Laurindo Lalo Leal Filho no Correio do Brasil
É uma falácia afirmar que a
convergência de mídias tornou obsoleta a discussão sobre propriedade
cruzada.
Formas de produção e circulação de dados e noticiários em
diferentes
plataformas não têm nada a ver com a propriedade cruzada. Esta diz
respeito a organização societária dos conglomerados e, o mais
importante, a sua abrangência sobre a sociedade.
A mídia derrotada
nas eleições presidenciais prossegue em campanha para pautar o novo
governo segundo seus interesses. A última é do Estadão de quinta-feira,
informando em manchete de primeira página que o governo desistiu de
incluir a propriedade cruzada no projeto de regulação da mídia.
O
blogueiro Eduardo Guimarães perguntou logo cedo ao ministro Paulo
Bernardo, via twitter, se isso era verdade. Resposta: “Bom dia, meu
caro! Basta ler a matéria para concluir que não decidimos nada. Quando
houver decisão enviaremos ao Congresso”.
É verdade, não há nenhum
dado concreto que confirme a manchete da capa: “Convergência de mídias
leva governo a desistir de veto à propriedade cruzada”.
O texto,
além disso estabelece uma confusão entre meios impressos e eletrônicos.
Chega a dizer que “propriedade cruzada é o domínio, pelo mesmo grupo de
comunicação, de concessões para operar diferentes plataformas (TV,
jornal e portais)”.
Mistura na mesma frase meios que legalmente
são concedidos pelo Estado em nome da sociedade (TV, e também o rádio)
com aqueles que operam em circuitos privados, sem interferência direta
do poder público, como jornais, revistas e portais na internet.
No
Brasil uma nova lei de meios tem que dar conta, entre outras coisas, de
dois tipos de regulação. Uma específica para o rádio e a TV cujos
concessionários ocupam o espectro eletromagnético, escasso e finito.
Outra dando conta da mídia em geral.
No primeiro caso, trata-se de
um bem público (o espectro eletromagnético) utilizado por particulares
que, por isso, devem se submeter a regras precisas de controle social.
Nada
ilegal ou arbitrário. Ao se candidatarem a uma concessão os
interessados deveriam deixar claro que tipo de serviço será prestado à
sociedade e de que forma.
Assinariam um compromisso com o Estado,
conhecido em alguns países como “caderno de encargos”, onde estariam
detalhados seus direitos e deveres. Ao final, o contrato deveria ser
avaliado pelo órgão regulador (hoje inexistente) podendo vir a ser
renovado ou não.
A lei atual, benevolente, estabelece um período
de dez anos para as concessões de rádio e de quinze para a televisão. E
as renovações são praticamente automáticas passando por trâmites
burocráticos, ainda que submetidas ao Congresso nacional.
O
segundo caso, referente aos jornais e revistas não tem nada a ver com
isso. São empreendimentos particulares que trafegam por canais privados.
Não se submetem a concessões como sugere o Estadão.
Mas nem por
isso podem deixar de se submeter à leis específicas, como a de imprensa
que garantia o direito de resposta e foi suprimida.
E também aos
limites da propriedade cruzada. O Estadão afirma que “o desenvolvimento
tecnológico tornou a discussão (sobre propriedade cruzada) obsoleta” e
que “o conceito de convergência de mídias, que consolidou o tráfego
simultâneo de dados e noticiários em todas as plataformas – da impressa à
digital -, pôs na mesa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um
projeto de concessão única”.
Nada mais falacioso. Primeiro porque
formas de produção e circulação de dados e noticiários em diferentes
plataformas não tem nada a ver com a propriedade cruzada. Esta diz
respeito a organização societária dos conglomerados e, o mais
importante, a sua abrangência sobre a sociedade.
A lei atual,
ainda que burlada, determina um máximo de cinco concessões de TV para o
mesmo grupo, em cidades diferentes, sendo cinco em VHF e cinco em UHF.
Mas não impede que esses concessionários sejam proprietários de jornais
ou revistas, por exemplo.
Pela lei implacável do mercado, a
tendência é que alguns grupos se tornem gradativamente hegemônicos em
suas regiões e mesmo no país.
Com isso passam a monopolizar todas
as formas de comunicação existentes, impedindo o confronto de idéias e
restringindo a diversidade cultural.
Os limites à propriedade
cruzada, portanto, devem ter como referência o tamanho do público
atingido pelas empresas de comunicações, sejam ouvintes, leitores,
telespectadores e até mesmo internautas. Junto com restrições mais
rigorosas à propriedade de diferentes meios nas mesmas áreas
geográficas.
É o que ocorre em países democráticos como forma de
evitar que o pensamento único se consolide. Trata-se de garantir a
liberdade através da multiplicação de vozes e não de restringi-la como
alardeiam os interessados em manter tudo como está. Apelando algumas
vezes, como se viu, para a confusão.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
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