quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A farra com o dinheiro do povo ou a podridão das instituições brasileiras

  Waldemar Rossi no Correio da Cidadania   
 
Os acontecimentos políticos do início deste ano de 2011 não poderiam ser mais reveladores do que vem ocorrendo no Brasil durante todos esses anos de vida republicana: um país marcado pela corrupção e podridão das suas instituições e descompromisso dos governantes com a vida do povo.
 
A começar pelo aumento acintoso, descabido e criminoso dos salários de deputados, senadores, ministros, presidente, governadores, vereadores. Um assalto aos cofres públicos! Assalto amparado pelo Poder Judiciário porque seus ministros se locupletam com tal medida, ajudando a afanar o povo. Ante tal disparate, impossível ser mais contundente do que a atitude de um bispo (cujo teor publicamos a seguir), embora tal notícia já tenha percorrido o país.
 
É bom lembrar:
 
"Bispo recusa comenda e impõe constrangimento ao Senado Federal"
 
"Num plenário esvaziado, o bispo cearense de Limoeiro do Norte, Dom Manuel Edmilson Cruz, impôs ontem um espetacular constrangimento ao Senado Federal.
 
Dom Manuel chegou a receber a placa de referência da Comenda dos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara das mãos do senador Inácio Arruda (PCdoB/CE). Mas, ao discursar, ele recusou a homenagem em protesto ao reajuste de 61,8% concedido pelos próprios deputados e senadores aos seus salários.                                   
 
"A comenda hoje outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi Dom Hélder Câmara. Desfigura-a, porém. De seguro, sem ressentimentos e agindo por amor e com respeito a todos os senhores e senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la’." (*)
 
É preciso dizer mais?
 
Agora nos chega outra notícia reveladora do compromisso prioritário do governo com os interesses do capital predador da natureza: o projeto para construção de dezenas de usinas nucelares no país. Outra vez me utilizo de um artigo - do Roberto Malvezzi - como ilustrador:
 
As Nucleares no São Francisco
Roberto Malvezzi (Gogó)
 
O governo Lula, agora Dilma, realmente decidiu arrancar dos porões da ditadura militar suas principais obras. Além da transposição do São Francisco, barragens e outras grandes obras de infra-estrutura, agora ressuscita o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil.
 
Combatida no mundo inteiro, recuou nos países da Europa, sobretudo depois do acidente de Chernobyl, onde a nuvem radioativa, além de causar uma tragédia na região, ameaçou pairar sobre a Europa.
 
No Brasil tivemos a dimensão do que pode ser com o simples fato de uma família de recicladores se encantar com um objeto luminoso em Goiânia, contaminando a si mesma e a região ao seu redor.
 
Temos ainda a experiência desastrosa das duas usinas atômicas de Angra dos Reis. Com muito custo, pouca utilização e ameaças constantes pela instabilidade da própria obra de engenharia, as usinas já serão desmontadas por esgotarem o prazo de validade de aproximadamente 40 anos.
 
Os rejeitos, fruto do "descomissionamento" – desligamento, desmontagem e armazenamento -, continuarão radiativos por aproximadamente mil anos.
 
As águas subterrâneas de Caetité, Bahia, onde estão nossas jazidas de urânio, estão contaminadas por radioatividade.
 
Agora o governo fala em construir pelo menos 50 usinas atômicas no Brasil, claro, começando pelo rio São Francisco. Certamente, nosso Velho Chico é mesmo a lixeira do Brasil.
 
O lugar ideal seria Belém do São Francisco, divisa do Sub-médio São Francisco com o Baixo, próximo às antigas cachoeiras de Paulo Afonso. O argumento é que ali vivem poucas pessoas (sic!), que já existe uma rede de distribuição de energia instalada e, claro, tem as águas do São Francisco. Além do mais, está próximo do Raso da Catarina, uma região pouco habitada, onde só Lampião sabia viver, considerada ideal como depósito de rejeitos.
 
Particularmente sou favorável a construção de nucleares, desde que a primeira seja feita na Praça da Sé, São Paulo. A segunda na praia de Ipanema, Rio de Janeiro. E a terceira, evidentemente, na Praça dos Três Poderes, Brasília. Se ali for seguro, então é seguro para o resto do Brasil.
 
Um final de artigo um tanto quanto irônico, mas contundente.
 
É doloroso ver essa cambada vir a público fazendo de conta que defende os interesses dos trabalhadores, como no caso do bate-boca em torno de alguns pingados reais a serem acrescidos ao mísero salário mínimo. Salário mínimo que deveria garantir a sobrevivência de milhões de brasileiros. Brasileiros que trabalharam 35, 40 e até 50 anos construindo as riquezas deste país.
 
Aos que produzem riquezas e constroem o país, migalhas. Aos sanguessugas da nação, milhões de reais que são retirados do orçamento para engordar seus salários astronômicos ou para garantir muita grana para empreiteiras ávidas de lucro fácil e, por cima, colocando em risco a vida do povo.
 
Se considerarmos as iniciativas do Legislativo, o apoio do Judiciário e os planos do Executivo podemos afirmar que realmente as instituições estão apodrecidas.
 
Diante dessa situação de degradação ficam algumas reflexões: será que o movimento social vai majoritariamente permanecer na expectativa dos rumos do governo Dilma com seus braços cruzados, como se nada disso tivesse a ver com a vida do povo? Será que iremos conviver mais oito anos na passividade, na cumplicidade das centrais sindicais e de outros movimentos, como aconteceu durante todo o governo Lula?
 
A saída está nas mãos do povo. Mas para isto é necessário que cada cidadão e cidadã consciente bote a boca no trombone, denuncie, explique, convoque à participação ao lado dos setores do movimento social que permanecem fiéis às lutas pelos direitos do povo.
 
(*) Grifo meu
 
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

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