Wladimir Pomar* no Correio da Cidadania | |
Em seu discurso programático, a presidenta Dilma colocou em pauta um
problema ao mesmo tempo importante e polêmico. Ela afirmou que o apoio
aos grandes exportadores não é incompatível com o incentivo, o
desenvolvimento e o apoio à agricultura familiar e ao
micro-empreendedor. Com razão ela acentuou que as pequenas empresas são
responsáveis pela maior parcela dos empregos permanentes em nosso país e
merecerão políticas tributárias e de crédito perenes.
No caso específico dos grandes exportadores do agronegócio, ela também
poderia ter afirmado que o apoio ao esse setor da agricultura brasileira
não deve ser incompatível com o desenvolvimento e o apoio à agricultura
familiar. No entanto, ela apenas se referiu às políticas de apoio. O
que não exclui a necessidade de o governo, nessa questão concreta, levar
em conta que a lógica de desenvolvimento do agronegócio é contrária ao
desenvolvimento da agricultura familiar.
Não se pode negar que o agronegócio também gera empregos, embora muitas
vezes de má qualidade, e que sua tendência de mecanização, não só dos
tratos culturais, mas também das colheitas, reduz sua capacidade de
geração de empregos permanentes. Mas a questão principal, que deve
preocupar o governo no desenvolvimento do agronegócio em contraposição à
agricultura familiar, não é essa. É a divisão de trabalho estabelecida
na produção de alimentos, produção indispensável à reprodução saudável
da força de trabalho e de toda a população brasileira.
Nos últimos oito anos, apesar de todo o esforço do governo Lula para
apoiar a agricultura familiar, esta vem sendo paulatina e firmemente
engolida pelo desenvolvimento do agronegócio. Não se trata, no caso,
apenas de ter pena daquelas famílias cujas terras foram expropriadas por
dívidas bancárias ou outras e, em conseqüência, foram posteriormente
re-apropriadas pelo agronegócio. Trata-se também de levar em conta as
parcelas de agricultura familiar que estão sendo arrendadas a grupos
capitalistas do agronegócio para a produção de cana, soja e outras
commodities exportáveis.
Nestes casos, as famílias agrícolas podem até estar numa boa situação na
condição de rentistas. O problema que se coloca é o da segurança
alimentar e da inflação que pode advir de uma oferta muito inferior à
demanda, como está ocorrendo desde o final de 2010. Em termos concretos,
o agronegócio produz mais de 80% dos produtos agrícolas brasileiros,
enquanto a agricultura familiar é responsável por cerca de 20%.
Porém, quase 100% da produção do agronegócio é voltada para commoditites
que têm pouco peso na oferta alimentar. A agricultura familiar é
obrigada, portanto, a sustentar sozinha a oferta de alimentos. Se a
lógica do agronegócio continuar se impondo, mesmo que seja em termos
estritamente econômicos, abandonando o antigo e malfadado sistema
extra-econômico da grilagem, a oferta alimentar corre perigo de redução.
E a idéia de que o Brasil pode aproveitar suas condições de solo, água e
clima, para confirmar seu status de celeiro do mundo, certamente
naufragará.
Para evitar que essa tendência de redução das famílias produtoras de
alimentos continue se impondo, não bastam benefícios tributários e
créditos, embora estes sejam fundamentais. É preciso apoiar efetivamente
o processo de comercialização dos produtos, evitando que as famílias
agrícolas realizem a dupla missão de produzir e comercializar, ou de
produzir e vender a preços vis a atravessadores.
É preciso fazer com que os serviços de extensão rural apóiem a
cooperação agrícola no processamento daqueles tipos de alimentos que
podem ser industrializados, a exemplo das frutas. E ajudar as famílias
agrícolas e elevarem sua produtividade e produzirem a custos mais
baixos.
Finalmente, é preciso tratar do assentamento de alguns milhões de
camponeses, que continuam sem terra para produzir, como uma questão
estratégica para ampliar a produção de alimentos, evitando a escassez
desses produtos, baixando seus custos e impedindo que os alimentos sejam
o vilão do aumento da inflação.
O governo precisa ter em alta conta que, ao promover a expressiva
mobilidade social que ocorreu nos dois mandatos do presidente Lula, como
disse Dilma, ele elevou a pressão sobre a produção alimentar a um nível
que talvez não tenha dimensionado adequadamente. Se se efetivar o
compromisso da presidenta, de não descansar enquanto houver brasileiro
sem alimento na mesa, superando a pobreza que ainda existe, envergonha
nosso país e impede nossa afirmação plena como povo desenvolvido, a
pressão sobre os alimentos dará um novo salto.
Portanto, mesmo compreendendo que o agronegócio desempenha um papel
importante no desenvolvimento das forças produtivas e no desempenho das
exportações, e que a apoio a ele não deve ser negligenciado, talvez já
tenha passado a hora de continuar tratando a agricultura familiar como
uma questão secundária. Será um erro imperdoável esperar a crise que
será criada quando os milhões de brasileiros, que continuam a comer uma
vez por dia, ou menos do que isso, tiverem condições de comer três vezes
ao dia.
*Wladimir Pomar é analista político e escritor.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
A questão dos alimentos
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