Ativistas na vida e na rede
Por: Letícia Cruz e Virgínia Toledo na Rede Brasil Atual
Conceição Oliveira, blogueira do www.viomundo.com.br/blog-da-mulher (Foto:Maurício Morais/Revista do Brasil)
“Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às 6 horas da
manhã...” O verso de Cotidiano, de Chico Buarque, retrata a rotina de um
casal nos anos 1970 e poderia traduzir a vida dessas mulheres. Elas
acordam cedinho, algumas levam filhos à escola e, depois, mãos à obra.
Passividade, porém, não é com elas. São ativistas, feministas,
femininas, blogueiras. As novas tecnologias abrem portas. Basta haver
conexão, computador, ou celular, e boas ideias. E essas mulheres têm
muitas. Para elas, a educação e o acesso à informação vão além das
paredes da escola e do papel da família – o espaço para o “embate” é
ilimitado.
Maria da Conceição Oliveira é dona do blog Maria Frô
(www.mariafro.com.br). Frô vem de Afrodite, deusa grega do amor, capaz
de deixar maluco o próprio Zeus. Mitologias à parte, a paulista nascida
em Santos se formou em História pela USP e sabe tudo de educação e
cultura. Ao receber a reportagem, nota-se que a polêmica sobre a
internet vir a acabar com o livro impresso não tem espaço em suas
estantes: “Minha casa é tomada por livros. Estão por todos os lados, não
se assustem!”
O colégio da filha é perto de casa, mas o trânsito...
“É infernal! Levar uma hora para ir até ali e voltar é sinal de falta
de política pública.” Pronto, pauta para o blog, que analisa o contraste
entre o mundo imaginário da mídia tradicional e o real. A facilidade em
se comunicar, segundo ela, vem da indignação: “Quando vejo o cotidiano
grotesco, preciso externar”.
Quem navega pelo blog de Maria Frô encontra um estilo
didático, sem firulas. Assim também no Blog da Mulher, dentro do site
Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, onde Frô assina Conceição
Oliveira. Ali, questões como preconceito racial e de gênero viram
grandes discussões. “É preciso ter preocupação com o leitor e deixar de
pensar que tudo é óbvio”, afirma. “Tento usar minha função de educadora
para desenvolver a leitura de uma maioria que não exercita isso.”
A imagem da mulher na mídia
Claudia Cardoso, do blog Dialógico, que aborda política e o cotidiano
no Rio Grande do Sul, não o alimenta com regularidade desde que foi
convidada a trabalhar na comunicação do governo estadual, em janeiro,
mas considera-se uma militante em atividade pela democratização da
informação, privilegiando o recorte feminista. “Existem grupos de
discussão de blogueiras que fazem o trabalho de questionar a imagem da
mulher na mídia, a violência contra a mulher e tantos outros desafios
importantes. Ferramentas como a internet ajudam a manifestar nosso
pensamento”, resume. Está ali, pronto para ser frequentado a qualquer
momento, esse cada vez mais explorado campo de batalha.
Feminina, feminista
A jornalista Ruth Alexandre também anseia pôr a boca
no mundo. Acorda às 6, leva o filho para a escola, volta e gruda no
computador para abastecer seu blog Fala Povo. Produz material próprio e
links para o que considera importante. “Eu já estava cansada daquele
jornalismo plastificado.” Ruth conta que sempre se colocou em patamar de
igualdade, tanto no meio jornalístico como com autoridades do sexo
masculino. “Eu não abaixo a cabeça para ninguém. Todo mundo sabe que
pode vir quente, porque se precisar aqui o berimbau toca mesmo”, brinca.
Ela educa seus dois meninos para, quando estiverem
convivendo com uma mulher, tratá-la em pé de igualdade. “ ‘Não esqueçam
que sua mãe é mulher, sua avó é mulher e você vai ter filhas’. Digo isso
para que eles tenham absoluta certeza de que merecemos o maior
respeito”, ensina. “Feminina a gente já nasce um pouco e, ao resto,
somos moldadas”, afirma, referindo-se ao que chama de processo de
“adestramento” a que a indústria cultural, do consumo e das relações
sociais ainda submetem as mulheres.
