dantas...
Homens de visão
Voltando ao ponto central, o Correio publicou matérias e artigos
corroborando a noção de que tais eventos têm sido direcionados a locais
com mais campo aberto para os negócios. Note-se que os dois eleitos
possuem muito mais necessidade de obras de infra-estrutura que os
demais, nos quais muito pouco teria de ser construído ou reformado.
E mais, são exatamente os dois mais frágeis em termos institucionais.
Como mencionou o célebre Wikileaks, através das palavras de um diplomata
americano, no melhor folhetim de fofocas da ‘alta sociedade’ de todos
os tempos, a Rússia é um Estado-máfia. Pura verdade. Foi a alta
burocracia do antigo regime que se apropriou das principais riquezas e
meios produtivos do país, configurando uma plutocracia com negócios pelo
mundo inteiro, vários com condenações internacionais.
Quanto ao Catar, não dá nem pra dizer que possui alguma
institucionalidade. Seus ‘donos’ fazem o que querem com a renda do
petróleo, criam cidades-cenários cheias de ostentação, ao passo que
controlam seu povo na mão de ferro. Regime despótico como os dos
vizinhos Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, que, aliás, nunca
sensibilizarão a nossa mídia, ao menos enquanto não contrariarem algum
interesse-chave dos EUA.
Dessa forma, a velha lógica de maximização dos lucros, tão em voga, toma
conta do futebol. Como disse Patrick Bond, professor e economista da
universidade de Kwa-Zulu Natal, na África do Sul, "o problema é que se
hipoteca grande parte do orçamento público em infra-estruturas que
reforçam o modelo de desenvolvimento neoliberal, em vez de se
concentrarem em uma aposta social e sustentável".
Bom, é sabido que desde 2008 tal modelo de ‘desenvolvimento’ está
completamente em xeque e, assim como outros momentos do capitalismo,
essa fase será suplantada por outros processos. A chamada Era de Ouro,
após a crise de 29, durou seus 40, 45 anos. A era neoliberal, inaugurada
nos 80, terá seus estertores e atingirá mais ou menos a mesma duração.
Se os homens da FIFA têm alguma noção de mundo, e sua esperteza mostra
que têm de sobra, devem estar calculando que tal modelo de luxo,
modernidade e altos custos para eventos esportivos também irá se
esgotar, principalmente após sucessivos golpes e frustrações nacionais
com as falsas promessas. Logo, nada melhor do que radicalizar tal
lógica, no que servem perfeitamente os dois países escolhidos, de modo
que o canto do cisne seja o mais rentável possível.
Para os torcedores, ficam as lamentações de ver o evento esportivo mais
festejado do mundo ser dominado pelos mesmos abutres que já nos
infernizam em todas as demais esferas da vida. E mais a vergonha de ver
uma paixão tão popular servir de ponte para diversas roubalheiras e
enriquecimento de gente espúria, como é o caso dos homens que integram
os principais cargos da FIFA, federações continentais, nacionais,
estaduais...
"Talvez o Blatter, de 74 anos, não viva para ver sua obra concluída.
Trata-se do coveiro do futebol", vaticina Mauro Cezar Pereira, da ESPN
Brasil, emissora quase solitária no combate aos desmandos que já ocorrem
em torno dos eventos marcados para o Brasil.
Busca-se dinheiro e mais nada. Não se respeita a liturgia do jogo, os
estádios são cada vez mais modernos e sem alma, os anunciantes cada vez
mais protagonistas. Não os conhecemos, não os queremos, muito menos os
elegemos, mas essa pequena camarilha pode tudo com o esporte mais
popular do mundo. A escolha de Rússia e Catar para sediar as Copas de
2018 e 2022 não surpreende. Apenas escancara que o futebol,
lamentavelmente, está na mão de mafiosos.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Copas na Rússia e Catar são o ápice da mercantilização do futebol
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