O bairro 23 de Enero, em Caracas
por Luiz Carlos Azenha no Viomundo
Existe uma consistente crítica de esquerda a Hugo Chávez na
Venezuela. Em alguns círculos bolivarianos, a crítica se dirige ao
voluntarismo e ao militarismo do presidente. O jornalista e advogado
José Vicente Rangel, que já foi vice-presidente e ministro de Chávez,
mencionou as duas questões em uma entrevista com o presidente. Foi de
passagem, mas deu para notar um certo mal estar no entrevistado.
Na recente viagem que fiz ao país, além de reler A Venezuela que se inventa, de Gilberto Maringoni, li também Venezuela: La Revolución como espectáculo, de Rafael Uzcátegui, e La Herencia de la Tribu, de Ana Teresa Torres.
O primeiro trata das contradições entre o discurso nacionalista e
anticapitalista de Hugo Chávez e o fato de que o presidente, ao criar
empresas de economia mista para explorar o petróleo, em parcerias da
PDVSA com estrangeiros, na verdade criou um marco regulatório estável
para as petroleiras de fora; da proximidade do governo com a Chevron; da
subordinação do sindicalismo oficialista; da baixa tolerância à
dissidência.
O segundo livro explora o mito em torno do herói da independência da
Venezuela, Simón Bolivar, na tentativa de demonstrar como a associação
com Bolívar foi explorada politicamente ao longo da história do país.
Os dois livros enquadram Chávez muito mais como mantenedor de
práticas políticas antigas da Venezuela do que como verdadeiramente
revolucionário.
Durante a viagem estive no bairro 23 de Enero, que fica bem atrás do
palácio Miraflores, em Caracas. Na Venezuela se diz que quem controla
politicamente o 23 de Enero, um antigo bairro operário, controla o país.
O curioso é que, na mesma entrevista a José Vicente Rangel, Chávez
deu piruetas para agradar o bairro, naquele estilo retórico pomposo que é
tradição de nuestra America. O presidente disse que tinha nascido
espirituralmente lá.
A oposição venezuelana conseguiu avanços na recente eleição
parlamentar. Diz que teve 52% dos votos, contra 48% do governismo. Uma
demonstração, na avaliação dos oposicionistas, de que é possível
derrotar Hugo Chávez nas presidenciais de dezembro de 2012.
A criminalidade, a falta de alguns produtos da cesta básica e a
inflação alta podem ajudar a oposição, para não falar de uma certa
improvisação que marca as ações de governo. Doze anos de poder
desgastam. O problema é que, sob a aparente capa de unidade, a própria
oposição parece incapaz de arrancar tração política de sua atuação no
Congresso. A recente prestação de contas de ministros, transmitida ao
vivo por emissoras de alcance nacional, deixou isso claro.
A tônica do governo foi a de prestar contas sobre os dois mandatos de
Chávez, comparando os avanços do país neste período com o de governos
anteriores. Em resumo, pendurando o FHC no pescoço do Serra.
Chávez “fugiu para a frente” dos problemas do país. Numa recente
edição do programa Alô Presidente, assinou decreto desapropriando terras
para construir 150 mil casas até o final de 2011. Ou seja, lançou a
versão venezuelana do Minha Casa, Minha Vida. Curiosamente, o decreto
não incluiu expropriações, mas transferência de áreas públicas para o
programa habitacional.
Além disso, o governo venezuelano fez o cadastro de cerca de 500 mil
pequenos proprietários de terra para incorporá-los ao programa de
soberania alimentar (proporcionalmente ao PIB, a produção agrícola na
Venezuela cresceu muito pouco nos últimos 12 anos). O governo também
pretende facilitar o acesso popular ao crédito, o que talvez explique o
interesse de Chávez pelas ações da Caixa Econômica Federal brasileira.
Casa própria, incentivos à pequena burguesia do campo, acesso a
crédito. Que revolução é essa, diria a ultraesquerda venezuelana?
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