Na época em que a questão do aborto ocupou o centro
das atenções na campanha eleitoral, Ruth escreveu um post sobre uma
experiência própria. “Tive um aborto espontâneo e fui para o hospital,
quase ao passo de morrer. Lá, uma mulher me interrogou como se eu fosse
criminosa e como se tivesse feito aquilo de propósito”, lembra,
observando como a cultura machista enraizada não se expressa somente
pelos homens. “Para tentar desestruturar a candidatura de uma mulher à
Presidência, tentaram de tudo”, indigna-se. “O aborto é uma questão
feminina e feminista e, incontestavelmente, tem de ser decidida por nós
mulheres.”
E que venha o debate. Manter blog é estar pronto para
conviver com admiradores e detratores. E conviver com os contrários é
um exercício que agrada Conceição Oliveira. “Procuro argumentar e
questionar essas pessoas do porquê de determinado pensamento, debater e
sugerir a elas algum tipo de reflexão.”
Não é preciso busca minuciosa para chegar a dezenas,
centenas, milhares de páginas na internet sobre moda, comportamento,
beleza, algumas utilidades e outras tantas futilidades. Mas aos poucos,
sobretudo na blogosfera, surgem as mulheres que querem aproveitar o
tempo e o espaço para fugir dos estereótipos que acentuam uma
desigualdade a ser superada. “Tenho uma filha que joga futebol melhor
que muito homem. Mulher não precisa falar só sobre um assunto. Pode
explorar outras coisas de acordo com o humor que estiver no dia”, afirma
Conceição Oliveira.
Batalha contra o tempo
Para Andrea Dip, a vida de blogueira-comunicadora tem
de se encaixar em outra realidade não menos importante, a de ser mãe.
Desde a época da faculdade, ela escrevia muito sobre direitos humanos,
direito da mulher, da igualdade, da liberdade e principalmente sobre os
costumes da sociedade. Foi quando a vida antecipou-lhe uma nova vocação:
a gravidez ainda no último ano de Jornalismo, e o desafio de
conciliar os ofícios de “recém-mãe” e recém-formada.
“Quando a gente engravida, a sociedade vem com aquela história da mulher
em estado de graça, de perfeição, mas eu vivi aquilo e sabia que não
era bem assim. Não é fácil administrar carreira, filho e casa. Tudo isso
é adaptação, e não uma condição”, afirma.
Com o filho crescendo e a rotina se intensificando,
um amigo sugeriu que ela dividisse os sabores e dissabores de seu dia a
dia com outras pessoas. Foi aí que surgiram as histórias inusitadas de
Mães em Surto, uma coluna criada dentro do blog Nota de Rodapé.
As crônicas de Andrea seguem à risca as desventuras
que as mães vivem e também passeiam por temas sugeridos por amigas que
passam pela mesma empreitada. Com o trabalho fixo num grande portal, os
“frilas” para completar o orçamento, o cuidar da casa e da “agenda” em
torno do filhote, é difícil manter a regularidade dos posts. Mas pelo
menos a página está lá, sempre pronta para o momento em que a
inspiração, disposição e disponibilidade se encontrem no mesmo lapso de
tempo.
Além do gênero
A jornalista Conceição Lemes, de tão assídua frequentadora e
comentarista do blog Vi o Mundo, passou a sugerir e produzir pautas. A
primeira foi sobre o Cansei – movimento hostil ao governo Lula que
surgiu em 2007 – ter incluído indevidamente o Conselho Regional de
Medicina de São Paulo entre seus integrantes. Outra abordava a campanha
alarmista de grandes jornais para que a população se vacinasse em massa
contra a febre amarela. E assim sua participação foi crescendo, até que
recebeu o convite formal de Luiz Carlos Azenha para que mantivesse sua
coluna sobre saúde.
Repórter especializada na área há 29 anos, com oito livros publicados
e mais de 20 prêmios, Conceição encontrou no blog um espaço de
liberdade. “O Vi o Mundo me possibilita fazer esse jornalismo de
verdade, sério, o jornalismo em que acredito. Em outros veículos, as
reportagens que faço não sairiam. Essa é a minha forma de estar na vida.
Prefiro vender cachorro-quente a fazer um jornalismo em que não
acredite”, afirma. Sua fonte de renda são projetos especiais ligados à
saúde, livros, séries de reportagens etc. “O blog eu faço por prazer.”
O rigor é o principal ingrediente de suas
reportagens. “Não faço jornalismo opinativo, artigo. Entrevisto
especialistas, gosto de escarafunchar. Com todo esse tempo fazendo
saúde, fui trilhando fontes éticas e competentes, às quais recorro
sempre. Leio, checo, ‘tricheco’, vou atrás. Em saúde você não pode
errar. É muito sério.” Além de atuar nessa área, no último ano Conceição
ampliou sua atuação no Vi o Mundo, com reportagens investigativas.
Casada e sem filhos, ela dedica boa parte do seu dia à
blogosfera, conversa com fontes, confere informações, insiste por
entrevistas. “Minha vida é normal, ando, leio, vou ao cinema, cuido dos
gatos. Antes eu tinha cachorros... Adoro bichos.” Seu sonho de
jornalista full time nada mais é que “continuar exercendo a profissão de
forma responsável”.
A blogosfera também é espaço para furar o cerco do
clube do Bolinha. Futebol, por exemplo, é assunto de menina, sim,
senhora. A jornalista Thalita Pires, que não tem como objetivo de
carreira escrever sobre o esporte, leva essa paixão para o blog Futepoca
– Futebol, Política e Cachaça, que já ganhou prêmio em 2007. Thalita
trabalhou nas revistas Fórum e Época e no Jornal da Tarde, decidiu ir
para Londres em 2008 com o marido para estudar e voltou de lá em 2010
com um mestrado em Planejamento Urbano. “Tema mais distante ainda do
futebol”, pontua, mas no qual pretende se estabelecer profissionalmente.
São-paulina, com uma “quedinha pela Portuguesa”, ela não se queixa de
já ter recebido comentários preconceituosos por seus textos no Futepoca.
“Sempre que há discordância de opinião os leitores tratam de
argumentar, não de falar que eu deveria estar na cozinha.”
E, se há alguma ousadia no fato de meninas circularem
com desenvoltura em ambientes tipicamente masculinos, a gaúcha Luísa
Helena Stern vai ainda mais longe: nascida menino, ela decidiu corrigir
esse capricho da natureza assumindo de corpo e alma o seu universo: “Sou
uma mulher múltipla”, define-se. Transexual, Luísa é funcionária
pública e divide seu tempo entre diversas tarefas, incluindo manter o
blog Cultura Crossdresser, para defender o direito LGBT – de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Seu engajamento
virtual tem o objetivo de disseminar uma reflexão da condição do
homossexual e de tratar o tema com naturalidade, com discurso
igualitário. “Já sofri muito preconceito, inclusive das redes sociais.”
Antes de tomar a decisão e se tornar transexual, a
blogueira era crossdresser – pessoa de um sexo que se veste e age como
se fosse do sexo oposto. “Vivi muito tempo nessa condição. Os
crossdressers são pessoas escondidas do mundo real. No meu caso,
recorria ao virtual para participar de grupos e clubes sobre
crossdresser”, conta. “Meu blog foi criado por isso.” Depois que Luísa
assumiu sua identidade feminina, outros assuntos vieram à tona, como o
combate à homofobia, o ativismo para o direito dos transgêneros e o
combate a toda forma de discriminação.
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